segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Plano golpista: como as operações da PF fecharam cerco sobre Bolsonaro

A mais recente operação da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados ocorreu no âmbito do inquérito das milícias digitais, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), e resultou de informações que vêm sendo descobertas em efeito cascata desde 2021.

Naquele ano, o ex-presidente vazou um inquérito sigiloso sobre um ataque hacker contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ocorrido em 2018 (leia mais abaixo).

A Operação Tempus Veritatis ("hora da verdade", em tradução do latim), deflagrada nesta quinta-feira (8) para apurar uma tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito, fechou o cerco ao ex-presidente e atingiu pela primeira vez os ex-ministros Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (GSI) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) — militares da reserva que foram alvos de mandados de busca e apreensão.

•        Materiais apreendidos sob análise

Segundo o g1 apurou, a investigação sobre a trama golpista caminha para um desfecho na PF. Os materiais apreendidos na quinta, como celulares e computadores, seguiram para análise da perícia, a etapa final, segundo investigadores.

A apuração remonta à abertura do inquérito dos atos antidemocráticos, em abril de 2020, conforme um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Na ocasião, apoiadores de Bolsonaro haviam feito manifestações que pediam o fechamento do Congresso e do STF.

Em junho de 2021, a PGR, sob o comando de Augusto Aras, pediu ao relator do inquérito no Supremo, ministro Alexandre de Moraes, o arquivamento dessa investigação, com o argumento de que não havia achado provas contra os parlamentares investigados até então.

Moraes arquivou o inquérito, mas abriu um novo, com o objetivo de apurar a atuação de grupos organizados que atacavam as instituições democráticas pela internet — justamente o chamado "inquérito das milícias digitais".

•        Sigilo telemático

Em agosto de 2021, Bolsonaro divulgou, em redes sociais, trechos de um inquérito sigiloso da PF que apurava um ataque hacker aos sistemas do TSE, registrado três anos antes.

A invasão hacker não havia causado prejuízos às eleições, pois se limitou aos sistemas administrativos do tribunal. Mesmo assim, o ex-presidente tentou usá-la para descredibilizar a Justiça Eleitoral.

A PF passou a investigar o vazamento das informações sigilosas por Bolsonaro e descobriu o envolvimento de seu ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid. Em janeiro de 2022, Moares atendeu a um pedido da polícia e quebrou o sigilo telemático de Cid.

Os arquivos que estavam armazenados na nuvem do então ajudante de ordens foram compartilhados com o inquérito das milícias digitais. A partir de indícios de irregularidades encontrados pela PF, novas frentes se abriram dentro desse inquérito, como:

•        o uso de cartões corporativos para pagamento de despesas pessoais da família presidencial;

•        a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde;

•        a venda ilegal de joias valiosas, recebidas por Bolsonaro de autoridades estrangeiras, "com o fim de enriquecimento ilícito"

Apesar de serem frentes de investigação diversas, o STF as manteve sob um mesmo relator, Alexandre de Moraes, devido ao entendimento de que todos os supostos crimes foram cometidos por um mesmo grupo de pessoas — uma mesma organização criminosa, segundo a PF.

•        Busca e apreensão

Em 3 de maio de 2023, Bolsonaro foi alvo de busca e apreensão pela primeira vez, durante a Operação Venire, deflagrada para investigar fraudes nas carteiras de vacinação do ex-presidente e de sua filha.

No mesmo dia, Mauro Cid também foi alvo de buscas, teve o celular e outros equipamentos apreendidos e acabou preso preventivamente. Os materiais apreendidos nessa ocasião complementaram as informações que a PF já tinha extraído da nuvem do ajudante de ordens anteriormente.

Em 11 de agosto de 2023, estourou a Operação Lucas 12:2, que atingiu o pai de Cid, o general Mauro César Lourena Cid, o tenente-coronel Osmar Crivelatti, outro ajudante de ordens de Bolsonaro, e o advogado Frederick Wassef. Todos tiveram seus celulares apreendidos.

Eles foram apontados como suspeitos de vender nos Estados Unidos joias de um kit recebido da Arábia Saudita como presente oficial para o governo brasileiro. O valor da venda teria sido entregue a Bolsonaro em dinheiro vivo, para não deixar rastros. O ex-presidente nega irregularidades.

•        Delação

Preso por cerca de quatro meses e com a PF batendo à porta de sua família, Cid decidiu fazer um acordo de delação premiada, que foi homologado por Moraes em 9 de setembro de 2023.

Nesse acordo, Cid deu detalhes sobre o envolvimento de Bolsonaro com a venda das joias, com as fraudes nos cartões de vacinação e, também, com as articulações para a tentativa de golpe de Estado após a derrota eleitoral para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Um dos fatos narrados pelo militar foi que, após as eleições de 2022, Bolsonaro recebeu de seu então assessor especial Filipe Martins uma minuta golpista que previa a decretação de estado de sítio no país, a realização de novas eleições e a prisão de autoridades, entre elas os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.

