quinta-feira, 2 de maio de 2024

Tecnologia está sendo usada para alimentar o ódio, alerta Anistia Internacional

A Anistia Internacional divulgou na madrugada de quarta-feira, 24 de abril, o seu relatório anual sobre O Estado dos Direitos Humanos no mundo, que apresenta uma avaliação dos direitos humanos em 155 países e mostra que a tecnologia está sendo utilizada para alimentar o ódio e a discriminação.

A organização de defesa dos direitos humanos concluiu que há atores políticos que estão a intensificar os seus ataques às mulheres, pessoas LGBTI e comunidades marginalizadas, que têm sido historicamente utilizadas como bodes expiatórios para ganhos políticos ou eleitorais. Várias forças políticas espalham desinformação, colocando comunidades umas contra as outras e atacando as minorias, com as tecnologias a serem usadas para consolidar políticas discriminatórias.

Segundo o relatório, a introdução de um sistema de segurança social semiautomático na Sérvia, por exemplo, fez com que milhares de pessoas perdessem o acesso a assistência social vital. Isto afetou particularmente as comunidades ciganas e as pessoas com deficiência, demonstrando como a automatização não controlada pode exacerbar as desigualdades. A Anistia Internacional (AI) veio também já demonstrar como os algoritmos da rede social Facebook contribuíram para a violência étnica na Etiópia no contexto do conflito armado, um exemplo de como a tecnologia é transformada em arma. A AI prevê que estes problemas possam ser agravados em 2024, ano em que 76 países vão às urnas.

“O ódio, a discriminação e a desinformação são amplificados e disseminados por algoritmos de redes sociais otimizados para maximizar o ‘engajamento’, que cria um ciclo de reações interminável e perigoso”, alerta Agnès Callamard, secretária-geral da Anistia Internacional. No próximo mês de novembro, as eleições presidenciais dos Estados Unidos da América (EUA) ocorrerão num contexto em que se verifica um aumento da discriminação, do assédio e dos abusos nas redes sociais contra as comunidades marginalizadas, incluindo as pessoas LGBTI.

Desde 19 de abril e até 1 de junho, cerca de um bilhão de pessoas irão às urnas nas eleições da Índia, num contexto de ataques a manifestantes pacíficos e de discriminação sistemática contra minorias religiosas. “Os políticos há muito que utilizam a manipulação de narrativas de ‘nós contra eles’ para ganhar votos e contornar questões legítimas sobre receios econômicos e de segurança. Juntamente com isto, vimos como tecnologias não regulamentadas permitem que aqueles com má intenção persigam, desumanizem e amplifiquem narrativas perigosas para consolidar o poder. É um espectro assustador do que está por vir à medida que os avanços tecnológicos superam vorazmente a responsabilização”, disse Agnès Callamard.

  • Oriente Médio: fracasso e perseguições

Os ataques das forças militares israelenses contra Gaza têm atingido zonas habitadas por civis, muitas vezes tirando a vida a famílias inteiras, deslocando à força quase 1,9 milhão de palestinos e restringindo o acesso à ajuda humanitária. O relatório aponta ainda para o uso do veto pelos EUA, para paralisar o Conselho de Segurança da ONU durante meses, numa resolução muito necessária para um cessar-fogo.

“O confuso fracasso da comunidade internacional em proteger milhares de civis – uma percentagem terrivelmente elevada deles crianças – de serem mortos na Faixa de Gaza ocupada torna muito claro que as próprias instituições criadas para proteger os civis e defender os direitos humanos já não são adequadas. O que vimos em 2023 confirma que muitos Estados poderosos estão a abandonar os valores fundadores da humanidade e da universalidade consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, referiu Agnès Callamard.

