Pseudo-estado da guerrilha complica busca
pela paz na Colômbia
Um grupo de crianças
segurando balões vermelhos, amarelos e azuis - as cores da bandeira da Colômbia
- corre para o playground de uma escola recém-inaugurada, construída e paga
pela guerrilha Estado Maior Central (EMC).
A nova escola - que
foi inaugurada no mês passado em uma área problemática no sul do país - é
apenas um exemplo de como o grupo está consolidando o controle de determinadas
regiões, ganhando apoio social e domínio territorial e, potencialmente,
dificultando os esforços já difíceis do presidente Gustavo Petro para assinar
um novo acordo de paz.
O EMC, com 3.500
integrantes, é formado por rebeldes que rejeitaram um acordo de paz histórico
de 2016 com o governo que, em grande parte, pôs fim a décadas de conflito.
Dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), eles
continuam armados e comprometidos, segundo eles, com ideais marxistas, como a
redistribuição de riqueza e de terras.
A construção de um
pseudo-estado pelo EMC - construção de clínicas, estradas e pontes - é uma
estratégia para aproximá-lo da população local em lugares com presença mínima
do Estado, dizem autoridades do governo, fontes de segurança e analistas, dando
aos rebeldes uma posição mais forte na mesa de negociações.
O controle do
território também permite que o EMC expanda o tráfico de drogas e a mineração
ilegal, financiando suas operações armadas, disseram as fontes de segurança,
prejudicando os esforços antidrogas dos Estados Unidos e da Colômbia e
danificando os frágeis ecossistemas amazônicos.
Como em outros países
onde guerrilheiros ou grupos criminosos preencheram o vazio da presença do
Estado, seus esforços semearam a desconfiança nas forças de segurança, disse um
oficial de alto escalão do Exército que pediu para permanecer anônimo.
Mas o EMC diz que está
levando benefícios para as comunidades marginalizadas.
"É um sonho (...)
para as comunidades", afirmou à Reuters o segundo comandante do EMC,
Alexander Diaz Mendoza, mais conhecido por seu nome de guerra Calarcá Córdoba,
durante a inauguração da escola. "Especialmente para esta região que foi excluída
pelo Estado."
O EMC, que entrou em
negociações de paz com o governo de Petro no ano passado, herdou a prática de
construção de pseudo-estado de seu antecessor, as Farc, que se desmobilizaram
sob o acordo de paz de 2016. Atualmente, esse é o terceiro maior grupo armado
da Colômbia.
Cerca de 13.000
pessoas se desmobilizaram sob o acordo das Farc, o qual determinou que os
líderes do grupo enfrentassem investigações de crimes de guerra, mas outros
grupos armados - incluindo gangues criminosas, dissidentes como o EMC e os
rebeldes do Exército de Libertação Nacional (ELN) - permanecem ativos, contando
com cerca de 17.600 membros entre eles.
Petro prometeu acabar
com o conflito de 60 anos, que matou 450.000 pessoas, por meio de novos acordos
de paz, mas ele está enfrentando obstáculos significativos, incluindo a
suspensão parcial de um cessar-fogo com o EMC.
"A escola é para
as comunidades, para as crianças que precisam dela", disse Calarcá antes
de inaugurar o prédio, cujas 12 salas de aula, sala de informática, dormitórios
e outras instalações superam as de muitas escolas rurais da Colômbia.
Camilo González,
negociador-chefe do governo nas conversações com a EMC, disse que tais
iniciativas aconteceram porque o Estado não estava presente.
"Se a
infraestrutura está sendo construída ilegalmente, é porque legalmente isso não
acontece", afirmou ele.
O governo de Petro
prometeu combater a desigualdade com melhorias nos serviços públicos e de saúde
em regiões distantes, mas as reformas do presidente têm enfrentado dificuldades
no Congresso e muitos programas ainda não foram concretizados.
González disse que a
"substituição do Estado" pelos guerrilheiros seria discutida nas
negociações de paz e que isso dificultaria as negociações.
Construções como a
escola são uma forma de controle social, disse a analista do Crisis Group
Elizabeth Dickinson.
