segunda-feira, 26 de agosto de 2024

 

Humor como instrumento de luta contra o imperialismo: o trabalho de artistas na sátira geopolítica

Do Oriente Médio à Europa, da África à América do Sul, o mundo vive um dos momentos mais conturbados da geopolítica desde o fim da Guerra Fria. Muito causado pelo imperialismo de grandes potências como os Estados Unidos, a crítica a esse processo ganha no humor uma ferramenta fundamental para ajudar na construção de um mundo multipolar.

Há mais de 30 anos nascia um movimento revolucionário indígena no México que lutava contra a marginalização dessa população, na região de Chiapas — eram descendentes dos maias —, além de exigir o fim da corrupção e do tratado de livre comércio entre México, Estados Unidos e Canadá (o antigo NAFTA, visto por eles na época como meio de submissão à hegemonia norte-americana). Era o zapatismo, que sofreu um massacre por forças paramilitares e várias pessoas foram presas. Apesar da promessa, em 1996, de o governo mexicano garantir os direitos indígenas na Constituição do país latino, isso nunca foi cumprido.

E foi a sensibilização com a questão indígena que levou o chargista Carlos Latuff a se interessar ainda mais por geopolítica e pela luta através da arte. Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Latuff revelou que tentou ir ao México, mas foi impedido pelo cônsul da época, que "não queria estrangeiros se metendo em questões internas".

"Então eu comecei a produzir charges que poderiam ser usadas pelos zapatistas e seus apoiadores. A princípio, enviava por fax os desenhos para o escritório da Frente Zapatista de Libertação Nacional, na Cidade do México. Posteriormente, vendo o potencial da Internet, abri uma página e publicava", relatou.

Já no final dos anos 1990, outra situação também ajudou a moldar a carreira como chargista: a opressão da população palestina por Israel, assunto que voltou ainda mais à tona nos tempos atuais por conta da guerra na Faixa de Gaza.

"Resolvi juntar dinheiro e, por conta própria, passar 15 dias na Cisjordânia, onde graças a uma ONG em Ramallah pude ir a várias cidades palestinas ocupadas por Israel. Naquela época já via o apartheid, a segregação e a violência do Estado contra a população e, a partir daí, acabei tendo envolvimento efetivamente pessoal", declara.

<><> O que Israel representa para o mundo?

Construído a partir do movimento sionista que surgiu ainda no fim do século XIX, Israel é a consolidação da ideologia que defendia o Estado judeu na região da Palestina e, também, a defesa da autodeterminação dessa população.

Em meio a uma das guerras mais sangrentas do século, promovida pelo governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em Gaza, onde quase 40 mil palestinos já morreram, as charges produzidas por Latuff que denunciam o genocídio passaram a serem compartilhadas mundo afora. Diante disso, ele também já chegou a ser tachado de antissemita.

"Quando você decide criticar as políticas do Estado de Israel, você é tachado de antissemita de pronto. E eu entendo que isso é uma estratégia de intimidação, é uma estratégia que visa inviabilizar as críticas ao Estado de Israel. Antissemitismo é o ódio aos judeus, e o Estado de Israel, apesar das tentativas de se colocar como se fosse o representante do povo judeu, nenhum país, nenhum Estado representa a totalidade de uma população. Então, no caso de Israel, existe essa tentativa de dizer que uma crítica ao Estado é um ataque ao povo judeu. Isso não é verdade, tanto assim que existem muitos judeus antissionistas que não apoiam esse genocídio, essa limpeza étnica que está acontecendo na Palestina", pontuou.

Esses desenhos que mostram o sofrimento da população palestina, segundo o chargista, fizeram com que chegasse a receber mensagens de pessoas que vivem em meio ao conflito.

"Tem certos desenhos que são vivos, e eles machucam quando você faz, eles espetam, eles alfinetam […]. E, sobre Gaza, é um exemplo. Eu tenho pessoas que estão lá e mandam mensagem. Tem uma em específico, de nome Layla, que é mãe e apareceu uma vez em uma live com os filhos orgulhosos desse trabalho. Ela está em Rafah, não sei se está viva hoje, se estará amanhã", emociona-se.

<><> Charges e a 'Guerra Fria 2.0'

Carlos Latuff citou ainda a importância do trabalho em meio ao atual contexto, que considera uma "Guerra Fria 2.0", e por trabalhar em um veículo chinês que, segundo ele, representa o outro lado. "Você ser cartunista e chargista trabalhando para jornais ocidentais que corroboram as visões dos Estados Unidos, isso não é uma coisa difícil. Isso é uma coisa bem fácil, eu diria. O que mais você vê é isso. Agora, você ter o outro lado, você mostrar o lado da Rússia, o lado da China, é uma coisa que você não vê com tanta frequência por parte dos chargistas na imprensa ocidental. Por isso, para mim, seria realmente uma consagração da minha carreira."