Na Arábia Saudita, as autoridades perseguiram pessoas por exercerem pacificamente os seus direitos à liberdade e algumas foram condenadas a longas penas de prisão ou à morte. Os defensores dos direitos humanos continuaram a ser detidos ou sujeitos a proibições de viajar após a sua libertação condicional da prisão. Os tribunais proferiram sentenças de morte, incluindo casos de indivíduos que eram crianças na altura dos seus alegados crimes. Os migrantes foram sujeitos a graves violações dos direitos humanos, incluindo assassinatos na fronteira com o Iêmen.

  • Europa: ataques e arbitrariedades

O relatório também documenta violações de regras por parte das forças russas durante a invasão da Ucrânia, e faz referência a ataques indiscriminados a áreas civis densamente povoadas, assim como infraestruturas de exportação de energia e cereais e o uso de tortura ou outros maus-tratos. É ainda alvo de referência a destruição aparentemente deliberada da barragem de Kakhovka, que se acredita ter sido cometida pelas forças russas.

Rússia continuou a guerra contra a Ucrânia e permitiu que as suas forças cometessem crimes de guerra de forma impune. Entretanto, a situação dos direitos humanos no país continuou a deteriorar-se. As liberdades de expressão, de reunião pacífica e de associação foram ainda mais severamente restringidas. Os críticos do governo enfrentaram processos arbitrários, longas penas de prisão, ataques violentos cometidos com impunidade e outras represálias. As autoridades utilizaram uma extensa legislação antiterrorismo e antiextremismo contra grupos religiosos e de oposição, críticos individuais e advogados. A tortura e outros maus-tratos durante a detenção foram generalizados e, em grande parte, ficaram impunes. Os julgamentos foram injustos, especialmente em casos políticos e envolvendo prisioneiros de guerra ucranianos. Foi adotada nova legislação transfóbica e o movimento LGBT foi designado como “extremista”. A Rússia recusou-se a cooperar com instituições internacionais de direitos humanos. As medidas para enfrentar a crise climática foram insuficientes e as principais ONG ambientais foram banidas do país.

No que diz respeito a Portugal, o relatório da Anistia Internacional faz referência a sete agentes da polícia que foram acusados de torturar migrantes e que receberam permissão para retomar as suas funções. A crise na habitação também é alvo de referência, uma vez que a quantidade de famílias sem uma casa adequada para viver é o triplo do valor registado em 2018.

  • Ásia: segurança nacional e ataques às minorias

Na China, a segurança nacional continuou a ser usada para impedir o exercício de direitos, incluindo as liberdades de expressão, associação e reunião. Debates online e offline foram alvo de censura. Os defensores dos direitos humanos estiveram entre os que foram sujeitos a detenções arbitrárias e julgamentos injustos. Os ativistas dos direitos das mulheres foram sujeitos a assédio, intimidação, detenções arbitrárias e julgamentos injustos. O espaço cívico em Hong Kong tornou-se cada vez mais restringido à medida que as autoridades mantinham proibições generalizadas de protestos pacíficos e prendiam ativistas pró-democracia, jornalistas, defensores dos direitos humanos e outros sob acusações relacionadas com a segurança nacional. Em vários casos marcantes, os tribunais de Hong Kong decidiram a favor dos direitos de algumas pessoas LGBTI.

Na Índia, autoridades governamentais promoveram ataques às minorias religiosas, e verificou-se um aumento dos crimes de ódio. As demolições punitivas de propriedades, maioritariamente muçulmanas, foram comuns e ficaram impunes. A Índia continuou a impor restrições arbitrárias e gerais à internet, incluindo o seu encerramento. O governo reteve as contas de jornalistas e organizações da sociedade civil na rede social X. Grupos marginalizados no país continuaram a enfrentar violência e discriminação, com mulheres e raparigas a enfrentar ataques à autonomia corporal. Mais de 300 pessoas morreram na limpeza de esgotos e fossas sépticas desde 2018.

