Um ano de crimes de guerra na Palestina
Nos últimos meses,
Israel massacrou os palestinos em Gaza várias vezes, resultando na morte de
mais de 35 mil palestinos, cerca de 70% dos quais são mulheres e crianças. Além
disso, dezenas de milhares ficaram feridos. Esses números provavelmente são
subestimados, considerando a destruição deliberada do sistema de saúde de Gaza
por Israel, que é a única fonte independente desses números (que também são
usados por Israel, incluindo seu primeiro-ministro e os militares).
Israel tem tentado
causar a morte da população civil de Gaza. Isso foi feito por meio da
destruição de instituições que sustentam a vida – como hospitais ou agências de
ajuda – e também pelo estrangulamento da Faixa de Gaza em suas necessidades
primordiais como alimentos, água e medicamentos. Como resultado, as pessoas em
Gaza (principalmente crianças) já começaram a morrer de fome e desidratação.
Devido à falta de
medicamentos, procedimentos médicos difíceis, como amputações e cesarianas, são
realizados sem anestesia. Israel foi além na tentativa de destruir a estrutura
da sociedade palestina, atacando deliberadamente instituições culturais, como
universidades, bibliotecas, arquivos, edifícios religiosos e locais históricos.
·
Desumanização
Odiscurso israelense
desumanizou os palestinos a tal ponto que a grande maioria dos judeus
israelenses apoia as medidas mencionadas acima. Inúmeros vídeos da Faixa de
Gaza enviados por soldados do Exército israelense atestam o abuso generalizado
dos palestinos (incluindo violência cruel e desumanização), saques onipresentes
e normalizados e destruição desenfreada de todos os tipos de propriedade com
poucas consequências. Esse conteúdo é confirmado por depoimentos palestinos que
retratam a experiência palestina de morte, destruição e abuso durante a
detenção pelo aparato de segurança israelense.
Todas as evidências
que vi sugerem que um dos objetivos de Israel tem sido a limpeza étnica da
Faixa de Gaza, seja parcial ou total. Membros importantes do governo de Israel
fizeram declarações confirmando essa intenção em diferentes momentos da guerra.
Vários ministérios do
governo de Israel planejaram ou trabalharam para facilitar esse fim. Israel vem
limpando partes significativas da Faixa de Gaza por meio de demolições e
escavações, ao mesmo tempo em que constrói a infraestrutura militar israelense e
tenta encurralar os palestinos em áreas limitadas da já populosa Faixa de Gaza.
A atenção global para
Gaza desviou a atenção da Cisjordânia. Lá, as operações de Israel por meio de seus militares ou colonos desde o início da guerra resultaram na morte de centenas
de palestinos, na limpeza étnica de pelo menos quinze comunidades locais e um
aumento acentuado dos níveis de violência e abuso por parte do Estado
israelense e dos colonos judeus.
Tudo isso foi possível
graças ao forte apoio da maioria dos principais meios de comunicação em Israel
e no Ocidente, principalmente nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Alemanha.
A campanha pró-guerra – apoiada tanto pelo Estado quanto pela grande mídia
nesses locais – legitimou a violência e as ações israelenses, desviou a atenção
de muitos acontecimentos em Gaza e contribuiu para a desumanização dos
palestinos.
Além disso,
Israel não permitiu a entrada de repórteres independentes na Faixa de
Gaza durante os últimos dez meses de
guerra, amplificando sua própria voz e limitando a capacidade do mundo de
entender a experiência da guerra na faixa.
·
Reféns israelenses
Em 7 de outubro de
2023, militantes do Hamas atacaram Israel, matando cerca de 1.200 pessoas, a
maioria civis, e levando cerca de 250 pessoas como reféns para Gaza. Essas
atrocidades são crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Os terríveis
eventos de 7 de outubro – que fazem parte de um contexto histórico que remete
ao conflito de um século entre Israel e os palestinos – deram início à guerra
atual.
