terça-feira, 27 de agosto de 2024

Luiz Felipe Miguel: ‘Pablo Marçal - o show de horrores’

Pablo Marçal é o perfeito picareta. Tentou começar a vida como ladrão comum — chegou a ser condenado por furto qualificado, pelo envolvimento numa quadrilha do ramo da fraude bancária. Depois, avaliando melhor como poderia investir seus talentos, evoluiu para coach messiânico, isto é, para o charlatanismo em escala industrial.

Em outros tempos, talvez viria a ser profeta, fundador de religião. Hoje, usa as redes sociais para enganar os otários e amealhar fortuna.

Se a gente vivesse num país menos esculhambado, ele certamente já estaria preso. Sua pilantragem não tem efeitos apenas sobre o bolso de suas vítimas; ele também coloca a vida e a integridade física de seus seguidores em risco.

Quem não se lembra do grupo de 32 coitados que precisaram ser resgatados pelo Corpo de Bombeiros, depois que o coach os incitou a subir uma montanha sob condições climáticas adversas?

Ou do funcionário que morreu de ataque cardíaco depois que o patrão Marçal o fez participar de uma “maratona surpresa”?

O retrato já está bem claro: é um patife amoral, autocentrado, capaz de qualquer coisa desde que anteveja algum benefício para si mesmo. Um homem, como se nota, talhado para pertencer à elite política do Brasil.

Pablo Marçal, que é um esperto, percebeu isso. Em 2022, ensaiou uma candidatura presidencial, mas era só encenação mesmo. Usou sua visibilidade para vender apoio a Jair Bolsonaro, uma figura com quem guarda proximidades óbvias.

Agora, concorre à prefeitura de São Paulo para valer. Ele não conhece a cidade, não tem ideia de como se administra uma metrópole, não tem experiência gerencial ou política, não tem nenhuma proposta para área nenhuma.

Não importa. Arranjou uma legenda, aliás dirigida por pessoas suspeitas de envolvimento com o crime organizado, para abrigar sua candidatura. Amontoa ideias descabidas, ridicularizadas por especialistas ou mesmo por quem seja provido de um mínimo de bom senso, como construir um prédio de 1 km de altura, e as enuncia como se substituíssem um plano de governo.

Mas o foco de sua campanha é disparar impropérios, acusações infundadas e todo o tipo de baixaria contra seus adversários. A personalidade “extravagante” do mistificador é quase irresistível para uma mídia que não tem qualquer senso de responsabilidade diante da sociedade. Pablo Marçal recebe um espaço gigantesco no noticiário; propostas imbecis e xingamentos sórdidos ganham manchetes; é convidado para participar dos debates, embora não se qualifique para tal (dada a irrelevância de seu partido), sob o argumento do “interesse jornalístico” — na verdade, do sensacionalismo barato, do qual ele é mestre.

Mesmo depois de que a política brasileira se transformou no show de horrores que é hoje, com Jair Bolsonaro e os seus, os adversários parecem despreparados para um Pablo Marçal. Seu absoluto desinteresse por qualquer coisa de sério, seu desprezo olímpico pela verdade e pela decência, tudo isso se mostra desconcertante.

O coach sabe puxar seus oponentes para a disputa no terreno que lhe é favorável: a agressão, a baixaria. Guilherme Boulos arriscou um enfrentamento e saiu perdendo.

Como diz a sabedoria popular: quem briga com um porco fica tão enlameado quanto ele. A diferença é que o porco gosta.

José Luiz Datena, quase tão despreparado quanto Pablo Marçal para ocupar a prefeitura, viu que seus talentos de apresentador de televisão empalideciam diante da desenvoltura de seu novo oponente. Ricardo Nunes, mentiroso contumaz, também percebeu que não é páreo para o coach.

Os três — Boulos, Datena e Nunes — estão optando por não comparecer a debates. Estratégia arriscada, que deixa Pablo Marçal solto. Aliás, ele adotou a tática de não responder a perguntas e simplesmente ocupar o tempo para falar o que lhe dá na telha.

Depois, recorta o que quer e posta nas suas redes. São mais de 12 milhões de seguidores só no Instagram.

