Diretas já! 40 anos de uma derrota
legislativa com sabor de vitória
Em 2024 comemoramos os
40 anos de um ciclo de protestos que foi fundamental para por fim ao regime
autoritário iniciado em 1964: Diretas já! E, por mais paradoxal que possa
parecer, este ciclo se encerrou com uma derrota legislativa para a oposição,
com a rejeição da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 5 de 1983,
conhecida como Dante de Oliveira. Mas por que celebrar as Diretas já! se sua
principal reivindicação foi derrotada em plenário pela base do governo militar?
Para compreender as razões é preciso resgatar um pouco da história dos eventos
que sacudiram o país em 1984 e ajudaram a redefinir o nosso sistema
político-partidário.
O governo de João
Figueiredo (1979-1985) já sofria fortes pressões nos primeiros anos da década
de 1980. Nas eleições disputadas em 1982, que marcou o retorno do voto direto para a escolha dos
governadores, os partidos oposicionistas receberam mais de 50% dos votos
válidos para a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e os governos estaduais.
Os resultados da urnas, além de representar uma derrota significativa aos
partidos alinhados ao regime autoritário, demonstraram uma deslegitimação
popular em relação ao atual governo. Foi neste contexto que a oposição propôs o
fim institucional da ditadura e a restauração formal da democracia, pleiteando
a volta da escolha direta do próximo presidente.
Na ocasião, o deputado
federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) elaborou uma PEC que desencadeou uma série
de manifestações que colocaram em xeque o regime autoritário, A PEC nº 5/1983, que
ficou conhecida pelo nome de seu propositor, dispunha sobre a eleição direta
para presidente e vice-presidente da República:
Art. 1º – Os arts. 74
e 148 da Constituição Federal, revogados seus respectivos parágrafos, passarão
a viger com a seguinte redação:
Art. 74 – O Presidente
e Vice-Presidente da República serão eleitos, simultaneamente, entre os
brasileiros maiores de trinta e cinco anos e no exercício dos direitos
políticos, por sufrágio universal e voto direto e secreto, por um período de
cinco anos.
Parágrafo Único – A
eleição do Presidente e Vice-Presidente da República realizar-se-á no dia 15 de
Novembro do ano que anteceder ao término do mandato presidencial.
Art. 148 – O sufrágio é universal e o voto é direto e secreto; os partidos
políticos terão representação proporcional, total ou parcial, na forma que a
lei estabelecer.
Art. 2º – Ficam
revogados o art. 75 e respectivos parágrafos, bem como o § 1º do art. 77 da
Constituição Federal, passando seu § 2º a constituir-se parágrafo único.
O primeiro ato do
ciclo de protestos das Diretas já! foi um grande comício ocorrido em novembro
de 1983 na cidade de São Paulo: Comício do Pacaembu. O
evento, organizado pelo PT, contou ainda com alguns notáveis do PMDB, principal
partido de oposição à época. Contudo, foi apenas em 1984 que as manifestações
em prol da emenda ganharam fôlego. A expansão dos atos foi rápida e logo
diversos setores da sociedade civil aderiram ao movimento, incluindo cidadãos
comuns, políticos de diferentes partidos oposicionistas, artistas, personalidades ligadas ao futebol etc. A rápida propagação dos comícios e seu impacto sobre
a opinião pública tornaram obrigatório, mesmo aos oposicionistas mais
moderados, um posicionamento a favor da aprovação da emenda Dante de Oliveira.
O êxito nas ruas foi tão grande que Lula (PT), Ulysses Guimarães (PMDB) e
Doutel de Andrade (PDT), principais lideranças partidárias oposicionistas ao
regime autoritário, coordenaram, entre os dias 13 e 20 de fevereiro de
1984, a caravana pelas diretas, partindo
de vários estados rumo à Brasília.
Os militares sentiram
o golpe dos protestos, mas não abriram mão da sucessão presidencial via Colégio
Eleitoral, pressionando os membros do PDS, principal partido governista, a
votar de forma unida contra a PEC. O regime, porém, desta vez não fez uma escalada
violenta como seria de esperar em anos anteriores. Pelo contrário, optou por
não se opor à votação da emenda, apostando na pequena chance de sucesso da
oposição no Congresso. Afinal, mesmo se passasse pela Câmara, as possibilidades
de aprovação no Senado eram mínimas, em função da composição partidária
favorável ao regime autoritário.
Em 8 de março de 1984,
confirmou-se a data de votação da proposta para 25 de abril do mesmo ano. A
partir dali, oposição e situação passaram a tentar colher frutos pela
repercussão das Diretas já! Do lado oposicionista, a competição entre as
lideranças do movimento se acirrou, e alguns membros do PMDB iniciaram, contra
a vontade dos autênticos, uma negociação
interna de sucessão, antes mesmo da votação da PEC. Pelo lado governista,
também não havia unanimidade, e uma cisão interna no PDS, que dois anos mais
tarde faria nascer o PFL, já era visível naquele período.
Na votação de 25 de
abril a emenda foi derrotada: 298 votos a favor, 65 contra, três abstenções e
113 deputados se ausentaram. Os votos foram insuficientes para aprovar uma PEC,
que exigia 2/3 de votos a favor, ou seja, apoio de pelo menos 320 dos 479 deputados.
Entretanto, o desgaste situacionista foi nítido. Dos 235 deputados do PDS,
somente 65 votaram contra, três se abstiveram, 112 não compareceram e 55 foram
a favor da emenda. A base governista e seu partido estavam rachados.
Apesar de não ter sido
aprovada, a emenda Dante de Oliveira, ao desencadear as Diretas já! impactou
definitivamente o sistema político brasileiro. Os partidos oposicionistas
ganharam ainda mais força nesse período, ao longo do qual o regime autoritário
foi finalmente encerrado. E, mesmo sem a eleição direta para presidente em
1985, os militares e seus apoiadores viram seu candidato Paulo Maluf ser
derrotado no Colégio Eleitoral por uma aliança firmada entre o PMDB e o PFL,
que lançou a chapa vencedora formada por Tancredo Neves e José Sarney.
Fonte: Congresso em
Foco
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