Breiller Pires: ‘Fortaleza oferece lição
valiosa ao mundo corporativo’
A vitória sobre o
Corinthians, neste domingo, fez do Fortaleza o novo líder do Campeonato
Brasileiro. Pela primeira vez na história, um clube do Nordeste ocupa o topo da
tabela da competição no segundo turno dos pontos corridos. O sonho do título
segue mais vivo do que nunca para a torcida tricolor.
Difícil imaginar que,
há sete anos, o time cearense disputava a terceira divisão nacional, assolado
por seguidos fracassos na tentativa de voltar à elite do futebol brasileiro.
Sob o comando de Marcelo Paz, até então um outsider da bola, que foge do
estereótipo dos velhos cartolas, o Fortaleza conseguiu não só escapar da Série
C, como também iniciou uma impressionante escalada de curva ascendente.
Com a filosofia de
respeitar um projeto de longo prazo, o presidente tricolor implementou
iniciativas básicas, mas pouco praticadas entre boa parte dos clubes de massa.
Equacionou dívidas, investiu em infraestrutura, adotou a rígida política de não
gastar mais do que arrecada e, sobretudo, deixou de lado a atrasada mentalidade
imediatista.
Focando em uma
transformação perene e sustentável, Paz entendeu que o Fortaleza só teria
condições de bater de frente com clubes mais ricos do centro do país se tivesse
um diferencial competitivo. E o principal deles se tornou a capacidade de
atrair bons profissionais, da comissão técnica ao elenco, ainda que em
condições de mercado desfavoráveis.
Assim, conseguiu
contratar treinadores como Rogério Ceni, responsável por conduzir o time à
primeira divisão, e Juan Pablo Vojvoda, que, em sua quarta temporada na capital
cearense, é um dos técnicos mais longevos do Brasil. O argentino alcançou os
maiores feitos do clube, como o vice-campeonato da Sul-Americana e, agora, a
liderança inédita do Brasileirão.
No começo deste ano,
Vojvoda, depois de recusar propostas financeiramente mais vantajosas de outros
clubes, deu uma justificativa interessante ao responder sobre a suposta
acomodação no cargo. “Sou eu quem decido onde devo trabalhar. O Fortaleza é um
clube que ainda não chegou ao topo. Meu desafio é fazer com que cresçamos
juntos”, explicou o técnico.
Um dos clubes que
tentou tirá-lo do Fortaleza foi o Corinthians, superado neste domingo e,
também, na semifinal da última Sul-Americana. Com orçamento três vezes maior, o
clube paulista, o segundo mais popular do país, ainda tentou contratar o
volante Zé Welison e até mesmo Marcelo Paz, que hoje é CEO do time cearense
após a conversão em SAF. Assim como Vojvoda, eles recusaram a oferta e
preferiram permanecer em seus atuais empregos.
Muitas empresas
grandes, assim como clubes de futebol, continuam acreditando que apenas
tradição, força da marca e dinheiro são suficientes para conquistar os melhores
profissionais. Porém, há uma mudança de perspectiva em curso no mercado.
Oferecer um propósito
e um caminho seguro de crescimento conjunto pode ser tão ou mais valioso que um
contrato milionário. Foi isso que fez o Fortaleza mudar de patamar: a
capacidade de convencer seu técnico, seus jogadores e sua torcida de que um
time do Nordeste, menos de dez anos depois de sair da Série C, tem o direito de
sonhar em ser campeão brasileiro.
Ninguém mais duvida do
potencial do Leão. Como diz Vojvoda, eles ainda não chegaram ao topo, e a
ambição regada pelo melhor projeto esportivo do futebol nacional já se mostrou
capaz de mover montanhas. Um case de sucesso empresarial que deixa ao mundo corporativo
a valiosa lição de que, por mais desfavoráveis que sejam as condições de
mercado, negócios de pequeno e médio porte também podem ser capazes de competir
– e triunfar – entre gigantes.
¨ O exemplo do Fortaleza para os clubes mal vendidos no Brasil
Em 2017, a essa altura
da temporada, o Fortaleza celebrava o retorno à Série B, após passar oito anos
na terceira divisão nacional. Desde então, a ascensão do time tricolor não
parou mais, empilhando feitos históricos como o deste sábado. Apesar da derrota
nos pênaltis para a LDU, que contou com a estrela do goleiro Domínguez para
conquistar a Copa Sul-Americana, o clube cearense disputou a primeira
final continental.
