Gilberto Menezes Côrtes: ‘O Congresso não
cumpre seu papel’
O Parlamento surgiu na
Inglaterra no século 13, como reação dos lordes (senhores de terras) e do clero
às contínuas taxações do Rei para custear os gastos da corte. Assim foi
elaborada a Carta Magna, em 1215, com o Parlamento até hoje sendo chamado de Câmara
dos Lordes. Sua função era vigiar os gastos da Realeza (e depois do Estado)
para evitar novos impostos para o cidadão. Foi o paradigma de todos os
parlamentos. No Brasil, o Congresso não age como fiscal de gastos. Ao
contrário. O Legislativo compete com o Executivo para ver quem faz mais
despesa. É comum o Congresso aprovar uma lei com deveres do Estado sem prover
fontes de recursos fiscais.
Não admira, portanto,
que, com despesas a descoberto, os gastos avancem mais que o PIB – a soma de
produção e renda gerada na economia a cada ano. O resultado é o desequilíbrio
fiscal, coberto com o crescente endividamento do Tesouro Nacional. A gênese da
inflação vem daí. Os governos aproveitavam para surfar na folga de gastos
oriunda da maior arrecadação devido à alta de preços. Restava ao Banco Central
puxar o freio de mão dos juros. O que trava a economia e investimentos que
poderiam gerar escala, produtividade e redução de custos unitários dos produtos
e serviços. Nosso Congresso foge à lógica e opera contra o cidadão que o
elegeu.
Vejam o caso da
reforma tributária. A tentativa de criar justiça fiscal no país, com o alívio
dos impostos na cesta de consumo (que era mais de 65% da carga tributária) e o
maior rigor sobre a renda e o patrimônio, como ocorre na União Europeia,
Estados Unidos e países da OCDE, está sendo atropelado pela soma de “lobbies”
defendidos por deputados e senadores na hora de excluir atividades das listas
de impostos enfeixados no Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que já pode
nascer com a maior alíquota do mundo – quase 28%.
Nos cálculos do
Ministério da Fazenda, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que no Brasil será
formado pela Contribuição de Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e
Serviços (IBS), poderia ter alíquota de 21,5%, o que daria enorme competividade
à economia brasileira, hoje com 34,4% de carga tributária. Isso seria possível
se os tratamentos especiais tivessem ficado restritos aos regimes específicos
de combustíveis, setor imobiliário e serviços financeiros. Com a inclusão de
tratamentos diferenciados a serviços de saúde e educação, medicamentos, cesta
básica (além da carne, defendida pelo presidente Lula, e os congressistas
incluíram o queijo), houve aumento de quase 6,5% na alíquota do IVA, que teria
chegado a 27,97%, segundo a Fazenda. Superaria os 27% da Hungria, a maior entre
os países da OCDE.
O novo sistema
tributário entra plenamente em vigor em 2033, mas não se pode esperar até lá
para evitar o desastre. Quanto antes forem podadas exceções, mais tempo as
empresas poderão programar investimentos visando o novo cenário. É uma corrida
contra o tempo. Pela lógica, não faz sentido que armas tenham tido isenções,
como se fosse um item da cesta básica. Se os “lobbies” atiram para todos os
lados no Congresso, o da “bala” é mais certeiro. Os novos itens inseridos na
cesta básica de alimentos submetidos à alíquota zero, como as carnes e os
queijos, causaram forte impacto sobre a alíquota de referência, junto com a
ampliação da lista de medicamentos na alíquota reduzida e as reduções de
alíquotas para o setor imobiliário, elevaram em 1,47 ponto percentual a
alíquota padrão, que sai de 26,5% para 27,97%. Para não reabrir a complexa ação
dos “lobbies”, a Fazenda está aceitando a ideia de defender junto ao Senado
aplicar um "corte linear" nas exceções. É sensato.
