Qual
a origem da rivalidade entre Israel e Irã
Os ataques do Irã contra Israel nesta
terça-feira (01/10) são os episódios mais recentes de uma antiga rivalidade
entre os dois países.
Israel e Irã
protagonizam há anos uma disputa sangrenta que virou uma das principais fontes
de instabilidade no Oriente Médio e cuja intensidade varia de acordo com o
momento geopolítico.
Para Teerã, Israel não
tem o direito de existir. Os governantes iranianos consideram o país o
"pequeno Satanás" — o aliado no Oriente Médio dos Estados Unidos, que
chamam de "grande Satanás".
Já Israel acusa o Irã
de financiar grupos "terroristas" e de realizar ataques contra seus
interesses, movidos pelo antissemitismo dos aiatolás.
A rivalidade entre os
"arqui-inimigos" já fez um grande número de mortos, muitas vezes em
ações secretas em que nenhum dos governos admite sua responsabilidade.
E a guerra em Gaza só
fez as coisas piorarem.
·
Como começou a
rivalidade entre Israel e Irã
As relações entre
Israel e o Irã foram bastante cordiais até 1979, quando a chamada Revolução
Islâmica dos aiatolás conquistou o poder em Teerã.
Embora tenha se oposto
ao plano de fatiamento da Palestina que resultou na criação do Estado de Israel
em 1948, o Irã foi o segundo país islâmico a reconhecer Israel, depois do
Egito.
O Irã era uma
monarquia na qual reinavam os xás da dinastia Pahlavi e um dos principais
aliados dos Estados Unidos no Oriente Médio.
Assim, o fundador de
Israel e seu primeiro chefe de governo, David Ben-Gurion, procurou e conseguiu
a amizade iraniana como forma de combater a rejeição de seus vizinhos árabes ao
novo Estado.
Mas a Revolução de
Ruhollah Khomeini, em 1979, derrubou o xá e impôs uma república islâmica que se
apresentava como defensora dos oprimidos e tinha como principais marcas a
rejeição ao "imperialismo" americano e a Israel.
O novo regime dos
aiatolás rompeu as relações com Israel, deixou de reconhecer a validade do
passaporte de seus cidadãos e tomou posse da embaixada israelense em Teerã para
cedê-la à Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que então liderava
a luta por um Estado palestino, contra o governo israelense.
Alí Vaez, diretor do
Programa para o Irã do International Crisis Group, um centro de análise, disse
à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que "a aversão a Israel
foi um pilar do novo regime iraniano porque muitos de seus líderes haviam treinado
e participado de ações de guerrilha com palestinos em lugares como o Líbano e
tinham uma grande simpatia por eles".
Além disso, acredita
Vaez, "o novo Irã queria se projetar como uma potência pan-islâmica e
levantou a causa palestina contra Israel, que os países muçulmanos árabes
tinham abandonado".
Assim, Khomeini
começou a reivindicar a causa palestina como sua própria. E grandes
manifestações pró-Palestina, com apoio oficial, tornaram-se habituais em Teerã.
Vaez explica que em
Israel "a hostilidade ao Irã só começou mais tarde, na década de 1990,
porque antes o Iraque de Saddam Hussein era percebido como uma maior ameaça
regional."
Tanto é que o governo
israelense foi um dos mediadores que tornou possível o chamado Irã-Contra, o
programa pelo qual os Estados Unidos desviaram armamento para o Irã, para que
usassem na guerra contra o vizinho Iraque, entre 1980 e 1988.
Mas, com o tempo,
Israel começou a ver no Irã um dos principais perigos para sua existência. E a
rivalidade entre os dois passou das palavras para os fatos.
·
Uma 'guerra nas
sombras'
Vaez lembra que o
regime iraniano enfrentava também a Arábia Saudita, outra grande potência
regional, e tinha consciência de que o Irã é persa e xiita — em um mundo
islâmico maioritariamente sunita e árabe.
"O regime
iraniano percebeu seu isolamento e começou a desenvolver uma estratégia
destinada a evitar que seus inimigos pudessem um dia atacá-lo em seu próprio
território", explica o especialista.
Assim, proliferou uma
rede de organizações alinhadas a Teerã que realizavam ações armadas favoráveis
aos seus interesses.
A libanesa Hezbollah,
listada como terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia, é a mais
proeminente. Hoje, o chamado "eixo da resistência" iraniano se
estende pelo Líbano, Síria, Iraque e Iêmen.
Israel não ficou de
braços cruzados e trocou com o Irã e seus aliados ataques e outras ações
hostis, muitas vezes em outros países, onde financia e apoia grupos armados que
combatem os pró-iranianos.
O estado da relação
entre o Irã e Israel foi descrito como uma "guerra nas sombras", na
qual ambos já realizaram ataques mútuos sem que, em muitos casos, nenhum dos
governos tenha admitido oficialmente sua participação.
Em 1992, o grupo Jihad
Islâmico, próximo ao Irã, atacou a embaixada israelense em Buenos Aires,
provocando 29 mortes.
Pouco antes, o líder
do Hezbollah, Abbas al-Musawi, tinha sido assassinado em um atentado amplamente
atribuído aos serviços de inteligência de Israel.
Para Israel, sempre
foi uma obsessão minar o programa nuclear iraniano e evitar que chegue o dia em
que os aiatolás tenham armas nucleares.
Em Israel não se
acredita que o programa nuclear iraniano tenha apenas fins civis. E é
amplamente aceito que foram os serviços israelenses que, em colaboração com os
Estados Unidos, desenvolveram o vírus de computador Stuxnet, que causou sérios
danos às instalações nucleares iranianas na primeira década de 2000.