Seria necessário, aliás, pensar em formas de regulação disso, sob o risco de sermos submetidos a um governo de influencers. Por que não suspender os perfis de todos os candidatos durante a campanha e concentrar seus conteúdos em um único espaço, administrado pela justiça eleitoral — uma espécie de HGPE da internet? Ingênuo? Irrealizável? Inócuo? É provável que sim. Mas alternativas têm que ser pensadas e testadas.

Quem se sai melhor é Tabata Amaral. A jovem deputada da Fundação Lemman se mostra mais equilibrada diante do destempero do coach; seu estilo tecnocrático é o contraponto perfeito e ela se aproxima do que sempre procurou, ser a imagem do preparo e da ponderação entre os candidatos.

Mais um efeito negativo da presença de Pablo Marçal na campanha, é preciso anotar. Por mais absurdo e patético que seja seu estilo, ele agrada a uma importante fatia do eleitorado que está sendo cada vez mais levada a ver agressividade como firmeza, incompetência como autenticidade e falta de compostura como indignação contra o sistema.

Feitas as contas, Marçal já é vencedor: (i) Tornou-se o centro da campanha eleitoral, recebendo o máximo de atenção, que é algo que ele sempre persegue; (ii) caso não chegue ao segundo turno, será dono de um cabedal de votos suficiente para vender caro seu apoio; (iii) caso chegue, terá que ser “respeitado” como político e levado “a sério” pelos outros partidos.

(iv) Caso ganhe as eleições, terá na prefeitura gigantescas oportunidades para “bons negócios” — e se a cidade de São Paulo se lascar, como certamente ocorrerá, a culpa é de seus moradores; (v) eleito ou com bom desempenho eleitoral, pode se colocar novamente em 2026, disputando a liderança da extrema direita (Jair Bolsonaro já sentiu o baque) ou, uma vez mais, vendendo caro seu apoio.

(vi) Qualquer que seja o resultado, está aproveitando a visibilidade da campanha para ampliar a base de seguidores, logo de clientes potenciais para suas picaretagens; (vii) por último, mas não menos importante, tornar-se um “líder político” ajuda a blindá-lo contra as denúncias e processos por suas práticas estelionatárias.

O sucesso de Pablo Marçal é um sintoma dos problemas graves da política brasileira. É preciso enfrentar tanto o sintoma quanto as causas — e o enfrentamento das causas passa necessariamente por educação política e elevação dos termos do debate.

 

•        Noblat: Frente ampla contra Marçal em São Paulo dificilmente dará certo

Para Pablo Marçal (PRTB), candidato a prefeito de São Paulo, tudo vai muito bem. Pesquisas encomendadas por bancos, apenas para conhecimento dos seus principais acionistas, indicam que Marçal continua crescendo na intenção de voto dos paulistanos.

Sem problema para ele que um juiz eleitoral tenha bloqueado suas contas em algumas plataformas digitais. Há meios e modos de driblar o bloqueio, e Marçal e seus guerrilheiros conhecem todos eles. De resto, o bloqueio pode ser vendido como censura.

A decisão do juiz conferiu a Marçal uma aura de perseguido pelo “sistema” que ele diz tanto abominar. Marçal não é vítima do “sistema” porque ele tem suas despesas bancadas por parte do “sistema”. Marçal é filho da banda mais podre do “sistema”.

No momento, monta-se informalmente uma frente ampla para combater o candidato daqueles que se consideram órfãos de Bolsonaro. Os órfãos sentem-se traídos. Bolsonaro não deveria ter-se juntado ao “sistema” que prometera eliminar, mas foi o que fez.

Depois de derrotado por Lula, Bolsonaro carecia de quem lhe pagasse as contas e satisfizesse todos os caprichos. Ele e os filhos enriqueceram na vida pública. Jamais passarão fome. Mas não querem gastar o que acumularam. Aí apareceu uma boa alma.

Trata-se de Valdemar Costa Neto, ex-mensaleiro do PT, condenado e preso por corrupção, presidente e único dono do Partido Liberal onde Bolsonaro achou abrigo. Costa Neto paga caro pela companhia da ex-primeira família presidencial do Brasil.

Caridade de Costa Neto? Não, esperteza política. Ele aposta na força eleitoral dos Bolsonaro. E quer mais do que dobrar o número de prefeitos e de vereadores eleitos pelo partido nas eleições de novembro próximo. Bolsonaro é um trunfo precioso para ele.

