Quatro
verdades ou mentiras sobre Mahatma Gandhi
O dia 30
de janeiro de 2024 marcou o 76º aniversário do assassinato de Mohandas
Karamchand Gandhi – mais conhecido como Mahatma (“Grande Alma”) Gandhi.
Advogado, nacionalista e anticolonialista, Gandhi foi um dos líderes políticos
do movimento de independência da Índia do domínio colonial britânico em 1947.
Em sua
bem-sucedida campanha, Gandhi empregou resistência não violenta nas marchas
pela liberdade – uma forma de protesto que acabou por inspirar diversos
movimentos pelos direitos civis mundo afora, entre eles a campanha liderada por
Martin Luther King Jr. nos EUA.
No
entanto, o ativista desfrutou pouco da conquista de independência da Índia. Ao
contrário da vontade de Gandhi, o território acabou por ser dividido em dois
estados: Paquistão e Índia. E quase meio ano após a libertação do domínio do
Reino Unido, a nova Índia estava imersa numa onda de protestos e insatisfação
popular. Em meio a esse motim, Gandhi acabou sendo assassinado a tiros, aos 78
anos, por um hindu nacionalista.
O tom
pacifista e a postura de não violência nas manifestações de Gandhi seguem
reverenciados mundialmente. Mas até hoje há também alguns mitos e mistérios em
torno de sua persona.
·
Gandhi era amigo de Adolf Hitler?
Alegação:
Mahatma Gandhi e Adolf Hitler teriam sido amigos. As provas seriam cartas
endereçadas por Gandhi a Hitler que começam com “Querido amigo” e terminam com
“Seu amigo sincero”.
Verificação
de fatos: falso.
É fato que
Gandhi escreveu a Hitler – uma carta em 23 de julho de 1939 e outra em 24 de
dezembro de 1940. Isso está bem documentado, inclusive nos escritos do próprio
Gandhi (volume 76, página 156 e volume 79, página 453 da edição inglesa das
obras completas). Mas em nenhuma das cartas fica claro que os dois estavam
conectados por algum tipo de amizade.
Na
primeira correspondência, Gandhi implora a Hitler que não comece uma guerra. Na
segunda carta, quando a Segunda Guerra já estava em andamento, Gandhi pede ao
ditador nazista que lute pela paz. No entanto, Hitler nunca recebeu as cartas.
Os britânicos interceptaram e impediram a entrega, de acordo com fontes
concordantes, incluindo o historiador indiano Vinay Lal e o cientista político
americano Kelly Era Kraemer.
Em
entrevista à DW, o historiador Lal explicou a saudação “Querido amigo” da
seguinte maneira: Gandhi acreditava que, embora os seres humanos pudessem
cometer erros monstruosos, eles não eram monstros – nem mesmo Hitler.
“Portanto, há uma razão para Gandhi escrever para Hitler da maneira como
escreveu”, justifica o professor da Universidade da Califórnia.
Kraemer
também classificou a forma de tratamento e a saudação final nesse modo de
pensar típico de Gandhi. Tratar o oponente com respeito e amizade e, assim,
talvez ser capaz de convencê-lo mais facilmente, fazia parte da atitude básica
de resistência não violenta de Gandhi, o “Satyagraha”.
·
Gandhi era racista?
Alegação:
Em diversas publicações em redes sociais é atestado que Gandhi tinha
preconceito contra os negros. Uma estátua de Gandhi foi removida do campus da
Universidade de Gana 2018 por causa de tais acusações de racismo. Em 2020,
durante os protestos do movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam),
milhares assinaram uma petição pela demolição de uma estátua de Gandhi em
Londres.
Verificação
dos fatos: verdadeiro (por um certo período).
Entre
algumas curtas ausências, Gandhi viveu na África do Sul de 1893 a 1914. Foi lá
que o ainda jovem advogado se tornou ativista contra injustiça e discriminação
– que, no entanto, inicialmente se concentrou apenas na diáspora indiana na
África do Sul em relação aos brancos. Gandhi não defendia os negros
sul-africanos, mas os desprezava, como mostram escritos.
“Nossa
vida é uma luta constante contra a humilhação que os europeus querem nos
infligir, que nos levam ao nível do kafir cru [cafre, kafir ou em inglês kaffir
era um termo usado antigamente na África do Sul para denotar negros – suas
conotações racistas aumentaram no final dos períodos coloniais e durante o
apartheid], cuja ocupação é a caça e cuja única preocupação é reunir um certo
número de gado para comprar uma esposa e depois passar a vida na ociosidade e
na nudez”, escreveu Gandhi (página 410 do primeiro volume de seu escritos).
O
historiador Vinay Lal não ficou em cima do muro. “Se alguém perguntasse se
Gandhi era racista, a resposta, com base num período específico de sua passagem
pela África do Sul, seria: sim.” Outros especialistas emitiram declarações
semelhantes, como Ashwin Desai e Goolam Vahed, que foram particularmente
críticos em seu livro The South-African Gandhi (O Gandhi sul-africano),
publicado em 2015.
