terça-feira, 27 de agosto de 2024

Inatividade de órgãos internacionais para deter mpox causa espanto, diz infectologista

A inatividade dos mecanismos internacionais de saúde global no combate à mpox tem causado espanto na comunidade científica, segundo o Alexandre Naime, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia. Em entrevista à CNN neste domingo (25), o especialista destacou que a doença é conhecida há mais de cinco décadas, tendo sido descrita pela primeira vez em 1970.

Naime expressou perplexidade diante da falta de ação efetiva para conter a propagação da mpox, especialmente considerando o longo período desde sua identificação. ‘O espanto que você recebe essa informação é o nosso espanto da sociedade científica ver a inatividade dos mecanismos internacionais de saúde global para deter essa doença’, afirmou o infectologista.

<><> Origem da mpox

O vírus da mpox, conforme explicado por Naime, é de origem zoonótica, significando que sua principal forma de transmissão ocorre de animais para humanos. Os principais vetores são primatas não humanos, pequenos macacos e roedores. A transmissão para humanos geralmente acontece em regiões próximas a aldeias africanas, onde o contato com esses animais é mais frequente, seja por proximidade ou consumo.

‘Esse contato próximo faz com crianças e adolescentes, adultos que se infectem, e aí começa a transmissão entre humanos’, esclareceu o especialista. Naime também ressaltou que a doença afeta principalmente a região centro-oeste da África, com destaque para a República Democrática do Congo.

<><> Vacina existente, mas subutilizada

Um ponto crucial levantado por Naime é a existência de uma vacina contra a mpox, mesmo antes do surto de 2022. No entanto, ele lamenta que esta nunca tenha sido aplicada de forma a resolver o problema em sua raiz, nos países africanos mais afetados.

A falta de uma abordagem preventiva eficaz nos locais de origem da doença evidencia uma lacuna significativa nas estratégias globais de saúde pública. Esta situação ressalta a necessidade de uma ação mais coordenada e proativa por parte das organizações internacionais de saúde para prevenir futuros surtos e proteger populações vulneráveis.

•        Quais são os primeiros sintomas da mpox no organismo? Infectologista explica

O coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alexandre Naime, esclareceu os principais aspectos da Mpox, anteriormente conhecida como varíola dos macacos, em entrevista à CNN neste domingo (25). O especialista detalhou os sintomas iniciais, a evolução da doença e os mecanismos de transmissão.

De acordo com Naime, os primeiros sinais da mpox são inespecíficos e podem ser confundidos com outras doenças virais. ‘Nos primeiros dias, primeiro, segundo dia, ela tem sintomas incaracterísticos, sintomas absolutamente genéricos, como febre, dor no corpo, pode acontecer até mesmo irritação na garganta‘, explicou o médico.

<><> Lesões características da doença

O infectologista ressaltou que as lesões de pele são o principal sinal característico da Mpox. ‘Na sequência, começam a aparecer as lesões de pele. Lesões essas que se assemelham a pequenas bolhas, que a gente chama de vesículas, que acabam por confluir, acabam se juntando, formando erosões, erupções, que a gente chama de feridas, e depois crostas’, detalhou Naime.

O período de evolução da doença pode variar de 7 a 28 dias, segundo o especialista. Ele alertou que, em pessoas imunocompetentes, a Mpox geralmente apresenta um curso benigno. No entanto, em indivíduos imunossuprimidos, especialmente aqueles com HIV em estágio avançado, o vírus pode se disseminar e causar complicações graves, como pneumonia e infecções cerebrais, podendo levar a óbito.

<><> Importância da vacinação global

O infectologista aproveitou para fazer uma reflexão sobre a importância de ações globais de saúde pública. Ele destacou que a mpox, descrita pela primeira vez em 1970, poderia ter sido melhor controlada se houvesse um esforço internacional para vacinar as populações mais suscetíveis na África Central, onde a doença é endêmica.

‘Se nós tivéssemos olhado para trás, e veja bem, a mpox é uma doença que foi descrita em 1970, essa vacina que nós estamos discutindo tem apenas um fabricante internacional dinamarquês, se houvesse um esforço para que a África fosse vacinada e as pessoas que são mais suscetíveis tivessem já protegidas naquela região, nós não estaríamos falando em um novo surto em 2024’, concluiu Naime, ressaltando a interconexão global em questões de saúde pública.

