'O fogo parece estar dentro de casa, é
difícil respirar': o impacto da fumaça das queimadas na saúde
"Moro aqui há 32
anos, e nunca, considerando todas as queimadas que já ocorreram na região,
vivemos algo como o que estamos enfrentando agora", conta Cristina
Aparecida Nardo, de 60 anos, residente de Ribeirão Preto (SP).
A fumaça provocada
pelos incêndios tem coberto dezenas de cidades em várias regiões do Brasil nos
últimos dias.
Em São Paulo, a
situação se agravou na última sexta-feira (23/8), quando o Estado registrou
1.886 focos de queimadas — mais dos que os 1.666 registrados durante todo o ano
passado. Em relação ao mesmo mês no ano passado, o aumento foi de mais de 880%.
Dois funcionários de
uma usina em Urupês, região metropolitana de São José do Rio Preto, morreram
enquanto combatiam as chamas.
O Instituto Nacional
de Pesquisas Espacias (Inpe) informa que o Brasil registrou 4.928 focos de
calor.
Isso significa que
apenas o Estado de São Paulo respondeu por 38% de todas as queimadas do país,
conforme mostra comparativo feito pela empresa de meteorologia MetSul.
Segundo informações da
Secretaria do Estado divulgadas no domingo (25/8), 46 municípios estão sendo
monitorados e estão em alerta máximo para queimadas.
"A fumaça vêm
sendo transportadas pelos ventos. A condição de tempo seco nos últimos dias,
somada ao efeito de aproximação de uma frente fria, que alinha os ventos de
noroeste para sudeste e os deixa mais intensos, têm favorecido a propagação e
proliferação de queimadas, bem como dificultam qualquer tentativa de combate”,
explica Ana Avila, meteorologista e pesquisadora da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).
"Estamos em um
ano em que as chuvas estão abaixo da média, o que significa que há menos
umidade disponível para a vegetação, e os clima fica mais quente. Com essas
condições o fogo se alastra rapidamente, mas o maior responsável por esse
expressivo número de queimadas é o ser humano."
Cristina, moradora de
Ribeirão Preto que trabalha no ramo imobiliário, sofre de asma e conta que a
qualidade do ar piorou muito desde os incêndios começaram.
As queimadas liberam
substâncias tóxicas que irritam as narinas, olhos e garganta, além de
atravessarem as células pulmonares e entrarem na circulação sanguínea.
Dessa forma, são
distribuídas por todo o corpo, causando inflamação, especialmente em pessoas
com problemas de saúde preexistentes.
"Nunca vivi algo
tão aterrorizante. Havia tanta cinza e fuligem dentro dos apartamentos... Mesmo
com tudo fechado. Falei para minha filha: 'Parece que o fogo está aqui dentro'.
É difícil respirar".
"Tive que colocar
um vaporizador ao meu lado durante a noite, e minha bombinha ficou debaixo do
travesseiro. Usei bastante. É um remédio que eu pego na farmácia pela Farmácia
Popular, e que peguei semana passada, mas já está quase acabando", diz
ela.
"Passei muito
mal, e sei que muitas pessoas estão internadas por causa da qualidade do
ar."
Imagens no Centro de
Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do INPE mostram que dez Estados
brasileiros enfrentam uma acentuada piora na qualidade do ar devido a queimadas
na Amazônia. Alguns, como é o caso de São Paulo, têm focos de incêndios
próprios, o que agrava a situação.
O MetSul descreve que
uma massa de ar seco e extremamente quente atuou no centro do Brasil na última
semana e favoreceu temperaturas muito altas ainda no Sul e no Norte do Brasil
com marcas perto e acima de 40ºC em vários Estados.
"O tempo seco e
quente contribuiu para um salto no número de queimadas, como se dá todos os
anos nesta época que marca o auge da estação seca no centro do Brasil, mas a
explosão de queimadas verificada em São Paulo não pode ser explicada apenas
pelo clima e tem origem humana, o que deverá ser investigado pelas
autoridades", diz o informe.
São Paulo já registra
chuvas em várias regiões, pela chegada de uma frente fria que colaborou para
cessar a maioria dos focos de fogo no território do Estado.
Os ventos que
acompanham a frente fria, no entanto, levaram a fumaça de queimadas para Goiás,
Distrito Federal e Minas Gerais.
O governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou, em coletiva de imprensa,
que foi criado um plano emergencial para ampliar a capacidade de atendimento
das unidades de saúde na região de Ribeirão Preto.
Coordenado pela
Secretaria de Estado da Saúde e o Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP), o pacote de ações apresentado aos 26
municípios da região prevê a ampliação dos serviços de telemedicina, com
médicos do HC que ficarão disponíveis 24h por dia para orientar as equipes de
saúde e encaminhar os casos mais graves para hospitais de referência.