Um dos objetivos da
guerra, de acordo com o governo israelense, é libertar os reféns – mais de 130
dos quais permanecem cativos do Hamas. Aqui, também, as evidências sugerem que
uma operação militar não é para libertá-los. Até o momento, Israel libertou apenas
três reféns por meio de operações militares, enquanto matou muitos outros
direta ou indiretamente por meio de suas ações. Atualmente, a sociedade
israelense está dividida em relação à questão dos reféns, o que é, pelo menos
parcialmente, o resultado das ações do governo israelense.
“Um relatório
israelense constatou que pelo menos dez reféns foram mortos pelas ações da IDF,
incluindo um caso em que a IDF bombardeou um prédio que suspeitava ter um refém
israelense.”
A operação militar que
libertou dois dos três reféns até o momento também matou dezenas de habitantes de Gaza, em sua maioria civis. Três outros reféns israelenses foram mortos pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) em Gaza, apesar de agitarem bandeiras brancas e
pedirem ajuda. Outro foi morto durante uma tentativa de operação de resgate.
Três outros foram supostamente mortos pelo gás com o qual as IDF inundaram os túneis.
No final de fevereiro,
um relatório israelense
constatou que pelo menos dez reféns foram mortos pelas ações da IDF, incluindo
um caso em que a IDF bombardeou um prédio que suspeitava ter um refém
israelense. No final de março, um jornalista experiente especializado em
inteligência militar compartilhou uma estimativa de que apenas 60 a 70 dos
reféns ainda estão vivos.
Por outro lado, um
cessar-fogo temporário resultou na libertação de 105 reféns. Em vez de negociar a libertação de mais reféns, o governo
israelense prefere continuar sua operação militar, apesar do risco óbvio para
os reféns. Os reféns libertados na troca anterior declararam repetidamente
que os bombardeios israelenses estavam entre as coisas mais aterrorizantes que
vivenciaram durante o cativeiro.
Em meados de março, o
chefe de gabinete da unidade da IDF responsável pelos reféns pediu
demissão por achar que a liderança política de
Israel não estava interessada em chegar a um acordo. Sentimentos semelhantes
foram expressos dentro do aparato de segurança de Israel. Vários membros do
governo desprezaram os parentes dos reféns. No final de março, alguns dos
familiares dos reféns culparam publicamente o primeiro-ministro de Israel por adiar continuamente um acordo para libertá-los. Em
meados de abril, dois membros da equipe de negociações de Israel, pelo menos um
dos quais esteve envolvido por seis meses, disseram explicitamente que o
governo e especialmente o primeiro-ministro de Israel estão tentando adiar e
até mesmo impedir um acordo para libertar os reféns. Fontes estrangeiras
afirmaram coisas semelhantes.
·
Uma guerra contra civis
Apesar das atrocidades
do Hamas mencionadas anteriormente, acredito que a resposta de Israel aos
eventos de 7 de outubro nos últimos meses continua sendo totalmente
desproporcional, imoral e criminosa. Minha posição sobre essas questões
representa uma pequena minoria na sociedade israelense. Em pesquisas sobre esse
assunto, apenas 1,8% (outubro), 7% (dezembro) e 3,2% (janeiro) dos israelenses
judeus acreditavam que as IDF estavam usando poder de fogo excessivo em Gaza.
A carne mais barata do
mercado é a palestina. Em um caso, um carro com seis civis foi atacado, matando
quatro. Uma garota de 15 anos ligou para a Cruz Vermelha Palestina do carro,
mas foi morta durante a conversa. Sua prima, Hind Rajab, de seis anos, ligou
novamente e permaneceu na linha, aterrorizada e cercada por seus familiares
mortos, por três horas.
A Cruz Vermelha
Palestina enviou dois paramédicos para resgatá-la, informando a IDF sobre sua
movimentação. Todas as conexões com Hind e os paramédicos foram perdidas. Doze
dias depois, o cadáver em decomposição de Hind foi encontrado no carro, enquanto
os paramédicos foram mortos nas proximidades quando um tanque da IDF atirou em
sua ambulância.
