Tânia Mandarino: ”Sempre desobedecer, nunca
reverenciar!”
Você não
sente, nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, minha amiga/meu amigo.
Não é segredo para
ninguém que, nas eleições municipais que se aproximam, muitas capitais foram
tratoradas por decisões impostas pela Executiva Nacional do PT, que escolheu o
candidato a ser apoiado pelo partido interditando debates e contrariando as bases
partidárias.
É o caso, por exemplo,
de Curitiba, cidade onde vivo, na qual o PT está apoiando Luciano Ducci (PSB) à
prefeitura.
Tenho acompanhado uma
discussão sobre se os militantes poderiam ou não, do ponto de vista legal,
deixar de votar no candidato indicado pelo partido.
Alguns ligados à
direção majoritária prometem inclusive pedir a abertura de comissão de ética
contra filiados que declararem voto em outro candidato e candidatas/os à
vereança que aparecem em eventos com outros candidatos à prefeitura.
Lançam mão ainda de
argumentos irracionais do tipo ”se o candidato da situação ganhar, a culpa será
dos que não estão apoiando” o candidato imposto pela majoritária.
É importante relembrar
que, em 2012, o referido candidato (estava na prefeitura de Curitiba quando
Beto Richa, de quem era vice, foi eleito governador do Paraná) foi derrotado
nas urnas pelo candidato apoiado pelo PT, que teve uma vice-prefeita petista.
Segundo relatos de
quem trabalhava na Fundação de Ação Social (FAS), no dia 9 de janeiro de 2013,
em retaliação à derrota sofrida, o referido candidato deixou a Assistência
Social sem recursos nos acolhimentos de crianças e adolescentes, que ficaram
sem comida.
Também é preciso
relembrar que o candidato apoiado pelo PT em 2024 à prefeitura de Curitiba:
1. De 2006 a 2010,
além de vice-prefeito, acumulou o cargo de Secretário Municipal da Saúde. Sua
administração foi caótica.
2. Quando assumiu a
prefeitura, em 2010, os funcionários da saúde municipal nunca foram tão
desprestigiados: além dos péssimos vencimentos, Ducci conseguiu proibir
manifestações pacíficas da categoria na frente da sua residência.
3. No mesmo sentido,
pediu a CENSURA do blog do Professor Tarso Cabral Violin, que publicara em seu
blog que a preferência de seus visitantes era pelo outro candidato em 2012.
4. Gastou quase 85
MILHÕES DE REAIS para construir uma ponte estaiada que não serve absolutamente
para nada, dizendo que poderia ter valor turístico. Com esse valor, 20 viadutos
comuns poderiam ser construídos.
5. Em seu programa
eleitoral de 2012, utilizou imagens de uma escola particular em Curitiba como
se fosse uma escola pública, justificando que não poderia utilizar espaços
públicos, mas, em outra ocasião, usou sem qualquer remorso imagens de hospitais
públicos nas suas filmagens.
6. Na mesma campanha,
se declarou “IMIGRANTE LEGÍTIMO E CURITIBANO DA GEMA”. Um discurso xenófobo,
preconceituoso e contrário aos ideais de diversidade e tolerância que devem
respaldar o crescimento de Curitiba
7. Como deputado
federal, disse ”SIM’‘ à abertura do processo de impeachment da Presidente
Dilma na Câmara, naquele nefasto 17 de abril de 2016.
8. Ainda na condição
de parlamentar, declarou que “Lula era o comandante máximo do esquema de corrupção”, em 14 de setembro de 2016.
9. Em maio de
2023, votou contra o governo Lula, posicionando-se a favor do marco
temporal juntamente com Beto Richa, Deltan Dallagnol e outros deputados
paranaenses de direita e extrema-direita.
10. Mais recentemente,
em maio de 2024, se ausentou da votação que derrotou o veto de Lula à restrição
da “saidinha” de presos em feriados.
11. Se ausentou,
igualmente, na votação do veto do ex-presidente Jair Bolsonaro a dispositivo
que criminalizava a disseminação de fake news em eleições.
Pois bem, diante da
biografia política de Luciano Ducci e da forma como a direção majoritária
interditou o debate pela candidatura própria em Curitiba, para a qual, aliás,
se disponibilizaram ao menos dois nomes de projeção nacional (Carol Dartora e
Zeca Dirceu), é natural que parte da militância não queira fazer campanha para
o candidato apoiado pelo PT.
Assim como é natural
que parte dos militantes filiados se recuse a votar no referido candidato do
PSB, cujo vice é do PV – partido que compõe a Federação junto com o PT.
Por conta disso, há um
grande número de filiados que apoia candidaturas à vereança do PT e outras
candidaturas de pessoas ou partidos de esquerda à prefeitura de Curitiba.
Muitos o fazem de
forma velada, com o temor de estar cometendo uma espécie de “crime partidário”.
Já outros assumem
publicamente que estão apoiando e votarão, por exemplo, em Roberto Requião
(recém-saído do PT para o Mobiliza) e em Andréa Caldas (ex-PT, hoje PSOL).
Para tais ”demônios”
parece já estar se formando um “Santo Ofício” que os levará a comissões
inquisitórias seguidas das fogueiras da expulsão, pois seriam os verdadeiros responsáveis
pelo voto do candidato, atualmente apoiado pelo PT, em favor do impeachment de
Dilma Rousseff em 2016 (!).
