Luiz
Carlos Azedo: espólio de Bolsonaro assombra o Palácio do Planalto
Aliado do
ex-presidente Jair Bolsonaro, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) é um político
moderado e sagaz. Observa a política com pragmatismo e certo distanciamento das
disputas ideológicas. Nesta quarta-feira, num dia esvaziado do Congresso,
jogava conversa fora numa roda de jornalistas, no cafezinho do Senado.
Comentava a agenda litigiosa do Palácio do Planalto com o Congresso, um prato
feito para a oposição. "Os maiores problemas de Lula com o Congresso foram
herdados do governo Bolsonaro", se divertia. Referia-se às emendas
impositivas ao Orçamento da União, às desonerações da folha de pagamento das
empresas e o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos).
Comecemos
pelo último. O Perse foi criado para mitigar os prejuízos de quem teve os
negócios paralisados durante a pandemia, como a realização de congressos,
feiras e eventos sociais e esportivos; shows, festas e festivais; bufês sociais
e infantis; casas noturnas e casas de espetáculo; hotelaria em geral;
administração de salas de cinema; e prestação de serviços turísticos, entre
outros. O governo quer acabar com o programa, em razão do fim da pandemia e da
suspeita de que o Perse estaria sendo usado para lavagem de dinheiro, o que
precisa ser investigado. Por meio de medida provisória (MP), todas as empresas
beneficiadas perderiam os benefícios fiscais, como alíquota zero de impostos,
parcelamento de débitos, redução de juros e multas.
Criado em
2021, o Congresso prorrogou o programa por mais cinco anos, em dezembro de
2022, contra a opinião de Fernando Haddad, já então indicado para o Ministério
da Fazenda. Agora, a Receita Federal alertou a equipe econômica de que a
renúncia fiscal chegará a R$ 17 bilhões, neste ano, muito acima dos R$ 4,4
bilhões previstos no Orçamento. Há suspeita de fraudes, que precisam ser
investigadas. As instituições ligadas ao setor, lideradas pelas federações de
comércio, reagiram prontamente. O lobby conta com o apoio de parlamentares
diretamente ligados a esses setores.
Outro
contencioso são as desonerações da folha de pagamento, que Lula vetou
integralmente. Para aliviar a pressão do Congresso, o líder do governo, senador
Randolfe Rodrigues (AP), já anunciou que o presidente Lula poderá enviar um
projeto de lei que trata da desoneração da folha de pagamento, que será extinta
em abril, de acordo com uma medida provisória já editada (MP 1.202/24). No ano
passado, deputados e senadores aprovaram a prorrogação do recolhimento de até
4,5% sobre a receita bruta no lugar da alíquota de 20% da contribuição
previdenciária para 17 setores da economia, até 2027.
A oposição
se articula para derrubar a MP. O autor do benefício, senador Efraim Filho
(União-PB), considerou a medida provisória um desrespeito ao Congresso
Nacional. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mandou recado de que os
vetos serão derrubados. Mas faltou combinar com o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), que convoca e pauta o Congresso. Em razão dos seus interesses
eleitorais e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em Minas
Gerais, já nas eleições municipais, Pacheco se reaproximou de Lula e prefere um
bom acordo.
·
Demandas eleitorais
Outro
contencioso são os vetos no valor de R$ 5,6 bilhões às emendas de comissão.
Foram aprovadas pelo Congresso 7,9 mil emendas parlamentares individuais, de
bancadas estaduais e de comissões, que somavam R$ 53 bilhões. Com o veto nas
emendas de comissão, o valor global ficaria em torno de R$ 44,6 bilhões. As
emendas de comissão seriam no valor de R$ 16,6 bilhões, mas cairão para R$ 11
bilhões, com os vetos, contra R$ 7,5 bilhões no ano passado. Emendas
individuais obrigatórias (R$ 25 bilhões) e as emendas de bancadas (R$ 11,3
bilhões) não sofreram vetos de Lula, embora pulverizem o orçamento de
investimentos do país.
Obras como
o túnel submarino que ligará Santos e Guarulhos, uma parceria do governo
federal com o governo paulista, que selou a cooperação entre Lula e o
governador Tarcísio de Freitas (PR), no valor estimado de R$ 6 bilhões, não são
prioritárias para o Congresso. Deputados e senadores, pressionados por
prefeitos, deputados estaduais e vereadores, destinam recursos para suas bases
eleitorais. Lula herdou de Bolsonaro um Congresso majoritariamente conservador,
que gostou de administrar a execução do Orçamento da União, com o PP e o PL
dando as cartas no Palácio do Planalto, por meio da Casa Civil e da Secretaria
de Governo.
Em parte
por causa da pandemia, em parte por causa de Bolsonaro, Lula herdou um
Congresso que pretende gastar muito mais e, ao mesmo tempo, quer reduzir
impostos. Para se chegar ao deficit zero em 2024, a conta não fecha. É que
deputados e senadores estão mais empenhados em aproveitar as eleições
municipais para garantir a própria reeleição em 2026. Esse é o jogo.