Em outra ocasião, as
tropas das IDF entraram na casa de uma família e mataram os dois pais na frente
de seus filhos (de 11, 9 e 5 anos; o mais novo, com paralisia cerebral, perdeu
o olho por causa de uma granada lançada pelos soldados). Além disso, as IDF
enviaram um prisioneiro algemado para entregar uma mensagem de evacuação de um
hospital em Khan Younis e, em seguida, atiraram nele quando tentava sair pelo
portão. Em seguida, as IDF bombardearam o hospital. Vários médicos que
retornaram de Gaza disseram ao The Guardian que os atiradores de elite das IDF atiraram em crianças,
causando “ferimentos de bala na cabeça ou no peito” que mataram algumas delas.
Um cidadão de Gaza
detido teve suas mãos amarradas antes de ser atropelado por um tanque
israelense, possivelmente enquanto ainda estava vivo.
Uma imagem de seu cadáver mutilado foi compartilhada em um popular canal de
mensagem israelense com uma postagem dizendo: “Vocês vão adorar isso!!!” Uma
organização de direitos humanos documentou outras ocasiões em que soldados israelenses atropelaram
deliberadamente dezenas de civis palestinos enquanto eles estavam vivos.
Em outro caso, um soldado da IDF atirou e matou um homem palestino com deficiência na frente de sua mãe em um hospital de Gaza, depois que o
homem gritou de medo e não se calou como o soldado ordenou. Outro soldado matou um palestino desarmado de 73 anos que fez sinal para que ele não atirasse. Em resposta, o
comandante do soldado disse: “Ele fez sinal de ‘não, não [com as mãos]’ e você
o matou? Excelente.” Há muitas histórias semelhantes de soldados
da IDF que mataram civis propositalmente.
·
O Massacre da Farinha
Em um acontecimento
que se tornou famoso, o “massacre da farinha”, pelo
menos 118 civis foram mortos e mais de 700 ficaram feridos quando tentavam
pegar comida de um comboio de caminhões que traziam ajuda humanitária.
Os palestinos
insistiram que a IDF atirou neles, enquanto a IDF alegou que a maioria das
vítimas morreu devido à superlotação e ao caos geral onde os caminhões
atropelaram os civis. Em ambos os casos, a IDF seria responsável pela morte de
civis. A mídia internacional confirmou a
versão palestina da história, em parte porque a IDF não forneceu evidências
para apoiar suas alegações (um vídeo da IDF que supostamente mostrava o
acontecimento foi claramente editado várias vezes, e a IDF se recusou a
divulgar o vídeo completo) e em parte por causa dos depoimentos de moradores de
Gaza que vivenciaram o massacre. Especialistas da ONU e organizações de
direitos humanos também concordam plenamente. Uma investigação recente da CNN encontrou inconsistências na versão das IDF e lançou mais
dúvidas sobre ela, sugerindo que os disparos das IDF contra os palestinos
precederam o caos geral.
De acordo com o
diretor do hospital de Al-Awda, a grande maioria das pessoas que vieram para
receber tratamento para ferimentos após o acontecimento (142 de 176) sofreu
ferimentos de bala. Especialistas da ONU, bem como
fontes on-line e vídeos, sugerem que os palestinos que buscavam alimentos foram
baleados em muitas ocasiões nos dias anteriores e posteriores ao “massacre da
farinha”.
O ministro da
segurança nacional de Israel elogiou os soldados da
IDF por sua conduta durante esse evento. A lei internacional estipula que
Israel é obrigado a fornecer alimentos e água nas áreas em que é uma potência
ocupante. Nesse contexto, Israel e os Estados Unidos foram os únicos dois
países que votaram contra a declaração de que a alimentação é um direito humano
nas Nações Unidas em 2021.
O alto comissário da ONU para direitos humanos reiterou que não há espaço seguro em Gaza. Há várias valas comuns onde cadáveres de palestinos foram
depositados, com outros cadáveres decompostos nas ruas. Os relatórios
documentaram dezenas de exemplos de execuções em campo realizadas pelo exército
israelense.