  • África: confrontos e crises humanitárias

No Sudão, as partes em conflito realizaram ataques indiscriminados que mataram e feriram civis e lançaram armas explosivas a partir de bairros densamente povoados, matando 12.000 pessoas em 2023, o que provocou a maior crise de deslocados do mundo, com mais de oito milhões de pessoas forçadas a fugir.

No decorrer dos confrontos na Etiópia, foram cometidas violações dos direitos humanos, incluindo prisões e detenções arbitrárias. As mulheres na região do Tigré foram vítimas de violência sexual. Grupos e indivíduos influentes lideraram uma campanha que culminou na repressão governamental contra as pessoas LGBTI. A internet foi fechada na região de Amhara. O acesso às redes sociais foi restringido em toda a Etiópia e cerca de 30 manifestantes foram mortos.

Na Somália, a população sofre com o conflito em curso e com a seca, as inundações e a insegurança alimentar, que causaram o deslocamento de mais de 2,9 milhões de pessoas e uma grave crise humanitária. As pessoas deslocadas internamente enfrentaram violações dos direitos humanos. Mulheres e jovens foram particularmente expostas à violência sexual baseada no gênero e relacionada com conflitos. O direito à liberdade de expressão foi restringido e jornalistas foram atacados, espancados e arbitrariamente presos e processados.

  • Américas: discriminações e desigualdades

Nos Estados Unidos, a discriminação e a violência contra as pessoas LGBTI foram generalizadas e a legislação anti-LGBTI aumentou. Foram apresentados projetos de lei para tratar das reparações relativas à escravatura e seus legados. Vários estados implementaram proibições totais ao aborto ou limitaram de forma severa o acesso ao mesmo. A violência com base no gênero afetou desproporcionalmente as mulheres indígenas. O acesso aos EUA para requerentes de asilo e migrantes tem estado repleto de obstáculos, mas algumas nacionalidades continuaram a beneficiar do Estatuto de Proteção Temporária. Foram tomadas medidas para restringir a liberdade de protesto em vários Estados. As pessoas negras foram desproporcionalmente afetadas pelo uso de força letal pela polícia. Não se registaram quaisquer progressos na abolição da pena de morte, exceto em Washington. A detenção arbitrária e indefinida na base naval norte-americana da Baía de Guantânamo, em Cuba, continuou. Apesar da extensa violência armada, nenhuma outra política de reforma das armas de fogo foi considerada, mas o presidente Biden anunciou a criação do Gabinete de Prevenção da Violência Armada na Casa Branca. Os EUA continuaram a usar força letal em vários países de todo o mundo.

O Brasil mantém-se com um dos mais altos níveis de desigualdade do planeta. O racismo sistêmico tem persistido, afetando os direitos sociais, econômicos, culturais, políticos e civis da população negra. As mulheres, especialmente as mulheres negras, ainda enfrentam barreiras no acesso aos seus direitos. Os casos de covid-19 permaneceram elevados e o excesso de mortes excedeu em muito as expectativas. A insegurança alimentar permaneceu extensa e um terço da população vive abaixo da linha da pobreza. A baixa frequência nas escolas persistiu e a violência em ambiente escolar aumentou. A violência policial continuou a ser profundamente preocupante, resultando em homicídios e outras violações graves de direitos. Catástrofes naturais provocaram mortes, destruição de propriedades e levaram à deslocação de pessoas. Foi negado aos povos indígenas o pleno usufruto dos seus direitos e o progresso foi lento na demarcação de terras.

  • Mobilização global

O relatório da Anistia recorda ainda que conflito Israel-Hamas desencadeou centenas de protestos em todo o mundo. Muitas pessoas exigiram um cessar-fogo para acabar com o sofrimento dos palestinos em Gaza, bem como a libertação de todos os reféns feitos pelo Hamas. Para exigir o direito ao aborto, pessoas saíram às ruas nos EUA, El Salvador e Polônia. Apesar de ficar aquém do necessário, os países que participaram na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), no Dubai, concordaram em “fazer a transição” dos combustíveis fósseis. Esta foi a primeira vez que os combustíveis fósseis foram mencionados numa decisão da COP.

