Rubem Valente: ‘De cemitério ilhado por
soja e milho a escola poluída - as marcas do agro em Belterra’
Belterra, um pequeno
município no sudoeste do Pará com 18 mil habitantes localizado perto do rio
Tapajós e da rodovia BR-163, a 49 km de Santarém, vive o boom do
agronegócio. Seus defensores falam que é necessário para o desenvolvimento do
município, cujas raízes remontam a 1934, quando a companhia do bilionário
norte-americano Henry Ford (1863-1947) construiu um vilarejo a fim de explorar
os seringais da região. Poucos anos depois, o negócio deu errado e foi
abandonado. Agora vastas áreas de soja e milho começam a dominar a paisagem
antes marcada por florestas fechadas e árvores imensas. É como uma replicação
do que ocorreu na zona rural de inúmeros municípios do vizinho Mato Grosso. “Aqui
é um ou dois que são contra a agricultura. Esquerdistas. Mas eu não tenho nada
contra a esquerda também não. Se não tivesse a esquerda, não tinha graça
também”, disse à Agência Pública o vereador Sérgio Cardoso de Campos
(MDB), 67 anos, o Serjão, segundo mais votado na cidade em 2020,
ele próprio ligado a um grupo empresarial que opera seis fazendas na região, a
família Menolli.
Campos é um dos
principais apoiadores da campanha à reeleição do prefeito Ulisses José Medeiros
Alves (MDB), 48 anos, em coligação com Republicanos, PSB e Avante. O único
outro candidato a prefeito é o ex-deputado estadual Antonio Rocha (PP), em uma
coligação que, a exemplo de Santarém, faz uma salada ideológica que junta a direita do
União Brasil com PT, PCdoB e PV. A
esquerda quase inexiste em Belterra. Rocha, 70 anos, construiu sua carreira na
política, mas passou a ser empresário de navegação e hotelaria, declarando
agora um patrimônio pessoal de R$ 5,9 milhões. Ele também é um produtor rural,
tendo declarado 1.903 cabeças de bovinos e bubalinos, uma fazenda e um trator.
Até o início de 2024, Rocha estava no MDB, do qual saiu para enfrentar Ulisses.
Seu vice é do PT. As duas campanhas majoritárias passam ao largo das discussões
sobre as consequências da chegada da monocultura à região.
O olhar mais
detalhado, contudo, mostra como o agronegócio traz uma nova realidade bem mais
problemática em Belterra. Desde 2016, segundo professoras ouvidas
pela Pública, já são inúmeras as denúncias de que agrotóxicos aplicados
por fazendas invadem salas de aula de uma escola municipal hoje cercada por
plantações de soja. O episódio mais recente ocorreu em junho, quando
professores e alunos relataram náuseas e coceiras pelo corpo. A poucos
quilômetros dali, uma antiga comunidade de pequenos produtores rurais chamada
Tracuá hoje praticamente sumiu do mapa. A maioria dos moradores vendeu a terra
para fazendeiros da monocultura. Nem o pequeno cemitério usado pela
comunidade, o Santa Isabel, passou incólume: agora está inteiramente cercado
por um milharal, com pés de milho plantados a poucos centímetros das covas.
Moradora de uma
comunidade ao lado da Tracuá, a Morada Nova, a pequena agricultora Ivanilde
Silva disse que mora ali há 50 anos e presenciou o esvaziamento da região nos
últimos anos. “Essa comunidade aí [Tracuá] se acabou. Aqui tá sendo quase igual
lá. Aqui também tá se acabando o pessoal. Aqui tinha muita gente, moço. Gente,
gente, gente. Venderam tudinho pros gaúchos. Eu acho que tinha uns
300, 400 moradores aqui. Hoje não dá cem”, disse a moradora. No lugar está
agora “uma só fazenda, um só vaqueiro”. Mas por que eles venderam? “Pra sair
daqui, pensando que lá na beira do asfalto ia ser melhor. Entendeu? Eu não sei
se ficou melhor pra ir lá.” Ela tem uma pequena roça de mandioca, mas não sabe
se vai vingar. O desmatamento, disse a moradora, está tornando a região mais
seca, com mais incêndios, do que nunca. “Antes não tinha esse calor aqui. Você
vai ver que até em julho a gente colhia feijão. Era chuva [forte]. Agora, os
pés de maniva aí, tudo seco, murcho. Não sabe nem se vai dar batata que a gente
plantou no inverno que passou.”