Sim, eu tenho ouvido
irracionalidades como estas:
1. ”Pior
que Ducci, foi muitos dos nossos, que em 2014 saíram nas ruas pelo ‘NAO VAI TER
COPA’. Foi ali que tudo começou. Se muitos dos nossos não tivessem colaborado,
o Ducci não teria votado pelo Impeachment, porque o pedido não teria chegado na
Câmara e no Senado”.
2. ”O
discurso contra a Dilma iniciou por alguns ‘iluminados’ do partido, que
começaram criticando sua política econômica”.
Ou seja, mais uma
vez, a culpa é do Petê. Só que agora petistas da linha majoritária
acusam as esquerdas petistas de serem culpadas pelo candidato imposto de cima
para baixo ter votado a favor do impeachment em 2016. É mais que irracional: é
surreal!
Um dos fundamentos utilizados
pelo “Santo Ofício” para levar à Comissão de Ética os filiados que apoiarem
outro candidato seria cometimento de “infidelidade partidária”.
Vejamos o que diz
o Glossário Eleitoral do TSE sobre o que é infidelidade partidária:
A infidelidade
partidária se dá quando um político não observa as diretrizes da agremiação à
qual é filiado ou abandona o partido sem justificativa. A fidelidade
partidária, por sua vez, é uma característica medida pela obediência do filiado
ao programa, às diretrizes e aos deveres definidos pela sigla, ou ainda pela
migração de um partido para outro.
O TSE entende que, por
vigorar no Brasil o sistema representativo, o mandato eletivo pertence ao
partido. Além disso, a Lei dos Partidos Políticos prevê, no artigo 22-A, que
perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa
causa, da sigla pela qual foi eleito.
Ou seja, o
fundamento da infidelidade partidária para queimar na fogueira quem votar em
outro candidato é, portanto, uma fake news, já que o conceito usado
por alguns filiados para aterrorizar outros se refere objetivamente a
parlamentares que trocam de partido no exercício de seus mandatos.
O mesmo Glossário
Eleitoral do TSE segue informando (grifo meu):
O parágrafo único do
mesmo artigo, contudo, considera como justa causa para a desfiliação as
seguintes três hipóteses: mudança substancial ou desvio reiterado do
programa partidário; grave discriminação política pessoal; e mudança de partido
efetuada durante o período de 30 dias – a chamada “janela partidária” – que
antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição,
majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
Repise-se que
candidato apoiado sequer é filiado ao PT, apesar de ter um vice de partido da
Federação integrada pelo PT.
Do esboço da biografia
política sintetizada mais acima é possível extrair uma boa discussão
sobre mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.
Assim, para os que,
num exercício gigantesco de extensividade ou analogia, insistirem em usar o
fundamento da infidelidade partidária para expulsar ou pedir expulsões, é
preciso dizer que, igualmente, a resposta se encontra no parágrafo primeiro do
artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos: justa causa.
Além de poder
configurar justa causa votar em outro candidato que não o imposto pela
majoritária, tenho para mim (ainda num exercício de analogia que não fui eu
quem começou) que no ordenamento jurídico brasileiro vigora a determinação de
que ordem manifestamente ilegal não se cumpre.
Isso está também no
artigo 22 do Código Penal que tem a rubrica de “Coação irresistível e
obediência hierárquica” e assim preceitua: “Se o fato é cometido sob coação
moral irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal,
de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.
O que pode ser mais
bem compreendido nos termos de um entendimento jurisprudencial muito conhecido
de pessoas que atuam com o Direito, mas cuja leitura é de fácil compreensão
também para quem não opera o Direito cotidianamente: “Ninguém é obrigado a cumprir
ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial.
Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário,
nega-se o Estado de Direito”.
Obviamente que o caso
em questão não demanda judicialidades e tampouco quem quiser votar no candidato
apoiado oficialmente pelo PT em Curitiba estaria cometendo qualquer
ilegalidade.
Assim como,
evidentemente, o filiado que optar por não votar no referido candidato não deve
ser aterrorizado com a promessa de uma fogueira inquisitória.
A questão é política e
se situa, portanto, na esfera principiológica, ética e, por que não dizer?, em
camadas da esfera moral.
Ainda que haja quem
defenda que fazer campanha ou votar em Luciano Ducci para prefeito de Curitiba
não seja uma obrigação política, mas que, mesmo assim, a decisão majoritária
vincula todos os filiados, eu ouso questionar e desobedecer.
Ninguém é obrigado a
ter vínculo com uma decisão partidária que implica em apoiar candidatura que
reflita mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.
Maiores e mais
profundas discussões a respeito de como chegamos a este momento de aparência
irracional, devem ser entabuladas em momento oportuno de avaliação partidária,
posterior ao pleito municipal de 2024, em plenária ampla e aberta à toda a
militância, pois o PT é o conjunto de todos os seus filiados, e não apenas a
sua direção majoritária.
Este entendimento não
expressa qualquer posição no âmbito da tendência política que integro dentro do
Partido dos Trabalhadores. É minha compreensão pessoal.
E, tal como cantava o
genial Belchior em ”Como o Diabo Gosta”: Sempre desobedecer, nunca
reverenciar!
Fonte: Viomundo
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