sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Luiz Carlos Azedo: espólio de Bolsonaro assombra o Palácio do Planalto

Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) é um político moderado e sagaz. Observa a política com pragmatismo e certo distanciamento das disputas ideológicas. Nesta quarta-feira, num dia esvaziado do Congresso, jogava conversa fora numa roda de jornalistas, no cafezinho do Senado. Comentava a agenda litigiosa do Palácio do Planalto com o Congresso, um prato feito para a oposição. "Os maiores problemas de Lula com o Congresso foram herdados do governo Bolsonaro", se divertia. Referia-se às emendas impositivas ao Orçamento da União, às desonerações da folha de pagamento das empresas e o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos).

Comecemos pelo último. O Perse foi criado para mitigar os prejuízos de quem teve os negócios paralisados durante a pandemia, como a realização de congressos, feiras e eventos sociais e esportivos; shows, festas e festivais; bufês sociais e infantis; casas noturnas e casas de espetáculo; hotelaria em geral; administração de salas de cinema; e prestação de serviços turísticos, entre outros. O governo quer acabar com o programa, em razão do fim da pandemia e da suspeita de que o Perse estaria sendo usado para lavagem de dinheiro, o que precisa ser investigado. Por meio de medida provisória (MP), todas as empresas beneficiadas perderiam os benefícios fiscais, como alíquota zero de impostos, parcelamento de débitos, redução de juros e multas.

Criado em 2021, o Congresso prorrogou o programa por mais cinco anos, em dezembro de 2022, contra a opinião de Fernando Haddad, já então indicado para o Ministério da Fazenda. Agora, a Receita Federal alertou a equipe econômica de que a renúncia fiscal chegará a R$ 17 bilhões, neste ano, muito acima dos R$ 4,4 bilhões previstos no Orçamento. Há suspeita de fraudes, que precisam ser investigadas. As instituições ligadas ao setor, lideradas pelas federações de comércio, reagiram prontamente. O lobby conta com o apoio de parlamentares diretamente ligados a esses setores.

Outro contencioso são as desonerações da folha de pagamento, que Lula vetou integralmente. Para aliviar a pressão do Congresso, o líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (AP), já anunciou que o presidente Lula poderá enviar um projeto de lei que trata da desoneração da folha de pagamento, que será extinta em abril, de acordo com uma medida provisória já editada (MP 1.202/24). No ano passado, deputados e senadores aprovaram a prorrogação do recolhimento de até 4,5% sobre a receita bruta no lugar da alíquota de 20% da contribuição previdenciária para 17 setores da economia, até 2027.

A oposição se articula para derrubar a MP. O autor do benefício, senador Efraim Filho (União-PB), considerou a medida provisória um desrespeito ao Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mandou recado de que os vetos serão derrubados. Mas faltou combinar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que convoca e pauta o Congresso. Em razão dos seus interesses eleitorais e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em Minas Gerais, já nas eleições municipais, Pacheco se reaproximou de Lula e prefere um bom acordo.

·        Demandas eleitorais

Outro contencioso são os vetos no valor de R$ 5,6 bilhões às emendas de comissão. Foram aprovadas pelo Congresso 7,9 mil emendas parlamentares individuais, de bancadas estaduais e de comissões, que somavam R$ 53 bilhões. Com o veto nas emendas de comissão, o valor global ficaria em torno de R$ 44,6 bilhões. As emendas de comissão seriam no valor de R$ 16,6 bilhões, mas cairão para R$ 11 bilhões, com os vetos, contra R$ 7,5 bilhões no ano passado. Emendas individuais obrigatórias (R$ 25 bilhões) e as emendas de bancadas (R$ 11,3 bilhões) não sofreram vetos de Lula, embora pulverizem o orçamento de investimentos do país.

Obras como o túnel submarino que ligará Santos e Guarulhos, uma parceria do governo federal com o governo paulista, que selou a cooperação entre Lula e o governador Tarcísio de Freitas (PR), no valor estimado de R$ 6 bilhões, não são prioritárias para o Congresso. Deputados e senadores, pressionados por prefeitos, deputados estaduais e vereadores, destinam recursos para suas bases eleitorais. Lula herdou de Bolsonaro um Congresso majoritariamente conservador, que gostou de administrar a execução do Orçamento da União, com o PP e o PL dando as cartas no Palácio do Planalto, por meio da Casa Civil e da Secretaria de Governo.

Em parte por causa da pandemia, em parte por causa de Bolsonaro, Lula herdou um Congresso que pretende gastar muito mais e, ao mesmo tempo, quer reduzir impostos. Para se chegar ao deficit zero em 2024, a conta não fecha. É que deputados e senadores estão mais empenhados em aproveitar as eleições municipais para garantir a própria reeleição em 2026. Esse é o jogo.