Sua vizinha, Terezinha
de Jesus Pereira da Silva, disse temer que o rio Tapajós seque. “Porque eu vejo
no jornal que o pessoal está andando longe para pegar água, lá no Amazonas. E
nós aqui ainda estamos em setembro, até chegar dezembro…”
Para as moradoras, a
culpa da seca é dos desmatamentos provocados pelos gaúchos. É como
os paraenses da região denominam os agricultores que vieram do Sul do
país. Muitos, na verdade, vieram de Mato Grosso, onde se estabeleceram há
décadas vindos do Sul. Um estudo de campo feito nas comunidades de Tracuá e
Jenipapo em 2011 e 2012 pelos professores João Santo Nahum, da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), e Paulo Roberto Carneiro da Paixão Júnior, da
Universidade Federal do Pará (UFPA), detectou que “eram aproximadamente 60
famílias que viviam na localidade de Jenipapo e 40 na de Tracuá antes que o
agronegócio da soja chegasse” à região.
“Até 2012, somente
duas permanecem em Tracuá […]; em Jenipapo, dez, compostas, em sua maioria, por
anciões solitários. Foram três, considerados produtores pequenos, que compraram
as terras dos camponeses em Jenipapo e apenas um, considerado grande, em Tracuá.”
O estudo mencionou as diversas dificuldades que as famílias pequenas produtoras
enfrentavam para seguir vivendo nessas comunidades, como a ausência de energia
elétrica. Ela só chegou depois, por meio do programa Luz Para Todos.
A Pública ouviu razão semelhante em conversas com moradores de
Belterra.
·
Escola sofre com
contaminação por agrotóxicos
A monocultura vai
comendo espaços em todos os lados de Belterra, com consequências diversas. Na
escola municipal Professora Vitalina Motta, que fica bem ao lado da rodovia
BR-163, o avanço do agronegócio ganha contornos dramáticos e põe em alerta toda
a comunidade escolar. Hoje a escola atende cerca de 130 alunos de 6 a 15
anos de idade, todos provenientes de comunidades da região, como Amapá e
Portão, inclusive filhos de trabalhadores que hoje dependem das fazendas da
monocultura.
A professora Heloise
Rocha, ex-presidente do PSOL de Santarém e ativista sindicalista, foi uma das
duas pessoas citadas pelo vereador Serjão como supostas
críticas ao agronegócio no município. Ela dá aulas na Vitalina há nove anos e
começou a ter contato com o problema por volta de 2016, quando uma infestação
de insetos tomou conta da escola. As aulas tiveram que ser interrompidas porque
os bichos invadiram a caixa-d’água. Tomaram paredes inteiras. Foram necessários
dois dias para limpar tudo. “Nós fomos ouvir os comunitários e eles falaram:
‘Não, isso é normal, é quando eles estão aplicando veneno’, em referência aos
fazendeiros da região. Aquilo não podia ser normal. Como assim, uma escola
infestada? Aquilo já estava normalizado.” Depois desse episódio, segundo a
professora, houve vários outros problemas, como a fuligem que chega à escola
como produto da operação de colheita de grãos e provoca tosses e
coceiras. As coisas ficaram ainda mais sérias em janeiro de 2023, quando uma nuvem de veneno invadiu a escola e as aulas tiveram que ser suspensas. O
agrotóxico fora aplicado por uma máquina agrícola no campo de soja que fica
quase colado ao muro da escola. Em março de 2023, o Ibama anunciou ter multado o
fazendeiro Renato Zambra, vizinho da escola, em R$ 1 milhão pela aplicação
irregular de agrotóxicos.
Em junho passado,
um terceiro episódio de contaminação foi denunciado por professores e alunos da escola, dessa
vez atingindo 33 pessoas. Eles foram atendidos na unidade básica de saúde com
sintomas semelhantes: dor de cabeça, alergias, náuseas e coceiras. “Nesse dia,
a gente sentiu um cheiro muito forte logo pela manhã, logo que a gente chegou à
escola. É um cheiro característico, como o de veneno de barata, de Detefon.” A professora
de geografia Bárbara Leonora Santos Teixeira, que dá aulas na escola desde
2018, presenciou todos os principais surtos de veneno na escola. Ela explicou
como todo o processo de ocupação do território acabou por colocar a escola como
um alvo dos agrotóxicos. “A gente tem uma mudança no padrão de produção aqui na
região. Tanto nessa região, de Belterra, quanto em Santarém e Mojuí, a mudança
ocorreu a partir dos anos 2000. Houve um incentivo tanto do [governo do] estado
quanto de empresários locais que passaram a incentivar essa migração de
produtores de soja, principalmente de Mato Grosso, da região Sul, por conta das
terras que são mais baratas e as características de planalto da nossa região.
