sábado, 4 de maio de 2024

'Ato de quem está perdendo o jogo', diz analista sobre sanções dos EUA contra a China

Ao impor sanções contra Pequim em função do conflito ucraniano, Washington escancara que conflito na Ucrânia tem como objetivo conter o eixo Rússia-China. A Sputnik Brasil conversou com especialistas para saber se as sanções podem minar a parceria entre Moscou e Pequim às vésperas do encontro entre Vladimir Putin e Xi Jinping.

Nesta quarta-feira (1º), os EUA impuseram sanções contra empresas chinesas de alta tecnologia, por manterem relações comerciais com a Rússia. De acordo com o Tesouro norte-americano, as empresas chinesas forneciam componentes utilizados para a produção de drones e outros materiais bélicos em território russo.

A Embaixada da China em Washington reagiu, declarando que Pequim continuará a defender "seu direito legítimo de comercializar com outros países", de acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio e da economia de mercado. O porta-voz da representação diplomática chinesa, Liu Pengyu, ainda notou que as relações entre China e Rússia não são "dirigidas contra outros países" e, por isso, "não devem ser alvo de pressão ou intervenção de terceiros".

O tom dos EUA, no entanto, foi de confronto: altos funcionários do governo norte-americano afirmaram terem "alertado" a China sobre a possibilidade de sanções, que foram aplicadas como resultado da "falta de cooperação" por parte de Pequim, reportou o jornal The New York Times.

As empresas chinesas – alvos das novas sanções – são acusadas pelos EUA de fornecerem detectores infravermelhos, componentes para drones e sensores de pressão usados em mísseis produzidos na Rússia.

Para o professor da Universidade de Relações Exteriores da China, Marcus Vinicius de Freitas, a imposição de sanções contra empresas chinesas mostra que os EUA têm dificuldades de derrotar a Rússia no campo de batalha.

"O fato de os EUA terem recorrido às sanções confirma que a Ucrânia não está ganhando a guerra e que as contraofensivas prometidas por Zelensky não foram bem-sucedidas", disse Freitas à Sputnik Brasil. "Isso é um enorme embaraço para a OTAN, que apostou muitas das suas fichas nesse conflito."

Segundo ele, o conflito ucraniano é "uma guerra contra o eixo Rússia-China", que desafia a manutenção da hegemonia norte-americana. Nesse sentido, a China "entende que o pacote de sanções é parte da iniciativa dos EUA de enfraquecer a emergência de novos atores internacionais."

O doutor em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em China, Diego Pautasso, acredita que Pequim está preparada para ataques econômicos advindos dos EUA.

"A China vem sendo objeto de sanções dos EUA desde 2008. E elas não tiveram os efeitos desejados", disse Pautasso à Sputnik Brasil. "Os EUA continuam tendo um déficit enorme em relação à China, exportando cada vez mais commodities e importando bens de alto valor agregado."

Segundo Pautasso, a China provavelmente seguirá sua política de imposição de contrassanções em relação aos EUA. A retaliação de Pequim deverá impactar empresas dos EUA locadas na China, conforme a lei de combate às sanções estrangeiras aprovada em 2021. A legislação prevê punição para pessoas jurídicas que colaborem com a aplicação de sanções estrangeiras impostas contra a China.

Além do intuito de minar a parceria sino-russa, as sanções têm o objetivo de conter o desenvolvimento tecnológico chinês. Em sua cruzada para conter o uso internacional da tecnologia 5G desenvolvida pela empresa chinesa Huawei, por exemplo, os EUA acusaram a empresa de violar sanções norte-americanas impostas contra o Irã.

"EUA estão determinados a criar constrangimento ao desenvolvimento chinês. E a China está se capacitando para enfrentar isso: no meio da defesa, com uma capacidade dissuasória cada vez maior; no meio financeiro, com uma desdolarização cada vez maior; no institucional, com acordos com um número crescente de países", disse Pautasso. "Mas os chineses têm clareza de que o caldo vai entornar."

·        Parceria sino-russa

As sanções norte-americanas contra empresas chinesas foram adotadas em meio às preparações para a visita do presidente russo Vladimir Putin à China. Com a medida, a Casa Branca tem o intuito de minar o desenvolvimento desta parceria, que é vista como uma ameaça aos interesses norte-americanos.

Os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, no entanto, não acreditam que as sanções levarão Pequim a repensar a sua parceria com Moscou.

"Isso não fará com que a China mude o seu rumo em relação à Rússia", disse Freitas. "A parceria entre Rússia e China tem trazido benefícios para os dois lados, com Pequim acessando petróleo e combustíveis a preço competitivo, e a Rússia podendo vender seus produtos em um dos maiores mercados consumidores do mundo."

O professor da Universidade de Relações Exteriores da China nota a afinidade política entre os líderes Xi Jinping e Vladimir Putin, que já realizaram mais de 50 encontros de alto nível nos últimos anos.

"É natural que a China busque ter boas relações com um vizinho nuclearmente armado, que possui um vasto território e infindáveis recursos naturais", disse Freitas. "Uma relação de inimizade ou belicosa com Moscou está fora de questão para Pequim."

O entorno geopolítico chinês já se encontra em estado bastante tensionado, em função da proliferação de armas de destruição em massa e da forte presença dos EUA em países do Extremo Oriente e no mar do Sul da China, lembrou Freitas.

"A grande desvantagem da China em relação aos EUA do ponto de vista geopolítico é que ela tem uma vizinhança muito mais complexa, com quatro vizinhos nuclearmente armados – Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Rússia – e ainda a presença de Coreia do Sul e Japão, que refletem a política norte-americana na região", declarou Freitas. "A China é um elefante que se move em uma vizinhança complexa. Então o bom relacionamento com Moscou é necessário."

Por outro lado, as sanções norte-americanas contra Rússia e China têm surtido efeito contrário do esperado, expandindo a presença comercial de Moscou e Pequim em países do Sul Global, disse Pautasso.

"No caso da China, as sanções não surtem efeito por Pequim não ser dependente do mercado dos EUA. Pelo contrário, elas têm um efeito rebote ao levar a China a exportar para outros países, aumentando a sua influência em mais regiões do mundo", acredita Pautasso.

De fato, a China passou a comercializar menos com economias do Ocidente, como a União Europeia, e mais com seus vizinhos da Associação de Nações do Sudeste Asiático, a ASEAN.

"A Europa empobreceu em função dos efeitos [do conflito ucraniano] no preço dos recursos energéticos e deixou de ser o principal parceiro comercial da China, que hoje é a ASEAN", disse Freitas. "A partir do momento que a Europa apontou a China como seu 'rival sistêmico', Pequim adotou medidas para aumentar o seu comércio com parceiros do seu entorno geográfico."

Apesar dos resultados duvidosos, os EUA mantêm sua preferência pela adoção de sanções econômicas contra a China para frear o seu declínio relativo na arena internacional.

"Essa política mostra a incapacidade dos EUA de competirem com a China no nível da produção, da tecnologia e da produtividade. Essas respostas são de quem está perdendo o jogo e quer levar a bola para casa", concluiu o especialista em assuntos chineses Pautasso.

No dia 1º de maio, o Departamento do Tesouro dos EUA anunciou a aplicação de sanções contra mais de 300 pessoas jurídicas, acusando-as de violar sanções unilaterais impostas pelos EUA contra a Rússia. Além de 21 empresas localizadas na China, a lista inclui pessoas jurídicas oriundas de países como Bélgica, Turquia, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão.

¨      Trump e crescente isolacionismo nos EUA 'prejudicaram a capacidade de dissuasão' da OTAN

Anteriormente, Donald Trump deu sinais de que não apoiaria os Estados-membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que não contribuíssem o suficiente para a defesa, levando a preocupações no seio da aliança.

A ascensão de vozes "isolacionistas" nos EUA e as recentes declarações de Donald Trump, ex-presidente dos EUA (2017-2021), minam a OTAN, escreve o jornal norte-americano The Wall Street Journal (WSJ), citando o chefe do comitê de política europeia do Parlamento da Alemanha.

"Hofreiter alertou que a ascensão de vozes isolacionistas nos Estados Unidos, incluindo os comentários do ex-presidente Donald Trump [...] já prejudicaram a capacidade de dissuasão da aliança", escreve WSJ.

Trump deu a entender anteriormente que, caso vencesse as eleições de novembro nos EUA, convocaria uma cúpula da OTAN em junho de 2025 para discutir o futuro da aliança.

Ele também afirmou que durante sua presidência o chefe de um "grande país" não identificado da OTAN lhe perguntou se os EUA forneceriam defesa à aliança no caso de um "ataque" russo.

Trump, no entanto, respondeu que não o faria a países da aliança que não contribuem o suficiente para a defesa. O então mandatário acrescentou que "aprovaria que eles [a Rússia] fizessem o que bem entendessem".

Os países da UE, a maioria dos quais também faz parte da OTAN, começaram a discutir cada vez mais a defesa europeia, padrões comuns, ordens de defesa conjuntas e planejamento militar em meio aos temores da vitória de Donald Trump na eleição presidencial dos EUA em novembro de 2024. Também foi proposta a introdução de um novo cargo de comissário europeu de defesa.

Jens Stoltenberg, secretário-geral da OTAN, ainda afirmou que a participação dos países da UE nos gastos militares da aliança atlântica é de apenas 20%.

¨      Diretor russo do FMI: BRICS pode oferecer alternativa se o dólar entrar em colapso

Os países do BRICS poderiam fornecer uma alternativa ao dólar americano se o sistema monetário internacional entrar em colapso.

Segundo o diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a Rússia, Aleksei Mozhin, os países do BRICS poderiam criar uma unidade de conta que seria construída sobre as moedas dos cinco países-membros do grupo, incluindo o real brasileiro, o rublo russo, a rupia indiana, o yuan chinês e o rand sul-africano.

"Muito está sendo escrito sobre as deficiências do sistema atual. Além disso, muitas publicações mencionam o BRICS no que diz respeito a associação oferecer uma alternativa de pagamento e solução", disse Mozhin.

"A proposta está sendo discutida. Caso o dólar americano e o sistema monetário internacional entrem em colapso, será necessário transformar esta unidade de conta do BRICS em uma moeda real apoiada por mercadorias", disse o representante russo.

¨      Países do G7 deixam de discutir confisco total de ativos russos por receio de retaliação, diz mídia

Representantes do Grupo dos Sete (G7) têm afirmado em privado que a questão do confisco total dos ativos russos já não é mais discutida, escreve o Financial Times.

"Embora a Ucrânia continue insistindo no confisco completo dos ativos da Rússia, os representantes do G7 afirmam em privado que este tópico não é mais discutido. Em vez disso, eles estão estudando maneiras alternativas de extrair proveitos dos ativos congelados", relata a notícia.

Segundo destaca o jornal, os países europeus querem ficar longe de tudo que possa afetar seus próprios ativos, "temendo retaliação".

Temendo pelos próprios ativos

O jornal relata também, citando fontes anônimas, que vários países, tais como a Indonésia e a Arábia Saudita, estão tentando persuadir os países da UE a não confiscar os ativos russos, pois temem pelo futuro de seus próprios bens no Ocidente.

"Eles estão muito preocupados", disse um funcionário europeu, acrescentando que a principal preocupação de tais países é "saber se seu próprio dinheiro está em segurança".

Após o início da operação militar especial na Ucrânia, os países do G7 e a União Europeia (EU) congelaram quase metade das reservas de divisas da Rússia, no valor de cerca de € 300 bilhões (R$ 1.65 trilhão). Os países ocidentais têm procurado ativamente uma maneira de confiscar esses ativos e transferir o dinheiro para Kiev.

O Kremlin declarou que tais decisões "serão mais um passo na violação grave de todas as regras e normas do direito internacional". O Ministério das Relações Exteriores da Rússia chamou o congelamento de ativos russos de "roubo", observando que essas medidas visam não apenas fundos privados, mas também os ativos estatais de Moscou.

Como esclareceu o chanceler russo Sergei Lavrov, em caso de confisco de ativos russos congelados no Ocidente a Rússia responderá de forma adequada.

¨      Turquia 'está ciente de como Ocidente a atacará' após bloqueio do comércio com Israel, diz Erdogan

O presidente Recep Tayyip Erdogan disse nesta sexta-feira (3) que a guerra na Faixa de Gaza "saiu do controle" devido ao apoio "incondicional do Ocidente", acrescentando que Ancara está consciente de que será atacada por sua decisão.

O único objetivo da Turquia ao suspender o comércio com Israel é forçar Tel Aviv a declarar um cessar-fogo à sua ofensiva mortal na Faixa de Gaza, acrescentou Erdogan.

"Nosso único objetivo é forçar o governo [do primeiro-ministro de Israel, Benjamin] Netanyahu, que saiu do controle devido ao apoio incondicional do Ocidente, a um cessar-fogo", afirmou o presidente ao se dirigir a membros de um grupo empresarial nacional em Istambul, segundo a agência turca Anadolu.

Criticando as nações ocidentais, Erdogan disse esperar que estes países "atacassem" a Turquia por causa da decisão.

"Estamos bem cientes de como o Ocidente nos atacará devido às nossas restrições comerciais contra Israel. Quando for alcançado um cessar-fogo e for permitida ajuda suficiente em Gaza, o nosso objetivo será alcançado. A ação da Turquia será um exemplo para outros países [...]. Não buscamos hostilidade ou conflito com nenhum país da nossa região. Não queremos ver confrontos, sangue e lágrimas na nossa geografia", complementou.

A guerra na Faixa de Gaza forçou 85% da população do território a ser deslocada em meio à escassez aguda de alimentos, água potável e medicamentos, enquanto 60% da infraestrutura do enclave foi danificada ou destruída, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).

No início do dia, Erdogan confirmou que na quinta-feira (2) seu governo suspendeu todo o comércio com Israel, o qual chega a cerca de US$ 9,5 bilhões (R$ 48,16 bilhões).

"Houve um volume de comércio de US$ 9,5 bilhões entre nós. Ignorando esse volume de comércio, fechamos a porta", afirmou o mandatário, citado pela mídia.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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