A
temperatura do café de Lira
Ao
deflagrar sua ofensiva contra o governo, elevando o tom de desafio ao Executivo
e insinuando retaliação se suas queixas não forem atendidas, o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), descortinou uma realidade dupla de quem enfrenta
uma corrida contra o tempo no exercício do poder. Está em jogo tanto a
preservação de sua força política como presidente da Câmara e como líder do
Centrão quanto o risco de mergulhar numa espiral descendente. Tal risco parece
contradizer a imagem de poderoso negociador, mas o fato é que Lira iniciou seu
último ano no comando da Câmara, período em que precisará fazer um sucessor de
confiança para seguir com prestígio político, liderar o bloco que conquistou e
chegar a postos mais elevados no futuro. Ou desidratar-se no meio do caminho.
Seu duro
discurso na reabertura dos trabalhos legislativos teve, portanto, dois alvos
preferenciais. Na mira principal, um Executivo às vezes reticente na cessão de
cargos, verbas e poder. Mas, ao afirmar que o governo não tem palavra,
descumpre acordos e bloqueia verbas acertadas, o presidente da Câmara deu
também um recado aos colegas. Declarou que os parlamentares teriam mais
legitimidade para decidir a destinação do dinheiro público do que a “burocracia
não eleita” do governo e, em calculada primeira pessoa do plural, buscando
personificar uma queixa coletiva, avisou: “Não subestimem esta Mesa Diretora.
Não subestimem os membros deste Parlamento”. Na fala, Lira e o Parlamento são
uma coisa só.
Esse
amálgama entre ele e a Câmara, numa condição simultânea de instituição, líder e
representante, é fundamental para preservar-lhe o poder. Por ora, a incerteza
do futuro se contrapõe à força considerável que tem no presente. Sua
musculatura política, como se sabe, deu a Lira uma bancada para chamar de sua.
Mais do que o Centrão (oficialmente composto por PP, Republicanos,
Solidariedade e PTB), Lira também conquistou um bloco de apoio, e nele estavam,
até o início de fevereiro, nada menos do que oito partidos: PP, União Brasil,
PSDB-Cidadania, PDT, PSB, Solidariedade, Patriota e Avante. A baixa começou: a
bancada do PSB protocolou ofício oficializando a saída do bloco, e há quem
preveja a saída do PDT. O bloco de apoio a Lira seguirá como o maior da Casa,
mas isso não torna mais luminoso o horizonte do presidente da Câmara.
Premido
agora pelo relógio do mandato, um adversário implacável mesmo para as
lideranças políticas mais experientes, Lira dobrou a aposta. Sua artilharia não
se encerrou depois do discurso na Câmara, da tentativa de pedir a cabeça do
ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e das ausências nas
solenidades de abertura dos trabalhos do Poder Judiciário e de posse do novo
ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Primeiro, Lira conseguiu esvaziar uma
reunião convocada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com líderes do
Congresso para tratar do futuro da reoneração da folha salarial. Depois, num
gesto pouco usual, cobrou da ministra da Saúde, Nísia Andrade, o esclarecimento
sobre os critérios utilizados pela pasta na liberação de recursos apadrinhados
por parlamentares.
Em
contrapartida, até aqui se assiste à reação discreta, comedida e de aparente
tranquilidade do Palácio do Planalto, ainda que no bastidor esteja lançando
iscas para dividir o Centrão e o bloco de apoio a Lira. O presidente Lula da
Silva está longe de ser um neófito nas artimanhas do poder e sabe que o
calendário lhe é mais favorável no momento. Ademais, tem como trunfo a agenda
econômica prioritária no Congresso, que tem o apoio de Lira. Explícita ou não,
a queda de braço se estenderá ao longo do ano também com os movimentos da
sucessão na presidência da Câmara e a incerteza de qual papel o governo terá na
disputa.
O risco,
para o equilíbrio entre os Poderes e para o Brasil, é a aposta de Lira seguir
elevada demais. Se o café começar a ser servido morno na Mesa Diretora da
Câmara, sua reação poderá ser ainda mais incisiva e truculenta, ampliando o
desequilíbrio entre os Poderes e travando a agenda do Congresso. Todos
perderão, num caminho arriscado para ele, danoso para o Legislativo e
prejudicial para o País.
