sábado, 24 de agosto de 2024

Pai de Arthur, Benedito de Lira expulsa camponeses, mas não declara fazenda ao TSE

Em agosto de 2023, Cícero Paulo da Silva e Maria José de Oliveira Silva foram expulsos de seus 5  hectares de terra em Quipapá, no sul de Pernambuco, diante de uma ação de reintegração de posse movida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e seu pai, Benedito de Lira (PP-AL), o Biu de Lira.

Representado por Arthur, o ex-senador Biu de Lira diz ser dono da Fazenda Engenho Proteção, massa falida da Usina Água Branca, comprada em 2008 pelos Lira. O caso da expulsão dos agricultores foi revelado com exclusividade pelo De Olho nos Ruralistas no dossiê “Arthur, o Fazendeiro“. Eles viviam no local há décadas.

Biu de Lira é candidato à reeleição em Barra de São Miguel, litoral de Alagoas. Ele informa ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ser proprietário da Fazenda Estrela, de 279 hectares, também em Quipapá, mesma informação da eleição anterior, mas não declara nada sobre a Engenho Proteção. Ele declarou ainda no município a Fazenda Quitéria, com 138 hectares.

FAMÍLIA VIVIA NA ÁREA DESDE OS ANOS 70, MAS FOI DESPEJADA EM UM DIA

A família de Cícero vive na área desde os anos 70. Seu pai, Manoel Paulo Da Silva, foi gerente da Usina Água Branca e recebeu do síndico da massa falida um Termo Provisório de Posse, em 2002. “Meus sete filhos foram quase todos criados lá”, contou Cícero ao observatório. O camponês também trabalhou para a usina e passou a viver definitivamente no local em 2005, após a morte do pai.

O casal criava galinhas, quatro cabeças de gado e cultivava macaxeira, milho, feijão e frutas como coco, manga e, mais recentemente, caju, para consumo próprio.

A urgência pelo pedido de usucapião, feito em 2021, surgiu quando os agricultores passaram a receber visitas de funcionários de Arthur Lira. Eles diziam que aquelas terras tinham dono e, por isso, eles não deveriam plantar ali.

O casal soube da efetivação da ação de despejo 24 horas antes e conseguiu retirar móveis e pertences antes das máquinas passarem pela casa. Eles foram obrigados a pagar R$ 300 mensais de aluguel na casa encontrada às pressas na cidade, enquanto aguardam as próximas decisões judiciais.

Os Lira dizem ter comprado 181,65 hectares dos herdeiros do antigo proprietário da usina, em 2008, área que seria vizinha da Fazenda Estrela. Eles alegam produzir gado Nelore nas duas fazendas. Para expulsar o casal, os Lira apresentaram guias de trânsito em nome da Fazenda Estrela, mas nunca em nome da chamada Proteção. As terras do Engenho Proteção nunca apareceram nas declarações nem de Benedito, nem de Arthur Lira à Justiça Eleitoral.

Candidato à reeleição em Barra do São Miguel, Benedito de Lira continuou não declarando a terra. A defesa do casal questiona também a informação de que as propriedades são vizinhas.

DOSSIÊ MOSTRA IMPÉRIO AGROPECUÁRIO DAS FAMÍLIAS LIRA E PEREIRA

Juntos, Arthur e Benedito de Lira têm 3.872,46 hectares, espalhados por cinco municípios de Alagoas e dois de Pernambuco, onde criam gado, principalmente Nelore. Eles dividem a sociedade da Lira Agropecuária e Eventos, que promove vaquejadas — atividade onde Arthur puxa, literalmente, rabos de boi — e grandes leilões com a presença de políticos e fazendeiros.

Em 2023, a empresa promoveu dois leilões. O segundo, em 7 de outubro, aconteceu na Fazenda Santa Maria, em São Sebastião (Alagoas), e movimentou R$ 4,3 milhões com a venda de touros e cavalos de raça. O valor foi quatro vezes mais que a primeira edição do mesmo ano. Patrocinaram o evento empresas de peso do agronegócio nordestino, como a Sococo, do alagoano Emerson Tenório, e o Grupo Maratá, de José Augusto Vieira — maior doador individual do PL em 2022.

Entre os políticos, estavam o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ministro-chefe da Casa Civil durante o governo Bolsonaro, o deputado federal Elmar Nascimento (União-BA) e o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB), que arrematou um dos lotes. Veja trechos do leilão no vídeo sobre a face agrária de Arthur Lira, no nosso canal do Youtube.

Benedito de Lira começou na agropecuária nos anos 80, pelas mãos da família da sua primeira esposa, Ivanete Pereira de Lima, mãe de Arthur. O então vereador de Maceió pelo PDS, antiga Arena, entrava para a poderosa família Pereira. Biu de Lira tornou-se fazendeiro e mentor político dos clãs Lira e Pereira, que domina prefeituras do estado, sob o comando do presidente da Câmara. Para saber detalhes dessas ligações, acesse o dossiê “Arthur, o Fazendeiro”.

