sábado, 10 de fevereiro de 2024

Para aliciar militares ao golpe, Braga Netto pressionou e “ofereceu cabeças”

Os militares que se opuseram ou não se manifestaram a favor do intento de um golpe de Estado por Jair Bolsonaro foram pressionados. O general Braga Netto, então ministro da Casa Civil, afirmou que ofereceria a “cabeça” de militares que não se posicionassem pelo golpe.

Os investigadores informam que obtiveram provas de “tratativas com militares de alta patente para aderirem a empreitada criminosa” de um decreto de golpe de Estado para impedir a posse de Lula.

Ao mesmo tempo, militares que “estavam resistindo às investidas golpistas” foram alvos de “ataques pessoais” e atuação de militares superiores para retirar suas credibilidades.

•        As mensagens

Mensagens de WhatsApp reveladas pelos investigadores na pela judicial mostram que o ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, atuou incisivamente para incitar membros das Forças Armadas à aderirem ao golpe.

Aos militares que não apoiassem o golpe, Braga Netto pediu que fosse oferecida “a cabeça”, expressão que detona a pressão ou perseguição que seria feita contra o militar.

Nas mensagens, ele critica e ameaça perseguição ao general Freire Gomes, então comandante do Exército, ao Tenente-Brigadeiro Baptista Júnior, então comandante da Aeronáutica, e ao atual comandante do Exército, Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva.

•        “Apaguei essa parada”; “Não combinamos de apagar?”, diz o braço-direito de Mauro Cid em diálogo

No despacho do ministro Alexandre Moraes, que o GGN teve acesso, informações obtidas pela Polícia Federal (PF) mostram que o coronel Correa Neto atuava como “homem de confiança” de Mauro Cid, realizando tarefas fora do Palácio do Alvorada, que o ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro não poderia desempenhar.

O então assistente do comandante militar do sul teve participação ativa na organização de uma reunião que ocorreu em novembro, 28, e contou com a presença de oficiais com formação em forças especiais e assistentes dos generais supostamente aliados na execução do golpe.

“Os diálogos encontrados no celular de Mauro Cid demonstram que Correa Neto intermediou o convite para a reunião e selecionou apenas os militares formados no curso de Forças Especiais (Kids Pretos), o que demonstra planejamento minucioso para utilizar, contra o próprio Estado brasileiro, as técnicas militares para consumação do Golpe de Estado”, consta nos autos.

Os militares que estavam indecisos em compactuar com o plano golpista foram, inclusive, citados no programa “PINGO NOS IS”, pelo blogueiro Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, fato que comprova o uso da mídia da extrema-direita para auxiliar no golpe.

Os diálogos demonstram ainda que Correa Neto sabia quem seria exposto publicamente, porque no dia da reunião, ele chegou a enviar a Mauro Cid a minuta intitulada “CARTA AO COMANDANTE DO EXÉRCITO DE OFICIAIS SUPERIORES DA ATIVA DO EXÉRCITO BRASILEIRO”. Ao que tudo indica, o documento foi discutido na reunião e utilizado como instrumento de pressão ao então Comandante do Exército, General Freire Gomes.

Na tentativa de eliminar rastros, após o envio da carta, Mauro Cid pediu a Correa Neto que enviasse as observações. No entanto, a resposta do colega foi: “Porra irmão. Apaguei essa parada”; “Não combinamos de apagar?”.

 

       Bolsonaro editou decreto de golpe e apresentou às Forças Armadas, mostram mensagens

 

Jair Bolsonaro não só sabia da minuta do decreto de um golpe de Estado, como editou, pediu para ajustar o texto, estabelecendo a prisão do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, e realização de novas eleições no país. Ainda, Bolsonaro apresentou sua versão de um decreto de golpe de Estado aos comandantes das Forças Armadas, em novembro de 2022.

É o que revelam as mensagens apreendidas e obtidas com a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, na Operação Tempus Veritatis, deflagrada nesta quinta-feira (08).