Em um desses
acontecimentos, em 19 de dezembro, as tropas da IDF teriam executado pelo menos 19 homens palestinos desarmados na frente
de seus familiares. Em outro, mais de 30 cadáveres de
palestinos foram encontrados em sacos plásticos pretos, com os olhos vendados e
algemados.
Poucos desses casos
foram sequer cobertos pela mídia israelense. Em uma pesquisa de janeiro, 2/3 dos israelenses preferiam
continuar a guerra em sua forma atual de bombardeio
excessivo e violento. Em uma pesquisa de fevereiro, cerca de 3/4 dos judeus
israelenses apoiaram a continuação da operação militar em Rafah.
·
Cerco de fome
Desde o início da
guerra, Israel tem mantido a população palestina de Gaza sob controle. As
quantidades de alimentos, combustível, medicamentos e água disponíveis são
extremamente limitadas. A ausência de suprimentos em Gaza – um cerco – tem sido
a política declarada das
principais autoridades israelenses desde o início da guerra. Até o início de
abril, apenas cerca de 20 a 30% dos 500 caminhões necessários para abastecer
Gaza por causas humanitárias tinham permissão para entrar diariamente e enfrentam vários problemas ao
tentar fazer isso, inclusive ataques das IDF.
Desde o início da
guerra, Gaza vem sofrendo um apagão total de eletricidade.
Um estudo revelou que, em janeiro, a luz noturna em Gaza foi reduzida em 84%.
Depoimentos da faixa revelam que os livros da biblioteca da universidade foram
queimados como lenha para fogueiras. Em abril, o preço de um litro de gasolina
chegou a 150 shekels (cerca de US$ 40).
Na parte norte da
Faixa de Gaza, no início de fevereiro, o preço de um saco de farinha, que era
de 30 shekels (cerca de US$ 8) antes da guerra, chegou a 500 a 1.000 shekels
(cerca de US$ 125-250), 15 a 30 vezes mais caro. No final de fevereiro, o preço
de um prato com um pouco de carne crua e arroz chegou a US$ 95, de acordo com a
mídia social, enquanto um enfermeiro do Hospital Al-Shifa afirmou que não comia
pão há dois meses, durante os quais consumiam ração animal. Em abril, o preço
de 1Kg de açúcar chegou a 70 shekels (US$ 19).
Ao mesmo tempo, o
principal especialista da ONU em direito à alimentação descreveu as
circunstâncias como “uma situação de genocídio”, enquanto o Programa Mundial de
Alimentos declarou que “as pessoas já estão morrendo por causas relacionadas à
fome”. No início de abril, 32 pessoas (das quais 28 eram crianças) em Gaza
haviam morrido de desnutrição ou desidratação. Nesse contexto, o alto
representante da UE para assuntos estrangeiros e política de segurança declarou
perante o Conselho de Segurança da ONU que “a fome está sendo usada [por
Israel] como arma de guerra”.
Como resultado, a
grande maioria da população de Gaza está correndo o risco de passar fome.
Praticamente todas as famílias estão pulando refeições todos os dias, com 50 a 80% das famílias passando dias e noites inteiros sem
comer. Cerca de 90% dos civis em Gaza apresentam “altos níveis de insegurança
alimentar aguda”. No final de janeiro, o diretor-geral da Organização Mundial
da Saúde observou a escassez de
alimentos que faz com que as equipes médicas e os pacientes recebam apenas uma
refeição por dia.
Cerca de 265.000
pessoas estão enfrentando níveis de crise de insegurança alimentar, e 854.000
pessoas estão enfrentando níveis emergenciais de insegurança alimentar. A outra
metade da população de Gaza (1,1 milhão) sofre com níveis catastróficos de insegurança alimentar. O economista-chefe do Programa Mundial de Alimentos enfatizou
que “em minha vida, nunca vi nada parecido com isso em termos de gravidade,
escala e velocidade”.