"Quanto mais
próximo um grupo armado estiver da população, mais difícil será avançar em
direção à paz, porque eles são cada vez mais parte da sociedade", declarou
Dickinson, acrescentando que as investigações de seu grupo mostraram que o EMC
também impõe seu próprio sistema de justiça em algumas regiões.
É mais vantajoso para
o EMC construir infraestrutura do que confrontar o Estado militarmente, disse
Dickinson.
¨ Por que Colômbia é 2º país da América Latina a anunciar corte de
relações com Israel
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro,
anunciou nesta quarta-feira (1º) que seu país vai romper relações diplomáticas
com Israel.
"Aqui, diante de
vocês, o presidente da república informa que amanhã as relações diplomáticas
com o Estado de Israel serão rompidas", disse.
O anúncio do Petro
ocorreu diante de milhares de apoiadores em Bogotá, capital colombiana, durante
evento em comemoração ao Dia Internacional do Trabalho.
Petro já havia
criticado duramente as ações de Israel em Gaza em
sua guerra contra o grupo islâmico Hamas. Mais de 34,5 mil palestinos foram
mortos no confronto.
"Hoje, a
humanidade, em todas as ruas, concorda conosco. A era do genocídio, do
extermínio de um povo inteiro diante dos nossos olhos, diante da nossa
humanidade, não pode voltar", disse Petro.
A ruptura nas relações
anunciada pelo governo colombiano, o primeiro de esquerda na história do país,
representa uma mudança de 180 graus na política de gestões anteriores, que
estabeleceram a Colômbia como o principal aliado de Israel na região.
·
Deterioração
progressiva
As relações entre
Israel e a Colômbia esfriaram progressivamente desde que as forças israelenses
responderam ao ataque sem precedentes que o Hamas realizou no seu território em
7 de outubro de 2023.
A incursão do Hamas
terminou com mais de 1,2 mil mortos e 240 pessoas feitas reféns.
Poucos dias após a
escalada do conflito, Israel disse que iria "suspender as exportações de
[itens de] segurança" para a Colômbia depois que Petro comparou a
linguagem do ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, à usada pelos
"nazistas contra os judeus".
Em fevereiro desse
ano, uma fala semelhante do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), comparando as ações de Israel em Gaza ao
Holocausto, gerou uma crise diplomática, incluindo a convocação de embaixadores (leia mais abaixo).
Enquanto isso, também
em fevereiro, Petro suspendeu as compras de armas de Israel depois da morte de
dezenas de pessoas que estavam procurando alimentos em Gaza durante uma
ofensiva israelense.
O presidente
colombiano descreveu estes atos como "genocídio", disse que lembravam
o Holocausto e acrescentou que o mundo deveria "impedir" Benjamin Netanyahu, o
primeiro-ministro israelense.
Em novembro do ano
passado, a Bolívia tornou-se o primeiro país da região a romper relações
com Israel depois do 7 de outubro.
A decisão foi
anunciada pela ministra da Presidência, María Nela Prada, e pelo vice-chanceler
das Relações Exteriores, Freddy Mamani.
A Bolívia "tomou
a determinação de romper relações diplomáticas com o Estado de Israel em
repúdio e condenação à agressiva e desproporcional ofensiva militar que ocorre
na Faixa de Gaza", declarou Mamani.
·
Fim da 'relação
especial'?
Em 2020, o então governo
de Iván Duque na Colômbia assinou um Acordo de Livre Comércio "de última
geração" com Israel.
Foi o passo com que a
Colômbia se estabeleceu como principal aliada de Israel na América do Sul,
aprofundando uma relação que se fortaleceu rapidamente nos 20 anos anteriores.
Desde o início do
século 20 e durante a Guerra Fria, a Colômbia foi também um aliado importante
dos Estados Unidos na América Latina.
"E a conjunção de
interesses entre os dois países e Israel levou à criação de um triângulo
estratégico entre os três", explica Marcos Peckell, professor de
diplomacia e relações internacionais, à BBC News Mundo (serviço em espanhol da
BBC).