Os policiais comprovaram a existência de um documento que se transformaria em decreto do então presidente Jair Bolsonaro com medidas de exceção, permitindo a decretação de prisão de autoridades do Poder Judiciário e a realização de novas eleições.

Segundo a peça judicial, Jair Bolsonaro convocou reuniões com membros do governo e militares para discutir esse decreto de exceção.

As propostas de decreto que possibilitariam o golpe de Estado foram apresentadas por Filipe Martins, então assessor especial para assuntos internacionais de Jair Bolsonaro, e Amauri Feres Saad, advogado citado como “mentor” da minuta de golpe encontrada na casa de Anderson Torres. O tal decreto previa, inicialmente, a prisão de autoridades, incluindo os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes e o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

De acordo com a PF, foi o então presidente Jair Bolsonaro quem pediu que fossem “realizadas alterações” no decreto de golpe, retirando os pedidos de prisão de Gilmar e Pacheco, mas mantendo a determinação de prisão de Alexandre de Moraes e a realização de novas eleições.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta nas investigações em curso que, em novembro de 2022, Filipe entregou a Bolsonaro um decreto de golpe e o ex-mandatário fez alterações no documento:

“Jair Bolsonaro teria lido e solicitado que Filipe alterasse as ordens contidas na minuta. O representado, então, retomou alguns dias depois ao Palácio da Alvorada, acompanhado do referido jurista, com o documento alterado, conforme as diretrizes dadas”, escreve a PGR.

Em seguida, a Procuradoria narra que Bolsonaro concordou com os novos termos apresentados no decreto de golpe e convocado os comandantes das Forças Armadas, no mesmo dia, para “apresentar-lhes a minuta e pressioná-los a aderir ao golpe de Estado”.

•        Assessores elaboram decreto e articulam com militares

Na página 29 da petição judicial, são anexas mensagens de WhatsApp do coronel do Exército Bernardo Romão Correa Neto, à época assistente do Comandante Militar do Sul e pessoa de confiança de Mauro Cid, e que foi alvo hoje de prisão preventiva, sobre reuniões de elaboração do decreto do golpe.

No dia 9 de dezembro de 2022, Correa Neto perguntou ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid: “E aí, vai ou não vai?”, em referência às tratativas para o golpe junto a militares. O então assessor de Bolsonaro respondeu: “Dia a dia…”, seguido de: “As coisas estão sendo construídas.”

Correa Neto então questionou o teor da reunião da minuta do golpe: “O papo foi bom?”. “Dia a dia vai chegar dia 12 kkkkkk”, comentou. Dia 12 de dezembro de 2022 ocorria a diplomação do presidente recém eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

“Ainda não acabou [o papo]”, disse Mauro Cid. “Mas ele [algum militar] quer fazer…. Desde que o Pr [presidente] assine”, continuou.

•        Bolsonaro ajusta o decreto de golpe

Na página 99 da peça judicial, são anexas mensagens do assessor de Bolsonaro Mauro Cid ao general Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército, no qual relatava que o então presidente estava redigindo e ajustando o decreto de golpe e buscando respaldo de militares.

“Boa tarde, General! Só para atualizar o senhor que vem acontecendo é o seguinte. O presidente tem recebido várias pressões para tomar uma medida mais, mais pesada, onde ele, obviamente, utilizando as Forças, né?”, introduz Mauro Cid ao general.

Depois de narrar que Bolsonaro tem recebido pressões, continuou: “O que ele [Jair Bolsonaro] fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto né? Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muita mais, é, resumido, né?”.

 

       Na cena do crime: Bolsonaro foi gravado cobrando adesão de ministros ao golpe

 

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi gravado coagindo ministros de Estado a embarcar no plano de golpe que se desenhava ainda em julho de 2022, antes mesmo do pleito eleitoral que acabou com a vitória de Lula nas urnas.

A gravação, obtida pela Polícia Federal em um dos computados do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, coloca Bolsonaro na cena do crime, ou seja, mostra que o ex-presidente participou ativa e pessoalmente das articulações para se manter no poder.