O biógrafo
de Gandhi e renomado jornalista Ramachandra Guha escreveu num artigo no jornal
Telegraph India que, por volta dos 20 anos idade, Gandhi era, sem dúvida.
racista. Mas aos 30 e poucos anos, ainda residente na África do Sul, ele parou
de descrever os negros como inferiores aos indianos e, em vez disso, advogava a
igualdade de direitos.
O
historiador Lal também compartilha a avaliação de que Gandhi dissolveu seus
preconceitos: outra prova disso é ter recebido quatro afro-americanos em seu
ashram (centro de meditação) em 1936. Gandhi disse uma vez acreditar que a
próxima grande fase da Satyagraha – a resistência não violenta – seria travada
pelos afro-americanos.
Dito isso,
ainda segundo Lal, há vários pontos que devem ser considerados ao avaliar as
primeiras declarações preconceituosas, pois “sua preocupação era a
possibilidade de a diáspora indiana – até então entre brancos e negros na
hierarquia social – perder direitos e ser colocada no mesmo patamar dos
negros”. E, de acordo com Lal, ninguém jamais pediu a Gandhi que se tornasse um
defensor dos negros na África do Sul, e se ele tivesse feito isso, muitos
certamente teriam visto o ato como um gesto presunçoso.
Mais tarde
Gandhi declararia que os objetivos eram paz e igualdade para todos: “Também não
acredito em desigualdades entre os seres humanos. A noção de superioridade de
qualquer um sobre outro é um pecado contra Deus e a humanidade”, diz uma
citação atribuída a Gandhi.
A maioria
dos especialistas concluiu que, ao longo da vida, Gandhi reverteu suas
tendências racistas iniciais em relação aos negros. Posteriormente foi
considerado uma grande inspiração para os militantes negros e defensores dos
direitos civis Nelson Mandela e Martin Luther King Jr.
·
Houve um encontro entre Gandhi e o dalai
lama?
Alegação:
Circula nas redes sociais uma foto de Gandhi em Londres com uma criança vestida
com roupas tibetanas que seria o dalai lama. Os dois teriam se conhecido na
capital do Reino Unido.
Verificação
de fatos da DW: falso.
A imagem
mostra Gandhi e o dalai lama, o líder espiritual do Tibete. Mas trata-se de uma
montagem, pois os dois nunca se conheceram. A imagem original de Gandhi na
frente da residência do primeiro-ministro britânico, em Londres, é de
propriedade da agência Getty Images e foi tirada em 3 de novembro de 1931. O
dalai lama, segundo seu site oficial, nasceu em 1935. No site também está sua
foto original quando criança.
Uma
análise computadorizada da imagem que mostra os dois juntos sugere que ela foi
manipulada – quando um conteúdo externo é adicionado a uma imagem, geralmente
deixa rastros perceptíveis para softwares especializados. Foi possível
identificar que a figura do dalai lama está mais clara que o restante da
imagem.
E em
entrevista ao jornal Hinduistan Times, um dos maiores diários de língua inglesa
da Índia, o dalai lama confirmou que “só conheceu Gandhi em seus sonhos”.
·
Em idade avançada, Gandhi dormia com
mulheres nuas?
Alegação:
Gandhi, quando velho, dormia com mulheres jovens sob o mesmo edredom: tanto ele
quanto elas estavam nus.
Verificação
de fatos da DW: verdadeiro.
Durante
décadas, Gandhi praticou o brahmacharya, um estilo de vida de abstinência
sexual. Segundo suas próprias declarações, a partir de 1901 ele não teve
relações sexuais com sua esposa, Kasturba.
Várias
fontes e o próprio Gandhi afirmaram que, após a morte dela, em 1944, ele
começou a tomar banho e dormir com mulheres muito jovens. Na página 137 do
volume 94 de suas obras completas, Gandhi escreveu: “Posso ter tocado milhares
e milhares. Mas meu toque nunca teve o significado de luxúria”.
Para
Gandhi, era uma forma de testar a firmeza de seu comprometimento com a
abstinência sexual. Esses experimentos também são mencionados nos diários da
sobrinha-neta Manu, uma das mulheres envolvidas. É indiscutível que Gandhi
dormia nu numa cama com mulheres. Até onde se sabe, não ocorreu nenhum ato
sexual.
Outra
questão é a avaliação dessa abordagem. Em entrevista ao Times of India, o
historiador Kusoom Vadgama afirmou que Gandhi abusou de sua posição de poder e
usou as mulheres como cobaias.
Por outro
lado, o historiador Lal diz ser importante considerar que as três mulheres
envolvidas – suas sobrinhas-netas Manu e Abha e sua médica pessoal Sushila
Nayar – pertenciam todas ao seu círculo mais íntimo e, portanto, estavam
familiarizadas com sua maneira de pensar de Gandhi.
Fonte:
Deutsche Welle
Nenhum comentário:
Postar um comentário