Ainda no sábado, a
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que o evento extremo em São
Paulo é mais "uma emergência climática enfrentada pelo país" e
afirmou ter conversado com o governador e acertado o envio de aviões para
combater os incêndios.
"O governo
federal, por meio do Ministério da Defesa, também está enviando aviões para
combater o fogo. É importantíssima a decisão do governador de montar uma sala
de situação e mobilizar todos os recursos do governo estadual", disse
Marina.
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Efeitos nocivos à saúde
As queimadas liberam
substâncias perigosas para a saúde humana e animal.
De acordo com
pneumologistas consultados pela BBC News Brasil, a fumaça contém materiais
tóxicos, como dioxinas e metais pesados, além de partículas finas que podem ser
inaladas, causando problemas respiratórios graves, sobretudo para quem já tem
doenças pré-existentes.
Gases tóxicos, como
monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio, também são liberados, aumentando o
risco e agravando doenças pulmonares e cardiovasculares.
Os poluentes podem se
espalhar por grandes distâncias, impactando a saúde em regiões distantes de
onde os incêndios ocorreram.
"As partículas
finas e os elementos químicos presentes na poluição ultrapassam as células
pulmonares [alvéolos] e entram na circulação sanguínea, sendo distribuídos por
todo o corpo. Isso causa inflamação nos vasos sanguíneos, aumentando o risco de
pressão alta, arritmias e até infarto agudo do miocárdio", afirma Mauro
Gomes, pneumologista e membro do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de
Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).
"Portanto, a
poluição prejudica não apenas os pulmões, mas também o coração e a
circulação", segue Gomes.
Quanto mais próxima de
pessoas que estiverem no centro de queima, maior o risco de inalação.
"Pessoas com
doenças crônicas, como asma, bronquite, enfisema, rinite, rinossinusite ou
problemas cardiovasculares, são especialmente vulneráveis à inalação de fumaça.
É crucial monitorar esses grupos nas semanas e meses seguintes, pois os efeitos
inflamatórios podem surgir com atraso, agravando outras condições
crônicas", explica Ubiratan Santos, pneumologista e membro da SBPT
(Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).
Mas quem não tem
doenças subjacentes também pode sofrer os efeitos, que incluem olhos vermelhos
e irritação nos olhos, nariz e garganta.
Os especialistas
aconselham evitar a exposição desnecessária à fumaça, ficando em ambiente
fechado quando possível, e ao sair na rua, usar máscara (especialmente o modelo
N95, que se tornou popular durante a pandemia de covid, por sua capacidade de
filtrar partículas finas).
"Em relação à
proteção em casa, as janelas e portas devem ficar fechadas, e mesmo assim pode
ser difícil impedir completamente a entrada de ar poluído, especialmente se
houver frestas", afirma Gomes.
O médico recomenda
usar umidificador, ou, na falta do acessório, bacias de água e panos molhados
pela casa. Outras recomendações para quem mora em áreas afetadas estão listadas
abaixo.
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Recomendações para a saúde
Autoridades de São
Paulo oferece recomendações de saúde e segurança (veja abaixo) que valem para
todas as localidades do país em caso de contato com fumaça de incêndios:
• Pacientes com asma, DPOC (doença
pulmonar obstrutiva crônica) e rinite alérgica devem manter o tratamento
regular com sua medicação inalatória (bombinhas);
• Quem não faz uso frequente, deve
utilizar a bombinha regularmente, neste momento, para o tratamento para asma ou
rinite, antes dos sintomas se agravarem;
• Obter medicação usada em quadros
críticos anteriores e utilizar o mais cedo possível, caso iniciem sintomas
respiratórios;
• Se possível, não sair de casa. Vedar
portas e janelas;
• Se precisar sair de casa, usar máscara,
preferencialmente, PFF2/N95;
• Evitar locais com grande concentração de
fumaça. A fumaça é tóxica e pode causar problemas respiratórios imediatamente;
• Quem tiver contato direto próximo a
áreas de queimada, se apresentar sintomas respiratórios como falta de ar,
chiado no peito, tonturas, dor de cabeça, procurar atendimento médico;
• Beber água. A hidratação é muito
importante para a via aérea. Atenção especial com crianças e idosos, pelo maior
risco de desidratação;
• Lavar o nariz e olhos com soro
fisiológico;
• Umidificadores podem ser usados, mas
precisam ser limpos diariamente. Usar toalhas molhadas e bacias com água, caso
não tenha umidificador em casa;
• Suspender a prática de atividade física
ao ar livre nos próximos dias.