O vídeo registra falas de Jair Bolsonaro cobrando que seus ministros participem da frente de ataques às urnas eletrônicas e aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral – Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. O ex-presidente acusou os ministros de terem preparado a vitória de Lula no TSE.

Em trechos do discurso de Bolsonaro, aos quais o GGN teve acesso, o ex-presidente prevê que será derrotado nas urnas por Lula e diz que não vai esperar chegar 2024 para se arrepender de ter tomado alguma providência para evitar a mudança de governo.

“( … ) nós vamos esperar chegar 23, 24, pra se foder? (…) Por que que não tomei providência lá trás? E não é providência de força não, caralho! Não é dar tiro! Ô, Paulo Sérgio [Nogueira, ministro da Defesa], ‘vou botar a tropa na rua, tocar fogo aí, metralhar’. Não é isso, porra!”

Bolsonaro, então, explica o que quer de seus ministros: que eles propagem teorias conspiratórias contra as urnas e o processo eleitoral, atacando a credibilidade do TSE e seus ministros. A ideia era fomentar o discurso de que a vitória de Lula seria uma fraude.

“E eu tenho falado com os meus 23 ministros. Nós não podemos esperar chegar 23, olhar para trás e falar: ‘o que que nós não fizemos para o Brasil chegar à situação de hoje em dia?’ Nós temos que nos expor. Cada um de nós. Não podemos esperar que outros façam por nós. Não podemos nos omitir. Nos calar. Nos esconder. Nos acomodar. Eu não posso fazer nada sem vocês”, disse.

Para convencer os ministros, Bolsonaro emplacou uma afirmou que recebeu informações sigilosas dando conta de que o narcotráfico internacional injetou recursos na campanha do partido de Lula e que, por isso, o petista reunia as melhores condições de vencer a corrida presidencial em 2022. Na gravação, Bolsonaro repete algumas vezes que será derrotado nas urnas em outubro. Ele chegou a dizer, inclusive, que o próprio TSE já tinha o resultado pronto.

“Porque os cara tão preparando tudo, pô! Pro Lula ganhar no primeiro turno, na fraude. Vou mostrar como e porquê. Alguém acredita aqui em Fachin, Barroso, Alexandre de Moraes? Acredita que eles são pessoas isentas, tão preocupado em fazer justiça, seguir a Constituição?”

A reunião ocorreu no dia 5 de julho de 2022, na pré-campanha eleitoral. Segundo a Polícia Federal, o encontro teve como finalidade “cobrar dos presentes conduta ativa na promoção da ilegal desinformação e ataques à Justiça Eleitoral.”

Ainda na visão da PF, Bolsonaro “coagiu” os “ministros e todos os presentes, para que aderissem à ilícita desinformação apresentada.”

“Daqui pra frente, quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar, ele vai vir falar pra mim porque que ele não quer falar. Se apresentar onde eu estou errado, eu topo. Agora, se não tiver argumento pra me demover do que eu vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro. Tá no lugar errado. Se tá achando que eu vou ter 70% dos votos e vou ganhar como ganhei em 2018, o cara tá no lugar errado.”

Na reunião, Bolsonaro ainda antecipou que havia convocado a famigerada reunião com embaixadores para disseminar seus ataques às urnas. Segundo ele, a intenção era repassar à mídia internacional o que estava acontecendo no Brasil, com a possibilidade de fraude nas urnas, uma acusação que jamais foi provada.

A Polícia Federal cumpriu nesta quinta (8) a fase ostensiva da operação Tempus Veritatis, que apura a organização criminosa que desenhou o golpe de Estado que visava manter Bolsonaro no poder. Ex-assessores de Bolsonaro foram presos e outros aliados, alvos de busca e apreensão, inclusive membros do primeiro escalão de seu governo, como os generais Braga Netto (ex-Casa Civil) e Augusto Heleno (ex-GSI). Bolsonaro foi alvo de um pedido para entregar passaporte e evitar contato com outros investigados.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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