Ø
Haddad critica programa para estimular
eventos e cria novo atrito com Lira
Está
aberta uma nova frente de atrito entre o Congresso Nacional e o Palácio do
Planalto. A suspeita de irregularidades no Programa Emergencial de Retomada do
Setor de Eventos (Perse) levantada pela Receita Federal voltou a tensionar a
relação entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad.
O programa
foi criado em 2021 para ajudar o setor de turismo, atingido pelas políticas de
restrição da mobilidade das pessoas na pandemia da covid-19 que, por conta do
isolamento social, foram orientadas a ficar em casa. Vários segmentos da
economia foram atingidos.
Haddad
confirmou, ontem, a investigação da Receita, e garantiu que será divulgado um
relatório sobre possíveis fraudes. “Não se trata de caça às bruxas. Obviamente,
quem errou vai ser punido na forma da lei. Trata-se de mostrar que o programa
não pode ter essa dimensão. Isso é muito ruim para o país. O país não está em
condições de desperdiçar esse dinheiro diante do quadro (fiscal), que inspira
cuidados”, explicou.
O ministro
pediu à Receita que divulgue dados do CNPJ das empresas beneficiadas pelo
programa. “Nós vamos dar a público o quanto cada empresa deixou de recolher (em
impostos) alegando ser beneficiária do programa. Isso vai deixar claro que, na
verdade, não foram R$ 4 bilhões (de renúncia fiscal total), como se estimava. O
informe é superior a R$ 16 bilhões, ou seja, quatro vezes mais”, disse Haddad.
Lideranças
do Congresso já haviam recebido do ministro alertas sobre essas distorções no
Perse, em que a suspeita é de operações ilegais que envolvem, inclusive,
lavagem de dinheiro.
No
discurso de reabertura do ano legislativo, na segunda-feira, Lira fez uma
defesa do programa, logo depois de criticar o governo Lula e dizer que os
parlamentares exigem, “como natural contrapartida”, o respeito aos acordos.
“Conquistas
como a desoneração (da folha de pagamento) e o Perse, essencial para que
milhões de empregos de um setor devastado pela pandemia se sustentem, não podem
retroceder sem ampla discussão com este Parlamento”, afirmou Lira, no discurso.
A medida
provisória editada pelo governo no fim do ano passado que reonerou a folha de
pagamento para 17 segmentos da economia que gozam de benefícios fiscais prevê a
extinção gradual do Perse até 2025. O governo destinou R$ 20 bilhões para o
programa. Quando esse valor for atingido, o Perse deve ser encerrado.
A
revelação de possíveis desvios no programa ocorreu na véspera de um grande
encontro, no Congresso Nacional, de parlamentares que defendem a continuidade
do Perse, e de empresários e empregados do setor de turismo. Deputados e
senadores de legendas diversas discursaram no salão Nereu Ramos, na Câmara, que
estava lotado.
O deputado
Felipe Carreras (PSB-PE) — autor do projeto que criou o programa e principal
defensor e líder desse movimento — afirmou que manter o esvaziamento do Perse
na medida provisória é uma “discriminação com o setor de eventos”. Ele afirmou
ser “estranho” que essa suspeita de ilegalidade tenha vindo à tona na véspera
do encontro dos segmentos do turismo.
No seu
discurso para a plateia, Carreras declarou que o Perse é um programa que
ultrapassa os partidos e vai além das diferenças políticas e ideológicas. Ele
afirmou que integra um partido, o PSB, da base do governo, “de Geraldo
Alckmin”, mas que o tema é de todos. No palco, congratulou com outros
parlamentares, como Eduardo Bolsonaro (PL-RJ). Carreras disse que fez “oposição
respeitosa” ao governo de Jair Bolsonaro. O filho do ex-presidente disse que,
se o pai tivesse sido reeleito, aquela reunião não estaria acontecendo.
Entre os
poucos governistas presentes no ato, o deputado Jonas Donizette (PSB-SP) contou
que é vice-líder do governo Lula na Câmara, mas que apoia a continuidade do
programa.
Fernando
Haddad disse que o relatório do Perse será produzido e divulgado rapidamente,
assim que governo e servidores da Receita fecharem um acordo para encerrar a
greve no órgão. O ministro receberia, ontem, um grupo de deputados e
empresários da hotelaria que defendem os incentivos fiscais, mas o encontro foi
cancelado.
·
País não têm condições de investir R$17 bi
por ano no Perse, diz Haddad
O ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta-feira que o governo não tem
condições de gastar 17 bilhões de reais ao ano na manutenção do Perse até 2026
e apontou que a pasta investiga suspeitas de irregularidades no programa.
