sábado, 24 de agosto de 2024

'Trump não é um homem sério, mas é uma séria ameaça': os principais pontos do discurso de Kamala Harris

Kamala Harris aceitou formalmente a nomeação do partido Democrata para concorrer à presidência dos EUA, na noite de quinta-feira (22/8), fazendo um discurso que tocou nas mensagens chave que sua campanha queria — mas teve apenas raros momentos de retórica instigante e quase não desbravou novas frentes.

A inovação estava na natureza da própria indicada — a primeira mulher negra a ser nomeada candidata à presidência por um partido grande.

"Nunca deixe ninguém dizer quem você é", declarou Kamala. "Mostre a eles quem você é."

Mas por cerca de 45 minutos na quinta-feira, ela tentou dizer aos americanos quem ela é — e o que ela vai fazer se ganhar a corrida à Casa Branca.

A seguir, estão quatro conclusões do seu discurso no encerramento da convenção democrata.

·        1. Kamala promoveu suas raízes de classe média

Muitos americanos sabem quem é Kamala, mas poucos sabem no que ela acredita ou detalhes de sua trajetória. Antes de tudo, seu discurso na convenção se propôs a mudar isso.

Ela contou a jornada de sua mãe como imigrante da Índia. Falou sobre como seus pais se conheceram — e como eles acabaram se divorciando. Recordou ainda como foi ser criada em um bairro popular de Oakland, na Califórnia.

"A classe média é de onde eu venho", ela disse.

"Minha mãe administrava um orçamento restrito. Vivíamos dentro das nossas possibilidades. E ela esperava que aproveitássemos ao máximo as oportunidades que estavam disponíveis para nós."

Kamala também contou por que escolheu se tornar advogada — e promotora. Ela traçou uma linha do tempo de seus primeiros dias no tribunal até os serviços públicos como política.

"Em toda a minha carreira, tive apenas um cliente", ela disse. "O povo."

·        2. Uma visão para o futuro — com poucos detalhes

O discurso de Kamala incluiu apelos por unidade e uma via além da "amargura, do cinismo e das batalhas divisivas" da política americana moderna.

Ela afirmou que os EUA haviam tido uma oportunidade "preciosa e fugaz" de "traçar uma nova rota". Mas esse mapa tinha poucos detalhes.

Apelos vagos por unidade e uma via além do partidarismo são retóricas que muitos candidatos presidenciais usaram no passado.

Quando Kamala se voltou para os pormenores da política, ela falou de forma abrangente.

Ela disse que vai se concentrar em reduzir os custos das "necessidades cotidianas" — incluindo assistência médica, moradia e alimentação. E se referiu especificamente ao direito ao aborto — enquadrando o procedimento como um meio de preservar a liberdade, que foi uma tema recorrente nesta convenção democrata.

"Os Estados Unidos não podem ser verdadeiramente prósperos a menos que os americanos sejam totalmente capazes de tomar suas próprias decisões sobre suas próprias vidas, especialmente sobre questões do coração e do lar", ela declarou.

Em seu discurso, Kamala se apresentou como uma moderada de centro-esquerda, mostrando pouca diferença entre as suas políticas e as do seu chefe, o homem que espera substituir, Joe Biden.

"Aonde quer que eu vá, em todas as pessoas que conheço, vejo uma nação pronta para seguir em frente", ela disse. "Pronta para o próximo passo, na incrível jornada que é os Estados Unidos."

Os detalhes exatos deste passo, no entanto, ainda precisam ser determinados.

·        3. Uma mensagem inalterada sobre a guerra em Gaza

Enquanto manifestantes em defesa da Palestina marchavam do lado de fora da convenção, Kamala dedicou atenção especial à guerra de Gaza no trecho de política externa do seu discurso.

Aqui, mais uma vez, houve pouca diferença entre a sua retórica e pontos de vista e os de Biden — e ela se vinculou ao presidente várias vezes.

"O presidente Biden e eu estamos trabalhando dia e noite", ela disse, "porque agora é a hora de fechar um acordo sobre os reféns e um cessar-fogo."

Ela também se comprometeu a garantir que Israel sempre tenha a capacidade de se defender, e registrou a brutalidade do ataque do Hamas em 7 de outubro.

Por um momento, pareceu que alguns dos presentes iriam zombar do que ela estava falando, mas Kamala rapidamente passou para a situação dos palestinos, dizendo que a dimensão do sofrimento deles era "de partir o coração".

No entanto, isso dificilmente vai ser suficiente para satisfazer os manifestantes do lado de fora, que podem voltar para suas casas — alguns moram em Estados que devem decidir a eleição, como Michigan — convencidos de que uma presidência de Kamala será uma continuação das políticas de Biden para a guerra em Gaza.

·        4. Trump é um 'homem pouco sério', mas uma séria ameaça

Há dois dias, Michelle e Barack Obama menosprezaram o ex-presidente Donald Trump pelo o que eles chamam de suas pequenas obsessões e personalidade mesquinha.

Kamala também atacou seu adversário republicano, mas usando críticas habituais feitas pelos democratas — incluindo Biden — nos últimos meses.