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Orientações gerais à população
• Ao avistar um foco de incêndio ou fumaça
densa, saia imediatamente da área e busque abrigo seguro. Informe o Corpo de
Bombeiros e a Defesa Civil;
• Redobre a atenção ao dirigir;
• Evite atravessar áreas com cortinas de
fumaça e fogo. Caso seja inevitável, reduza a velocidade, mantenha os faróis
baixos acesos e uma distância segura do veículo à frente;
• Evite se deslocar pelas rodovias e rotas
com interdições. Se for necessário, busque rotas alternativas seguras;
• Não solte balões. Balões que usam fogo
podem provocar incêndios florestais;
• Evite acender fogueiras, especialmente
próximo às matas e florestas;
• Não utilizar o fogo para fazer limpeza
de terrenos ou queimar lixo. Faça descarte adequado de seus resíduos;
• Queimas controladas devem ser feitas
somente em período permitido e com autorização da autoridade local responsável;
• Em propriedades rurais, construa e
mantenha aceiros limpos para evitar a propagação do fogo, principalmente
próximo às estradas e rodovias e às áreas florestais.
• Dois são presos por incêndios criminosos
no interior de SP; um deles tinha vídeos celebrando o fogo
O governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos) confirmou a prisão de duas pessoas suspeitas de atuar
em incêndios criminosos no interior de São Paulo desde o início da força-tarefa
para conter o avanço das chamas no estado.
De acordo com o chefe
do Executivo, um suspeito foi preso na região de São José do Rio Preto (SP) no
sábado (24) e outro foi detido neste domingo (25) em Batatais (SP).
O homem detido neste
domingo é um mecânico de 42 anos, flagrado pela Polícia Militar enquanto ateava
fogo em uma mata próxima à região central de Batatais após uma denúncia
anônima.
Com ele foi apreendida
uma garrafa com gasolina, um isqueiro e o telefone celular. Ele foi levado para
a central de flagrantes para prestar depoimento. De acordo com apuração da
reportagem no local, em vídeos encontrados no aparelho o homem comemorava incêndios
de grandes proporções na região.
Ele será encaminhado
para o Centro de Detenção Provisória de Franca (SP) e deve responder por
incêndio criminoso.
A operação do estado
foi iniciada neste fim de semana, quando o governo decretou situação de
emergência por 180 dias em 45 municípios paulista e criou um gabinete de crise
diante da situação de emergência climática.
Neste domingo, 46
cidades estavam em monitoramento de alerta máximo - incluindo localidades não
contempladas pelo decreto -, e 21 delas têm focos ativos de fogo.
1. Monte Alegre do Sul
2. Pontal
3. Sertãozinho
4. Santo Antônio da Alegria
5. Nova Granada
6. Iacanga
7. Pompeia
8. Boa Esperança do Sul
9. Lucélia
10. Poloni
11. Bebedouro
12. Tabatinga
13. Brodowski
14. Luís Antônio
15. Pedregulho
16. Tambaú
17. Turiúba
18. Pradópolis
19. Altinópolis
20. Paulo de Faria
21. Morro Agudo
Aeronaves das Forças
Armadas, incluindo um avião KC-390 da FAB, foram confirmados para a
força-tarefa, que tinha previsão de ser iniciada nas próximas horas em áreas já
previamente monitoradas, segundo o governo.
As regiões de Ribeirão
Preto e de São José do Rio Preto, onde ocorreram as prisões, estão entre as
mais atingidas por uma série de queimadas que colocaram São Paulo no topo da
lista de focos do país, em um número recorde nos últimos 26 anos.
Desde a última
quinta-feira (22) até a manhã deste domingo, 2.621 focos de incêndio foram
registrados por satélites de referência do Bando de Dados de Queimadas
(BDQueimadas), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Essas ocorrências
levaram a acidentes e interdições nas estradas, devido à baixa visibilidade,
além de mortes de pessoas que tentaram combater as chamas em Urupês (SP), ao
cancelamento de aulas, operações de voos, atividades ao ar livre e jogos de
futebol em Ribeirão Preto (SP).
Em Altinópolis (SP),
uma rave em uma área rural foi esvaziada e 500 pessoas precisaram ser atendidas
devido à inalação de fumaça.
<><> Plano
emergencial
Também neste domingo,
o governo confirmou um plano emergencial para ampliar atendimentos de saúde em
resposta às queimadas após uma reunião com representantes de 26 municípios da
região de Ribeirão Preto.
O plano prevê
ampliação em serviços de telemedicina, com médicos 24 horas por dia, e
reorganização de triagens par encaminhamento de casos mais graves para
hospitais de referência, como o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da USP de Ribeirão Preto.
Poltronas e leitos de
observação serão destinados a atendimentos de emergência. Além disso,
populações de rua terão acesso a kits de higiene com máscara e água potável.
Locais estratégicos também contarão com pontos de hidratação, segundo o
governo.
Fonte: BBC News Brasil/g1
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