 

¨      Não apenas hoje, mas sempre. Eu gostaria que os homens parassem de se odiar. Por Edith Bruck

 

Contra o fascismo rasteiro e o antissemitismo, ensinamos tolerância aos jovens.

25 de abril [data do Dia da Libertação do Fascismo na Itália] não é só hoje, mas todos os dias do ano. A memória desse dia nos deve acompanhar e permanecer sempre presente. Especialmente no mundo em que vivemos hoje, na Itália que não tem escrúpulos em renegar alguns valores, uma vergonha justamente para quem viveu o 25 de abril e sabe seu valor. Considero vergonhoso o que está acontecendo, a censura que atingiu Antonio Scurati, um homem livre que deveria poder dizer o que pensa. No entanto, hoje existe um fascismo rasteiro no país que ainda não aceitou totalmente as contas com o passado. Não é possível que “antifascista” ainda seja uma palavra proibida. Somos todos antifascistas. Pelo contrário, o risco é que tornem todos os -ismos mais perigosos, a começar pelo racismo. E pelo antissemitismo.

Desde 7 de outubro, após a ação dos terroristas do Hamas no Nova Festival e o início do conflito na Faixa de Gaza houve um tsunami de antissemitismo em todo o mundo. Como se cada judeu fosse responsável pela política de Benjamin Netanyahu. Por que temos que ser julgados como se fôssemos uma totalidade? Como se nenhum de nós tivesse um pensamento livre? Essa forma de agir corre o risco de nos levar de volta aos anos mais sombrios. E infelizmente vemos sinais de regressão não só na Itália, mas em toda a Europa.

Uma Europa desunida diante de um mundo em guerra. Uma Europa inerme e impotente, onde Ilaria Salis ainda está na prisão, tratada de forma desumana na Hungria de Orbán, sem que ninguém levante a voz. Uma Europa que vira para a direita na França, na Holanda e na Suécia. Uma Europa em que os fascistas ainda são livres de se manifestar. No entanto, neste 25 de abril, gostaria de ver algum sinal de esperança, uma mínima sombra de paz. Gostaria que os homens parassem de se odiar. Não é retórica.

O Papa Francisco é o primeiro a continuar a clamar pela paz sem que ninguém o escute. Mas do passado deveríamos justamente aprender isto: afastar toda forma de ódio e alimentar aquele pouco de bem que existe em cada um de nós. Devemos isso especialmente às novas gerações, às crianças que são o nosso futuro. Eu estive em campos de concentração, mas voltei à vida sem a sombra de ódio dentro de mim. Não sei o que é o ódio e nunca quero saber. É por isso que digo: vamos parar de nos odiar. O único voto que quero fazer hoje é respeitar cada ser humano, do primeiro ao último, porque toda vida é igualmente válida e preciosa.

Há 62 anos dou testemunho, farei isso também neste 25 de abril, mesmo que esteja confinada a uma cadeira de rodas. Mas acredito que testemunhar e manter a memória é a coisa mais importante hoje. Eu me encontro com os jovens nas escolas, muitos me escrevem cartas, fazem perguntas sobre a minha experiência. Também escrevi um livro para as escolas, chama-se I frutti della memoria. Acredito que é importante dialogar com as crianças desde pequenas. Devemos contar-lhes o horror do Holocausto e deixar que saibam o que foram o fascismo e o antissemitismo. É um dever que temos para garantir que o que aconteceu nunca mais aconteça. Hoje estamos diante de um mundo ainda dilacerado, estamos vivendo duas guerras, não podemos ficar apenas olhando. Cada um de nós pode fazer algo para deixar a essas crianças um mundo melhor. Para ensinar-lhes a tolerância e o respeito contra toda divisão.

 

Fonte: 7MARGENS/La Stampa

 

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