"De muitas maneiras, Donald Trump é um homem pouco sério", ela disse.

"Mas as consequências de colocar Donald Trump de volta na Casa Branca são extremamente sérias"

Ela mencionou o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA por partidários de Trump, e mencionou suas condenações criminais.

A candidata também atacou o que se tornou o saco de pancadas favorito dos democratas, o Projeto 2025, elaborado pela fundação conservadora Heritage Foundation, para uma presidência republicana. Apesar de o ex-presidente ter negado vínculo com o plano, Kamala observou que ele foi escrito por seus conselheiros e que buscava "fazer o nosso país voltar ao passado".

O contraste entre o futuro e o passado tem sido um tema central da campanha de Kamala até agora, assim como aconteceu em seu discurso de aceitação da nomeação.

É uma das maneiras pelas quais a vice-presidente tem conseguido se distinguir não apenas de seu atual adversário republicano, mas dos aspectos impopulares de seu chefe, Joe Biden, que há apenas algumas semanas era o virtual candidato democrata.

 

¨      Em discurso sóbrio, Kamala focou nos indecisos e apresentou-se como unificadora

Em apenas um mês, Kamala Harris conseguiu o impensável: transformou a narrativa da eleição e refez rapidamente a unidade de um partido que estava dividido e caminhando para um desastre nas urnas. Mais do que os delegados que lotaram o estádio do Chicago Bulls, ela focou nos eleitores indecisos e independentes que assistiam pela TV ao discurso de aceitação como candidata democrata à Presidência dos EUA.

A ascensão repentina da vice-presidente americana catapultou o adversário Donald Trump para a defensiva, reduzindo sua campanha a insultos e mentiras. Kamala se apresentou como unificadora, tal como fez Biden na mesma posição, quatro anos atrás, ao encerrar a convenção democrata.

Ela imprimiu um estilo próprio — o da sobriedade, repleto de referências patrióticas. Foi direta e concisa, diferentemente de Trump, que se perdeu em frases desconexas na convenção republicana em Milwaukee.

“Nessa eleição, a nossa nação tem uma oportunidade para avançar adiante da amargura, do cinismo, uma chance de mapear um novo caminho para o mundo. Muitas pessoas de visões diferentes nos assistem. Vou pôr o país acima da minha pessoa. Eu serei uma presidente que vai nos unir em torno das nossas maiores aspirações.”

Nas palavras da candidata, o claro recado ao adversário, a quem fez questão de nomear diversas vezes como ameaça ao país: ela prometeu ser uma presidente que lidera e escuta, que é realista, prática, tem bom senso e luta pelo povo americano. “Do tribunal à Casa Branca, esse tem sido o trabalho da minha vida”, assegurou.

Boa parte do discurso foi dedicada a expor suas diferenças em relação a Trump e ao perigo que um segundo mandato do ex-presidente representaria para os americanos. “Imagine Donald Trump sem barreiras de proteção”, ponderou, referindo-se à decisão da Suprema Corte que assegurou a imunidade aos processos criminais.

Aos críticos — especialmente Trump — que a retratam como uma candidata vazia e pouco inteligente, Kamala ofereceu uma amostra da bagagem adquirida nos últimos quatro anos como vice-presidente de Biden.

Em resposta aos manifestantes que protestaram contra a guerra em Gaza, nas imediações do estádio, ela mostrou estar alinhada ao presidente: fez uma defesa contundente ao direito de Israel se defender do terror e lamentou a escala de sofrimento no território palestino nos últimos dez meses, sem atribuí-la a Israel.

A candidata reforçou a liderança global dos EUA e advertiu que, ao contrário de Trump, não abandonará a Otan e os aliados do país e lembrou que ditadores como Kim Jong-un torcem pela vitória do republicano.

Foi um discurso enxuto no qual Kamala Harris exibiu as credenciais de promotora durona, no papel que ela escolheu para exercer em sua carreira — o de representante do povo.

 

¨      'Não evitou temas difíceis': veja a análise do discurso de Kamala Harris em convenção democrata

Kamala Harris, candidata à Presidência dos Estados Unidosdiscursou na Convenção do Partido Democrata, nesta quinta-feira (22). A democrata falou bastante sobre mulheres, alertou eleitores sobre um possível risco à democracia caso Donald Trump seja eleito e pregou união entre o povo americano.

O discurso de Kamala durou 40 minutos e foi transmitido pelo g1. Veja abaixo a análise da fala da candidata pelos comentaristas da GloboNews.

<><> Sandra Coutinho

Para a jornalista Sandra Coutinho, que estava na convenção em Chicago, Kamala conseguiu "navegar numa linha muito fina" ao falar para os eleitores que já conquistou — os democratas raízes — e também para os independentes, que ainda precisa atrair.

"Por isso falou tanto de união, de governar para todos os americanos sem nenhuma divisão. Falou tanto sobre lutar pelo povo, pela classe média, e ao mesmo tempo ela não evitou temas difíceis", avaliou.

Para Sandra, o que mais lhe chamou atenção foi o fato de Kamala abordar o conflito em Gaza, que "era um calcanhar de Aquiles" para o governo Biden.

