Plano
golpista: como as operações da PF fecharam cerco sobre Bolsonaro
A mais
recente operação da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
e seus aliados ocorreu no âmbito do inquérito das milícias digitais, que
tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), e resultou de informações que vêm
sendo descobertas em efeito cascata desde 2021.
Naquele
ano, o ex-presidente vazou um inquérito sigiloso sobre um ataque hacker contra
o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ocorrido em 2018 (leia mais abaixo).
A Operação
Tempus Veritatis ("hora da verdade", em tradução do latim),
deflagrada nesta quinta-feira (8) para apurar uma tentativa de golpe de Estado
e de abolição do Estado Democrático de Direito, fechou o cerco ao ex-presidente
e atingiu pela primeira vez os ex-ministros Braga Netto (Casa Civil), Augusto
Heleno (GSI) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) — militares da reserva que foram
alvos de mandados de busca e apreensão.
• Materiais apreendidos sob análise
Segundo o
g1 apurou, a investigação sobre a trama golpista caminha para um desfecho na
PF. Os materiais apreendidos na quinta, como celulares e computadores, seguiram
para análise da perícia, a etapa final, segundo investigadores.
A apuração
remonta à abertura do inquérito dos atos antidemocráticos, em abril de 2020,
conforme um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Na ocasião,
apoiadores de Bolsonaro haviam feito manifestações que pediam o fechamento do
Congresso e do STF.
Em junho
de 2021, a PGR, sob o comando de Augusto Aras, pediu ao relator do inquérito no
Supremo, ministro Alexandre de Moraes, o arquivamento dessa investigação, com o
argumento de que não havia achado provas contra os parlamentares investigados
até então.
Moraes
arquivou o inquérito, mas abriu um novo, com o objetivo de apurar a atuação de
grupos organizados que atacavam as instituições democráticas pela internet —
justamente o chamado "inquérito das milícias digitais".
• Sigilo telemático
Em agosto
de 2021, Bolsonaro divulgou, em redes sociais, trechos de um inquérito sigiloso
da PF que apurava um ataque hacker aos sistemas do TSE, registrado três anos
antes.
A invasão
hacker não havia causado prejuízos às eleições, pois se limitou aos sistemas
administrativos do tribunal. Mesmo assim, o ex-presidente tentou usá-la para
descredibilizar a Justiça Eleitoral.
A PF
passou a investigar o vazamento das informações sigilosas por Bolsonaro e
descobriu o envolvimento de seu ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro
Cid. Em janeiro de 2022, Moares atendeu a um pedido da polícia e quebrou o
sigilo telemático de Cid.
Os
arquivos que estavam armazenados na nuvem do então ajudante de ordens foram
compartilhados com o inquérito das milícias digitais. A partir de indícios de
irregularidades encontrados pela PF, novas frentes se abriram dentro desse
inquérito, como:
• o uso de cartões corporativos para
pagamento de despesas pessoais da família presidencial;
• a inserção de dados falsos de vacinação
contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde;
• a venda ilegal de joias valiosas,
recebidas por Bolsonaro de autoridades estrangeiras, "com o fim de
enriquecimento ilícito"
Apesar de
serem frentes de investigação diversas, o STF as manteve sob um mesmo relator,
Alexandre de Moraes, devido ao entendimento de que todos os supostos crimes
foram cometidos por um mesmo grupo de pessoas — uma mesma organização
criminosa, segundo a PF.
• Busca e apreensão
Em 3 de
maio de 2023, Bolsonaro foi alvo de busca e apreensão pela primeira vez,
durante a Operação Venire, deflagrada para investigar fraudes nas carteiras de
vacinação do ex-presidente e de sua filha.
No mesmo
dia, Mauro Cid também foi alvo de buscas, teve o celular e outros equipamentos
apreendidos e acabou preso preventivamente. Os materiais apreendidos nessa
ocasião complementaram as informações que a PF já tinha extraído da nuvem do
ajudante de ordens anteriormente.
Em 11 de
agosto de 2023, estourou a Operação Lucas 12:2, que atingiu o pai de Cid, o
general Mauro César Lourena Cid, o tenente-coronel Osmar Crivelatti, outro
ajudante de ordens de Bolsonaro, e o advogado Frederick Wassef. Todos tiveram
seus celulares apreendidos.
Eles foram
apontados como suspeitos de vender nos Estados Unidos joias de um kit recebido
da Arábia Saudita como presente oficial para o governo brasileiro. O valor da
venda teria sido entregue a Bolsonaro em dinheiro vivo, para não deixar
rastros. O ex-presidente nega irregularidades.
• Delação
Preso por
cerca de quatro meses e com a PF batendo à porta de sua família, Cid decidiu
fazer um acordo de delação premiada, que foi homologado por Moraes em 9 de
setembro de 2023.
Nesse
acordo, Cid deu detalhes sobre o envolvimento de Bolsonaro com a venda das
joias, com as fraudes nos cartões de vacinação e, também, com as articulações
para a tentativa de golpe de Estado após a derrota eleitoral para Luiz Inácio
Lula da Silva (PT).