Além disso, Latuff lembra do uso de seus desenhos como instrumento de luta. "A charge tem um papel editorial, de ilustrar uma matéria, de ir para a sessão de um jornal. Tem uma função editorial, mas quando você vê, por exemplo, as charges que eu faço sobre a questão palestina serem utilizadas por manifestantes mundo afora, em pôster, em cartaz, pelas ruas, pelas manifestações, até mesmo charges antigas, isso demonstra que a charge também pode ser utilizada como instrumento", declara.

<><> Ator ganhou as redes sociais ao fazer animações com 'nações conversando'

Já o ator Pedro Daher viu o alcance de suas publicações nas redes crescer depois que fez um vídeo para o TikTok em que colocava países como animações, cada um com uma voz diferente feita por ele. "Tem um efeito que você consegue colocar sua cara, olhos e bocas em qualquer imagem. Aí eu resolvi brincar com a questão de Brasil e Portugal com as palavras diferentes que cada um tem na língua portuguesa. Começou a bombar e deu mais 1 milhão de visualizações", conta.

Depois, passou a adotar um roteiro de sátira com relação ao atual contexto geopolítico e a abordar temas sensíveis, como o conflito na Ucrânia e a luta contra a hegemonia dos Estados Unidos.

"Eu trato com muito pragmatismo qualquer país, desde os Estados Unidos até a Rússia. E acredito que estamos tão acostumados a receber notícias que rebaixam a imagem da Rússia que, quando faço um vídeo contrário a isso, que vai contra o senso comum de colocar o país como vilão, estranham […]. E eu também gosto de colocar os Estados Unidos não como uma figura do mal, mas de mostrar que possui interesses na geopolítica que acabam prejudicando a soberania de outros países, de grupos como o BRICS que buscam a construção de um mundo mais multipolar", diz.

Para cada país, o ator tenta criar uma voz estereotipada, até para facilitar o entendimento das pessoas. "Eu acabei recebendo até críticas dos chineses, que tem muito aquele estereótipo, dizendo que não falam muito bem português, mas que não era assim. Até que eu encontrei uma jornalista e entendi melhor, criei um sotaque mais próximo da realidade […]. Eu usei esses estereótipos como uma forma de facilitar o entendimento das pessoas de qual país a gente tá falando, de qual nação a gente tá falando. Então, a França eu tento brincar como o [chef de cozinha Érick] Jacquin conversa. Para a Alemanha, eu tentei criar um personagem totalmente pitoresco", relata.

A produção de cada vídeo, que passou a ter dois semanalmente, conta com pesquisas em jornais, sites de notícias e livros para levar informação e crítica ao público sobre os acontecimentos do mundo. "Os conteúdos demandam muita informação e, muitas vezes, preciso ir atrás de professores, especialistas em determinados assuntos para, mesmo fazendo esse conteúdo com teor de humor, consiga manter o discurso sério", finaliza.

 

¨      "Lacração" e likes, armas da extrema direita. Por Pedro Maciel

Tenho dito que o melhor lugar do mundo para se viver é em Foncebadon, um “Pueblo” espanhol, localizado no município de Santa Colomba de Somoza, na província de Leon; por quê? Porque lá vivem apenas oito pessoas (onde há poucos seres humanos, o risco de se esbarrar na idiotia humana, que viceja em lugares “cheios de gente” é menor).

Não tem sido fácil conviver com pessoas que foram cooptadas pela lógica da extrema-direita e do neopentecostalismo; a maioria dos idiosubjetivados são, a priori, boas pessoas, mas são manipuladas e servem a interesses que colidentes com os seus; há, evidentemente, os muitos canalhas que assumiram pautas e narrativas da extrema-direita para atender seus interesses pessoais. 

A ascensão da extrema-direita - sempre vazia de ideias e cheia de certezas -, coincide com o rebaixamento da Política à mesquinha busca de “likes” nas redes sociais, através da “lacração”, sempre com vistas à obtenção de algum tipo de lucro, seja financeiro (a tal “monetização”) ou relacionado ao fortalecimento político de uma pessoa ou grupo.

Não sei se o leitor conhece o significado de cada termo.

A gíria “lacrar” surgiu na internet como um sinônimo de arrasar ou “mandar bem”, principalmente em discussões nas redes sociais, como o Twitter e o Instagram. Quando uma pessoa lacra, significa que deixou as outras sem argumento, encerrando o assunto.

Já os likes são a quantidade de manifestações de aprovação a uma publicação; eles representam a existência do chamando “engajamento” do público com conteúdo; nesse mundo novo, os likes têm um papel crucial na sobrevivência e crescimento de uma marca.

Noutras palavras, quanto mais pessoas se envolvem (engajam) com um conteúdo, mais visto o produto é; portanto, engajamento faz com que o alcance das suas publicações aumente, aparecendo mais não só para quem participou da atividade, mas também para outros usuários. 