·
Prazo do 'acórdão'
termina esta semana
Na sexta-feira da
semana passada, quando parecia ter surgido um impasse do Congresso com o
Executivo, por responsabilizar o governo Lula pela decisão do ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, de suspender as emendas PIX e
exigir transparência nas emendas parlamentares enviadas a estados e municípios,
um grande 'acórdão' realizado no STF, presentes os 11 ministros que
referendaram, por 11 a 0, três decisões de Dino, ficou definido que o
Congresso, através do relator da PEC que vetava decisões monocráticas de
ministros do STF, senador Eduardo Gomes (PL-TO), apresentaria o novo relatório
em até dez dias.
Antes que o prazo se
completasse, o ministro Flávio Dino definiu, na sexta-feira, 23 de agosto,
regras adicionais para dar mais transparência às emendas de deputados e
senadores enviadas a estados e municípios. Como relator de ações no STF que
questionam o rito atual das emendas parlamentares – que são os repasses
incluídos por deputados e senadores no orçamento federal, a cada ano –, Dino
tornou mais explícitas as regras para a transparência no uso dos recursos
públicos do Orçamento Geral da União. Dino também condicionou a liberação dos
pagamentos à efetiva apresentação de como será cumprida a decisão que derrubou
o orçamento secreto.
Dino acrescentou que
cada solicitação será apreciada pela Secretaria de Relações Institucionais do
Poder Executivo quanto à retomada das execuções das RP 8 e RP 9, sempre nas
condições fixadas pelo STF para que ocorra o fiel atendimento ao Acórdão na presente
ADPF.
·
Prazos para a
transparência
Flávio Dino
estabeleceu que a Controladoria-Geral da União (CGU) tem 30 dias para propor
uma reestruturação do Portal da Transparência – e facilitar a consulta às
emendas de comissão e de relator. Depois, terá 90 dias para reestruturar o
sistema. Já os ministérios terão que usar, a partir de 2025, uma nova
nomenclatura criada pelo Tesouro Nacional para identificar, nos gastos
públicos, as emendas de relator e de comissão; as emendas fundo a fundo deverão
ser feitas pelo mesmo sistema usado pela União para outras transferências a
estados e municípios, "assegurando ao TCU e à CGU o acesso em tempo real a
todos os dados referentes à emenda e à transferência".
As transferências
"fundo a fundo" são um dos principais mecanismos do governo federal
para repassar dinheiro diretamente a estados e municípios em áreas como saúde e
segurança pública. Essa modalidade não exige convênios específicos ou contrapartidas
para cada repasse.
Quando emendas são
destinadas aos governos locais nessas mesmas áreas, em geral, a União usa o
mesmo mecanismo e injeta o dinheiro nos mesmos fundos – o que, segundo os
órgãos de controle, dificulta analisar esses repasses individualmente para
identificar desvios no valor liberado.
Na nova decisão,
Flávio Dino define que esses valores fundo a fundo terão de ser depositados,
mantidos e geridos em contas correntes específicas, individualizadas por
transferência e por emenda parlamentar. Agora, o extrato dessas contas
bancárias vai possibilitar identificar quem enviou a emenda e o valor enviado,
sem que o dinheiro "se perca" no fundo estadual ou municipal de
saúde, sem identificação. A regra, segundo Dino, vale para todos os repasses
futuros – e também para os atuais que ainda não tenham sido finalizados.
·
ONGs também são
atingidas
A decisão de Dino
implica também regras mais rígidas para o uso das emendas parlamentares por
ONGs e organizações da sociedade civil. As entidades poderão recorrer aos
recursos usando apenas dois mecanismos: os sistemas de licitação integrados ao
portal de transferências da União (TransfereGov); as cotações eletrônicas do
mesmo sistema, que envia notificação a todos os fornecedores do sistema de
compras governamentais da União.
A partir de agora,
além de apresentar um projeto ao parlamentar para requerer as emendas, as
entidades só poderão usar o dinheiro por meio dos canais oficiais de
contratação do governo federal – o que facilita o controle pelos órgãos de
fiscalização. Na última terça-feira, 21 de agosto, o presidente do Tribunal de
Contas da União, Bruno Dantas, manifestou preocupação com as emendas feitas no
mecanismo "fundo a fundo". E disse esperar que a negociação atual
resolva a questão. É sabida a existência de ONGs com “laranjas” de políticos
que mandam verbas federais para si ou parentes.