•        Como é feito o teste para diagnosticar a doença?

A mpox está sob vigilância global após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a doença uma emergência de saúde pública global. O atual surto, causado pela circulação de uma cepa mais transmissível e letal, atinge, principalmente, países da África, mas já foram detectados casos na Suécia e na Tailândia.

A doença é caracterizada por sintomas como febre, dor de cabeça, mal-estar e erupções cutâneas, que podem surgir em qualquer parte do corpo, devido ao contato pele a pele com uma pessoa infectada. Segundo Celso Granato, médico infectologista e patologista clínico da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), o período de incubação do vírus da mpox varia de cinco a 21 dias.

Pelo fato de outras doenças também causarem sintomas semelhantes, – como infecções de pele, reações alérgicas, herpes-zóster e herpes simples – fazer um teste é fundamental para diagnosticar a mpox e diferenciá-la de outras condições de saúde.

O diagnóstico da mpox é feito de forma laboratorial. O mais comum é o teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real, uma técnica molecular que detecta o DNA do vírus de forma rápida e precisa.

“Esse teste é o mais confiável e seguro, sendo amplamente utilizado em laboratórios de referência como o Instituto Adolfo Lutz, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Instituto Evandro Chagas, além de laboratórios privados”, afirma o especialista.

<><> Quando o teste é realizado e como é feito?

O teste para diagnóstico da mpox deve ser realizado em todos os pacientes com suspeita da doença, segundo o Ministério da Saúde.

Para realizar o teste, é coletada uma amostra da secreção das lesões na pele da pessoa com suspeita da doença. Se as lesões já estiverem secas, a amostra é coletada das crostas. Em seguida, essas amostras são direcionadas para laboratórios de referência, de acordo com a pasta.

<><> Como ocorre a transmissão da mpox e como se proteger?

De acordo com a OMS, a transmissão de mpox pode acontecer de três formas:

•        Por meio do contato direto com a pele infectada ou outras lesões, como na boca ou nos órgãos genitais;

•        Por meio do toque pele com pele e boca-pele (incluindo sexo), boca a boca (beijo) e gotículas respiratórias provenientes do contato próximo e prolongado;

•        Por meio de mordidas ou arranhões de animais infectados com o vírus da mpox e durante atividades como caça, captura, cozimento e/ou ingestão de animais contaminados.

Segundo o Ministério da Saúde, as principais formas de prevenção é evitar contato direto com pessoas com suspeita ou confirmação da doença e lavar regularmente as mãos com água e sabão. Pessoas infectadas devem cumprir isolamento social, que inclui não compartilhar materiais e objetos de uso pessoal, como toalhas, escovas, lençóis e roupas.

Além disso, a vacinação contra a mpox também é importante para prevenir a doença. Segundo o Ministério da Saúde, a imunização antes da exposição ao vírus está priorizando pessoas com maior risco de evolução para as formas graves da doença. Entre eles estão homens cisgêneros, travestis e mulheres transexuais com idade igual ou superior a 18 anos que vivem com o vírus HIV.

Além deles, funcionários de laboratórios que trabalham diretamente com microrganismo e têm entre 18 a 49 anos devem receber a imunização. A vacinação também prioriza pessoas que já tiveram contatos (classificados pela OMS como de alto ou médio risco) com fluidos e secreções corporais de pessoas suspeitas, prováveis ou confirmadas para mpox.

<><> Como a doença pode levar à morte?

O atual surto da mpox na África está gerando preocupações entre especialistas, cientistas e autoridades sanitárias devido ao risco de uma nova variante do vírus, mais letal e transmissível, se espalhar para outras regiões não endêmicas. Na semana passada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a epidemia uma emergência de saúde pública global, o mais alto nível de alerta da OMS em relação a uma doença.

A nova variante em questão é a clado 1B, um subtipo do clado 1, a forma mais transmissível e mais letal da doença. Esse clado é endêmico na República Democrática do Congo e é responsável pelo surto atual. Já o clado 2 foi responsável pelo surto global que começou em 2022, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos. No Brasil, ainda não há casos de mpox causados pela nova variante e, segundo Nísia Trindade, ministra da Saúde, o Brasil está no nível 1 de emergência da mpox.

