Meio ambiente, vítima silenciosa da guerra
na Ucrânia
Quando explosões abalaram a barragem de Kakhovka, no sudeste da Ucrânia, em 6 de junho do ano passado, levando
ao seu rompimento pouco depois, imagens da tragédia rodaram o mundo.
Grandes quantidades de
água inundaram rapidamente uma área com quilômetros de extensão, devastando
localidades inteiras. Dezenas de milhares de pessoas foram afetadas, e o número
exato de mortos segue desconhecido.
Cerca de 600 toneladas
de petróleo bruto vazaram de instalações industriais danificadas, segundo
autoridades ucranianas. Produtos químicos provenientes de fábricas destruídas
também contaminaram a água, o solo, ecossistemas e áreas agrícolas, apontou a Organização
das Nações Unidas (ONU). A guerra na Ucrânia não
é apenas uma catástrofe humana, mas também ecológica.
Agora, a destruição da barragem de Kakhovka pode vir a ser objeto de um processo potencialmente
pioneiro contra a Rússia.
Autoridades ucranianas
estão reunindo provas para levar a Rússia ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia. O processo por crimes de guerra envolve também a
destruição do meio ambiente por meio de atos de guerra. A Ucrânia acusa a
Rússia de ter provocado a explosão da barragem, o que Moscou nega.
"O meio ambiente
não pode continuar sendo uma vítima silenciosa da guerra", diz o ministro
ucraniano de Proteção Ambiental e Recursos Naturais, Ruslan Strilets, à DW.
"A humanidade precisa se dar conta de que a guerra é cara. Todos os Estados
precisam se dar conta de que a guerra é cara. Destruir o meio ambiente é
caro."
Imagem aérea mostra
estrago em Oleshky, na Ucrânia, após rompimento da barragem de KakhovkaFoto:
Maxar Technologies via AP
·
Qual é a dimensão do prejuízo?
A explosão da barragem
e a subsequente inundação são apenas um dos muitos crimes ambientais que
autoridades ucranianas estão investigando e que podem vir a ser incluídos na
acusação contra a Rússia.
O Ministério
de Proteção Ambiental e Recursos Naturais da Ucrânia estima que a
invasão russa tenha causado mais de 5 mil casos de danos a florestas, solo, ar
e água, com um prejuízo total de mais de 57 bilhões de euros (R$ 351,5
bilhões).
Cerca de 500 estações
de tratamento de esgoto no país foram destruídas até o final de 2023, e pelo
menos 20% das áreas de proteção ambiental estão ameaçadas. O procurador-geral
da Ucrânia, Andriy Kostin, espera concluir a base para uma acusação até o final
do ano.
"O grau de
contaminação e os danos em muitas áreas só podem ser estimados, pois a coleta
de dados é extremamente difícil", afirma Oleksii Vasyliuk, chefe da
organização ambiental ucraniana Nature Conservation Group.
No entanto, a
organização não governamental ucraniana Ecoaction conseguiu coletar amostras de
solo em algumas regiões. A análise de material coletado na disputada região de
Donbass revelou que todo o terreno foi contaminado por metais pesados altamente
tóxicos devido aos combates.
Em alguns casos, os
níveis de mercúrio, vanádio e cádmio estavam 100 vezes acima do normal. Metais
pesados em altas concentrações são extremamente tóxicos, pois se acumulam no
corpo humano e muitas vezes não podem ser eliminados.
Vasyliuk acredita que
efeitos dos danos ao ar, à água e ao solo serão sentidos por décadas após o fim
da guerra. Além disso, em algumas das áreas em conflito, a agricultura
dificilmente será viável no longo prazo.
Strilets exige que a
Rússia seja responsabilizada. Além disso, o ministro ucraniano quer estabelecer
um precedente e desenvolver procedimentos adequados para a aplicação da lei
internacional, para que, no futuro, guerras à custa do meio ambiente não permaneçam
impunes. A Ucrânia pretende exigir o pagamento de reparações pela Rússia.
No entanto, caso
acatado pelo TPI, um processo provavelmente se arrastaria por muitos anos, diz
Aaron Dumont, que pesquisa questões ambientais no direito internacional na
Universidade Ruhr de Bochum, na Alemanha.
·
Quando danos ambientais são crimes de
guerra?
A ONU define a
destruição do meio ambiente como crime de guerra somente quando ela é
desproporcional em relação à vantagem militar obtida pelo responsável e causa
danos graves, abrangentes e de longo prazo à população.
O promotor-chefe do
TPI, Karim Khan, anunciou em fevereiro que crimes contra o meio ambiente serão
investigados com mais rigor e receberão maior atenção no futuro.