Após o ataque às
Torres Gêmeas em 2001 e a chegada ao poder de Álvaro Uribe em 2002, a Colômbia
juntou-se ao que os Estados Unidos chamaram de "guerra global contra o
terrorismo".
A partir desse
momento, a Colômbia declarou as guerrilhas como "organizações
terroristas" e passou classificar o conflito armado com esses grupos como
uma "ameaça terrorista".
E foi então que os
militares israelenses, que durante décadas enfrentaram movimentos que
consideram terroristas como o Hamas e o Hezbollah, intervieram plenamente para
apoiar as Forças Armadas Colombianas.
Entre 2002 e 2006,
segundo dados oficiais, a importação de material militar de Israel para a
Colômbia duplicou.
A cooperação não foi
apenas militar.
Nos últimos 24 anos,
por exemplo, milhares de colombianos participaram do Mashav, um programa
educativo do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel que forma
estrangeiros em Medicina, Agricultura e Tecnologia.
Por isso, é tão comum
ver colombianos e israelenses passarem meses ou anos em intercâmbio no outro
país em busca de formação.
Ainda não se sabe o
que pode acontecer com essa "relação especial" após a decisão
anunciada por Petro.
·
A posição do Brasil
sobre o conflito no Oriente Médio
Embora as relações
entre Brasil e Israel estejam mantidas, elas ficaram estremecidas nos últimos meses.
Tradicionalmente, a
diplomacia brasileira defende o direito palestino a um Estado independente e
critica a ocupação de seu território por Israel.
A situação entre
Brasil e Israel se agravou em fevereiro, após o presidente Lula comparar a ação militar em Gaza ao Holocausto promovido
pelo governo nazista da Alemanha, que
matou milhões de judeus na tentativa de exterminar esse povo.
Como resposta, o
ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, chamou o embaixador
brasileiro, Frederico Meyer, para um encontro no Museu do Holocausto.
Na ocasião, afirmou
que Lula tornou-se "persona non grata" no país e não é bem-vindo em
Israel.
Após o episódio, o
Itamaraty convocou Meyer de volta ao Brasil, numa ação que demonstrou a
insatisfação brasileira com a atitude israelense.
Em abril, o governo
brasileiro deixou de condenar um ataque do Irã ao território israelense.
Pela primeira vez,
o Irã realizou ataques diretos contra o território de Israel, com o lançamento de muitos mísseis e drones.
Os dispositivos — mais
de 300, segundo Israel — não chegaram a atingir o país, porque foram
interceptados pelo sistema de defesa aéreo israelense, com apoio de aliados,
como Estados Unidos e França.
O governo iraniano
disse que a ação era uma resposta ao ataque ao seu consulado na Síria, no dia 1º de abril, que Teerã
atribuiu a Israel (embora Israel não tenha confirmado ser o autor).
O bombardeio matou 13
pessoas, incluindo um general de 63 anos com um longo histórico de serviços
prestados ao Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, o poderoso exército
paralelo do Irã — e o mais numeroso dentro das suas Forças Armadas.
Naquela ocasião, o
Itamaraty divulgou uma nota condenando o ataque ao consulado iraniano, sem
mencionar Israel diretamente.
Agora, após os ataques
iranianos, a diplomacia brasileira também se posicionou por meio de nota, em
que manifestou preocupação com a situação no Oriente Médio, mas não condenou
expressamente a agressão.
"O Governo
brasileiro acompanha, com grave preocupação, relatos de envio de drones e
mísseis do Irã em direção a Israel, deixando em alerta países vizinhos como
Jordânia e Síria", disse a nota na ocasião.
"Desde o início
do conflito em curso na Faixa de Gaza, o Governo brasileiro vem alertando sobre
o potencial destrutivo do alastramento das hostilidades à Cisjordânia e para
outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, o Irã", continuou o comunicado.
A nota pedia ainda
"a todas as partes envolvidas que exerçam máxima contenção" e
conclamava "a comunidade internacional a mobilizar esforços no sentido de
evitar uma escalada".
Fonte: Reuters/BBC
News Brasil
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