Aí a gente começa a ver uma substituição da vegetação natural da região.”
A supressão da
vegetação, conforme a professora, “não dá nem para ser chamada de
desmatamento”, pois “são áreas todas autorizadas, isso tudo acontece com o aval
do Estado”. A professora vê a necessidade de um estudo aprofundado sobre a
contaminação do ar e da água e a saúde dos habitantes da região. “A gente sabe
que não é preciso manipular de fato um agrotóxico para haver a contaminação. O
vento leva a contaminação, há contaminação do solo, da água. Existem estudos
que relacionam áreas de produção agrícola que usam agrotóxico com, por exemplo,
uma incidência maior de casos de câncer. É preciso levantar tudo isso. Outra
situação que a gente observa relacionada à saúde é o número de autistas na
escola. Hoje na escola nós temos um público autista. Em praticamente todas as
turmas, agora temos pelo menos um aluno autista.” A Pública tentou,
na última quinta-feira (19), falar sobre esse e outros assuntos com os dois
candidatos a prefeito de Belterra, mas eles não foram localizados.
¨ A segunda morte dos mortos de Muçum, cidade arrasada por
enchentes no Rio Grande do Sul. Por Amanda Audi
A primeira coisa que
ouvi sobre o cemitério de Muçum foi que corpos enterrados ali há mais de
100 anos haviam sido arrancados da terra à força pela fúria das águas do rio
Taquari, que passa ao lado, nas três enchentes que devastaram a pequena cidade de pouco mais de 4 mil
habitantes em menos de um ano – em setembro e novembro de 2023 e maio de 2024.
Passei pelo cemitério
pela primeira vez à noite, com o farol do carro iluminando os destroços das
lápides e de casas abandonadas — tão vazias que o mato começou a entrar pelas
paredes sem portas nem janelas. O barro do fundo do rio revolvido pelas cheias
também entrou nas casas, formando camadas de cerca de 30 centímetros de altura.
Silencioso, o rio corria nos fundos, no escuro. Na manhã seguinte, a claridade
permitiu enxergar melhor o emaranhado de pedaços de concreto, azulejos, letras
de metal dourado, flores de plástico, santos despedaçados e, também,
provavelmente, pedaços de corpos embaixo de tudo aquilo. Alguns moradores
acreditam que o cemitério ajudou a “amortecer” as sucessivas
enchentes. Por ficar numa curva do rio, onde a água ganha velocidade, a
estrutura teria feito com que as águas não impactassem diretamente o centro da
cidade, onde se concentram as moradias e o comércio. As cheias teriam ocorrido
de qualquer jeito, mas as consequências poderiam ser piores se não fosse a
barreira do cemitério, diz quem vive lá.
Essa visão não passa
de palpite, segundo um especialista. “O cemitério é pequeno comparado com o
rio. O efeito é pequeno e localizado, e pode até ter sido negativo, desviando a
água para a direita, na direção do centro”, afirma Walter Collischonn, professor
de hidrologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
que analisou o curso da água na cidade. Mateus Trojan (MDB), atual prefeito de
Muçum, também acha que o cemitério não teve ligação com a força da água que
chegou ao centro. Na verdade, ele aponta o contrário: por ficar em uma área
aberta, com pouca vegetação densa e construções altas, o cemitério pode ter
ajudado a intensificar a força da água, que passou por ele livremente. “O
contraste entre áreas rurais e urbanas explica a variação na intensidade dos
impactos da enchente em diferentes pontos da cidade”, diz.
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Moradores ainda encontram ossos de quem morreu pelas enchentes
“Às vezes eu ainda
encontro osso. Vou juntando e colocando num ossário, porque não dá para saber
de quem é. A prefeitura vai fazer um memorial para homenagear esses mortos
que não foram embora com a água”, contou Ivete Pegorer, que cuida da manutenção
do cemitério há 15 anos. “Não tem jeito, o corpo boia, a água leva.”
Ela lamenta o estado
em que se encontra a casa, completamente esvaziada. A primeira enchente,
em 2023, levou os móveis, eletrodomésticos, roupas e objetos pessoais. A
família comprou novos, que foram perdidos novamente quando o rio voltou a passar
por cima da casa de dois pisos – só o telhado ficou fora da água.