Um importante
estudioso da fome e diretor executivo da World Peace Foundation declarou que nunca tinha visto o crime de guerra da fome ser cometido em tal escala nos quarenta anos de sua
carreira: “O rigor, a escala e a velocidade da destruição das estruturas
necessárias para a sobrevivência e a imposição do cerco superam qualquer outro
caso de fome provocada pelo homem nos últimos 75 anos.” Uma organização de
ajuda declarou na CNN que
Gaza estava sofrendo o mais rápido declínio no estado nutricional já registrado
em uma população humana.
A cobertura da mídia
mostra pessoas comendo grama e bebendo água contaminada ou água do mar. Um
grupo de organizações de ajuda humanitária que inclui o UNICEF declarou no final de
fevereiro que mais de 90% das crianças com menos de 5 anos de idade em Gaza
estavam enfrentando “grave pobreza alimentar”. Uma porcentagem semelhante de
crianças estava sofrendo de doenças infecciosas, sendo que 70% delas tiveram
diarreia durante duas semanas em fevereiro. Imagens e vídeos da faixa parecem
confirmar essas descobertas.
·
“Condições apocalípticas”
Apesar dessa situação,
os oficiais da IDF exigiram uma redução ainda maior da ajuda humanitária a
Gaza. Cerca de 60% dos judeus israelenses se opõem à ajuda humanitária a Gaza, um número estável ao longo do tempo. Militantes
sionistas bloquearam completamente a
entrada de ajuda à Gaza em várias ocasiões nos últimos meses. Soldados do
IDF gravaram a si mesmos destruindo e queimando armazéns de
alimentos em Gaza.
Novembro passado, a
média de abastecimento de água por pessoa em Gaza era de 1,5 a 1,8 litros
diários, quando o volume médio mínimo de água para beber e para higiene
doméstica deveria ser de 15 litros. Esse número diminuiu para menos de um
litro, em média, em fevereiro.
A falta de suprimentos
médicos resultou na realização de operações médicas, inclusive cesarianas e
amputações, sem anestesia ou estoque de sangue. Um vídeo mostra um médico de Gaza que teve de
amputar o pé de sua filha na mesa de jantar de sua casa sem anestesia.
Um estudante de
medicina do Hospital al-Shifa conta como teve de reconstruir o rosto de
um menino que foi ferido em um bombardeio israelense durante três horas, no
escuro e sem anestesia. Há muitas histórias semelhantes. Como resultado da
falta de suprimentos, as mulheres que enfrentam sangramento pós-parto ao dar à
luz foram submetidas a histerectomias por falta de medicamentos e suprimento de
sangue, impedindo-as de dar à luz no futuro.
De acordo com o
diretor regional da Oxfam no Oriente Médio:
Estamos agora no
estágio abominável de bebês morrendo por causa de diarreia e hipotermia. É
chocante que os recém-nascidos estejam vindo ao mundo e, devido às condições
apocalípticas, tenham pouca chance de sobreviver.
Em alguns casos, as
mães tiveram que dar à luz em salas de aula cheias com outras setenta pessoas,
o que o diretor descreveu como “desumano”. Os abortos espontâneos em Gaza aumentaram em 300% em
comparação com a situação anterior à guerra.
O sistema de saúde de
Gaza entrou em colapso, com apenas um terço dos hospitais de Gaza e 25% de seus
centros de saúde primários ainda parcialmente operacionais. Até o momento, há
pelo menos centenas de milhares de casos registrados de doenças em Gaza. Ainda
em dezembro, foram registrados mais de 100 mil casos de diarreia, metade dos
quais em crianças de 5 anos ou menos (25 vezes a frequência anterior à guerra).
Em média, há um chuveiro em Gaza para cada 4.500 pessoas e um banheiro para
cada 220. Importantes vozes públicas em Israel –
como Giora Eiland, ex-general e chefe do Conselho de Segurança Nacional de
Israel e conselheiro oficial do ministro da Defesa de Israel em tempos de
guerra – disseram ser a favor de permitir que as doenças dizimassem a
população civil em Gaza.