• Rui Costa diz que interesse nacional
deve superar ‘vaidades pessoais’ entre governo e Congresso
O ministro
da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o interesse nacional deve se sobrepor a
eventuais “diferenças ou vaidades pessoais” entre o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e o Congresso Nacional. De acordo com o ministro, quanto
mais aberto e transparente for o diálogo, melhor para o País.
“Acho que
o interesse nacional deve se sobrepor a eventuais diferenças pessoais, ou
vaidades pessoais, seja quem for, é fundamental colocar o interesse na nação e
quanto mais transparente e aberto for o debate, melhor”, declarou em evento CEO
Conference Brasil 2024, promovido pelo BTG Pactual, nesta quarta-feira, 7.
Na
segunda-feira, 5, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), usou o discurso
de abertura do ano Legislativo para mandar recado direto ao governo. Em meio ao
descontentamento de parlamentares com cortes no pagamento de emendas do
Orçamento, Lira avisou que o Congresso respeita os acordos políticos e cobrou
do governo compromisso com “a palavra dada”.
Nas
últimas semanas, Lula e Lira estão afastados e a relação está em um momento “de
baixa”. De acordo com interlocutores, a ausência do alagoano na cerimônia de
comemoração de um ano dos ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, no dia
8 de janeiro, estremeceu a ligação com o chefe do Executivo. Soma-se a isso o
fato de Lira ter recebido o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua casa em
Alagoas.
Segundo
relatos, Lira também está distante também do ministro das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha. Desde o ano passado, os dois enfrentam
divergências por causa da falta de acordo sobre emendas e, mais recentemente,
pela edição de uma portaria que alterava normas para liberação dos recursos da
Saúde.
Ø
A quem ‘pertence’ o orçamento? Entenda o
que diz a lei sobre a polêmica entre Lira e o governo Lula
Ensaiando
uma nova queda de braço entre o Congresso e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
afirmou em seu discurso de abertura das atividades legislativas deste ano que o Orçamento da União “pertence a
todos e todas”, e não “apenas ao Executivo”.
Segundo a legislação, Lira está correto na afirmação quando se refere à
participação do Poder Legislativo, entretanto, especialistas ouvidos
pelo Estadão dizem que há uma distorção nessa fala.
A mensagem
de Lira foi dada após Lula vetar R$ 5,6 bilhões de emendas parlamentares de
comissões no Orçamento 2024. As outras emendas podem ser individuais (de
autoria de cada parlamentar) e de bancadas estaduais (acordadas entre
parlamentares do mesmo estado, mesmo que de partidos diferentes).
As emendas de comissão são consideradas as
“herdeiras” do chamado orçamento secreto, esquema
revelado pelo Estadão e extinto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022. Ano passado, elas totalizaram R$ 6,9
bilhões, enquanto no ano anterior foram de R$ 329,4 milhões.
Mais de
90% do orçamento anual é destinado para as despesas obrigatórias, como salários
e aposentadorias. O restante, cerca de 7% pode ser gasto “livremente” pelo
governo federal. É nessa fatia menor que entram as emendas parlamentares,
usadas pelos deputados e senadores para direcionar recursos para suas bases
eleitorais.
Todas as
peças orçamentárias no âmbito federal são formuladas pelo governo, mas
necessitam de aprovação e apoio da maioria no Congresso para passarem a valer.
“A Constituição Federal de 1988 determina, de modo muito claro, que a
iniciativa do processo orçamentário é do Executivo. Não há dúvida alguma sobre
isso. O papel do Legislativo não é decidir como alocar os recursos públicos.
Este papel é reservado, pela Constituição, ao Poder Executivo”,
afirma Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e
ex-Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo.
Como
explica o economista, o Legislativo pode influenciar o processo orçamentário e,
dessa forma, conseguir mais ou menos espaço para políticas públicas, de uma ou
outra área, por meio de suas prerrogativas constitucionais – de legislar e
fiscalizar o Executivo.