A expansão territorial de Arthur e Biu de Lira teve início a partir dos anos 90, com a crise do setor canavieiro no Nordeste, quando o então presidente Fernando Collor de Mello extinguiu o Instituto do Açúcar e do Álcool e pôs fim ao tabelamento de preços. O vazio deixado pelas usinas foi uma oportunidade perfeita para fazendeiros da região, que adquiriram dezenas de imóveis a preço de banana. Foi essa a origem de alguns dos imóveis adquiridos pelas famílias Lira e Pereira.

Este ano foi a primeira vez que a fortuna declarada por Benedito para a Justiça Eleitoral diminuiu. De R$ 1,64 milhão, em 2020, para R$ 1,29 milhão, uma queda de 20%  segundo o ICL Notícias. Dois créditos rurais de R$ 603 mil saíram da declaração, mas entraram 16,97% do capital da empresa de eventos, no valor de R$ 79.979,61.

Com 82 anos, Benedito é prefeito de um pequeno paraíso tropical, com cerca de 8 mil habitantes. Em 2021, o município recebeu R$ 3,8 milhões do orçamento secreto comandado por Arthur Lira.

 

•        Pesquisa revela ineficiência da Justiça em casos de massacre no campo

Cerca de 60% dos suspeitos em casos de massacre no campo, ocorridos entre 1985 e 2019, foram levados ao Tribunal do Júri, responsável pelo julgamento de crimes dolosos contra a vida. Desses, pouco mais de 11% foram condenados.

Os dados foram apresentados no estudo Massacre no Campo, divulgado nesta quinta-feira (22) em Brasília, que reúne de forma inédita informações sobre a atuação do sistema de Justiça na apuração da responsabilidade criminal de mandantes e executores, em um período de 34 anos.

Ao todo, foram analisados 50 casos de assassinatos coletivos, que resultaram em 386 suspeitos de participação como mandantes ou executores. A metodologia do estudo classifica como massacre os “casos nos quais um número igual ou superior a três pessoas são mortas na mesma data e em uma mesma localidade, portanto, numa mesma ocorrência de conflitos pela terra”.

Do total de suspeitos, 30 não foram indiciados nos relatórios da Polícia Civil ou Militar. Dos suspeitos restantes (356), outros 10 não foram denunciados pelo Ministério Público e 345 tornaram-se réus.

Desse total, 238 foram levados ao Tribunal do Júri. Nesta etapa do processo, 43 foram condenados, 188 foram absolvidos e 7 não foram julgados por não terem sido localizados, ou por terem morrido antes do julgamento.

A partir das análises desses casos, a equipe formada por mais de 30 pesquisadores do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Universidade de Brasília (UnB) e outras universidades públicas chegou a conclusões diversas sobre a impunidade desses crimes.

Para os estudiosos, a impunidade nos casos de massacres no campo está relacionada a fatores que se somam ao longo de todo o processo judicial, como na etapa de instrução, quando são apresentadas as provas, colhidos os depoimentos e analisadas as evidências.

“Infelizmente, o Poder Judiciário, o Ministério Público ainda produzem muito pouca prova nova em relação àquilo que é produzido no inquérito policial. Então, a etapa de instrução acaba sendo só um momento de reproduzir as provas que já foram produzidas na fase do inquérito. Logo, se o inquérito foi mal instruído, a impunidade está praticamente garantida nas fases seguintes”, explica o pesquisador do IPDMS e um dos coordenadores do estudo, Diego Diehl.

Segundo os estudiosos, também foram identificadas falhas na localização dos réus e na utilização de recursos judiciais, o que resulta em uma tramitação lenta de processos. Os pesquisadores concluíram que a ineficiência do sistema judicial está relacionada à fragilidade dos inquéritos e à não produção de novas provas durante a fase judicial.

O estudo conclui que falta preparo do sistema judiciário brasileiro: “Enquanto o Brasil não se preparar e [preparar] o seu sistema de Justiça, suas autoridades, para uma ágil produção de provas, o que a gente vai ter são inquéritos e processos baseados em provas frágeis, produção de nulidades, o que acaba favorecendo os acusados”, diz Diehl.

Para ele, embora o sistema brasileiro tenha se modernizado, ainda há pouco interesse em apurar a real responsabilidade de mandantes e executores.

“Existe um processo de apagamento dos fatos, tal como eles realmente aconteceram. A gente vê avanços na questão de federalização da apuração de certos casos. Então, por exemplo, o caso do massacre de Pau d’Arco, a gente teve a entrada da Polícia Federal o que mudou completamente a qualidade da apuração dos responsáveis do massacre. Mas, ainda assim, a gente sabe que a maior parte dos casos não são federalizados”, conclui.

 

Fonte: De Olho nos Ruralistas/Agencia Brasil

 

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