'Trump não é um homem sério, mas é uma
séria ameaça': os principais pontos do discurso de Kamala Harris
Kamala Harris aceitou
formalmente a nomeação do partido Democrata para concorrer à presidência dos EUA, na noite de quinta-feira (22/8), fazendo um discurso que tocou
nas mensagens chave que sua campanha queria — mas teve apenas raros momentos de
retórica instigante e quase não desbravou novas frentes.
A inovação estava na
natureza da própria indicada — a primeira mulher negra a ser nomeada candidata
à presidência por um partido grande.
"Nunca deixe
ninguém dizer quem você é", declarou Kamala. "Mostre a eles quem você
é."
Mas por cerca de 45
minutos na quinta-feira, ela tentou dizer aos americanos quem ela é — e o que
ela vai fazer se ganhar a corrida à Casa Branca.
A seguir, estão quatro
conclusões do seu discurso no encerramento da convenção democrata.
·
1. Kamala promoveu
suas raízes de classe média
Muitos americanos
sabem quem é Kamala, mas poucos sabem no que ela acredita ou detalhes de sua
trajetória. Antes de tudo, seu discurso na convenção se propôs a mudar isso.
Ela contou a jornada
de sua mãe como imigrante da Índia. Falou sobre como seus pais se conheceram —
e como eles acabaram se divorciando. Recordou ainda como foi ser criada em um
bairro popular de Oakland, na Califórnia.
"A classe média é
de onde eu venho", ela disse.
"Minha mãe
administrava um orçamento restrito. Vivíamos dentro das nossas possibilidades.
E ela esperava que aproveitássemos ao máximo as oportunidades que estavam
disponíveis para nós."
Kamala também contou
por que escolheu se tornar advogada — e promotora. Ela traçou uma linha do
tempo de seus primeiros dias no tribunal até os serviços públicos como
política.
"Em toda a minha
carreira, tive apenas um cliente", ela disse. "O povo."
·
2. Uma visão para o
futuro — com poucos detalhes
O discurso de Kamala
incluiu apelos por unidade e uma via além da "amargura, do cinismo e das
batalhas divisivas" da política americana moderna.
Ela afirmou que os EUA
haviam tido uma oportunidade "preciosa e fugaz" de "traçar uma
nova rota". Mas esse mapa tinha poucos detalhes.
Apelos vagos por
unidade e uma via além do partidarismo são retóricas que muitos candidatos
presidenciais usaram no passado.
Quando Kamala se
voltou para os pormenores da política, ela falou de forma abrangente.
Ela disse que vai se
concentrar em reduzir os custos das "necessidades cotidianas" —
incluindo assistência médica, moradia e alimentação. E se referiu
especificamente ao direito ao aborto — enquadrando o procedimento como um meio
de preservar a liberdade, que foi uma tema recorrente nesta convenção
democrata.
"Os Estados
Unidos não podem ser verdadeiramente prósperos a menos que os americanos sejam
totalmente capazes de tomar suas próprias decisões sobre suas próprias vidas,
especialmente sobre questões do coração e do lar", ela declarou.
Em seu discurso,
Kamala se apresentou como uma moderada de centro-esquerda, mostrando pouca
diferença entre as suas políticas e as do seu chefe, o homem que espera
substituir, Joe Biden.
"Aonde quer que
eu vá, em todas as pessoas que conheço, vejo uma nação pronta para seguir em
frente", ela disse. "Pronta para o próximo passo, na incrível jornada
que é os Estados Unidos."
Os detalhes exatos
deste passo, no entanto, ainda precisam ser determinados.
·
3. Uma mensagem
inalterada sobre a guerra em Gaza
Enquanto manifestantes
em defesa da Palestina marchavam do lado de fora da convenção, Kamala dedicou
atenção especial à guerra de Gaza no trecho de política externa do seu
discurso.
Aqui, mais uma vez,
houve pouca diferença entre a sua retórica e pontos de vista e os de Biden — e
ela se vinculou ao presidente várias vezes.
"O presidente
Biden e eu estamos trabalhando dia e noite", ela disse, "porque agora
é a hora de fechar um acordo sobre os reféns e um cessar-fogo."
Ela também se
comprometeu a garantir que Israel sempre tenha a capacidade de se defender, e
registrou a brutalidade do ataque do Hamas em 7 de outubro.
Por um momento,
pareceu que alguns dos presentes iriam zombar do que ela estava falando, mas
Kamala rapidamente passou para a situação dos palestinos, dizendo que a
dimensão do sofrimento deles era "de partir o coração".
No entanto, isso
dificilmente vai ser suficiente para satisfazer os manifestantes do lado de
fora, que podem voltar para suas casas — alguns moram em Estados que devem decidir a eleição, como Michigan — convencidos de que uma presidência de Kamala
será uma continuação das políticas de Biden para a guerra em Gaza.
·
4. Trump é um 'homem
pouco sério', mas uma séria ameaça
Há dois dias, Michelle e Barack Obama menosprezaram o ex-presidente Donald
Trump pelo o que eles chamam de suas
pequenas obsessões e personalidade mesquinha.
Kamala também atacou
seu adversário republicano, mas usando críticas habituais feitas pelos
democratas — incluindo Biden — nos últimos meses.
"De muitas
maneiras, Donald Trump é um homem pouco
sério", ela disse.
"Mas as
consequências de colocar Donald Trump de volta na Casa Branca são extremamente
sérias"
Ela mencionou o ataque
de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA por partidários de Trump, e
mencionou suas condenações criminais.
A candidata também
atacou o que se tornou o saco de pancadas favorito dos democratas, o Projeto 2025, elaborado pela
fundação conservadora Heritage Foundation, para uma presidência republicana.
Apesar de o ex-presidente ter negado vínculo com o plano, Kamala observou que
ele foi escrito por seus conselheiros e que buscava "fazer o nosso país
voltar ao passado".
O contraste entre o
futuro e o passado tem sido um tema central da campanha de Kamala até agora,
assim como aconteceu em seu discurso de aceitação da nomeação.
É uma das maneiras
pelas quais a vice-presidente tem conseguido se distinguir não apenas de seu
atual adversário republicano, mas dos aspectos impopulares de seu chefe, Joe
Biden, que há apenas algumas semanas era o virtual candidato democrata.
¨ Em discurso sóbrio, Kamala focou nos indecisos e apresentou-se
como unificadora
Em apenas um
mês, Kamala
Harris conseguiu o impensável: transformou a narrativa da eleição e
refez rapidamente a unidade de um partido que estava dividido e caminhando para
um desastre nas urnas. Mais do que os delegados que lotaram o estádio do
Chicago Bulls, ela focou nos eleitores indecisos e independentes que
assistiam pela TV ao discurso de aceitação como candidata democrata à
Presidência dos EUA.
A ascensão repentina
da vice-presidente americana catapultou o adversário Donald
Trump para a defensiva, reduzindo sua
campanha a insultos e mentiras. Kamala se apresentou como unificadora, tal
como fez Biden na mesma posição, quatro anos atrás, ao encerrar a convenção
democrata.
Ela imprimiu um estilo
próprio — o da sobriedade, repleto de referências patrióticas. Foi direta
e concisa, diferentemente de Trump, que se perdeu em frases desconexas na
convenção republicana em Milwaukee.
“Nessa eleição, a
nossa nação tem uma oportunidade para avançar adiante da amargura, do cinismo,
uma chance de mapear um novo caminho para o mundo. Muitas pessoas de visões
diferentes nos assistem. Vou pôr o país acima da minha pessoa. Eu serei uma
presidente que vai nos unir em torno das nossas maiores aspirações.”
Nas palavras da
candidata, o claro recado ao adversário, a quem fez questão de nomear diversas
vezes como ameaça ao país: ela prometeu ser uma presidente que lidera e
escuta, que é realista, prática, tem bom senso e luta pelo povo americano. “Do
tribunal à Casa Branca, esse tem sido o trabalho da minha vida”, assegurou.
Boa parte do discurso
foi dedicada a expor suas diferenças em relação a Trump e ao perigo que um segundo mandato do ex-presidente representaria
para os americanos. “Imagine Donald Trump sem barreiras de
proteção”, ponderou, referindo-se à decisão da Suprema Corte que assegurou a
imunidade aos processos criminais.
Aos críticos —
especialmente Trump — que a retratam como uma candidata vazia e pouco
inteligente, Kamala ofereceu uma amostra da bagagem adquirida nos últimos
quatro anos como vice-presidente de Biden.
Em resposta aos
manifestantes que protestaram contra a guerra em Gaza, nas imediações do
estádio, ela mostrou estar alinhada ao presidente: fez uma defesa
contundente ao direito de Israel se defender do terror e lamentou a escala de
sofrimento no território palestino nos últimos dez meses, sem atribuí-la a
Israel.
A candidata reforçou a
liderança global dos EUA e advertiu que, ao contrário de Trump, não abandonará
a Otan e os aliados do país e lembrou que ditadores como Kim Jong-un torcem
pela vitória do republicano.
Foi um discurso enxuto
no qual Kamala Harris exibiu as credenciais de promotora durona, no papel que
ela escolheu para exercer em sua carreira — o de representante do povo.
¨ 'Não evitou temas difíceis': veja a análise do discurso de
Kamala Harris em convenção democrata
Kamala
Harris, candidata à Presidência dos Estados
Unidos, discursou na Convenção do Partido Democrata, nesta quinta-feira (22). A democrata falou bastante sobre
mulheres, alertou eleitores sobre um possível risco à democracia caso Donald
Trump seja eleito e pregou união entre o povo americano.
O discurso de Kamala
durou 40 minutos e foi transmitido pelo g1. Veja abaixo a análise da fala
da candidata pelos comentaristas da GloboNews.
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Sandra Coutinho
Para a jornalista
Sandra Coutinho, que estava na convenção em Chicago, Kamala conseguiu
"navegar numa linha muito fina" ao falar para os eleitores que já
conquistou — os democratas raízes — e também para os independentes, que ainda
precisa atrair.
"Por isso falou
tanto de união, de governar para todos os americanos sem nenhuma divisão. Falou
tanto sobre lutar pelo povo, pela classe média, e ao mesmo tempo ela não evitou
temas difíceis", avaliou.
Para Sandra, o que
mais lhe chamou atenção foi o fato de Kamala abordar o conflito em Gaza, que
"era um calcanhar de Aquiles" para o governo Biden.
"O apoio dele
incondicional a Israel é visto por muitos jovens como a causa da morte de 40
mil civis palestinos. Então, ela não evitou esse tema, falou que os EUA vão
continuar a reconhecer o direito de Israel se defender, mas também falou da
necessidade de se acabar o mais rapidamente com esse conflito por causa do
sofrimento do povo palestino", explicou.
Coutinho também
afirmou que a candidata democrata conseguiu "dar um recado de união, de
olhar para a frente, de dizer que não é um momento de voltar para trás".
"Ao mesmo tempo ela quis mostrar que vai defender as leis e a ordem, que é
algo que alguns eleitores se ressentem, que o partido talvez não seja tão
comprometido com a força policial", indicou.
"Não é fácil se
apresentar para um país tão polarizado como os EUA neste momento. Ela tinha
essa missão hoje e ela conseguiu passar o recado dela. Isso não quer dizer que
vai se traduzir nas urnas", afirmou a jornalista.
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Guga Chacra
O jornalista Guga
Chacra afirmou que Kamala começou muito bem o discurso contando sobre a
história da vida dela e da mãe, Shyamala Harris. "Depois ela partiu para
ataques ao Trump, o que já é normal e que os democratas vêm fazendo há muitos
anos", disse.
Chacra explicou que a
candidata também fez o discurso do "estado da união", que é
tradicional para presidentes dos EUA.