Ao convencê-lo a apoiar a reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB), Costa Neto abriu a porta para a entrada no palco de um sujeito como Marçal, que a princípio não teria chances nem de ser admitido na coxia. Como entregador de pizza, talvez.

Servidores das campanhas dos demais candidatos a prefeito de São Paulo falam em agir coletivamente para barrar a contínua ascensão de Marçal. A boca do palco não seria seu lugar. Mas, não será uma empreitada fácil. Candidatos desconfiam uns dos outros.

Dizem que eles atuarão em conjunto para forçar a mudança de regras nos debates eleitorais já marcados. Quem garante que Marçal as respeitará? E quem garante que os promotores de debates renunciarão à participação de Marçal? Ele atrai audiência.

Os eleitores costumam afirmar que detestam insultos e troca de desaforos durante um debate, e que prezam a apresentação de soluções para os problemas da cidade. É uma cínica meia verdade. Amam bate-bocas e a detonação de escândalos.

Se Marçal for uma chuva de verão, logo saberemos. Se for um tsunami, corram para longe e para o alto. Ou clamem pela ajuda das tropas sob o comando ou a inspiração do Xandão.

 

•        Ex-juiz critica decisão que derruba redes de Marçal: “Desproporcional”

Samer Agi, ex-juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e advogado, disse que a decisão judicial que suspendeu os perfis nas redes sociais de Pablo Marçal (PRTB), candidato a prefeito de São Paulo, é “desproporcional” e viola a Constituição.

“Se o único veículo de divulgação da campanha de um candidato é a rede social, o que acontece quando um juiz decide suspender suas redes até as eleições? Ele impede a campanha, retira do povo o poder de escolha (em razão da falta de conhecimento do pleiteante) e fere o processo democrático”, disse Agi, que se demitiu do TJDFT e hoje atua como advogado e professor.

“A interferência do Judiciário no processo eleitoral, na situação em apreço, significa uma cassação liminar da candidatura e a violação da soberania popular. A decisão, além de fixar medida desproporcional, suprime a liberdade de expressão e viola a Constituição a não poder mais”, declarou o ex-juiz.

•        A censura contra Pablo Marçal, o Mitinho, pode ajudar Guilherme Boulos, segundo Mario Sabino

Tirar do ar as redes sociais de Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo, é condenável do ponto de vista cada vez mais longínquo da da democracia e uma burrada política que só vai aumentar a ilusão, entre os seus eleitores ou dos que o vêem com simpatia quase amor, de que o sujeito “luta contra o sistema”.

Ele já explora intensamente o papel de vítima e continuará a fazê-lo se vier a recuperar o que lhe foi interditado. Ao fim e ao cabo, Guilherme Boulos se beneficiaria no caso de Pablo Marçal passar ao segundo turno, como se verá. Vamos pela ordem.

Se Pablo Marçal fere terrivelmente a lei eleitoral ao promover concursos com prêmio em dinheiro para cortes de vídeos feitos para viralizar na internet, a decisão correta seria tirar os vídeos suspeitos de circulação enquanto se investiga, adverti-lo e, em caso de desobediência, partir para a cassação sumária da sua candidatura — não censurar os seus perfis nas diversas plataformas enquanto se investiga.

A cassação afetaria diretamente apenas Pablo Marçal. Alguém poderá argumentar que os eleitores dele também seriam atingidos pelo veto à sua candidatura. Sim, mas a responsabilidade frente aos eleitores seria do candidato, que não quis, de forma deliberada, obedecer às regras do jogo e os deixou na mão.

Já a censura às redes sociais de Pablo Marçal, censura prévia requerida pela candidata Tabata Amaral, afeta também todos nós. A justificativa de que o tempo urge em época eleitoral não pode servir para que se abra exceção a direitos constitucionais básicos.

Não estamos mais diante de simples precedente, mas de outro episódio da contínua agressão à liberdade de expressão da parte da Justiça. Inexiste mais um cidadão brasileiro que não possa ser calado por qualquer juiz que use como pretexto a defesa da democracia. O estado de exceção tornou-se regra.

Pablo Marçal não luta contra o sistema, apesar de todas as suas palhaçadas disruptivas. Ele quer entrar para o sistema. Se a história se repete como farsa nas diferentes latitudes, ela se repete como comédia no Brasil. Ou como tragicomédia. Vender a ideia de que luta contra o sistema garantiu o sucesso de Jair Bolsonaro. Pablo Marçal é um imitador — e, como imitação, é pior do que o original.