Cid narrou que Martins foi ao Palácio da Alvorada acompanhado de um jurista, Amauri Saad, e de um padre. Bolsonaro, ainda segundo Cid, teria pedido ajustes na minuta, como a exclusão dos nomes de Gilmar e Pacheco.

O então mandatário teria mantido no texto apenas a decretação de prisão de Moraes e a ordem para realização de novas eleições. Em seguida, conforme a delação, Bolsonaro teria se reunido com os comandantes das Forças Armadas para discutir a medida. Somente o comandante da Marinha, Almir Garnier dos Santos, teria apoiado o plano.

•        Avanços na investigação

Havia dúvidas sobre a capacidade da PF de comprovar os relatos de Cid, devido à dificuldade de se acessar o conteúdo de reuniões secretas. A PGR se opôs à delação e a considerou fraca.

Na operação da quinta, porém, a PF apresentou elementos que corroboram os fatos narrados pelo delator, como um áudio que Cid enviou ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, em 9 de dezembro de 2022.

"O que que ele [Bolsonaro] fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto né? Aqueles considerandos [parte inicial da minuta golpista] que o senhor viu, e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais, é, resumido, né?", disse Cid.

O áudio, encontrado no celular de Cid, deu materialidade ao relato que o ex-ajudante de ordens havia apresentado em sua delação.

Além disso, a PF analisou os registros de entrada no Alvorada e os dados de ERBs (torres de transmissão de celulares) e chegou às datas em que Filipe Martins, o jurista Amauri Saad e o padre — José Eduardo de Oliveira e Silva — estiveram no palácio no fim de 2022, assim como a cúpula militar, conforme delatado por Cid.

O ex-assessor Filipe Martins foi preso na quinta; o jurista e o padre foram alvos de busca e apreensão.

•        Vídeo

Outro elemento apresentado pela PF para a deflagração da operação de quinta-feira foi um vídeo de uma reunião ministerial realizada no Palácio do Planalto em 5 de julho de 2022, no período pré-eleitoral.

Segundo a polícia, esse vídeo estava em um computador que foi apreendido no ano passado na casa de Cid, quando ele foi alvo de busca e apreensão, e mostra que o então presidente "coagiu os ministros e todos os presentes para que aderissem à ilícita desinformação apresentada" contra as urnas eletrônicas.

"Daqui pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar (...) Porque os cara [ministros do TSE] tão preparando tudo, pô! Pro Lula ganhar no primeiro turno, na fraude", disse Bolsonaro na reunião filmada.

A reunião prossegue com declarações de Torres, Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto no mesmo sentido.

"A descrição da reunião de 5 de julho de 2022, nitidamente, revela o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados que dela tomaram parte no sentido de validar e amplificar a massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a Justiça eleitoral", escreveu Moraes na decisão que autorizou a operação.

De acordo com pessoas ligadas à investigação e ouvidas pelo g1, o inquérito das milícias digitais, que apura a tentativa de golpe, deve se juntar ao inquérito que investiga os atos de 8 de janeiro de 2023, que hoje corre em paralelo.

Após a conclusão dessas investigações, a PF enviará ao Supremo um relatório com os suspeitos indiciadas. Caberá, então, à PGR decidir se denuncia os investigados ao STF, para dar início a uma ação penal.

 

       Câmara abre investigação sobre ataque hacker à página oficial no X com ofensas a Moraes

 

A Câmara dos Deputados abriu investigação interna e acionou a polícia para apurar um ataque hacker na manhã deste sábado (10) ao seu perfil oficial na rede social "X", antigo Twitter.

O autor dos ataques fez uma publicação às 11h09, chamando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, de "ditador".

O texto da publicação ainda afirma que Moraes e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estariam planejando um golpe de Estado. A postagem ficou pouco mais de 10 minutos no ar.

A mensagem escrita pelo hacker diz: "O DITADOR Alexandre de Moraes destrói a democracia. Estão planejando um golpe de Estado orquestrado pelo Alexandre e por @LulaOficial. Serei caçado, mas estou lutando contra."

A assessoria de Comunicação da Câmara dos Deputados confirmou a invasão à rede e disse que "trocou a senha de acesso da conta para que novos ataques sejam evitados".

Informou também que "as autoridades policiais e medidas de segurança foram acionadas" e que haverá investigação interna sobre o ocorrido.

Na postagem, foram marcados os perfis oficiais no "X" do ex-presidente Jair Bolsonaro, um de seus filhos, Carlos Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia e o influencer Monark.

O Código Penal prevê pena de um a quatro anos de reclusão e multa para quem invadir dispositivo de uso alheio. Ainda não se sabe a autoria da invasão.

 

Fonte: g1

 

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