O ruidoso despertar das ruas árabes
Desde o ataque
do Hamas a Israel em 7
de outubro, o Oriente Médio tem sido sacudido por protestos em massa. Os
egípcios se manifestaram em solidariedade aos palestinos, correndo grande risco
pessoal, e iraquianos, marroquinos, tunisianos e iemenitas saíram às ruas em
grande número. Enquanto isso, os jordanianos romperam com limites de longa data
ao marchar em direção à embaixada israelense, e a Arábia Saudita se recusou a
retomar as negociações de normalização das relações com Israel, em parte devido
à profunda fúria de seu povo quanto às operações israelenses na Faixa de Gaza.
Para Washington, a
avaliação é de que nada dessa mobilização é realmente importante. Os líderes
árabes, afinal de contas, estão entre os mais experientes praticantes de
realpolitik do mundo e têm um histórico de ignorar as preferências de seu povo.
Os protestos, embora grandes, têm sido controláveis. O ex-presidente egípcio
Hosni Mubarak e outros líderes há muito tempo incentivam os protestos sobre o
tratamento dado aos palestinos, permitindo que seu povo desabafasse e
direcionasse sua raiva para um inimigo estrangeiro, em vez de contra a
corrupção e a incompetência internas. Com o tempo, ou pelo menos é o que diz o
argumento, os combates em Gaza terminarão, os manifestantes furiosos voltarão
para casa e seus líderes continuarão a lutar por interesses próprios, uma
atividade na qual eles são excelentes.
Os formuladores de
políticas externas dos EUA também têm um longo histórico de desconsiderar a
opinião pública no Oriente Médio – a chamada rua árabe. Afinal, se os líderes
autocráticos estão dando as ordens, então não é necessário dar importância ao
que os ativistas furiosos gritam ou ao que os cidadãos comuns dizem aos
pesquisadores ou à mídia. Como não há democracias no Oriente Médio, não é
necessário dar importância ao que pensam as pessoas fora dos palácios. E,
apesar de toda a sua conversa sobre democracia e direitos humanos, Washington
sempre se sentiu mais confortável lidando com autocratas pragmáticos do que com
multidões que considera irracionais e extremistas. Raramente faz uma pausa para
considerar como isso pode contribuir para seu histórico desanimador de
fracassos políticos.
A disposição dos
Estados Unidos de ignorar as preocupações populares é reforçada pela lembrança
de 2003, quando a opinião pública árabe foi totalmente contra a invasão do
Iraque liderada pelos EUA, mas a maioria dos líderes da região cooperou com a
invasão e nenhum tomou medidas para se opor a ela. Apesar de décadas de
frequentes protestos em massa contra as ações israelenses em Gaza e na
Cisjordânia, a Jordânia e o Egito mantiveram tratados de paz com Israel, e o
Egito até participou ativamente do cerco a Gaza. Na verdade, a complacência dos
EUA aumentou à medida que as esperadas erupções de raiva popular – por exemplo,
a mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém ou o bombardeio do Iêmen – não se
concretizaram. A convicção de Washington foi brevemente abalada pelas revoltas
árabes de 2011, mas voltou com força total quando as autocracias reafirmaram o
controle nos anos seguintes.
Isso parece ser o que
os Estados Unidos e a maioria dos analistas de políticas esperam desta vez
também. Quando os bombardeios finalmente terminarem, as multidões voltarão para
suas casas e encontrarão outros motivos para se irritar, e a política regional
poderá voltar ao normal. Mas essas suposições refletem um mal-entendido
fundamental sobre como a opinião pública é importante no Oriente Médio, bem
como uma leitura profundamente equivocada do que realmente mudou desde as
revoltas de 2011.