Todo o processo de
reestruturação do Leão do Pici, passando da Série C ao inédito vice-campeonato
de um torneio internacional, serve de exemplo para os endividados e mal
vendidos clubes do futebol brasileiro. Recentemente, com o advento das SAFs,
equipes tradicionais como Botafogo, Cruzeiro e Vasco aderiram ao modelo de
clube-empresa em ato de desespero diante do acúmulo de dívidas e fracassos em
campo.
Independentemente dos
rumos traçados pelos novos donos, a venda de cada um desses clubes associativos
saiu praticamente em troca da dívida e promessas de investimentos. Três equipes
gigantes negociadas “na baixa”, a preço muito aquém do realmente valem.
Já o Fortaleza remou
na direção contrária. Sob a gestão do presidente Marcelo Paz, o Leão seguiu à
risca um projeto esportivo de longo prazo. Ao longo de seis anos, a dívida foi
drasticamente reduzida – no patamar atual (cerca de 30 milhões de reais), dois
meses de faturamento são suficientes para abatê-la. A receita foi multiplicada
em mais de 10 vezes, com previsão na casa de 300 milhões de reais para este
ano.
Fora o trabalho de
austeridade na área financeira, o Fortaleza também se reestruturou no
departamento de futebol, incluindo a modernização do centro de treinamentos,
assertividade no mapeamento e contratação de jogadores e, o principal,
manutenção do comando técnico.
A gestão de Marcelo
Paz teve apenas cinco treinadores, entre eles os longevos Rogério Ceni e o
argentino Juan Pablo Vojvoda, que, após provar que o clube pode ser
protagonista na América do Sul, se consolida como o maior da história tricolor
sem margem para dúvida. Além do vice da Sul-Americana, foi ele quem conduziu a
equipe às conquistas da Copa do Nordeste e do tricampeonato cearense, a uma
inédita semifinal de Copa do Brasil e às oitavas da Libertadores na primeira
participação.
Vivendo seu momento
mais próspero dentro e fora dos gramados, o clube aprovou a transformação em
SAF no fim de setembro. Porém, em caminho oposto ao de Botafogo, Cruzeiro e
Vasco, a intenção do Fortaleza não é se vender para um acionista majoritário,
pelo contrário. A proposta aprovada pelo Conselho prevê que a associação
continue totalmente soberana.
O que muda é o modelo
de gestão, que agora abre inúmeras possibilidades para alavancar o crescimento
das receitas. Uma delas, admitida por Marcelo Paz, é o IPO. Assim, o Fortaleza
pode se tornar o primeiro clube brasileiro a abrir capital na Bolsa de Valores
e oferecer a seus torcedores a oportunidade de virarem sócios minoritários
comprando uma fatia das ações. Como clube-empresa, a equipe ainda tem acesso a
empréstimos e linhas de crédito mais atraentes que times associativos
convencionais.
No fim das contas, o
movimento do Fortaleza segue um princípio básico de mercado: vender “na baixa”
geralmente significa prejuízo. Em evidência depois de alcançar uma
final de Sul-Americana, o clube começará 2024 como o primeiro do
Nordeste a disputar seis edições consecutivas da Série A do Campeonato
Brasileiro e com perspectivas ainda mais animadoras para o futuro.
Por tudo isso, o
Fortaleza não é só um case de sucesso. Equiparado no cenário sul-americano ao
do Independiente Del Valle, último campeão da Sula, trata-se do melhor e mais
eficiente projeto esportivo do futebol brasileiro. Ou, no mínimo, o que fez
mais com menos nos últimos anos.
Um clube tradicional
que, embora não tenha saído campeão do Uruguai, entrou para o rol dos grandes
times da atualidade no continente. E, impulsionado por boa gestão e dinheiro
novo, a tendência é que tenha vida longa nesta prateleira.
¨ SAF é igual a privatização: o mercado adora, mas poucas entregam
o que prometem
Existem privatizações
e privatizações, assim como existem SAFs e SAFs. Algumas podem funcionar bem,
outras nem tanto. Mas, apesar das Sociedades Anônimas do Futebol serem algo
relativamente novo no Brasil, ambas carregam um traço em comum: são adoradas
pelo mercado, mas poucas entregam tudo o que prometem.