No mesmo
sentido, o professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) Lúcio Rennó afirma que a responsabilidade sobre o Orçamento
“é uma espécie de guarda compartilhada”. Mas ao contrário do que parece na fala
de Lira, o que tem acontecido nos últimos anos, segundo o professor, é uma
ampliação do controle do Legislativo sobre o orçamento discricionário.
“Hoje você
tem um Congresso muito mais dono do orçamento do que ele já foi em qualquer
outro momento democrático da nossa história recente”, afirma Lúcio. Isso é
resultado de uma série de modificações constitucionais feitas por meio de
emendas ao longo dos últimos 10 anos, que deram aos parlamentares maior
influência e controle sobre o orçamento.
Em 2015, a
aprovação da Emenda Constitucional nº 86 fez com que a execução das emendas
individuais destinadas aos parlamentares passasse a ser obrigatória – o
denominado orçamento impositivo. Na prática, o Executivo é obrigado a executar
os pagamentos aprovados pelo Congresso na lei orçamentária, diminuindo o poder
de “barganha” entre os dois poderes.
Na mesma
esteira, em 2019, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 100,
estendendo a obrigatoriedade também às emendas de bancada, às de autoria
coletiva e as que reúnem os parlamentares do mesmo estado.
Graças a
essas alterações, as emendas individuais obrigatórias e as emendas de bancadas
para este ano, de R$ 25 bilhões e R$ 11,3 bilhões, respectivamente, não
sofreram modificação de valores pelo presidente. Apesar dos vetos – dados,
segundo o governo, para recompor políticas que ficaram sem recurso –, o valor
das emendas sancionado por Lula continua sendo recorde, totalizando R$ 47,8
bilhões entre todos os tipos de indicações parlamentares.
Com o
retorno das atividades legislativas, os parlamentares devem pressionar os presidentes
das Casas pela recomposição da fatia, mas a apreciação do veto de Lula só deve
ocorrer após o Carnaval.
Ø
Se o governo fez acordo, tem que cumprir,
diz Lula sobre discurso de Lira
O
presidente Lula (PT) falou nesta quinta-feira (8) sobre as relações com o
Congresso e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e disse que o
governo irá cumprir qualquer acordo que tenha sido feito.
Lula disse
que o governo vai fazer o combinado. "Acho que ele [Lira] pode ter razão é
que, se o governo fez acordo dentro do Congresso, ou através do ministro de
Relações Institucionais, ou do ministro da Fazenda, a gente tem que cumprir.
Quando você não cumpre o acordo feito, vai ficar mais caro", declarou em
entrevista à rádio Itatiaia.
Presidente
disse que negociação não vai passar por entrega de cargos. "Não tem
reforma [ministerial] e não tem mais cargo", disse. "Nós cumprimos
acordos, o que queremos é que o Congresso seja parceiro nessa recuperação do
país".
O
orçamento foi aprovado, havia a quantia que foi disponibilizada. Na medida em
que colocaram milhões a mais [em emendas], fui obrigado a vetar. Não posso nem
gastar o que não tenho, nem pagar emenda com dinheiro que não tenho. Todo mundo
é esperto e sabe disso.Lula, em entrevista à Itatiaia
Fala
responde a discurso duro de Lira na abertura dos trabalhos legislativos de
2024. Na segunda (5), Lira cobrou "respeito" e
"compromisso" do governo, e disse que erra quem aposta em uma inércia
da Câmara neste ano. Ele tem criticado o ministro das Relações Institucionais,
Alexandre Padilha, publicamente por supostamente não cumprir acordos negociados
para a aprovação de propostas no Congresso.
Atrito
começou com o veto de Lula a R$ 5,6 bilhões em emendas ao sancionar o Orçamento
de 2024. O governo quer evitar a derrubada do veto e negocia com Lira e outros
líderes partidários uma medida para recompor esse caixa.
[O destino
de emendas] Não é nem pode ser de autoria exclusiva do Poder Executivo. Muito
menos de uma burocracia técnica que, apesar do seu preparo, não foi eleita para
escolher prioridades da nação e não gasta sola do sapato percorrendo pequenos
municípios brasileiros, como nós, parlamentares.Arthur Lira (PP-AL), em
discurso na segunda-feira (5).
Fonte:
Agencia Estado/Reuters
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