 

Ø  Haddad critica programa para estimular eventos e cria novo atrito com Lira

 

Está aberta uma nova frente de atrito entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. A suspeita de irregularidades no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) levantada pela Receita Federal voltou a tensionar a relação entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O programa foi criado em 2021 para ajudar o setor de turismo, atingido pelas políticas de restrição da mobilidade das pessoas na pandemia da covid-19 que, por conta do isolamento social, foram orientadas a ficar em casa. Vários segmentos da economia foram atingidos.

Haddad confirmou, ontem, a investigação da Receita, e garantiu que será divulgado um relatório sobre possíveis fraudes. “Não se trata de caça às bruxas. Obviamente, quem errou vai ser punido na forma da lei. Trata-se de mostrar que o programa não pode ter essa dimensão. Isso é muito ruim para o país. O país não está em condições de desperdiçar esse dinheiro diante do quadro (fiscal), que inspira cuidados”, explicou.

O ministro pediu à Receita que divulgue dados do CNPJ das empresas beneficiadas pelo programa. “Nós vamos dar a público o quanto cada empresa deixou de recolher (em impostos) alegando ser beneficiária do programa. Isso vai deixar claro que, na verdade, não foram R$ 4 bilhões (de renúncia fiscal total), como se estimava. O informe é superior a R$ 16 bilhões, ou seja, quatro vezes mais”, disse Haddad.

Lideranças do Congresso já haviam recebido do ministro alertas sobre essas distorções no Perse, em que a suspeita é de operações ilegais que envolvem, inclusive, lavagem de dinheiro.

No discurso de reabertura do ano legislativo, na segunda-feira, Lira fez uma defesa do programa, logo depois de criticar o governo Lula e dizer que os parlamentares exigem, “como natural contrapartida”, o respeito aos acordos.

“Conquistas como a desoneração (da folha de pagamento) e o Perse, essencial para que milhões de empregos de um setor devastado pela pandemia se sustentem, não podem retroceder sem ampla discussão com este Parlamento”, afirmou Lira, no discurso.

A medida provisória editada pelo governo no fim do ano passado que reonerou a folha de pagamento para 17 segmentos da economia que gozam de benefícios fiscais prevê a extinção gradual do Perse até 2025. O governo destinou R$ 20 bilhões para o programa. Quando esse valor for atingido, o Perse deve ser encerrado.

A revelação de possíveis desvios no programa ocorreu na véspera de um grande encontro, no Congresso Nacional, de parlamentares que defendem a continuidade do Perse, e de empresários e empregados do setor de turismo. Deputados e senadores de legendas diversas discursaram no salão Nereu Ramos, na Câmara, que estava lotado.

O deputado Felipe Carreras (PSB-PE) — autor do projeto que criou o programa e principal defensor e líder desse movimento — afirmou que manter o esvaziamento do Perse na medida provisória é uma “discriminação com o setor de eventos”. Ele afirmou ser “estranho” que essa suspeita de ilegalidade tenha vindo à tona na véspera do encontro dos segmentos do turismo.

No seu discurso para a plateia, Carreras declarou que o Perse é um programa que ultrapassa os partidos e vai além das diferenças políticas e ideológicas. Ele afirmou que integra um partido, o PSB, da base do governo, “de Geraldo Alckmin”, mas que o tema é de todos. No palco, congratulou com outros parlamentares, como Eduardo Bolsonaro (PL-RJ). Carreras disse que fez “oposição respeitosa” ao governo de Jair Bolsonaro. O filho do ex-presidente disse que, se o pai tivesse sido reeleito, aquela reunião não estaria acontecendo.

Entre os poucos governistas presentes no ato, o deputado Jonas Donizette (PSB-SP) contou que é vice-líder do governo Lula na Câmara, mas que apoia a continuidade do programa.

Fernando Haddad disse que o relatório do Perse será produzido e divulgado rapidamente, assim que governo e servidores da Receita fecharem um acordo para encerrar a greve no órgão. O ministro receberia, ontem, um grupo de deputados e empresários da hotelaria que defendem os incentivos fiscais, mas o encontro foi cancelado.

·        País não têm condições de investir R$17 bi por ano no Perse, diz Haddad

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta-feira que o governo não tem condições de gastar 17 bilhões de reais ao ano na manutenção do Perse até 2026 e apontou que a pasta investiga suspeitas de irregularidades no programa.