Um dos
fatos narrados pelo militar foi que, após as eleições de 2022, Bolsonaro
recebeu de seu então assessor especial Filipe Martins uma minuta golpista que
previa a decretação de estado de sítio no país, a realização de novas eleições
e a prisão de autoridades, entre elas os ministros do STF Alexandre de Moraes e
Gilmar Mendes e o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.
Cid narrou
que Martins foi ao Palácio da Alvorada acompanhado de um jurista, Amauri Saad,
e de um padre. Bolsonaro, ainda segundo Cid, teria pedido ajustes na minuta,
como a exclusão dos nomes de Gilmar e Pacheco.
O então
mandatário teria mantido no texto apenas a decretação de prisão de Moraes e a
ordem para realização de novas eleições. Em seguida, conforme a delação,
Bolsonaro teria se reunido com os comandantes das Forças Armadas para discutir
a medida. Somente o comandante da Marinha, Almir Garnier dos Santos, teria
apoiado o plano.
• Avanços na investigação
Havia
dúvidas sobre a capacidade da PF de comprovar os relatos de Cid, devido à
dificuldade de se acessar o conteúdo de reuniões secretas. A PGR se opôs à
delação e a considerou fraca.
Na
operação da quinta, porém, a PF apresentou elementos que corroboram os fatos
narrados pelo delator, como um áudio que Cid enviou ao então comandante do
Exército, general Freire Gomes, em 9 de dezembro de 2022.
"O
que que ele [Bolsonaro] fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto né? Aqueles
considerandos [parte inicial da minuta golpista] que o senhor viu, e enxugou o
decreto, fez um decreto muito mais, é, resumido, né?", disse Cid.
O áudio,
encontrado no celular de Cid, deu materialidade ao relato que o ex-ajudante de
ordens havia apresentado em sua delação.
Além
disso, a PF analisou os registros de entrada no Alvorada e os dados de ERBs
(torres de transmissão de celulares) e chegou às datas em que Filipe Martins, o
jurista Amauri Saad e o padre — José Eduardo de Oliveira e Silva — estiveram no
palácio no fim de 2022, assim como a cúpula militar, conforme delatado por Cid.
O
ex-assessor Filipe Martins foi preso na quinta; o jurista e o padre foram alvos
de busca e apreensão.
• Vídeo
Outro
elemento apresentado pela PF para a deflagração da operação de quinta-feira foi
um vídeo de uma reunião ministerial realizada no Palácio do Planalto em 5 de
julho de 2022, no período pré-eleitoral.
Segundo a
polícia, esse vídeo estava em um computador que foi apreendido no ano passado
na casa de Cid, quando ele foi alvo de busca e apreensão, e mostra que o então
presidente "coagiu os ministros e todos os presentes para que aderissem à
ilícita desinformação apresentada" contra as urnas eletrônicas.
"Daqui
pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar
(...) Porque os cara [ministros do TSE] tão preparando tudo, pô! Pro Lula
ganhar no primeiro turno, na fraude", disse Bolsonaro na reunião filmada.
A reunião
prossegue com declarações de Torres, Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Braga
Netto no mesmo sentido.
"A
descrição da reunião de 5 de julho de 2022, nitidamente, revela o arranjo de
dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos
os investigados que dela tomaram parte no sentido de validar e amplificar a
massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a
Justiça eleitoral", escreveu Moraes na decisão que autorizou a operação.
De acordo
com pessoas ligadas à investigação e ouvidas pelo g1, o inquérito das milícias
digitais, que apura a tentativa de golpe, deve se juntar ao inquérito que
investiga os atos de 8 de janeiro de 2023, que hoje corre em paralelo.
Após a
conclusão dessas investigações, a PF enviará ao Supremo um relatório com os
suspeitos indiciadas. Caberá, então, à PGR decidir se denuncia os investigados
ao STF, para dar início a uma ação penal.
Câmara abre investigação sobre ataque
hacker à página oficial no X com ofensas a Moraes
A Câmara
dos Deputados abriu investigação interna e acionou a polícia para apurar um
ataque hacker na manhã deste sábado (10) ao seu perfil oficial na rede social
"X", antigo Twitter.
O autor
dos ataques fez uma publicação às 11h09, chamando o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, de "ditador".
O texto da
publicação ainda afirma que Moraes e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
estariam planejando um golpe de Estado. A postagem ficou pouco mais de 10
minutos no ar.
A mensagem
escrita pelo hacker diz: "O DITADOR Alexandre de Moraes destrói a
democracia. Estão planejando um golpe de Estado orquestrado pelo Alexandre e
por @LulaOficial. Serei caçado, mas estou lutando contra."
A
assessoria de Comunicação da Câmara dos Deputados confirmou a invasão à rede e
disse que "trocou a senha de acesso da conta para que novos ataques sejam
evitados".
Informou
também que "as autoridades policiais e medidas de segurança foram
acionadas" e que haverá investigação interna sobre o ocorrido.
Na
postagem, foram marcados os perfis oficiais no "X" do ex-presidente
Jair Bolsonaro, um de seus filhos, Carlos Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia e
o influencer Monark.
O Código
Penal prevê pena de um a quatro anos de reclusão e multa para quem invadir
dispositivo de uso alheio. Ainda não se sabe a autoria da invasão.
Fonte: g1
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