"O
país não tem 17 bilhões de reais por ano para investir num programa dessa
natureza... Nem era esse o objetivo do próprio Congresso Nacional. O objetivo
era dar um benefício de cerca de 4 bilhões por ano. Então, agora tem dois
caminhos. Primeiro, investigar o que aconteceu no ano passado e segundo, botar
ordem no programa", disse Haddad em entrevista a jornalistas na saída do
ministério.
Segundo a
Fazenda, o programa custou 17 bilhões de reais para os cofres públicos em
isenções em 2023, contra uma estimativa inicial de custo do programa pela pasta
de 4 bilhões de reais em renúncias fiscais.
O Perse
foi implementado em 2021 como forma de atenuar os efeitos negativos da pandemia
de Covid-19 no setor de eventos e turismo por meio, entre outras medidas, da
redução a zero das alíquotas de uma série de tributos para empresas dos
setores. O programa foi prorrogado pelo Congresso, no ano passado, até 2026.
O governo
introduziu o fim gradual do programa até 2025 na mesma medida provisória
editada no final do ano passado depois que o veto do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva sobre a prorrogação da desoneração da folha de pagamento foi
derrubado pelo Congresso. Contudo, a MP tem representando mais um ponto de
atrito entre o governo e o Legislativo.
Haddad
explicou que, no momento, uma investigação sobre possíveis irregularidades no
uso do programa está apenas no âmbito da Receita e depende do fim de uma greve
de auditores fiscais para que um relatório sobre o tema seja concluído e
apresentado ao público.
Segundo o
ministro, a investigação não é uma "caça às bruxas", mas se trata de
mostrar que a dimensão atual do programa é insustentável para as contas do
governo.
·
Associações de turismo e eventos pedem que
Perse continue
Um ato de
Mobilização Nacional em Defesa do Programa Emergencial de Retomada dos setores de eventos e
turismo (Perse) ocorreu nesta quarta-feira
(7/2), reuniu mais de 100 deputados e senadores, e mais de 500 empresários
e profissionais que contestam a Medida Provisória (MP) 1.202/2023, que prevê o
fim do programa. O encontro realizado no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos
Deputados, tinha por objetivo sensibilizar o parlamento e o governo federal
sobre a importância da manutenção do programa pelo período de cinco anos.
Durante o
ato foi apresentado o manifesto em defesa do Perse, que será encaminhado aos presidentes do Senado e da Câmara,
Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. No total, 35 senadores e 270 deputados federais
assinaram o documento.
No
manifesto apresentado, as associações pediram a manutenção do programa e
disseram que “a política pública está sendo revogada não por um resultado
negativo, mas pela omissão governamental em estudar os seus impactos. Impactos
estes que são extremamente positivos e claros”.
Autor da
lei que criou o Perse, o deputado federal Felipe Carreras (PSB/PE) disse que é
necessário fazer justiça aos segmentos mais afetados pela pandemia. “O Perse
foi fruto da sensibilidade do parlamento com setores que ficaram impedidos de
trabalhar por mais de dois anos. O programa uniu partidos de centro, de direita
e de esquerda, que hoje, reforçam a vontade de mantê-lo até o final. O Perse é
do Brasil, do emprego, da renda e da justiça", afirmou.
O Perse
foi criado para mitigar os prejuízos do setor de eventos por causa da pandemia
durante a pandemia de Covid-19. O Perse foi regulamentado pela Lei 14.148,
sancionada em 3 de maio de 2021, e previa benefícios fiscais, como a isenção do
pagamento de impostos federais e redução de até 100% dos juros e multas sobre
débitos.
Se der para zerar déficit, ótimo; se não
der, ótimo também, diz Lula
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quinta-feira que será ótimo se
for possível cumprir a meta estabelecida pelo governo de zerar o déficit
primário neste ano, mas que se isso não ocorrer, estará ótimo também.
Em
entrevista à Rádio Itatiaia, durante visita a Minas Gerais nesta quinta, Lula
disse reconheceu que a discussão sobre a meta fiscal aparece com frequência,
mas que ele não gosta quando esse debate aparece.
"Essa
é uma discussão que de vez em quanto aparece e eu não gosto que ela apareça.
Você gasta o quanto você arrecada", disse Lula. "Se der para fazer
superávit zero, ótimo. Se não der, ótimo também."
Na
entrevista, presidente também comentou sobre a desoneração da folha de
pagamento de 17 setores e disse que o Congresso não colocou nenhuma
contrapartida à renovação da medida a ser dado pelos empresários quando a
aprovou. Lula disse que ainda é preciso encontrar uma solução para esta
questão.
A
declaração de Lula ocorre em meio a um embate entre Executivo e Legislativo
sobre a renovação, aprovada pelo Congresso, vetada pelo presidente, mas mantida
com a derrubada do veto pelos parlamentares.
Fonte:
Correio Braziliense/Reuters
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