A consequência de mais visualizações (likes e engajamento) é o aumento de vendas, pois, quanto mais pessoas entram em contato com o seu conteúdo, mais chances há de que as mensagens sejam convertidas em negócios fechados, especialmente num tempo em que a imagem parece valer mais que o conteúdo; vivemos um tempo “maluco” em que as pessoas tendem a confiar apenas em conteúdo que têm mais visualizações ou likes, na web, e isso ocorre sem análise crítica. 

Essa lógica toda vale para o universo da política, tanto que um espantalho idiota como Bolsonaro chegou à presidência da república, muito graças às lacrações e aos likes.

A influência das redes sociais e de ferramentas como o WhatsApp é enorme e a extrema-direita usa com enorme competência. 

Lembremos da importância das redes e das mentiras para o Brexit (processo de saída do Reino Unido da União Europeia), para a eleição de Trump nos EUA, ambos em 2016, na eleição de Bolsonaro em 2018; e nos casos de Viktor Orbán, na Hungria; de Matteo Salvini, na Itália; do partido Vox na Espanha e de Marine Le Pen, na França (todos clientes do malvado Steve Bannon).

Bannon fundou uma organização chamada “O Movimento”, com o intuito de ajudar os partidos nacionalistas europeus em suas campanhas políticas. Além disso, como pode ser visto no documentário “Privacidade Hackeada” (de Karim Amer e Jehane Noujaim, 2019), colaborou com a campanha de Mauricio Macri na Argentina, e trabalhou para Guo Wengui, um exilado chinês bilionário que se opõe ao regime de seu país.

Atualmente, a extrema-direita está bem-organizada, usa bem as redes, elege seus representantes e usa “o santo nome de Deus em vão”, sem nenhum constrangimento, para validar a maldade que representa e pratica; como o nazismo alemão dos anos 1930 -  a extrema-direita está a usar democracia liberal para ocupar espaços institucionais de poder, mas é “malouquinha” para instituir ditaduras –, isso mesmo a extrema-direita não tem compromisso nem com a democracia liberal, e buscará manter-se no poder pela violência onde puder fazê-lo, Bolsonaro tentou.

A extrema-direita compreendeu que há um descontentamento enorme da sociedade com o neoliberalismo e com a democracia liberal; mas ela precisa defender o sistema, então ela, através das redes sociais, passou  a estabelecer interlocução direta com um número enorme de pessoas e faz um discurso de negação da Política, dos políticos, dos partidos e de toda a institucionalidade, além de mostrar enorme capacidade de mobilização popular (lembremos das marchas de junho de 2013, do 7 de setembro de 2021, dentre outros eventos recentes).

Para enganar incautos a extrema-direita simula combater o que chama de “sistema” ou de “mecanismo”, mas ela o defende; ela é aliada do neopentecostalismo adepto das teologias da prosperidade e do domínio; quem a financia, seus movimentos e representantes, no Brasil e no mundo, são os próceres do capitalismo financeiro, por isso não há ataques ao sistema econômico hegemônico, por isso não se debate às causas estruturais de tanta injustiça. 

A extrema-direita trabalha para proteger o sistema liberal, o capitalismo financeiro e o imperialismo, por isso direciona ataques aos políticos e partidos de esquerda, usa um discurso forte que transformou os ideais socialistas de uma sociedade justa, fraterna e igualitária em pecado e crime; e nós da esquerda - os únicos capazes de fazer o debate necessário com a sociedade acerca das injustiças sistêmicas e da necessidade de se buscar um caminho para além do capitalismo, do imperialismo e do liberalismo -, temos sido ineficientes (ou incapazes?).

Fato é que a extrema-direita, que perdeu a vergonha de dizer o que pensa, tem grande capacidade tecnológica para cultivar e amplificar o discurso do ódio no fértil adubo neoliberal e fala com milhões e milhões de pessoas; a extrema-direita faz isso mentindo nas redes sociais, mas os seus conteúdos ganham os corações e mentes dos incautos (se a extrema-direita é má e mentirosa, mas nós da esquerda temos sido incompetentes e não estamos conseguindo falar com a sociedade e o pior: somos pautados por idiotas como Pablo Marçal, pelos Bolsonaro 00, 01, 02 e 03, por gente como Nikolas Xupetinha e Damaris Alves).

A extrema-direita é sem-vergonha, racista, machista, misógina, antifeminista, imperialista e alimenta-se de delirantes teorias da conspiração; suas armas são as big datas e a inteligência artificial; a direita compreendeu como conversar e convencer as pessoas, ela compreendeu os medos e frustrações particulares dos abandonados de cada país e o seu sucesso decorre do uso eficiente de tecnologias para detectar medos, frustrações, traços de personalidade ou desejos, com dados obtidos de diferentes formas (informações fornecidas por amostragem estatística, através do algoritmo da Cambridge Analytica de Bannon, que a possibilita manipular populações por meio das redes sociais). 

O que fazer? Ou mudamos para Foncebadon ou fazemos uma autocrítica honesta e ampliamos nossa militância em unidade, não há outros caminhos 

 

Fonte: Sputnik Brasil/Brasil 247


Nenhum comentário: