segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Quatro verdades ou mentiras sobre Mahatma Gandhi

O dia 30 de janeiro de 2024 marcou o 76º aniversário do assassinato de Mohandas Karamchand Gandhi – mais conhecido como Mahatma (“Grande Alma”) Gandhi. Advogado, nacionalista e anticolonialista, Gandhi foi um dos líderes políticos do movimento de independência da Índia do domínio colonial britânico em 1947.

Em sua bem-sucedida campanha, Gandhi empregou resistência não violenta nas marchas pela liberdade – uma forma de protesto que acabou por inspirar diversos movimentos pelos direitos civis mundo afora, entre eles a campanha liderada por Martin Luther King Jr. nos EUA.

No entanto, o ativista desfrutou pouco da conquista de independência da Índia. Ao contrário da vontade de Gandhi, o território acabou por ser dividido em dois estados: Paquistão e Índia. E quase meio ano após a libertação do domínio do Reino Unido, a nova Índia estava imersa numa onda de protestos e insatisfação popular. Em meio a esse motim, Gandhi acabou sendo assassinado a tiros, aos 78 anos, por um hindu nacionalista.

O tom pacifista e a postura de não violência nas manifestações de Gandhi seguem reverenciados mundialmente. Mas até hoje há também alguns mitos e mistérios em torno de sua persona.

·        Gandhi era amigo de Adolf Hitler?

Alegação: Mahatma Gandhi e Adolf Hitler teriam sido amigos. As provas seriam cartas endereçadas por Gandhi a Hitler que começam com “Querido amigo” e terminam com “Seu amigo sincero”.

Verificação de fatos: falso.

É fato que Gandhi escreveu a Hitler – uma carta em 23 de julho de 1939 e outra em 24 de dezembro de 1940. Isso está bem documentado, inclusive nos escritos do próprio Gandhi (volume 76, página 156 e volume 79, página 453 da edição inglesa das obras completas). Mas em nenhuma das cartas fica claro que os dois estavam conectados por algum tipo de amizade.

Na primeira correspondência, Gandhi implora a Hitler que não comece uma guerra. Na segunda carta, quando a Segunda Guerra já estava em andamento, Gandhi pede ao ditador nazista que lute pela paz. No entanto, Hitler nunca recebeu as cartas. Os britânicos interceptaram e impediram a entrega, de acordo com fontes concordantes, incluindo o historiador indiano Vinay Lal e o cientista político americano Kelly Era Kraemer.

Em entrevista à DW, o historiador Lal explicou a saudação “Querido amigo” da seguinte maneira: Gandhi acreditava que, embora os seres humanos pudessem cometer erros monstruosos, eles não eram monstros – nem mesmo Hitler. “Portanto, há uma razão para Gandhi escrever para Hitler da maneira como escreveu”, justifica o professor da Universidade da Califórnia.

Kraemer também classificou a forma de tratamento e a saudação final nesse modo de pensar típico de Gandhi. Tratar o oponente com respeito e amizade e, assim, talvez ser capaz de convencê-lo mais facilmente, fazia parte da atitude básica de resistência não violenta de Gandhi, o “Satyagraha”.

·        Gandhi era racista?

Alegação: Em diversas publicações em redes sociais é atestado que Gandhi tinha preconceito contra os negros. Uma estátua de Gandhi foi removida do campus da Universidade de Gana 2018 por causa de tais acusações de racismo. Em 2020, durante os protestos do movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam), milhares assinaram uma petição pela demolição de uma estátua de Gandhi em Londres.

Verificação dos fatos: verdadeiro (por um certo período).

Entre algumas curtas ausências, Gandhi viveu na África do Sul de 1893 a 1914. Foi lá que o ainda jovem advogado se tornou ativista contra injustiça e discriminação – que, no entanto, inicialmente se concentrou apenas na diáspora indiana na África do Sul em relação aos brancos. Gandhi não defendia os negros sul-africanos, mas os desprezava, como mostram escritos.

“Nossa vida é uma luta constante contra a humilhação que os europeus querem nos infligir, que nos levam ao nível do kafir cru [cafre, kafir ou em inglês kaffir era um termo usado antigamente na África do Sul para denotar negros – suas conotações racistas aumentaram no final dos períodos coloniais e durante o apartheid], cuja ocupação é a caça e cuja única preocupação é reunir um certo número de gado para comprar uma esposa e depois passar a vida na ociosidade e na nudez”, escreveu Gandhi (página 410 do primeiro volume de seu escritos).

O historiador Vinay Lal não ficou em cima do muro. “Se alguém perguntasse se Gandhi era racista, a resposta, com base num período específico de sua passagem pela África do Sul, seria: sim.” Outros especialistas emitiram declarações semelhantes, como Ashwin Desai e Goolam Vahed, que foram particularmente críticos em seu livro The South-African Gandhi (O Gandhi sul-africano), publicado em 2015.

O biógrafo de Gandhi e renomado jornalista Ramachandra Guha escreveu num artigo no jornal Telegraph India que, por volta dos 20 anos idade, Gandhi era, sem dúvida. racista. Mas aos 30 e poucos anos, ainda residente na África do Sul, ele parou de descrever os negros como inferiores aos indianos e, em vez disso, advogava a igualdade de direitos.

O historiador Lal também compartilha a avaliação de que Gandhi dissolveu seus preconceitos: outra prova disso é ter recebido quatro afro-americanos em seu ashram (centro de meditação) em 1936. Gandhi disse uma vez acreditar que a próxima grande fase da Satyagraha – a resistência não violenta – seria travada pelos afro-americanos.

Dito isso, ainda segundo Lal, há vários pontos que devem ser considerados ao avaliar as primeiras declarações preconceituosas, pois “sua preocupação era a possibilidade de a diáspora indiana – até então entre brancos e negros na hierarquia social – perder direitos e ser colocada no mesmo patamar dos negros”. E, de acordo com Lal, ninguém jamais pediu a Gandhi que se tornasse um defensor dos negros na África do Sul, e se ele tivesse feito isso, muitos certamente teriam visto o ato como um gesto presunçoso.

Mais tarde Gandhi declararia que os objetivos eram paz e igualdade para todos: “Também não acredito em desigualdades entre os seres humanos. A noção de superioridade de qualquer um sobre outro é um pecado contra Deus e a humanidade”, diz uma citação atribuída a Gandhi.

A maioria dos especialistas concluiu que, ao longo da vida, Gandhi reverteu suas tendências racistas iniciais em relação aos negros. Posteriormente foi considerado uma grande inspiração para os militantes negros e defensores dos direitos civis Nelson Mandela e Martin Luther King Jr.

·        Houve um encontro entre Gandhi e o dalai lama?

Alegação: Circula nas redes sociais uma foto de Gandhi em Londres com uma criança vestida com roupas tibetanas que seria o dalai lama. Os dois teriam se conhecido na capital do Reino Unido.

Verificação de fatos da DW: falso.

A imagem mostra Gandhi e o dalai lama, o líder espiritual do Tibete. Mas trata-se de uma montagem, pois os dois nunca se conheceram. A imagem original de Gandhi na frente da residência do primeiro-ministro britânico, em Londres, é de propriedade da agência Getty Images e foi tirada em 3 de novembro de 1931. O dalai lama, segundo seu site oficial, nasceu em 1935. No site também está sua foto original quando criança.

Uma análise computadorizada da imagem que mostra os dois juntos sugere que ela foi manipulada – quando um conteúdo externo é adicionado a uma imagem, geralmente deixa rastros perceptíveis para softwares especializados. Foi possível identificar que a figura do dalai lama está mais clara que o restante da imagem.

E em entrevista ao jornal Hinduistan Times, um dos maiores diários de língua inglesa da Índia, o dalai lama confirmou que “só conheceu Gandhi em seus sonhos”.

·        Em idade avançada, Gandhi dormia com mulheres nuas?

Alegação: Gandhi, quando velho, dormia com mulheres jovens sob o mesmo edredom: tanto ele quanto elas estavam nus.

Verificação de fatos da DW: verdadeiro.

Durante décadas, Gandhi praticou o brahmacharya, um estilo de vida de abstinência sexual. Segundo suas próprias declarações, a partir de 1901 ele não teve relações sexuais com sua esposa, Kasturba.

Várias fontes e o próprio Gandhi afirmaram que, após a morte dela, em 1944, ele começou a tomar banho e dormir com mulheres muito jovens. Na página 137 do volume 94 de suas obras completas, Gandhi escreveu: “Posso ter tocado milhares e milhares. Mas meu toque nunca teve o significado de luxúria”.

Para Gandhi, era uma forma de testar a firmeza de seu comprometimento com a abstinência sexual. Esses experimentos também são mencionados nos diários da sobrinha-neta Manu, uma das mulheres envolvidas. É indiscutível que Gandhi dormia nu numa cama com mulheres. Até onde se sabe, não ocorreu nenhum ato sexual.

Outra questão é a avaliação dessa abordagem. Em entrevista ao Times of India, o historiador Kusoom Vadgama afirmou que Gandhi abusou de sua posição de poder e usou as mulheres como cobaias.

Por outro lado, o historiador Lal diz ser importante considerar que as três mulheres envolvidas – suas sobrinhas-netas Manu e Abha e sua médica pessoal Sushila Nayar – pertenciam todas ao seu círculo mais íntimo e, portanto, estavam familiarizadas com sua maneira de pensar de Gandhi.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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