"O país não tem 17 bilhões de reais por ano para investir num programa dessa natureza... Nem era esse o objetivo do próprio Congresso Nacional. O objetivo era dar um benefício de cerca de 4 bilhões por ano. Então, agora tem dois caminhos. Primeiro, investigar o que aconteceu no ano passado e segundo, botar ordem no programa", disse Haddad em entrevista a jornalistas na saída do ministério.

Segundo a Fazenda, o programa custou 17 bilhões de reais para os cofres públicos em isenções em 2023, contra uma estimativa inicial de custo do programa pela pasta de 4 bilhões de reais em renúncias fiscais.

O Perse foi implementado em 2021 como forma de atenuar os efeitos negativos da pandemia de Covid-19 no setor de eventos e turismo por meio, entre outras medidas, da redução a zero das alíquotas de uma série de tributos para empresas dos setores. O programa foi prorrogado pelo Congresso, no ano passado, até 2026.

O governo introduziu o fim gradual do programa até 2025 na mesma medida provisória editada no final do ano passado depois que o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a prorrogação da desoneração da folha de pagamento foi derrubado pelo Congresso. Contudo, a MP tem representando mais um ponto de atrito entre o governo e o Legislativo.

Haddad explicou que, no momento, uma investigação sobre possíveis irregularidades no uso do programa está apenas no âmbito da Receita e depende do fim de uma greve de auditores fiscais para que um relatório sobre o tema seja concluído e apresentado ao público.

Segundo o ministro, a investigação não é uma "caça às bruxas", mas se trata de mostrar que a dimensão atual do programa é insustentável para as contas do governo.

·        Associações de turismo e eventos pedem que Perse continue

Um ato de Mobilização Nacional em Defesa do Programa Emergencial de Retomada dos setores de eventos e turismo (Perse) ocorreu nesta quarta-feira (7/2), reuniu mais de 100 deputados e senadores, e mais de 500 empresários e profissionais que contestam a Medida Provisória (MP) 1.202/2023, que prevê o fim do programa. O encontro realizado no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, tinha por objetivo sensibilizar o parlamento e o governo federal sobre a importância da manutenção do programa pelo período de cinco anos.

Durante o ato foi apresentado o manifesto em defesa do Perse, que será encaminhado aos presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. No total, 35 senadores e 270 deputados federais assinaram o documento.

No manifesto apresentado, as associações pediram a manutenção do programa e disseram que “a política pública está sendo revogada não por um resultado negativo, mas pela omissão governamental em estudar os seus impactos. Impactos estes que são extremamente positivos e claros”.

Autor da lei que criou o Perse, o deputado federal Felipe Carreras (PSB/PE) disse que é necessário fazer justiça aos segmentos mais afetados pela pandemia. “O Perse foi fruto da sensibilidade do parlamento com setores que ficaram impedidos de trabalhar por mais de dois anos. O programa uniu partidos de centro, de direita e de esquerda, que hoje, reforçam a vontade de mantê-lo até o final. O Perse é do Brasil, do emprego, da renda e da justiça", afirmou.

O Perse foi criado para mitigar os prejuízos do setor de eventos por causa da pandemia durante a pandemia de Covid-19. O Perse foi regulamentado pela Lei 14.148, sancionada em 3 de maio de 2021, e previa benefícios fiscais, como a isenção do pagamento de impostos federais e redução de até 100% dos juros e multas sobre débitos.

 

       Se der para zerar déficit, ótimo; se não der, ótimo também, diz Lula

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quinta-feira que será ótimo se for possível cumprir a meta estabelecida pelo governo de zerar o déficit primário neste ano, mas que se isso não ocorrer, estará ótimo também.

Em entrevista à Rádio Itatiaia, durante visita a Minas Gerais nesta quinta, Lula disse reconheceu que a discussão sobre a meta fiscal aparece com frequência, mas que ele não gosta quando esse debate aparece.

"Essa é uma discussão que de vez em quanto aparece e eu não gosto que ela apareça. Você gasta o quanto você arrecada", disse Lula. "Se der para fazer superávit zero, ótimo. Se não der, ótimo também."

Na entrevista, presidente também comentou sobre a desoneração da folha de pagamento de 17 setores e disse que o Congresso não colocou nenhuma contrapartida à renovação da medida a ser dado pelos empresários quando a aprovou. Lula disse que ainda é preciso encontrar uma solução para esta questão.

A declaração de Lula ocorre em meio a um embate entre Executivo e Legislativo sobre a renovação, aprovada pelo Congresso, vetada pelo presidente, mas mantida com a derrubada do veto pelos parlamentares.

 

Fonte: Correio Braziliense/Reuters

 

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