Até agora, nenhum país
ou pessoa foi condenado por destruição ambiental no contexto de um processo por
crimes de guerra. Isso se deve em parte à definição vaga no direito
internacional, segundo Dumont.
"É preciso provar
que, daqui a dez anos, ainda haverá uma destruição ambiental mensurável
resultante do bombardeio ou da forma específica de guerra em questão", diz
Dumont, apontando que até hoje isso foi muito difícil de provar.
·
Campos de petróleo em chamas no Iraque
Dumont cita um exemplo
de 1991, durante a Guerra do Golfo. Ao se retirarem do Kuwait, tropas
iraquianas incendiaram mais de 700 campos de petróleo, provocando uma
catástrofe ambiental em toda a região.
"Qualquer pessoa
comum diria que isso é um crime de guerra com impacto ambiental", afirma
Dumont. "Mas, naquela época, nos anos 1990, era muito difícil para
geólogos provar que as consequências desses incêndios ainda poderiam ser
medidas dez anos depois. Metodologicamente, simplesmente não era
possível."
·
Reconhecimento de crimes
Hoje, isso é
diferente. Graças a imagens de satélite e métodos científicos avançados, Dumont
considera as chances de sucesso em um processo contra a Rússia promissoras.
Isso inclui a explosão
da barragem de Kakhovka, afirma o pesquisador. Para ele, uma condenação seria
um momento histórico. "Seria realmente um avanço, um momento pioneiro no
direito ambiental", diz.
No entanto, não está
claro qual seria o efeito de uma eventual condenação. A Rússia não ratificou o
Estatuto de Roma, a base legal do TPI, e não reconhece as decisões do tribunal.
Dumont destaca outro
ponto: "A partir de estudos, sabemos que para os afetados é muito
importante que esses crimes sejam reconhecidos. Isso inclui, por exemplo,
agricultores ou outras pessoas da região que dependem da natureza. Eles querem
que suas preocupações também façam parte desses processos."
¨ Como a Rússia recruta estrangeiros para a guerra na Ucrânia
Quando assinou o
contrato com o Ministério da Defesa da Rússia, o rapaz de 21 anos do Sri Lanka
não esperava ser enviado para a frente de combate na Ucrânia.
Um compatriota lhe contara sobre a possibilidade de se alistar no Exército,
alegando que, caso servisse durante um ano, ele e sua família obteriam a
cidadania russa.
"Ele me disse que
a gente não era mandado para o front, só mobilizado como pessoal de
apoio", conta. Numa decisão rápida, em fevereiro ele assinou um contrato, recebendo
imediatamente o equivalente a 2 mil dólares, com a perspectiva de um soldo
mensal de 2,3 mil dólares, mais eventuais adicionais.
Alguns meses mais
tarde, num hospital da Ucrânia, tendo sido ferido e capturado, ele se dispôs a
contar sua história à DW, sob condição de anonimato. Uma intérprete acompanhou
por telefone a conversa em cingalês, sob os olhos de militares ucranianos que aparentemente
tinham poucos conhecimentos de inglês e não intervieram.
<><> Quem
são os grandes beneficiários dos conflitos?
Ele havia decidido
obter um visto de trabalho para a Rússia, através de uma agência de emprego, "por causa da situação
econômica ruim no Sri Lanka". A crise no país sul-asiático se agravara
também devido à guerra russa, que fizera disparar o preço de alimentos e
combustível, com o bloqueio às exportações ucranianas pelo Mar Negro.
Depois de trabalhar um
ano num açougue, seu visto expirou, e ele passou mais um ano vivendo ilegal em
Moscou, como empregado de uma lanchonete. Por fim, dirigiu-se às Forças
Armadas. Após apenas dois meses na retaguarda, foi mobilizado para os subúrbios
da cidade ocupada de Donetsk, no leste da Ucrânia.
De sua unidade
participavam também cidadãos do Nepal, Índia, Quirguistão e Tajiquistão.
"Eu disse ao comandante que queria voltar para o Sri Lanka, mas ele
respondeu que era impossível e que, em caso de deserção, segundo o contrato, eu
estava sujeito a 15 anos de prisão na Rússia." O jovem só esteve
diretamente no front uma vez, por cinco dias, até ser ferido e aprisionado.
<><> A
história de um nepalês
Como noticiou em junho
a agência Bloomberg, citando funcionários europeus, a Rússia forçou milhares
de trabalhadores migrantes e
estudantes estrangeiros a se alistarem para a guerra contra a Ucrânia. Quem se
recusasse, era ameaçado de não ter seu visto de permanência prorrogado.
"Nós somos muito,
muito pobres", afirma um nepalês de 35 anos no centro para prisioneiros de
guerra no oeste da Ucrânia, igualmente pedindo para não ser identificado.
Também essa conversa ocorreu na presença de um vigia, que se manteve calado e
parecia não entender inglês.
Em seu país, o nepalês
diz que fazia cerca de 400 dólares por mês como taxista, o que não bastava para
manter seus pais, a esposa e dois filhos. Amigos da Índia lhe contaram que se
podia ganhar "muito dinheiro" no Exército russo. Assim, em outubro de
2023 chegou a Moscou, onde foi recrutado e enviado para o centro de treinamento
Avantgarde, juntamente com outros 60 estrangeiros.
Essas instalações nas
cercanias da capital servem exclusivamente à formação de mercenários
estrangeiros, de acordo com a emissora americana CNN. Lá, o nepalês firmou um
contrato de um ano, com soldo mensal de 2 mil dólares. De início também
foi indicado para a retaguarda na Rússia, como auxiliar de cozinha, juntamente
com um chinês. Ao todo, a tropa se compunha de 23 indivíduos do Nepal, três da
Índia e 11 da Rússia, que se comunicavam com a ajuda de softwares de tradução.
Após um mês, foi
mobilizado a posições nas proximidades de Donetsk. Ao pedir ao comandante para
retornar para casa, ouviu que era impossível rescindir o contrato. Poucas
semanas mais tarde, em abril de 2024, foi ferido e avistou soldados ucranianos:
"Eu tirei o capacete, o colete protetor e larguei a metralhadora, pedi
ajuda e disse que vinha do Nepal."
<><> Nem
todos são vítimas de engano
Atualmente a Ucrânia
mantém presos cerca de dez mercenários, explica Petro Yatsenko, porta-voz do
Quartel-General para Coordenação do Tratamento de Prisioneiros de Guerra do
HUR, o serviço secreto militar ucraniano. "Alguns outros foram capturados,
mas ainda não constam das estatísticas."
Entre eles estão
cidadãos de países africanos como Serra Leoa e Somália, assim como do Sri
Lanka, Nepal e Cuba: "A maioria vem do Sul Global, de
países pobres." Um cubano revelou a Yatsenko que em seu país ganhava só
sete dólares por mês.
O HUR não dispõe de
informações sobre o número de estrangeiros lutando do lado russo. O governo os
atrai tanto com propaganda nas redes sociais, quanto diretamente no exterior, através
de agitadores: "Muitas vezes se prometem empregos em empresas e, quando se
trata do Exército, se diz que só vão ser mobilizados para a retaguarda."
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Ucrânia: a arte resiste e sobrevive à guerra
Yatsenko ressalva, no
entanto, que nem todos são vítimas de engano, pois há também profissionais
entre os estrangeiros que lutam pela Rússia: "Eles têm experiência militar
e sabem muito bem para onde estão indo."
Quanto a seu status
legal, "enquanto não houver um processo contra eles, são detidos como os
soldados russos capturados". Até agora, nenhum foi libertado em trocas de
prisioneiros ou outro procedimento. Mas "alguns países, sobretudo o Sri Lanka
e o Nepal, têm interesse em ter de volta seus cidadãos. Isso nos
possibilita negociar", explica o porta-voz do HUR.
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Precariedade financeira e ignorância das leis são armas
No início de 2024, a
CNN noticiou que a Rússia recrutara cerca de 15 mil nepaleses. Na capital
Katmandu, os repórteres participaram de um encontro com as famílias dos
mercenários, as quais exigiam das autoridades que os trouxessem de volta.
Embora só registrando
a presença no Exército russo de 200 cidadãos seus – 13 deles já
mortos –, o governo do Nepal proibiu as viagens à Rússia para fins de
trabalho, atendendo a um apelo popular pelo fim dos recrutamentos. Além disso,
a polícia prendeu em Katmandu 18 indivíduos possivelmente envolvidos no
aliciamento de mercenários.
Há também notícia de
casos em que os estrangeiros abandonaram as posições militares russas. Em maio,
sem citar números, o HUR informou sobre uma fuga em massa de mercenários
nepaleses estacionados na região ocupada de Luhansk. E em junho a emissora
France 24 noticiava que 22 cingaleses teriam escapado do serviço militar russo.
A organização russa de
direitos humanos Idite Lesom (Vai pela Floresta) ajuda na fuga do serviço
militar – sobretudo russos e ucranianos das regiões sob ocupação, que
foram recrutados com violência, mas também cidadãos de outros países.
O ativista Ivan
Chuvilyayev confirma que a ONG já ajudou cidadãos de países africanos e do
Afeganistão a desertarem. Segundo ele, a forma como a Rússia recruta os
estrangeiros não se distingue de como atrai seus próprios cidadãos para lutarem
na guerra contra a Ucrânia: "Ela se aproveita de que eles não conhecem as
leis e se encontram numa situação financeira precária."
Fonte: Deutsche Welle
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