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Os indecisos mudam as
prévias
É uma questão
aritmética. Há dois meses de uma eleição, mais da metade do eleitorado ainda
não tem convicção em quem vai votar. Sendo assim, as prévias eleitorais, com
planilhas abertas com todos os nomes, mostram enorme diferença frente às
menções espontâneas. E, quando alguém faz ações incisivas nas redes sociais,
claro que tem forte resposta, como ocorreu em São Paulo com o salto do
candidato Pablo Marçal do PRTB.
Acontece que, quando
começar o horário eleitoral gratuito, dia 30, o “coach”-candidato não terá
exposição diária, pois seu partido não conseguiu percentual eleitoral para se
credenciar perante o Tribunal Regional Eleitoral. Assim, terá que se virar nos
30 para provar que as redes sociais garantem mais visibilidade que as de rádio
e TV. A hora da verdade se desenha após 7 de setembro.
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Venezuela: depois do
tombo, o coice
O Brasil tentou,
seriamente, inclusive apoiado de perto pelos Estados Unidos, mediar o processo
eleitoral na Venezuela para tentar restituir o rito democrático no país vizinho
do Norte. Outro poderoso vizinho, a Colômbia, juntamente com o Chile e o México,
tentaram e conseguiram fazer um acordo prévio entre o governo de Nicolás Maduro
e a oposição – o Acordo de Barbados, selado no Caribe em outubro do ano passado
– para a realização de eleições transparentes e fiscalizadas por observadores
internacionais.
Pelo Brasil, costurou
e acreditou no acordo o ex-chanceler Celso Amorim, assessor internacional do
presidente Lula. Mas entre outubro e 28 de julho, data do pleito, Maduro foi
mostrando as garras de ditador, que exibe a veia autoritária há 11 anos, quando
o ex-chanceler venezuelano sucedeu como vice-presidente eleito na chapa de
Chávez, em 2012, após 14 anos. O coronel Hugo Chávez só não se perpetuou no
poder porque um infarto matou o presidente de 58 anos, em 5 de março de 2013,
abreviando um câncer pélvico que várias vezes o afastara do comando do país nos
últimos dois anos. Chávez tentou um tratamento, sem sucesso, em Havana, onde
faleceu.
Depois de 25 anos de
desrespeito às mais comezinhas práticas democráticas, a Venezuela de Chávez e
Maduro ficou com a face democrática tão distorcida como a de quem faz uso
regular do cachimbo. Graças ao progressivo exílio das elites remediadas nos
Estados Unidos, e à fuga cotidiana da classe média e dos pobres para os
vizinhos Colômbia e Brasil, Maduro se deparou com uma oposição cada vez mais
enfraquecida, e aparelhou as Forças Armadas e policiais para reprimir a
oposição, e aperfeiçoou os controles dos domesticados Legislativo e do
Judiciário para legitimar qualquer ato seu.
A rigor, com o
território doméstico dominado, mas com uma população empobrecida, Maduro tratou
de criar um inimigo externo na cobiça das ricas reservas de petróleo da vizinha
Guiana, em Essequibo, ou no mar territorial. É que, enquanto a produção de petróleo
venezuelano (que há 25 anos gerava 4 milhões de barris-dia - pouco para o país
que detém as maiores reservas do mundo) encolhia para menos de 1 milhão de
barris-dia, pelo afastamento por Chávez das multinacionais americanas e
europeias, e pelo sucateamento da PDVESA, loteada entre generais e coronéis que
apoiavam o ex-presidente, era mais um artifício eleitoral criar um inimigo
externo com um aceno de riqueza futura para iludir o povo venezuelano de que
“dias melhores virão”.
