Rudá Ricci: ‘Ideb 2023 - Não se trata (só)
de dinheiro’
O fracasso da educação
no Brasil é um problema de proporções alarmantes que vai além da simples falta
de recursos financeiros. É preciso enxergar, de uma vez por todas, as
consequências de uma grave desconexão que ocorre entre as duas etapas do
ensino. Nos anos iniciais, até o que é chamado de Fundamental I, o ensino se
baseia em métodos construtivistas, como os de Piaget, focados no comportamento
e desenvolvimento emocional dos alunos. Mas a partir do Ensino Fundamental II,
ocorre uma “esquizofrenia” nas políticas educacionais, que migram para uma
formação técnica, pautada basicamente na memorização dos conteúdos. Isso
resulta em uma educação fragmentada, que não atende às necessidades do
desenvolvimento integral dos alunos, resultados nos dados revelados
recentemente pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Calculado a cada dois
anos a partir da taxa de aprovação das escolas e das médias dos alunos em
avaliações de matemática e português (Saeb), o Ideb, por si só, apresenta
falhas no seu papel de indicador de qualidade da educação no país. Ainda assim,
essa régua nos mostra claramente que, quanto mais o aluno se aproxima dos anos
finais do Ensino Fundamental, pior é a sua nota. Nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, o Ideb nacional foi de 6, um aumento em relação aos 5,8 de 2021 e
5,9 de 2019. No entanto, nos anos finais, o índice ficou em 5, abaixo da meta
de 5,5. Já no Ensino Médio, o Ideb foi de 4,3, apenas 0,1 ponto acima das
avaliações de 2019 e 2021, mas ainda muito aquém da meta de 5,2 para este
primeiro ciclo do indicador (2007-2021).
Esses números reforçam
a crítica ao modelo de ensino brasileiro, que permanece preso a uma visão
ultrapassada de produtividade. A abordagem taylorista, que valoriza o controle
e a padronização, impede que os alunos desenvolvam plenamente suas habilidades
cognitivas e emocionais. O neurologista António Damásio, renomado estudioso das
emoções humanas, já dizia que o desenvolvimento cognitivo depende de um
equilíbrio afetivo-emocional – algo que a escola brasileira tem ignorado. Ao
forçar adolescentes a memorizar conteúdos sem contexto ou propósito, o sistema
educacional falha em prepará-los para os desafios do mundo contemporâneo. Essa
metodologia obsoleta contribui para a alta evasão escolar e para a formação de
indivíduos com habilidades limitadas.
Mesmo as escolas
particulares, que tradicionalmente apresentam melhores resultados do que as
escolas públicas, enfrentaram dificuldades. O desempenho das instituições
privadas estagnou, conforme o Ideb 2023, e elas também não conseguiram atingir
as metas de aprendizado em nenhuma das etapas da educação básica. Embora a rede
privada ainda mantenha resultados superiores, isso se deve, em grande parte, à
maior presença e participação dos pais na vida escolar dos alunos, algo que a
rede pública não consegue replicar por conta das já conhecidas desigualdades
socioeconômicas da população mais pobre, que depende do ensino público.
Se a crise na educação
brasileira não se resolve apenas com injeção de recursos, então, o que se há de
fazer? A má notícia é que nada vai mudar enquanto o Brasil não adotar novas
diretrizes pedagógicas, verdadeiramente eficazes. Para a vinda de resultados
satisfatórios na educação, é preciso abandonar práticas pedagógicas obsoletas e
adotar metodologias que valorizem o desenvolvimento do aluno como um todo.
Apenas assim será possível formar cidadãos críticos, criativos e emocionalmente
equilibrados, capazes de enfrentar os desafios do século XXI com competência e
humanidade. Isso, sim, é um indicador de qualidade.
• ‘Não existe educação sem dinheiro’:
queda no Ideb de Porto Alegre evidencia precarização do ensino
Os resultados do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgados na última
semana, demonstram que a educação pública em Porto Alegre decaiu em qualidade.
No que diz respeito aos anos iniciais do ensino fundamental, o índice foi de
5,2 em 2021 para 4,7 em 2023. Os valores são referentes à rede municipal de
ensino.
Os anos finais do
ensino fundamental tiveram queda ainda mais acentuada no indicador, que reduziu
de 4,8 para 3,8. Essa é a maior queda no índice entre as cidades da Região
Metropolitana de Porto Alegre, que abrange 34 municípios.
Para a doutora em
educação Natália Gil, docente na Faculdade de Educação da UFRGS e especialista
em estudos de quantificação educacional, a gestão pública tem papel importante
nesse resultado. “Tanto o governo Marchezan quanto o governo Melo, ao invés de
garantirem uma estabilidade para a rede de educação, fizeram o contrário”,
afirma a especialista. “Marchezan retirou as reuniões pedagógicas semanais que
os professores tinham, e penso que a consequência disso aparece nos números.
Faz diferença que os professores possam se organizar entre eles. Não basta
estar só em sala de aula”.
Natália também elenca
a demora da gestão Marchezan para chamar os professores aprovados em concurso
público, além da precarização de carreiras e salários, como fatores que
prejudicaram a educação no município.
Já no governo Melo, o
foco do investimento foram materiais pedagógicos – compras que inclusive foram
alvo de CPIs e investigações policiais por supostas irregularidades. “Mas os
materiais não substituem as pessoas que interagem com as crianças”, diz Natália.