Israel tem
desmantelado sistematicamente o sistema de saúde em Gaza. No final de
fevereiro, o diretor da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) declarou que
“não há mais nenhum sistema de saúde em Gaza”. Israel justificou grande parte
desse fato afirmando que as instalações médicas foram usadas para fins
militares, mas o diretor da MSF também declarou que sua organização “não viu
nenhuma evidência disso, verificada de forma independente”.
O diretor de saúde
pública global da Universidade de Edimburgo declarou em dezembro que:
O mundo enfrenta a
perspectiva de que quase 25% dos 2 milhões de habitantes de Gaza – cerca de 500
mil seres humanos – morram em um ano. Essas mortes seriam em grande parte
decorrentes de causas de saúde evitáveis e do colapso do sistema médico.
Outros
acadêmicos chegaram a conclusões semelhantes e mais detalhadas.
·
Limpeza étnica
Alimpeza étnica é
discutida abertamente no discurso israelense, inclusive por ministros do
governo no poder. Isso inclui os ministros da Fazenda e da
Segurança Nacional, o ex-ministro da Informação e um ex-ministro da Justiça. Os
deputados israelenses também participaram da discussão. Uma
proposta do governo israelense para repovoar os territórios de Gaza na
Península do Sinai (parte do Egito) foi vazado.
Israel também tentou
fazer com que os Estados Unidos pressionassem o Egito a
aceitar refugiados de Gaza e tentou convencer vários outros países, inclusive o
Congo, a aceitar refugiados palestinos. Outros locais que os membros do governo
de Israel sugeriram como possíveis
locais de reassentamento incluem a Arábia Saudita, a Jordânia, o Chile e os
estados membros da União Europeia.
De acordo com relatos
da mídia israelense, Chade e Ruanda manifestaram interesse em aceitar dezenas de milhares de palestinos em
troca de generoso apoio financeiro, incluindo apoio militar. Em meados de
fevereiro, uma organização local de direitos humanos revelou que o Egito
estava construindo uma área de segurança máxima para receber refugiados palestinos.
A ausência de
objetivos claros ou de um fim claro para a guerra permitiu que muitos
israelenses apoiassem o reassentamento de Gaza com assentamentos judaicos
após a guerra. Mais de 30 organizações de direita apoiaram esse objetivo em
uma conferência no final de janeiro. Um total de 11 ministros e 15 deputados
(de um total de 120) participaram da conferência. Vários soldados da IDF
declararam sua vontade de reassentar Gaza enquanto estavam uniformizados e
dentro de Gaza. Pesquisas realizadas em fevereiro e março revelam que cerca de 20%
dos judeus israelenses acreditam que Israel deve reassentar Gaza.
As aspirações de
reassentar a Faixa de Gaza são comuns no discurso. Um vídeo no final de fevereiro mostra um
trator civil israelense trabalhando em campos dentro da Faixa de Gaza como uma
“foto de vitória”. No início de março, militantes sionistas conseguiram entrar brevemente na Faixa de Gaza em uma tentativa de
construir um assentamento lá. No início da guerra, os soldados da IDF
construíram “a primeira sinagoga em Khan Younis” e outra sinagoga no
local, além de inaugurar um pergaminho da Torá em três ocasiões (Sheikh Radwan
na Cidade de Gaza, a Universidade Islâmica em Gaza e Khan Younis).
Um soldado filmou a si mesmo pintando
com spray o Templo de Jerusalém nas ruínas de uma mesquita destruída em Gaza.
No início da guerra, a Donna Italia (uma rede internacional de pizzarias)
parece ter aberto uma pizzaria na
casa de uma família desalojada em Khan Younis para apoiar as tropas da IDF. Uma
“pizzaria” militar da IDF supostamente funcionou em Khan Younis, e os
soldados colocaram uma placa de um restaurante de fast-food que poderia abrir em breve em Gaza. Outros soldados seguraram uma placa
comercial de uma empresa de construção dos EUA de Nova Jersey (e uma bandeira
dos Estados Unidos) com os prédios destruídos de Gaza ao fundo.