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Conversa fiada
O termo “rua árabe” é
usado pelos formuladores de políticas para reduzir a opinião pública regional
às reclamações de uma multidão irracional, hostil e emotiva que pode ser
apaziguada ou reprimida, mas que não tem preferências ou ideias políticas
coerentes. A expressão tem raízes profundas no domínio colonial britânico e
francês e foi adotada pelos Estados Unidos quando eles entraram na Guerra Fria
e passaram a acreditar que a educação e o capitalismo são capazes de
transformar o Oriente Médio à imagem do Ocidente. Essas ideias sustentaram a
política de Washington de cooperar com ditadores árabes que conseguiam
controlar seu povo. Isso convinha aos líderes árabes, que podiam desviar a
pressão ocidental sobre questões como Israel ou democratização, apontando para
a ameaça de revoltas populares e para os bichos-papões islâmicos que aguardavam
para tomar o lugar deles.
Antes de 2011, o ponto
alto do conceito de rua árabe ocorreu durante a chamada guerra fria árabe da
década de 1950, quando líderes populistas pan-árabes obtiveram grande sucesso
na mobilização das massas contra os aliados conservadores do Ocidente em nome
da unidade árabe e do apoio aos palestinos. A visão de milhares de
manifestantes furiosos respondendo aos discursos radiofônicos do presidente
egípcio Gamal Abdel Nasser, saindo pelas ruas de países como a Jordânia,
impressionou os formuladores de políticas ocidentais. Washington, em
particular, concluiu que a rua árabe era perigosa, criando aberturas para os
soviéticos. Não deveria se discutir a respeito destes povos, mas sim
controlá-los pela força. Muito tempo depois do fim da Guerra Fria, essa percepção
perdurou, embora se baseie em um mal-entendido básico da política árabe e
continue a orientar a política dos EUA para o Oriente Médio, bem como muitas
análises políticas da região. Sempre foi mais fácil descartar o apoio árabe aos
territórios palestinos como algo enraizado em um antissemitismo atávico – ou
ignorar a fúria pública contra as políticas dos EUA como algo cinicamente
estimulado por políticos – do que levar a sério os motivos da raiva dos árabes
e encontrar maneiras de lidar com suas preocupações.
Essa ideia da rua
árabe mudou um pouco na década de 1990 e na década seguinte. A televisão por
satélite, especialmente a Al Jazeera, cristalizou-se nessas décadas
e moldou uma opinião pública pan-árabe. O surgimento de pesquisas sistemáticas
e científicas de opinião pública na década de 1990 proporcionou nuances
consideráveis sobre variações nacionais, mudanças de atitudes em resposta a
eventos e avaliações sofisticadas das condições políticas. O surgimento das
mídias sociais permitiu que uma grande variedade de vozes árabes rompesse o
controle da mídia e destruísse estereótipos por meio de sua análise não mediada
e envolvimento interativo. Após o 11 de setembro, Washington se esforçou muito
em uma guerra de ideias, criada para combater ideais extremistas e islâmicos em
toda a região, uma abordagem que, embora equivocada, exigiu um investimento
significativo em pesquisas de opinião e atenção cuidadosa à mídia árabe e às
mídias sociais emergentes. Mas, então, as revoltas de 2011 abalaram a
complacência geral sobre a estabilidade dos autocratas da região, mostrando que
as vozes do povo precisavam ser ouvidas e levadas em consideração.
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Os autocratas tremem,
mas sobrevivem
A memória das revoltas
de 2011 ainda paira sobre todos os cálculos de estabilidade do regime no
Oriente Médio atual. Os resultados desses eventos revolucionários trouxeram
lições variadas. A rápida disseminação dos protestos que ameaçavam o regime da
Tunísia por praticamente toda a região mostrou que a suposta estabilidade das
autocracias árabes era, em grande parte, um mito. Por um breve momento, deixou
de fazer sentido para Washington ignorar as sutilezas da opinião pública árabe
ou aceitar as garantias de governantes árabes cansados. As revoltas não foram
simplesmente a erupção de uma rua árabe insensata. Em vez disso, os jovens
revolucionários que capturaram o espírito da época articularam críticas
ponderadas e incisivas aos autocratas que desafiavam, e até mesmo os islamitas
em seu meio falavam a linguagem da liberdade e da democracia. Inicialmente, os
governos ocidentais correram para se envolver com esses jovens líderes
impressionantes e tentaram apoiar seus esforços para promover transições democráticas
e sistemas políticos mais abertos.
Mas essas lições foram
rapidamente esquecidas quando os regimes árabes recuperaram o controle por meio
de golpes militares, engenharia política e ampla repressão. Os autocratas de
toda a região ajudaram outros autocratas a restaurar seu poder, e o Ocidente
simplesmente ficou de braços cruzados. Os Estados Unidos, por exemplo, não
agiram quando a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e outros estados do
Golfo apoiaram a repressão violenta aos protestos do Bahrein em 2011 e deram
apoio financeiro e político ao golpe militar egípcio de 2013. A restauração
autocrática que se seguiu trouxe um nível de repressão que foi muito além do
que existia antes de 2011, com regimes em toda a região esmagando e silenciando
a sociedade civil, temendo qualquer ressurgimento da oposição. A vigilância
digital ajudou essas medidas repressivas, dando aos regimes uma compreensão sem
precedentes das opiniões de seus cidadãos e do potencial de surgimento de
movimentos de oposição.
A restauração
autocrática resultou rapidamente no retorno de um modelo antigo de política
externa ocidental baseado na cooperação com elites autocráticas e na ignorância
das opiniões do público árabe. Em nenhum outro lugar isso pode ser visto com
mais clareza do que na política dos EUA em relação ao conflito
israelense-palestino. De 1991 até recentemente, Washington conduziu um processo
de paz, em parte porque os líderes dos EUA acreditavam que oferecer uma solução
justa para os palestinos era essencial para legitimar a primazia dos EUA. O
governo do presidente Donald Trump, no entanto, simplesmente ignorou a opinião
pública palestina e árabe ao intermediar os Acordos de Abraão, que normalizaram
as relações entre Israel e Bahrein e os Emirados Árabes Unidos, sem resolver o
conflito israelense-palestino. Os acordos também incluíram o Sudão e o
Marrocos, depois que Washington concordou em reconhecer sua soberania sobre o
Saara Ocidental.
O presidente dos EUA,
Joe Biden, apesar da promissora retórica de campanha, em vez disso, abraçou de
todo o coração a abordagem de Trump para o Oriente Médio, pressionando pela
normalização árabe-israelense e ignorando a democracia e os direitos humanos.
Após sua posse em 2021, Biden abandonou suas promessas de colocar os direitos
humanos em primeiro lugar e tornar a Arábia Saudita um pária pelo assassinato
do jornalista Jamal Khashoggi e sua guerra no Iêmen. Em vez disso, ele se
esforçou com um desespero indecoroso para concluir as políticas de Trump de
normalizar as relações com Israel sem resolver a questão palestina e evitar os
ganhos chineses na região ao garantir um acordo com a Arábia Saudita. Não é por
acaso que o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro coincidiu com a pressão
total do governo Biden por um acordo de normalização saudita em meio a
provocações sem precedentes dos colonos israelenses na Cisjordânia. Havia
muitos sinais de descontentamento árabe com a normalização e inúmeros avisos de
uma explosão iminente em Gaza, mas Washington os ignorou como apenas mais um
exemplo de deferência equivocada a uma rua árabe que acreditava que seus
aliados autocráticos poderiam controlar. Estava errado.
Isso ocorre porque a
opinião pública é importante no Oriente Médio. A política é importante, mesmo
em autocracias e, no Oriente Médio, as forças políticas se movem perfeitamente
entre o doméstico e o regional. Os líderes bem-sucedidos precisam aprender a
dominar as duas dimensões do jogo. Parte da garantia de sua sobrevivência é
saber como responder aos protestos, e a resposta depende da questão em pauta.
Os diplomatas ocidentais dão ouvidos aos governantes árabes que não
sacrificariam nem mesmo interesses menores em prol de um bem maior se pudessem
se safar. É claro que o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, faria
um acordo com Israel se achasse que isso serviria aos interesses de seu governo
e que poderia absorver a ira do público sem muitos riscos. Mas esse é um grande
“se”. O príncipe Mohammed e outros líderes árabes se preocupam com o que pode
levá-los a serem derrubados. Na maioria das vezes, eles se preocupam mais com
uma coisa sobre todas as outras: permanecer no poder. Isso significa não apenas
evitar protestos em massa que obviamente ameaçam o regime, mas também estar
atento às possíveis fontes de descontentamento e reagir conforme necessário
para evitá-las. Com quase todos os países árabes fora do Golfo sofrendo
problemas econômicos extremos e, consequentemente, exercendo a máxima
repressão, os regimes precisam ser ainda mais cuidadosos ao reagir a questões
como o conflito israelense-palestino.
Enquanto isso, os
líderes árabes também estão concentrados no jogo político regional e competem
ferozmente para se posicionarem como os defensores mais eficazes de suas
identidades e interesses compartilhados. É por isso que, muitas vezes, eles
disfarçam até mesmo as ações mais cínicas e egoístas como se estivessem
servindo aos interesses dos palestinos ou defendendo a honra árabe. As ações
recentes dos Emirados Árabes Unidos, como quando o país tentou justificar os
Acordos de Abraão alegando ter impedido a anexação planejada do
primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu à Cisjordânia, são um exemplo
disso. Os líderes árabes se preocupam com o que lhes dá vantagem ou os ameaça
no jogo intensamente competitivo da política regional – seja contra outros concorrentes
árabes por influência ou contra outras potências, inclusive a Turquia e o Irã.
A dimensão regional da concorrência tornou-se ainda mais intensa na última
década, pois as revoltas árabes destacaram como os acontecimentos políticos em
toda a região podem colocar em risco a sobrevivência de qualquer regime
doméstico. Em especial, o Catar competiu fortemente com a Arábia Saudita e os
Emirados Árabes Unidos nas transições políticas e guerras civis na Síria, na
Tunísia e em outros lugares, buscando moldar a opinião pública, mas também
respondendo a ela.
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A reação
Hoje, é óbvio que os
Estados Unidos erraram ao supor que poderiam ignorar a opinião pública árabe
sobre o tratamento dado aos palestinos. Os árabes não perderam, de fato, o
interesse na questão. E os regimes árabes não estabeleceram, de fato, um
controle mortal sobre a mobilização pública. Quase todos os regimes agora têm
seus públicos extraordinariamente mobilizados pelo que consideram ser a
campanha genocida de Israel contra Gaza e um novo programa de deslocamento e
ocupação. O nível resultante de mobilização e indignação pública excede a fúria
de 2003 com a invasão do Iraque pelos EUA e está claramente influenciando o
comportamento dos regimes da região. De fato, o grau e o poder da mobilização
popular podem ser vistos não apenas na mídia e nas multidões nas ruas, mas
também nas críticas atípicas a Israel e aos Estados Unidos feitas por regimes
que precisam não errar para sobreviver. Até mesmo o Egito, um parceiro próximo
dos EUA, ameaçou congelar os Acordos de Camp David se Israel invadir Rafah ou
expulsar os habitantes de Gaza para o Sinai.
A mídia árabe, que
havia sido muito fragmentada e polarizada politicamente durante as guerras
políticas intra-regionais da década anterior, se uniu quase inteiramente em
defesa de Gaza. A Al Jazeera está de volta, revivendo seus
dias de glória por meio de uma cobertura ininterrupta dos horrores de lá, mesmo
que seus jornalistas tenham sido mortos em ação pelas forças israelenses. A
mídia social também está de volta – não o cadáver do Twitter ou os
lamentavelmente censurados Facebook e Instagram, mas sim aplicativos mais novos
como TikTok, WhatsApp e Telegram. As imagens e os vídeos que estão surgindo de
Gaza superam a interpretação oferecida por Israel e pelos Estados Unidos e
contornam facilmente a cobertura suave dos meios de comunicação ocidentais. As
pessoas veem a devastação. Todos os dias elas se deparam com cenas de tragédias
inacreditáveis. E elas conhecem as vítimas diretamente. Elas não precisam da
mídia para entender as mensagens de WhatsApp de habitantes de Gaza
aterrorizados ou para ver os vídeos horríveis que circulam amplamente no
Telegram.
Ativistas e
intelectuais árabes têm desenvolvido argumentos poderosos em relação à natureza
do domínio de Israel sobre os territórios palestinos e esses argumentos estão
entrando no discurso ocidental de novas maneiras. O caso que a África do Sul
levou à Corte Internacional de Justiça, alegando um genocídio israelense em
Gaza, introduziu muitos desses argumentos em circulação no Sul Global e nas
organizações internacionais. Isso foi feito com referência não apenas às
declarações dos líderes israelenses, mas também às estruturas conceituais sobre
ocupação e colonialismo desenvolvidos por intelectuais árabes e palestinos. A
guerra de ideias que os Estados Unidos procuraram travar no mundo muçulmano
após o 11 de Setembro, alegando trazer liberdade e democracia para uma região
atrasada, inverteu o curso, com os Estados Unidos na defensiva por causa de sua
hipocrisia ao exigir a condenação da guerra da Rússia contra a Ucrânia e, ao
mesmo tempo, apoiar a guerra de Israel contra Gaza.
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Uma região à deriva
Tudo isso está
acontecendo em uma era caracterizada, mesmo antes da guerra entre Israel e
Hamas, pelo declínio da primazia dos Estados Unidos e pela crescente autonomia
das potências regionais. Os principais Estados árabes têm buscado cada vez mais
demonstrar sua independência em relação aos Estados Unidos, construindo
relações estratégicas com a China e a Rússia e buscando suas próprias agendas
em assuntos regionais. A disposição dos regimes árabes de desafiar as
preferências dos Estados Unidos foi uma marca registrada da década anterior,
quando os Estados do Golfo ignoraram as políticas americanas em relação à
transição democrática no Egito, inundaram a Síria com armas, apesar da cautela
de Washington, e fizeram lobby contra o acordo nuclear com o Irã. Essa
disposição de desrespeitar os desejos dos Estados Unidos tornou-se ainda mais
evidente após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Nos últimos dois anos, a
maioria dos regimes do Oriente Médio se recusou a votar com Washington contra a
Rússia, e a Arábia Saudita se recusou a seguir a liderança dos Estados Unidos
em relação ao preço do petróleo.
O apoio irrestrito de
Washington a Israel em sua devastação de Gaza, no entanto, trouxe à tona a
hostilidade de longa data em relação à política dos EUA e desencadeou uma crise
de legitimidade que ameaça todo o edifício da primazia histórica estadunidense
na região. É difícil classificar como exagero o grau em que os árabes culpam os
Estados Unidos por essa guerra. Eles podem ver que somente as vendas de armas
dos EUA e os vetos das Nações Unidas permitem que Israel continue sua guerra.
Eles estão cientes de que os Estados Unidos defendem Israel por ações que são
as mesmas pelas quais os Estados Unidos condenaram a Rússia e a Síria. A
extensão dessa raiva popular pode ser vista no desligamento de um grande número
de jovens trabalhadores de organizações não governamentais e ativistas de
projetos e redes apoiados pelos EUA, construídos ao longo de décadas de
diplomacia pública, um desenvolvimento citado por Annelle Sheline em sua
renúncia ao cargo de oficial de relações exteriores do Departamento de Estado em
março.
A Casa Branca ainda
está agindo como se nada disso fosse realmente importante. Os regimes árabes
sobreviverão, a raiva diminuirá ou será redirecionada para outras questões e,
em alguns meses, Washington poderá voltar à importante questão da normalização israelense-saudita.
É assim que as coisas têm funcionado tradicionalmente. Mas desta vez pode ser
diferente. O fiasco de Gaza, em um momento de mudança do poder global e de
alteração dos cálculos dos líderes regionais, mostra o quão pouco Washington
aprendeu com seu longo histórico de fracassos políticos. A natureza e o grau da
raiva popular, o declínio da primazia dos EUA e o colapso de sua legitimidade e
a priorização dos regimes árabes em sua sobrevivência doméstica, bem como a
concorrência regional, sugerem que a nova ordem regional estará muito mais
atenta à opinião pública do que a antiga. Se Washington continuar a ignorar a
opinião pública, estará condenando seu planejamento para depois do fim da
guerra em Gaza.
Fonte: Por Marc Lynch,
no Foreign Affairs | Tradução de Glauco Faria, em Outras Palavras
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