O restante –
esquadrias, interruptores, revestimentos e até fios elétricos – foi depois
roubado por ladrões. Da casa de quatro quartos que custou R$ 600 mil juntados
pela família por anos, sobrou apenas um box de vidro do banheiro,
milagrosamente intacto, uma boneca, um pacote de café solúvel, balas, uma
escova e pasta de dentes, todos cobertos de lama. “Mas também”, explica
Bellini, a voz de choro, “não tinha como a gente ficar aqui cuidando”.
Logo depois da última
grande enchente, em maio, ela perdeu o pai, o marido e o filho num espaço de 45
dias. O pai, idoso, estava acamado havia 12 anos. Ele foi levado para um
hospital quando começaram rumores de que o nível do rio iria subir. Faleceu 15 dias
depois, de uma infecção na bexiga. O marido, que fazia quimioterapia, descobriu
que o câncer que tinha no ombro havia se espalhado por todo o corpo. Morreu
duas semanas depois. Passados dez dias, o filho Fabrício, de 33 anos, sofreu um
infarto fulminante. Ou seja, em pouco mais de um mês, Bellini ficou sem casa,
sem as suas coisas, e sem família. “Hoje sobrou só eu e minha mãe morando
na casa de parente. Antes essa casa era uma alegria, os adultos trabalhando, as
crianças brincando. Agora não tem ninguém. Não tem nada”, ela limpa uma
lágrima, olhando para a ruína do que foi sua vida. Ela aponta para os destroços
do cemitério, a cerca de cem metros da sua casa. “Minha família tinha um jazigo
ali, mas eles também foram embora”, disse, sobre os corpos que foram levados
pelo rio. “Era para eles ficarem todos juntos.”
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Mortos passaram a ser levados para cidades vizinhas
Depois da enchente de
setembro de 2023, os mortos de Muçum passaram a ser enterrados em outras
cidades da região. Os primeiros foram dez das 15 vítimas daquela cheia,
velados ao mesmo tempo no cemitério da cidade vizinha de Vespasiano Corrêa.
Uma delas foi Zilda
Bonatto Amaral, de 90 anos. No dia da enchente, a água subiu rapidamente e ela
e sua filha ficaram presas. Com o nível da água aumentando, a filha tentou
colocar a mãe em cima de um sofá que estava boiando, mas a idosa acabou
submergindo na água muito fria e não resistiu e faleceu. A filha conseguiu
colocar o corpo da mãe de volta no sofá e passou a madrugada inteira segurando
a mão dela para que não fosse levada pela correnteza.
Ivete Pegorer, a
cuidadora do antigo cemitério de Muçum, conta que há muitas histórias
assustadoras desses dias de enchente – nenhuma sobre assombrações, mas sim os
dramas dos sobreviventes. Ela também perdeu tudo o que tinha duas vezes. Na
noite da primeira cheia, em setembro de 2023, conforme a água foi subindo, ela
e o marido correram para cima de um morro, pela mata, em meio à completa
escuridão. “Eu só ouvia gente gritando, mas não conseguia ver nada”, ela
lembra. “Hoje minha cabeça não funciona direito, eu choro por qualquer coisa,
me tremo toda quando começa a chover. Foi muito susto que a gente passou.”
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Sem pontes, moradores atravessam a pé ponte de 100 metros
Os sucessivos
desastres em Muçum deixaram a cidade arrasada. Mais de 25% da população se
mudou, 500 casas foram destruídas e várias empresas fecharam as
portas. Mais de quatro meses após a última grande enchente, escombros
ainda se acumulam e a população continua assustada. Se você conversar com cem
moradores, ouvirá cem histórias diferentes sobre como foram aqueles dias que
ficaram gravados como um trauma coletivo na cidade. Há uma necessidade de
relatar os momentos de pavor e o medo de novas enchentes, como uma forma de desabafo.
Uma delas é Aline
Drexler, vendedora de erva de chimarrão. Ela passou semanas na casa de parentes
porque a sua alagou. Perdeu o que tinha dentro, até os documentos, tanto em
setembro como em maio. A conversa aconteceu enquanto ela atravessava a pé os
trilhos de trem da ponte que liga Muçum ao município de Roca Sales, a mais de
100 metros de altura no ponto mais alto. “São 77 degraus para subir e 77 para
descer. Eu sei porque faço esse trajeto todo dia”, ela diz. Ali funcionava um
dos principais atrativos turísticos do Rio Grande do Sul, o Trem dos Vales, que
cruza 46 quilômetros entre Muçum e Parobé. O trem passava por túneis e
viadutos históricos, como o Viaduto do Exército Brasileiro, conhecido como V13,
o mais alto da América Latina, com 143 metros de altura. O trajeto foi
desativado e os trilhos passaram a ser usados para a locomoção de pessoas a pé
desde que as outras pontes de Muçum ruíram. “Dá medo, principalmente quando tem
que passar por cima do rio. Não tem proteção, bate vento e eu já me imagino caindo
lá embaixo”, diz Drexler. “Mas essa ponte salvou muita gente. Na enchente, as
pessoas subiram aqui pra fugir da água. Você olhava e via um monte de barraca e
gente acampada até o barro baixar.”