"Ela falou de
muitos pontos da agenda dela, como o aborto, a imigração e se aprofundando
bastante em questões de política externa, como a Guerra da Ucrânia, e acima de
tudo a Guerra de Gaza, basicamente a política de Joe Biden, de defender Israel,
de manter o apoio americano a Israel e de condenar fortemente o atentado
terrorista cometido pelo Hamas", afirmou.
Para o jornalista, ela
também demonstrou empatia e solidariedade com as vítimas palestinas da Guerra
de Gaza, mas sem condenar Israel pelas ações militares. "A gente sabe que
isso é um tema que divide o eleitorado democrata", disse.
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Carlos Frederico Coelho
O professor Carlos
Frederico Coelho, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-RJ e
pesquisador do Brics Policy Center, que participou da transmissão da GloboNews,
avaliou que foi a "grande apresentação" de Kamala Harris para o público
americano. "Por isso, talvez, a questão pessoal tão forte no início, e
talvez a melhor parte do discurso dela", disse.
"O discurso sai
de um nove, dez, e vai para um sete, oito, do meio para o fim. Gênero é um tema
onde ela vai bem, porque puxa também o tema dos direitos reprodutivos da
mulher", afirmou o professor.
Segundo ele, existia a
necessidade de um equilíbrio para ela se apresentar para o primeiro mandato e
não como um segundo mandato de Joe Biden, de quem é vice. "[O governo
Biden] tem índice de aprovação muito baixo. Biden esteve no primeiro dia de convenção,
falou e foi embora para que os democratas pudessem virar a página e apresentar
essa nova posição de futuro", indicou.
¨ Campanha democrata se adaptou mais rápido que a republicana
A corrida eleitoral
nos Estados Unidos ganhou novos contornos com a ascensão de Kamala Harris como
candidata democrata.
Segundo o analista de
Internacional da CNN Lourival Sant’Anna, o Partido Democrata
demonstrou uma notável capacidade de adaptação à nova realidade política.
Ele acrescentou que,
embora o processo ainda não esteja completo, os democratas “deram passos
rápidos nessa direção, mais rápidos do que se pode notar no caso de Donald
Trump”.
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Desafios da campanha republicana
O analista destacou
que a campanha de Donald Trump tem enfrentado mais dificuldades para se ajustar
à mudança de adversário.
Isso sugere que os
republicanos podem estar em desvantagem estratégica neste momento crucial da
corrida eleitoral.
Sant’Anna enfatizou o
papel crucial das convenções partidárias neste processo: “As convenções têm
essa função, é muito mais para falar para o público interno, o americano comum
não fica assistindo convenções, mas é muito para mobilizar, energizar os militantes
e os filiados”.
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Mobilização do eleitorado
Um dos principais
desafios das campanhas é motivar os eleitores a comparecerem às urnas.
O analista explicou
que “não basta levar a mensagem ao eleitorado, não basta convencer o eleitorado
de que se é o melhor ou a melhor candidata, é preciso convencer o eleitorado a
sair de casa, numa terça-feira que não é feriado”.
Nesse contexto,
Sant’Anna destacou a importância de alcançar grupos específicos do eleitorado:
“Daí a necessidade de mobilizar, sobretudo parcelas do eleitorado que foram
decisivas para o Joe Biden, os jovens, os negros e os latinos”.
Ele observou que
Kamala Harris provavelmente terá mais facilidade em atrair o voto negro.
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Estratégias digitais
O uso das redes
sociais tem se mostrado crucial nesta campanha. Sant’Anna mencionou que Kamala
Harris “tem uma presença expressiva no TikTok”, enquanto Trump tem uma presença
maior em sua própria rede social, Truth Social, e está retornando ao Twitter.
Esta dinâmica digital
reflete a importância crescente das plataformas de mídia social na formação da
opinião pública e na mobilização de eleitores, especialmente entre os mais
jovens.
Fonte: BBC News em
Chicago/g1/CNN Brasil
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