·
Destruição sistemática
Todas as evidências
que vi indicam que Israel está destruindo sistematicamente Gaza para torná-la
inabitável para palestinos no futuro. Diz-se que Israel lançou mais de 500
bombas de 2.000 kg na área urbana densamente povoada, apesar do enorme dano colateral que
essas bombas causam (causando morte ou ferimentos em um raio de até 365 metros
ao redor do alvo). Essas bombas são quatro vezes mais pesadas do que os maiores dispositivos usados pelos Estados Unidos
no combate ao ISIS em Mosul.
Mais de 60% das
moradias de Gaza foram destruídas ou danificadas. Em meados de janeiro, os
especialistas estimaram, com base em imagens de satélite, que entre 142.900 e
176.900 edifícios haviam sido danificados. No início de março, 54,8% dos
edifícios na Faixa de Gaza estavam provavelmente danificados ou destruídos. Um
relatório do Banco Mundial e da ONU constatou que o custo dos
danos aos edifícios na Faixa chegou a US$ 18,5 bilhões.
No final de março, a
atividade militar israelense resultou na destruição
completa de 1/4 a 1/3 das estufas, na danificação de 40 a 48% das plantações de
árvores em Gaza, na perda ou dano de 48% da cobertura de árvores e na
destruição de 38% das terras agrícolas. Como resultado da destruição em massa,
89% dos trabalhadores de Gaza perderam seus empregos até
dezembro.
Israel destruiu não apenas
edifícios cuja conexão com os militantes do Hamas é fraca, mas também uma longa
lista de instituições culturais, locais históricos e arqueológicos, dezenas de
edifícios governamentais (incluindo o parlamento e o principal tribunal), edifícios
religiosos (mais de 223 mesquitas e três igrejas), universidades (a maioria ou
todas as universidades de Gaza foram destruídas, de acordo com o Euro-Med Human
Rights Monitor), hospitais, bibliotecas públicas e arquivos.
No início de dezembro,
os ataques israelenses já haviam destruído ou danificado
mais de 100 patrimônios históricos, incluindo edifícios dos períodos medieval,
bizantino e romano de Gaza. Soldados foram filmados dentro
de um armazém cheio de antiguidades e parece que houve uma postagem do diretor
da Autoridade de Antiguidades de Israel que afirmava que algumas dessas
antiguidades foram levadas para Israel e apresentadas no Knesset (a postagem
foi excluída posteriormente). Mais de 60% de todos os prédios escolares
sofreram danos.
Um soldado da IDF
alega que sua unidade recebeu ordens para destruir o vilarejo de Khuzaʽa e fez o upload de um vídeo mostrando que eles cumpriram a missão em duas semanas. Pelo menos 16 cemitérios foram profanados
pela IDF, muitas vezes por meio de escavações. Um vídeo mostra os resultados dessa operação,
com cadáveres espalhados pela paisagem. Outro vídeo mostra o incêndio do bairro de
Shujjaiya em uma operação militar.
A IDF também destruiu
grandes áreas na Faixa de Gaza. A quantidade de detritos criada pela destruição
de áreas residenciais (cerca de 26 milhões de toneladas métricas) levará muitos
anos para ser removida, de acordo com as estimativas. No final de março, um
porta-voz da UNICEF descreveu a “aniquilação
total” em Khan Younis, afirmando que “a
profundidade do horror ultrapassa nossa capacidade de descrevê-lo”.
Após dois meses de combate, Israel já havia causado mais destruição em Gaza do que a Síria em Aleppo (2012-16), a Rússia em Mariupol
em 2022, ou (proporcionalmente) o bombardeio da Alemanha na Segunda Guerra
Mundial, bem como as lutas contra o ISIS em Mosul (2016-17) e Raqqa (2017). A
destruição em Gaza resultou no deslocamento de cerca de 75% de sua população.
Como espero ter
demonstrado por meio das evidências acima, a situação em Gaza é uma catástrofe
horrível que continua a se desenrolar diariamente diante de nossos olhos. O
mínimo que posso fazer é reunir as evidências e me manifestar agora.
Fonte: Por Lee
Mordechai, com tradução de Gercyane Oliveira, para Jacobin Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário