Bruno
Sobral: Crise financeira dos Estados - o problema é a dívida?
A renegociação das
dívidas estaduais tende a ser tratada de forma isolada, como apenas uma
restrição financeira. Isso impede de se indagar qual o papel dos governos
estaduais e, logo, de suas finanças. Ou seja, essa discussão só faz sentido se
estiver relacionada à questão federativa. Essa não se resume a distribuição de
recursos, mas envolve a relação entre o poder estatal e a gestão estratégica do
território no país.
Em meados da década de
1990, inicia-se o processo de renegociação das dívidas estaduais que vem sendo
rolado até hoje. Esse processo transcorre quando a convenção de estabilidade
(monetária) alcança hegemonia e torna o Estado nacional seu guardião, enquanto
a adesão acrítica ao paradigma da globalização estimula a mudança para um
federalismo competitivo na prática (a despeito do modelo cooperativo na
constituição). Essas tendências tornam a relação da União e entes subnacionais
pautada por uma predisposição para identificar potencial risco inflacionário no
gasto desses últimos e desequilíbrio no contexto de crescente guerra fiscal.
Em 2018, quando se
completava primeiro ano do Regime de Recuperação Fiscal – RRF, enfatizei em
entrevista o quanto seu arcabouço reafirma uma lógica de agiotagem. Afinal,
resume a relação entre União e ente subnacional como mera relação de credor e
devedor, cuja preocupação central é dar condições de reorganização do fluxo de
pagamentos para que continuasse. Como agiota, o credor não incluí em suas
avaliações os efeitos socioeconômicos sobre a realidade subnacional de impor um
ajuste de caráter recessivo, desde que seja perseguido o resultado fiscal.
No geral, a União
assume um papel de controle restrito, resumido a sanções, enquanto poucos
mecanismos de coordenação são efetivados. No limite, age como capital a juros
que, voltado para critérios de valorização, desvincula-se de qualquer
responsabilidade compartilhada com as políticas públicas dos entes subnacionais
(já chegaram a ser interrompidas para priorizar pagamento da dívida).
Portanto, o problema
fiscal dos governos estaduais não pode ser discutido tão somente como uma
restrição financeira. Na verdade, o problema não é assumir uma obrigação, mas
antes para qual finalidade ela serve. Ela pode ser um instrumento ideológico
para impor a fórceps medidas de austeridade e reformas administrativas tão
somente para aumentar poupança e maior capacidade de pagamento dela.
Inversamente, ela pode ser um instrumento de planejamento indutor como uma das
formas de financiamento de uma estratégia de desenvolvimento intrafederativa.
Portanto, a dívida só
é o problema quando se revela uma relação assimétrica de poder que retira
autonomia federativa, e sem nenhum conjunto de prioridades que se associe a uma
gestão estratégica do território.
A Secretaria do
Tesouro Nacional – STN (órgão vinculado ao Ministério da Fazenda) desempenha
papel central nos processos de renegociação das dívidas estaduais. Em tese de
doutorado defendida na FGV/SP, Rogério Ceron (2021, p.86), o atual secretário
da STN, afirmou que: “[o Rio de Janeiro] é o caso de falência fiscal mais
emblemático do Brasil na atualidade e não há horizonte de recuperação à frente
e nem de solução para o endividamento (o Estado continua sem arcar com os
encargos da dívida)”. Na mesma tese, se foi além e afirmou também: “como
ocorreu em outros momentos do tempo, o Estado não tem endereçado soluções
estruturais e aguarda mais um resgate e perdão de dívida por parte do Governo
Federal. Caso também emblemático de resiliência fatalística, apostando mais uma
vez no bailout (…)”.
A atual posição do
governo fluminense parece não ser capaz de refutar essa avaliação, quando
decide retaliar na opinião pública e judicializar a questão da dívida. O
desespero se explica. Já no 1º ano de vigência do novo RRF, 2022, ficou em
situação de inadimplência ao descumprir compromisso fiscal (meta de resultado
primário prevista). Segundo legislação, além de sofrer multa, está sob risco de
ser extinto o regime se ficar este ano novamente (ou seja, dois exercícios
consecutivos).Preocupações não faltam quando a previsão de déficit é de R$ 8,5
bilhões para esse ano e de R$ 13,7 bilhões para 2025 (segundo a PLDO enviada à
ALERJ recentemente).
Se é inaceitável a
União assumir postura de agiotagem, assumir a posição sartreana de “o
inferno são os outros” e ignorar o debate de contrapartidas beira o
nonsense. Inclusive rejeitando rapidamente a proposta inovadora do Ministério
da Fazenda de reduzir os encargos em troca de maiores investimentos estaduais
em educação.
A história poderia
estar sendo diferente. No mesmo ano de defesa da tese acadêmica do atual
secretário da STN, o governo fluminense passou a construir um Plano de
Recuperação Fiscal – PRF que, posteriormente, se desdobrou em um Plano
Estratégico de Desenvolvimento Econômico e Social – PEDES. Sua principal
originalidade está em não só apresentar uma solução desenvolvimentista de
reequilíbrio fiscal (que recebeu aprovação técnica da gestão anterior da STN),
mas buscar ser protagonista no debate nacional sobre uma mudança profunda no
arcabouço do RRF e, se possível, até sua superação por uma nova política
federativa. De lá para cá, o governo estadual desassociou um plano do outro,
descaracterizou o primeiro e pouca efetividade deu para o segundo.
A pergunta que fica é:
por quê?
A fim de realizar nova
“fuga para frente” e disfarçar sua negação de seguir qualquer estratégia,
prefere-se então chamar Raul Seixas e bradar: “nós não vamos pagar nada”.
De fato, a tese acadêmica do atual secretário da STN não exagerou. O governo
fluminense confirma o histórico de não priorizar soluções estruturais (mesmo
tendo as apresentado antes no PRF e no PEDES). E mais, segue uma tradição de
esperar o problema chegar a um nível crítico para apelar para nova injeção de
liquidez, ainda que com sistemático descompromisso com resultados que
demonstrem estar reduzindo sua insustentabilidade fiscal.
Nesse caso, o problema
não é a dívida, mas uma fragilidade político-institucional que ela explicita
como um limite para gestão técnica eficaz e de caráter estratégico.
Garantir maiores
mecanismos de controle social é algo fundamental. Afinal, a população em geral
e mesmo a maioria dos servidores desconhecem o PRF e o PEDES, e o que está em
jogo por opções políticas. Como exemplo, a perda de recomposição inflacionária
dos servidores estaduais que, após quase uma década, tinha voltado com a
aprovação do PRF que a sustentava tecnicamente e não foi mais dada este ano.
¨
Cidades menores precisam fugir dos erros
das metrópoles para crescer. Por Wagner de Alcântara Aragão
A retomada de políticas
como Bolsa Família, microcrédito, Minha Casa Minha Vida, Programa de Aceleração
do Crescimento, expansão dos institutos de educação e universidades, entre
outras, deve fazer nos próximos anos o Brasil voltar a experimentar um fenômeno
visto recentemente: a expansão econômica e urbana de municípios de pequeno e
médio porte, em especial no interior e rincões do país.
Aos gestores públicos
locais, regionais e nacionais, à academia e instituições de pesquisa, aos
movimentos sociais, à sociedade de um modo geral é preciso atenção a um risco:
o da repetição dos erros que vimos no surgimento de nossas metrópoles, décadas atrás.
O crescimento desordenado, pautado pela especulação imobiliária, pela ideologia
do automóvel, pelo desrespeito às condições naturais, pela destruição do
patrimônio histórico e arquitetônico é inaceitável.
Mas, se não tomarmos
cuidado, seguimos por esse caminho sem percebermos, só nos dando conta quando
os prejuízos baterem à porta. Por prejuízos entendam-se não só os financeiros,
e sim, sobretudo, os de ordem social.
Trago um exemplo,
visto in loco. No início deste ano, estive em Nossa Senhora da Glória, um dos
mais importantes municípios do Sertão de Sergipe. Tem na produção leiteira um
dos motores de sua economia. Além da agropecuária, destaca-se pela pujança do
comércio e serviços. Desde 2015, sobressai-se como polo universitário também,
quando passou a contar com campus da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Entre os censos de
2010 e 2022, a população do município cresceu em mais de um quarto (27%),
passando de 32,5 mil para 41,3 mil habitantes. Percentual quatro vezes maior
que a taxa média de crescimento populacional do país (6,5%), no período. Mais
de cinco vezes que os 5% da região metropolitana de São Paulo, para se ter uma
ideia.
Como dito, estive por
lá, em janeiro, depois de nove anos. O crescimento populacional é notado pela
expansão da zona urbana. Os limites da cidade avançaram por áreas que, até
menos de uma década, ficavam afastadas do núcleo central. Avenidas e estradas foram
abertas, shopping center e hipermercado foram erguidos, lojas de rede e grifes
se instalaram.
Contudo, córregos e
rios foram aterrados. Fundos de vales ocupados. O município não conta ainda com
um serviço de transporte público. O carro e as motos, principalmente, têm
preferência absoluta no tráfego urbano. Calçadas não foram alargadas, e ficam
espremidas por leitos carroçáveis de trânsito intenso. Letreiros e painéis das
marcas tampam a arquitetura original, descaracterizando a paisagem histórica e
causando poluição visual.
O crescimento do
município sergipano se intensificou no atual decênio, resultado das políticas
de distribuição de renda e descentralização econômica dos governos populares de
Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016). Entretanto,
tal decênio, como se sabe, foi marcado pelo desmonte acelerado do Estado, pós
golpe de 2016. Ou seja, a expansão verificada foi coincidente com uma
conjuntura de desgoverno.
O caso apresentado
seguramente se repete em outros estados e regiões. Vivemos, como propaga o
slogan, uma fase de reconstrução. Que ela seja caracterizada não apenas pelo
retorno de ações, iniciativas e políticas públicas, mas que estas venham
aperfeiçoadas, carregadas de aprendizados com os erros – e que constituam
avanços, sustentáveis.
Fonte: Brasil Debate
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