"O apoio dele incondicional a Israel é visto por muitos jovens como a causa da morte de 40 mil civis palestinos. Então, ela não evitou esse tema, falou que os EUA vão continuar a reconhecer o direito de Israel se defender, mas também falou da necessidade de se acabar o mais rapidamente com esse conflito por causa do sofrimento do povo palestino", explicou.

Coutinho também afirmou que a candidata democrata conseguiu "dar um recado de união, de olhar para a frente, de dizer que não é um momento de voltar para trás". "Ao mesmo tempo ela quis mostrar que vai defender as leis e a ordem, que é algo que alguns eleitores se ressentem, que o partido talvez não seja tão comprometido com a força policial", indicou.

"Não é fácil se apresentar para um país tão polarizado como os EUA neste momento. Ela tinha essa missão hoje e ela conseguiu passar o recado dela. Isso não quer dizer que vai se traduzir nas urnas", afirmou a jornalista.

<><> Guga Chacra

O jornalista Guga Chacra afirmou que Kamala começou muito bem o discurso contando sobre a história da vida dela e da mãe, Shyamala Harris. "Depois ela partiu para ataques ao Trump, o que já é normal e que os democratas vêm fazendo há muitos anos", disse.

Chacra explicou que a candidata também fez o discurso do "estado da união", que é tradicional para presidentes dos EUA.

"Ela falou de muitos pontos da agenda dela, como o aborto, a imigração e se aprofundando bastante em questões de política externa, como a Guerra da Ucrânia, e acima de tudo a Guerra de Gaza, basicamente a política de Joe Biden, de defender Israel, de manter o apoio americano a Israel e de condenar fortemente o atentado terrorista cometido pelo Hamas", afirmou.

Para o jornalista, ela também demonstrou empatia e solidariedade com as vítimas palestinas da Guerra de Gaza, mas sem condenar Israel pelas ações militares. "A gente sabe que isso é um tema que divide o eleitorado democrata", disse.

<><> Carlos Frederico Coelho

O professor Carlos Frederico Coelho, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-RJ e pesquisador do Brics Policy Center, que participou da transmissão da GloboNews, avaliou que foi a "grande apresentação" de Kamala Harris para o público americano. "Por isso, talvez, a questão pessoal tão forte no início, e talvez a melhor parte do discurso dela", disse.

"O discurso sai de um nove, dez, e vai para um sete, oito, do meio para o fim. Gênero é um tema onde ela vai bem, porque puxa também o tema dos direitos reprodutivos da mulher", afirmou o professor.

Segundo ele, existia a necessidade de um equilíbrio para ela se apresentar para o primeiro mandato e não como um segundo mandato de Joe Biden, de quem é vice. "[O governo Biden] tem índice de aprovação muito baixo. Biden esteve no primeiro dia de convenção, falou e foi embora para que os democratas pudessem virar a página e apresentar essa nova posição de futuro", indicou.

 

¨      Campanha democrata se adaptou mais rápido que a republicana

A corrida eleitoral nos Estados Unidos ganhou novos contornos com a ascensão de Kamala Harris como candidata democrata.

Segundo o analista de Internacional da CNN Lourival Sant’Anna, o Partido Democrata demonstrou uma notável capacidade de adaptação à nova realidade política.

Ele acrescentou que, embora o processo ainda não esteja completo, os democratas “deram passos rápidos nessa direção, mais rápidos do que se pode notar no caso de Donald Trump”.

<><> Desafios da campanha republicana

O analista destacou que a campanha de Donald Trump tem enfrentado mais dificuldades para se ajustar à mudança de adversário.

Isso sugere que os republicanos podem estar em desvantagem estratégica neste momento crucial da corrida eleitoral.

Sant’Anna enfatizou o papel crucial das convenções partidárias neste processo: “As convenções têm essa função, é muito mais para falar para o público interno, o americano comum não fica assistindo convenções, mas é muito para mobilizar, energizar os militantes e os filiados”.

<><> Mobilização do eleitorado

Um dos principais desafios das campanhas é motivar os eleitores a comparecerem às urnas.

O analista explicou que “não basta levar a mensagem ao eleitorado, não basta convencer o eleitorado de que se é o melhor ou a melhor candidata, é preciso convencer o eleitorado a sair de casa, numa terça-feira que não é feriado”.

Nesse contexto, Sant’Anna destacou a importância de alcançar grupos específicos do eleitorado: “Daí a necessidade de mobilizar, sobretudo parcelas do eleitorado que foram decisivas para o Joe Biden, os jovens, os negros e os latinos”.

Ele observou que Kamala Harris provavelmente terá mais facilidade em atrair o voto negro.

<><> Estratégias digitais

O uso das redes sociais tem se mostrado crucial nesta campanha. Sant’Anna mencionou que Kamala Harris “tem uma presença expressiva no TikTok”, enquanto Trump tem uma presença maior em sua própria rede social, Truth Social, e está retornando ao Twitter.

Esta dinâmica digital reflete a importância crescente das plataformas de mídia social na formação da opinião pública e na mobilização de eleitores, especialmente entre os mais jovens.

 

Fonte: BBC News em Chicago/g1/CNN Brasil

 

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