“Se as gestões
Marchezan e Melo retiraram momentos de estudo e de preparação dos professores,
negligenciaram a carreira e não fizeram investimentos consistentes, não tem
como termos avançado no Ideb. Não existe educação sem dinheiro”, pontua a
especialista.
Mas essa conta pode
ser ainda mais complexa, já que o desempenho das crianças na escola também está
ligado às condições socioeconômicas em que elas estão inseridas. O Ideb é uma
média e, portanto, não apresenta uma visão detalhada da realidade de cada bairro
dentro das cidades. “Olhar as notas por escola pode indicar, aos gestores,
quais bairros precisam de maiores investimentos sociais”, diz Natália. “Se
temos uma gestão que não se preocupa com a condição de vida dos moradores, não
podemos resolver esse problema na escola” .
O Ideb é calculado a
partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das
médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
“O índice é um bom
termômetro, mas mostra só um pedaço do processo pedagógico”, ressalta Natália.
“A queda não pode ser negligenciada, mas ela não é uma sentença de que as
escolas não possam alcançar bons resultados em pouco tempo. As crianças são
seres humanos ativos, não há nada que não possa ser redirecionado em curto
prazo. O Ideb mostra que está faltando trabalhar a educação com consistência e
constância”.
Se comparada à nota
nacional, a queda no Ideb em Porto Alegre fica ainda mais significativa. O
Brasil alcançou a nota 6 nos primeiros anos do ensino fundamental, no índice
que varia de 0 a 10. Nos anos finais do ciclo, a nota alcançada foi 5,5.
“A meta é algo que
deveria ser a preocupação de um gestor, mas não é o que deve incomodar a
população”, afirma Natália. “A meta vai ser sempre melhor do que o desempenho
das crianças. Se a escola tivesse mantido um resultado estável, já seria bom.
Mas não atingir a meta não indica que a escola vai mal – é mais preocupante que
a nota tenha caído”.
• Projeto Giga: conectar escolas de todo
mundo à internet. Por Rui Martins
A Associação da
Imprensa Estrangeira na Suíça (APES) em colaboração com o Centro Universitário
de Informática da Universidade de Genebra, na Suíça, promoveu, com o apoio e
presença de cientistas, um encontro centrado no projeto da Unicef e UIT – Como
conectar todas as escolas do mundo à Internet.
Trata-se do Projeto
Giga, em fase de implantação em algumas regiões do mundo, inclusive no Brasil.
O projeto Giga, no seu formato global atualizado, será lançado oficialmente em
Genebra, Suíça, no mês de setembro.
Alunos de escolas de
todo mundo poderão se beneficiar do Projeto Giga. O Brasil possui 138.744
escolas, das quais 108 mil estão conectadas à Internet. Ou seja, 21,25% estão
ainda excluídas do ambiente digital. A iniciativa global Giga é liderada pelo
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela União Internacional de
Telecomunicações (UIT).
Além do Brasil, as
nações recentemente integradas ao Giga são África do Sul, Barbados, Belize,
Benin, Botsuana, República Dominicana, Guiné Conacri, Mongólia, Namíbia,
Trinidad e Tobago e Zimbábue, totalizando 30 países contemplados pela
iniciativa. Reportagem da ONU News apresenta detalhes do projeto cuja meta é
conectar 25 mil escolas e 10 milhões de alunos nos próximos 18 meses.
A secretária-geral da
UIT, Doreen Bogdan-Martin, afirma que o objetivo não é apenas conectar escolas,
mas também capacitar os governos com ferramentas para alcançar a conectividade
escolar universal. Doreen ressalta ainda a importância de levar para cada país
soluções que atendam às suas necessidades únicas, “garantindo que nenhuma
criança seja deixada para trás na era digital”.
No Quirguistão, por
exemplo, o Ministério da Educação economizou quase US$ 250 mil por ano, o que
representa 43% em seu orçamento. Em Ruanda, o projeto-piloto de conectividade
escolar da Giga diminuiu os custos em 55% e aumentou a velocidade da internet em
400%, comprovando a eficiência do projeto que apresenta soluções de código
aberto tornando a conectividade escolar mais barata e acessível para muitas
nações.
<><>
Crianças desconectadas da Internet
Cerca de 1,3 mil
milhão de crianças não têm acesso à Internet em casa e apenas metade das
escolas do mundo estão conectadas. A exclusão digital afeta particularmente as
pessoas mais pobres, as meninas e as pessoas com deficiência. Como resultado,
os alunos perdem recursos digitais, a possibilidade de aprender remotamente
(por exemplo, durante uma pandemia ou um período de instabilidade), bem como a
oportunidade de desenvolver competências digitais.
O projeto prevê a
colaboração com numerosas empresas multinacionais, tecnológicas, doadores, bem
como especialistas financeiros, trabalhando em conjunto.
O número total de
escolas no mundo é desconhecido (estima-se entre 6 e 7 milhões). O Giga criou
um mapa de conectividade que fornece uma visualização em tempo real das escolas
ligadas à internet. Até o momento, o projeto mapeou mais de 2,1 milhões de escolas
em 140 países.
Uma em cada três
pessoas não têm acesso à internet – incluindo mais de 1,3 mil milhão de
crianças que não têm conexão em casa. Estima-se que metade da população mundial
nas escolas permanece offline. Sem acesso à internet, as crianças perdem a
oportunidade de aprender e prosperar em um mundo cada vez mais digital.
Fonte: Outras
Palavras/Sul 21/Observatório da Imprensa
Nenhum comentário:
Postar um comentário