A cidade tem o apelido
de “Princesa das Pontes”, mas agora só resta o velho trilho de trem. As
outras ainda estão sendo reconstruídas. A principal, Brochado da Rocha, deve
ser concluída até o fim do ano, segundo a prefeitura.
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Eleições trazem a promessa de um novo cemitério para Muçum
Enquanto as
construções abandonadas se multiplicam por Muçum, os habitantes que decidiram
ficar começaram a incorporar um elemento novo às suas casas: placas grossas de
metal nas paredes voltadas para onde passa o rio, uma maneira de fortificar os
alicerces e evitar que elas sejam levadas pela próxima enchente. As ruas,
porém, foram limpas rapidamente, e o plano de reconstrução das pontes também
foi anunciado com celeridade. As medidas foram visíveis para a população, que
acredita que o prefeito Mateus Trojan fez o que tinha que fazer. “A enchente ia
acontecer de qualquer jeito, ele não podia fazer nada. Mas pelo menos ele está
tomando providências”, comenta o aposentado Eli Picoli.
A reconstrução da
cidade se tornou o principal tema das eleições deste ano, como
esperado. Trojan, de apenas 29 anos, concorre à reeleição focando a
campanha nas ações para evitar novas calamidades. Suas redes sociais são
inundadas de vídeos do prefeito anunciando obras e comunicando o andamento dos
pedidos de ajuda que fez aos governos federal e do estado. Um dos trunfos foi
conseguir encerrar os abrigos após dois meses da enchente de maio, a mais
violenta, realocando os desabrigados em novos imóveis com recebimento de
aluguel social.
O prefeito considera
que as mudanças climáticas são um tema “urgente e muito
delicado”. “Precisa ser tratado com prioridade em todas as esferas. Nós
trabalhamos isso no nosso plano de governo, através de proposições que incluem,
por exemplo, a educação ambiental”, afirmou. Ele propõe realocar 350 famílias
para locais seguros, desassorear o rio e construir diques secos, melhorar
sistemas de alerta e monitoramento, fortalecer a Defesa Civil e investir em
educação ambiental para gerar uma “transformação coletiva no senso de risco e
na capacidade de reação aos eventos extremos, capacitar líderes e cidadãos para
atuarem durante os momentos de crise”. Seu adversário é Marcos Bastiani (PSDB),
que exerce o primeiro mandato como vereador e exalta a experiência de mais de
40 anos como engenheiro civil com obras em Muçum. Bastiani e Trojan
protagonizaram debates respeitosos e suas propostas de governo são bem
parecidas. O opositor, porém, é contrário à ideia de realocar todos os
moradores de áreas de risco. Ele acredita que seria melhor reforçar as
construções já existentes e criar barreiras de contenção.
Sobre o cemitério,
porém, os dois concordam que deve ser construído definitivamente em algum lugar
longe da fúria das águas do Taquari. Um novo cemitério, distante 3 quilômetros
do antigo e em um local a que a água do rio (provavelmente) não chega, deve ser
inaugurado depois das eleições. Ainda não há uma data específica, segundo o
prefeito. “Está na fase de finalização de trâmites burocráticos e elaboração
dos projetos ambientais, para então, em breve, iniciar a limpeza da área e
depois as obras de fato”, afirma Trojan. “O rio para mim era uma alegria, hoje
é só tristeza. Antigamente era a coisa mais linda, as pessoas vinham para cá
acampar, puxavam energia do cemitério e montavam suas barracas. A gente sentava
ali na beirada no fim de tarde, levava pipoca, chimarrão. Agora, olha pra
isso”, disse Cleuza Bellini, apontando o cemitério destroçado. Hoje, o rio, que
durante a cheia estava cor de barro, retornou à tonalidade esverdeada. Ele se
recuperou aos poucos, mas Muçum ainda está no processo.
Fonte: Agencia Pública
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