A sua ficha criminal parruda deveria tê-lo impedido de chegar até aqui, mas ela só passou a ser um problema para a oligarquia depois que a sua candidatura decolou. Se Pablo Marçal fosse um candidato inofensivo, reitero, ninguém se importaria com o fato de ele andar com gente ligada ao PCC, não ter obedecido estritamente ao prazo de filiação ou desrespeitar a lei eleitoral pagando para impulsionar vídeos nas redes sociais.

Se a candidatura do moço não vier a ser cassada, ele irá bombar nas redes sociais, mesmo sob censura. Aliás, já está. Há muita gente “antissistema” nas plataformas disposta a ajudar o seu novo Mito, o Mitinho zoador. Presumo que a Justiça Eleitoral não vá dar um cala-boca geral.

Sem propaganda gratuita no rádio e na TV, visto que o PRTB não tem representantes na Câmara dos Deputados, e desprovido dos seus perfis até o final da eleição (a censura com data para terminar torna a coisa mais ignóbil), Pablo Marçal conta apenas com a estridência dos seus seguidores nas plataformas e com comícios. A ver se a briga ideológica se sobreporá ao buraco de rua em uma campanha municipal. Briga comprada também com Jair Bolsonaro, que apoia Ricardo Nunes e só agora viu o perigo que Pablo Marçal representa para a sua hegemonia na direita.

Tomada pela fúria censória, a Justiça Eleitoral pode ter dado um bom empurrão em Pablo Marçal ao transfomá-lo em mártir corajoso. Com um efeito colateral e tanto: na hipótese de ele passar ao segundo turno como candidato da direita, no lugar de Ricardo Nunes, cresce bastante a chance de Guilherme Boulos, apoiado por Lula, ser eleito prefeito de São Paulo.

Não é simples impressão. Na pesquisa recém-divulgada pelo instituto Paraná, a simulação de segundo turno mostra que o candidato do PSol teria 43% dos votos, contra 38% do candidato do PRTB. Já Ricardo Nunes venceria Guilherme Boulos por 51% a 34%.

A esquerda torce para Pablo Marçal passar ao segundo turno. Contra o Mitinho zoador, ela terá a oportunidade única de colocar Guilherme Boulos no comando da maior cidade brasileira.

 

•        Bolsonaristas lembram 2018 e veem risco de “alckmização” de Nunes

O avanço do coach Pablo Marçal sobre o prefeito Ricardo Nunes nas pesquisas de intenção de voto à Prefeitura de São Paulo, sobretudo o mais recente Datafolha, tem despertado em alguns bolsonaristas memórias da eleição presidencial de 2018, vencida pelo então deputado de baixo clero Jair Bolsonaro.

Diante da empreitada de Nunes em conter Marçal e seu estilo caótico e irresponsável, esses bolsonaristas têm falado em uma possível “alckmização” do emedebista.

O paralelo leva em conta que, em 2018, assim como Nunes em 2024, o então tucano Geraldo Alckmin representava um partido tradicional, encabeçava uma ampla coligação com siglas de centro e farto tempo de propaganda na televisão. Esvaziado à direita por uma nova força que arrebatou o eleitor conservador, até então alinhado ao PSDB contra o PT, ele acabou protagonizando um fiasco eleitoral (4,7% dos votos) e ficando fora do segundo turno. Assim como Marçal, Bolsonaro não dispunha de um partido forte ou alianças em 2018.

“O Alckmin-2018 traz lições ao Ricardo. À parte a facada, a estratégia dele de bater em Bolsonaro e se mostrar como o nome do antipetismo foi um fracasso. A direita passou a ter candidato”, disse à coluna um bolsonarista paulista.

Embora tenha recebido o apoio de Jair Bolsonaro e do PL, Ricardo Nunes vinha demonstrando resistência a bolsonarizar seu discurso e insiste em um discurso de “frente ampla”. Nos últimos dias, ante o risco de perderem o controle do eleitorado de direita, Bolsonaro e seus filhos têm ido para cima de Marçal em postagens e vídeos nas redes sociais.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Metrópoles

 

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