Nos meses que
antecederam a realização das eleições, com a complacência do Conselho Nacional
Eleitoral e da Suprema Corte da Venezuela, Maduro conseguiu a impugnação dos
candidatos mais fortes da oposição, como a empresária Maria Corina Machado, que
acabou indicando Edmundo Gonzáles como o candidato oficial da oposição. Mesmo
com todas as restrições, enquanto Maduro se declarou eleito com 51,2% do votos
na noite do dia 28 de julho, tentando esvaziar as manifestações da oposição,
esta proclamou ter vencido por mais de 66% dos votos. Na manhã seguinte, após
sumir com as atas eleitorais (na Venezuela há urnas eletrônicas, como no
Brasil, mas cada seção eleitoral imprime as atas com o resultado das votações),
Maduro se declarou vencedor com os mesmos 51,2% dos votos válidos.
·
Nas barbas de Amorim e
Barbados
Criou-se um impasse,
quando nem a oposição, nem os governos dos Estados Unidos, Europa (França,
Espanha, Itália, Reino Unido e Alemanha, à frente) e ainda Brasil, México,
Chile e Colômbia, além da Organização dos Estados Americanos e o Centro Carter
(dos EUA) não reconheceram a vitória de Maduro. Apressadamente, enquanto o
governo Lula, oficialmente, cobrava a apresentação das atas, o PT, em nota
oficial da Executiva do partido, reconheceu a vitória da situação, com enorme
desgaste para o presidente Lula.
Antes que um mês se
passasse, com Maduro enrolando a todos e desdenhando dos Estados Unidos, do
Brasil, Chile, Colômbia e México, articuladores do Acordo de Barbados (além de
Rússia e China, só as ditaduras da Nicarágua, que persegue religiosos, e Cuba, reconheceram
a lisura do pleito), na quinta-feira, a Suprema Corte da Venezuela proclamou
que Nicolás Maduro fora eleito presidente, e se recusou a mostrar as atas
eleitorais.
Passou nas barbas
todos os negociadores do Acordo de Barbados. A SCV tentou ainda desacreditar as
evidências da oposição de que o líder forte perdeu por margem esmagadora,
aprofundando a crise política do país. A decisão do tribunal era esperada, pois
está com forte presença de juízes leais ao Partido Socialista de Maduro.
Agora, Lula terá que
administrar as versões sobre o papel do Brasil nas campanhas municipais. Não
sem antes ter recebido uma ofensa, do presidente da Assembleia da Venezuela,
Jorge Rodríguez, que mandou um recado para o assessor de Lula, após Justiça declarar
Maduro vencedor: “Escutou, Celso Amorim?”.
O aliado de Maduro
lembrou que a eleição foi confirmada por uma Corte superior, assim como ocorre
no Brasil, e ainda disse que o pleito venezuelano é questionado por
observadores internacionais que, no entanto, atestam a eleição brasileira. Na
roça diz-se que, após derrubar o cavaleiro, a besta ainda desfere um coice.
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Lula tem um aliado no
Fed
O presidente Lula não
é ouvido pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em nome da
independência ante o Executivo e da ortodoxia monetária, RCN sustenta que
crescimento da economia e do emprego é um perigo e pode gerar maior inflação,
recomendando puxar o freio dos juros.
Mas uma voz mais forte
se levantou na sexta-feira, nos Estados Unidos. O presidente do poderoso
Federal Reserve Bank, Jerome Powell, declarou no Simpósio Econômico do Federal
Reserve de Kansas City, em Jackson Hole, no Wyoming, que “está na hora de baixar
os juros”, diante do perigo da recessão e do aumento do desemprego nos EUA.
O serviço será feito
na reunião do Fed, em 18 de setembro, em Nova Iorque. No mesmo dia, o Comitê de
Política Monetária do Banco Central (Copom) se reúne em Brasília. Antes de
Powell tocar as cornetas salvadoras do “exército americano”, a caravana do governo
Lula estava acuada pelos “índios” do mercado financeiro, situados na Faria
Lima, que lançavam flechas incendiárias pedindo alta dos juros e estimulando a
desvalorização do real ante o dólar.
Nos Estados Unidos, o
Fed tem por mandato controlar a inflação, garantir o crescimento e o pleno
emprego. Aqui, quando o emprego cresce, os membros do Copom têm alergia e só
pensam naquilo: subir os juros e travar a economia.
Fonte: Jornal do
Brasil
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