A seguir, entenda o que já se sabe sobre o funcionamento do vírus da mpox no organismo e como ele pode causar uma doença severa e letal.

<><> Por que a mpox pode ser letal e como a doença leva à morte?

De acordo com Trindade, já se sabe, através da literatura científica, que a variante 1 do vírus da mpox é mais virulento que a variante 2. “O clado 1 está associado a uma doença mais grave do que o vírus do clado 2, que emergiu em 2022”, afirma.

A professora explica que existem algumas sequelas ou desfechos graves relacionado à infecção por essa variante. “O que vemos, historicamente, na região endêmica é que as pessoas infectadas com a variante 1 podem desenvolver um quadro com um número muito alto de lesões na pele — mais de 250 lesões, por exemplo. Isso é considerado muito grave e essas lesões podem levar a uma infecção secundária por bactéria”, afirma Trindade.

Além disso, quadros graves de mpox podem levar, também, a infecções no sistema nervoso central, pneumonia e sepse (infecção generalizada).

“Muitos vírus podem causar a infecção inicial, com a erupção cutânea do mpox. Mas, se eles se espalharem de forma descontrolada para diferentes sistemas de órgãos e danificarem o coração, os pulmões, o sistema nervoso central, isso pode levar à morte do paciente devido à resposta inflamatória e imunológica avassaladora, bem como ao dano aos diferentes órgãos do corpo”, acrescenta Binnicker.

<><> O clado 1B é mais letal?

Trindade explica que o clado 1B, que foi descoberto em 2023 e é um dos responsáveis pelo atual surto, possui um tipo de mutação chamada APOBEC3, que revela a alta capacidade de transmissão entre humanos. “Está ocorrendo uma grande transmissão entre humanos e isso está muito relacionado, na minha opinião, ao fato de que o vírus chegou a uma região mais populosa e ele está sendo muito transmitido através do contato sexual”, afirma.

A mutação que gerou o clado 1B é caracterizada por alterações estruturais do clado 1, mas que mantiveram a maior agressividade, conforme explica Medeiros. “Isso é uma alteração estrutural que ocorre com diversos vírus a exemplo da Influenza (gripe) e Covid-19. A alta multiplicação viral leva a alterações estruturais aleatórias, porém se forem benéficas para o vírus se perpetuam e podem gerar novas variantes”, esclarece.

Além da maior transmissibilidade, a variante clado 1B está associada a doenças mais graves e a uma maior taxa de mortalidade, variando entre 3% e 10% de letalidade, dependendo do surto, segundo Binnicker. “Em certos pacientes, especialmente aqueles que têm uma condição de imunocomprometimento, como HIV ou pessoas que fizeram um transplante e têm o sistema imunológico enfraquecido, o vírus pode se replicar de forma descontrolada e se espalhar para diferentes sistemas de órgãos”, acrescenta o virologista.

<><> Quem está em maior risco de morte por mpox?

Segundo a OMS, pessoas imunossuprimidas correm maior risco de desenvolver mpox grave ou morrer. Além disso, pessoas com HIV avançada também têm um risco elevado de óbito se tiverem uma infecção grave, de acordo com a entidade.

Por outro lado, a OMS afirma que pessoas vivendo com HIV, mas que alcançaram supressão viral por meio de tratamento antirretroviral, “não parecem ter risco maior de mpox grave do que a população em geral”.

“O uso de tratamento diário eficaz para HIV (antirretrovirais ou ARVs) reduz o risco de desenvolver sintomas graves de mpox em caso de infecção. Pessoas com HIV não tratado e doença avançada por HIV podem estar imunocomprometidas e, portanto, ter maior risco de mpox grave”, diz a entidade.

Mulheres grávidas também correm maior risco de desenvolver um quadro grave de mpox e de ter complicações de saúde decorrentes da doença, já que a gestação representa um estado de imunossupressão.

“Pessoas que têm doenças crônicas também correm maior risco, já que elas possuem um sistema imune comprometido ou imaturo, no caso das crianças. Elas possuem uma série de alterações na resposta imune que podem culminar com o agravamento da doença”, afirma Trindade.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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