Não se trata de
demonizar a privatização, muito menos o modelo de SAF. Apenas uma constatação
de como o discurso inflamado de lobistas financeiros, que defendem a venda para
a iniciativa privada como solução mágica de todos os problemas, é bastante
relativo.
Em São Paulo, por
exemplo, privatizações podem ser consideradas bons negócios para donos e
acionistas. No entanto, do ponto de vista do consumidor, a população e até
mesmo o Estado costumam sair no prejuízo.
A Enel, que deixou
moradores sem luz por quase duas semanas depois de um temporal, cortou mais de
um terço de seus funcionários desde que foi privatizada, embora tenha dobrado
seu lucro no período. Na capital, linhas privadas transportam menos da metade dos
passageiros, mas recebem quatro vezes mais verbas públicas comparadas às
administradas por concessionárias estatais. Duas distorções que ilustram como a
promessa de maior eficiência das empresas privatizadas geralmente não se traduz
em melhor serviço.
Pouco mais de dois
anos após sua aprovação, a Lei da SAF, que abriu caminho para transformar
clubes de futebol em empresas, despertou um verdadeiro canto da sereia por
parte de empresários sedentos pelo mercado que movimenta mais de 50 bilhões de
reais no Brasil. Desde então, clubes tradicionais que aderiram ao modelo, como
Bahia, Botafogo, Cruzeiro e Vasco, observaram a chegada de investimentos, mas
não necessariamente de melhores práticas de gestão.
Comprado pelo
norte-americano John Textor, o Botafogo voltou a brigar por título no
Brasileirão, mas cometeu erros típicos da velha cartolagem que resultaram num
tombo sem precedentes. O novo dono não conseguiu estabilizar o comando após a
saída de Luís Castro, demitiu dois treinadores, entregou a chave do vestiário
aos jogadores e ainda adotou um equivocado discurso de perseguição contra CBF e
arbitragem.
Se as SAFs prometiam
práticas modernas e uma visão de negócio a longo prazo, o balanço atual é a
repetição de velhas fórmulas imediatistas. O Cruzeiro, arrematado pelo
ex-jogador Ronaldo em 2021, também contabilizou dois técnicos demitidos ao
longo da temporada e chegou a figurar na zona de rebaixamento.
Bahia e Vasco só
escaparam da queda na última rodada. Tanto o tricolor administrado pelo Grupo
City quanto o cruzmaltino sob controle da 777 desperdiçaram bastante dinheiro
em contratações frustradas, mas preferiram responsabilizar e demitir
treinadores para camuflar erros de gestão.
Os maus resultados das
SAFs, ainda contempladas por Coritiba e América-MG, rebaixados para a segunda
divisão, não significam uma sentença de morte para o modelo. Nenhum trabalho de
reestruturação rende frutos instantâneos, e quem realmente apostar em projetos
de longo prazo pode se dar bem no futuro. De qualquer forma, o choque de
realidade acende o sinal amarelo de que nem tudo que reluz é ouro.
Textor jurou que o
Botafogo jamais seria preterido em relação a outros clubes de sua propriedade,
que só nesta temporada fisgaram o atacante Jeffinho, o zagueiro Luis
Segovia e o técnico interino Cláudio Caçapa. No Vasco, o CEO da 777, Josh
Wander, havia prometido que o clube não entraria mais em desvantagem financeira
diante do rival Flamengo, que segue sobrando em termos de investimento.
A experiência recente
das SAFs, vista como boia de salvação para clubes endividados, deveria servir
de alerta para dirigentes lobistas do futebol privatizado. Mesmo comandando uma
instituição que fatura mais de 1 bilhão de reais por ano, o presidente do Flamengo,
Rodolfo Landim, aponta a conversão da associação em sociedade anônima como
caminho para a construção do estádio rubro-negro.
No modelo associativo,
os sócios-torcedores já têm pouquíssimo poder de decisão dentro dos clubes, o
que se agrava a partir do momento em que seus times passam a ter donos. A SAF
pode ser opção interessante em alguns casos, como o do expoente e valorizado
Fortaleza, mas, por enquanto, tem servido mais aos anseios ilusórios de
cartolas e investidores do que aos interesses de torcidas populares no país.
Fonte: Terra
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