Teerã também denunciou
a inteligência israelense como responsável pelos atentados contra alguns dos
principais cientistas encarregados de seu programa nuclear.
O caso mais conhecido
foi o assassinato em 2020 de Mohsen Fakhrizadeh, considerado o principal
responsável pelo programa. Mas o governo israelense nunca aceitou a acusação de
seu envolvimento nas mortes de cientistas iranianos.
Israel, junto a seus
aliados ocidentais, acusam o Irã de estar por trás dos ataques com drones e
foguetes sofridos em seu território no passado, assim como de ter realizado
vários ataques cibernéticos.
Outro motivo de
confronto foi a guerra civil desencadeada na Síria a partir de 2011.
A inteligência
ocidental aponta que o Irã enviou dinheiro, armas e instrutores para apoiar as
forças do presidente Bashar Al-Assad contra os insurgentes que tentavam
derrubá-lo.
Isso disparou o alerta
em Israel, que acredita que a vizinha Síria é uma das principais rotas por onde
os iranianos enviam armamentos e equipamentos para o Hezbollah no Líbano.
De acordo com o portal
de inteligência americano Stratfor, tanto Israel quanto o Irã realizaram ações
na Síria destinadas a dissuadir o outro de lançar um ataque em larga escala.
Em 2021, a
"guerra nas sombras" chegou ao mar quando Israel apontou o Irã como
responsável pelos ataques contra navios israelenses no Golfo de Omã. E o Irã,
por sua vez, acusou Israel de atacar seus navios no Mar Vermelho.
·
Reação em cadeia
Desde os ataques de 7
de outubro de 2023 realizados pelo Hamas contra Israel e a reação militar
massiva lançada pelo Exército israelense em Gaza, analistas e governos de todo
o mundo expressaram preocupação de que o conflito pudesse provocar uma reação em
cadeia na região — e um confronto aberto e direto entre iranianos e
israelenses.
Em 1º de abril deste
ano, um ataque aéreo israelense ao consulado do Irã na Síria matou dois
generais de alto escalão.
No que pareceu uma
retaliação, o Irã atacou Israel com drone e mísseis em 13 abril.
Agora, nesta terça, a
Guarda Revolucionária do Irã descreveu o ataque com mísseis como retaliação
pelo assassinato em julho do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, assim como do
líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, na sexta-feira (27/9) — e também pelo
assassinato de libaneses e palestinos.
No Líbano, o conflito
com o Hezbollah se intensificou em meados de setembro, quando quando ocorreram
explosões de pagers e walkie-talkies usados pelo Hezbollah, matando mais de 30
pessoas e deixando mais de 2 mil feridos.
Israel foi acusado
pela ação, mas não negou nem confirmou a autoria.
Poucos dias depois, o
sul do Líbano passou a ser fortemente bombardeado por Israel.
Autoridades libanesas
dizem que mais de mil pessoas foram mortas nas últimas duas semanas em meio aos
ataques de Israel, e até 1 milhão de pessoas precisaram deixar suas casas.
• 'Eixo da Resistência': conheça a aliança
da qual fazem parte Hezbollah e Irã
As Forças de Defesa de
Israel (IDF, na sigla em inglês) anunciaram uma operação "limitada"
por terra contra alvos do grupo extremista Hezbollah no Líbano. A ação foi
deflagrada na madrugada de terça-feira (1º), pelo horário local —noite de segunda-feira
(30), no Brasil.
O Hezbollah é um dos
integrantes de um grupo chamado de Eixo da Resistência, apoiado pelo Irã.
Além do Hezbollah e do
Irã, fazem parte do eixo o os Houthis e grupos armados xiitas no Iraque e na
Síria.
<<<< Veja,
a seguir, como esses grupos surgiram.
<><> Hamas
O Hamas é a maior
organização islâmica nos territórios palestinos. Ele faz parte de uma aliança
regional que inclui o Irã, a Síria e o grupo islâmico xiita Hezbollah.
O nome em árabe é um
acrônimo para Movimento de Resistência Islâmica, que teve origem em 1987 após o
início da primeira intifada palestina contra a ocupação israelense da
Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
Ele é considerado
terrorista por Israel , assim como pelos Estados Unidos, Reino Unido e União
Europeia.
O grupo não aceita as
condições propostas pela comunidade internacional: reconhecer Israel, aceitar
os acordos anteriores e renunciar à violência.
O grupo tem um braço
político e também atua com operações militares. Desde 2007, o Hamas passou a
controlar a Faixa de Gaza.
<><>
Hezbollah
O Hezbollah, que
significa "Partido de Deus", é um grupo extremista criado no Líbano
no começo dos anos 1980 com o objetivo de lutar contra as forças israelenses
que haviam invadido o país.
O Hezbollah também é
um partido político legítimo –eles participam das eleições parlamentares e têm
seus deputados.
Atualmente, o grupo é
conhecido pela força militar, pela influência política e pelo alinhamento ao
Irã. Além disso, o Hezbollah também controla algumas partes do território
libanês.
Ao longo dos anos, o
Hezbollah serviu de modelo para outros grupos apoiados pelo Irã no Oriente
Médio, inclusive fornecendo ajuda e treinamento.
O grupo tem realizado
ataques constantes contra alvos israelenses na fronteira entre o Líbano e
Israel desde outubro de 2023.
O Hezbollah diz que os
ataques conduzidos pelo grupo ajudaram a desgastar o Exército de Israel. Por
outro lado, libaneses e israelenses que moram na região foram forçados a deixar
as próprias casas em busca de segurança.
Os Estados Unidos e
alguns países aliados consideram o Hezbollah como uma organização terrorista.
<><>
Houthis
O grupo rebelde Houthi
conseguiu o controle de áreas do Iêmen durante uma guerra civil que começou no
país em 2014. À época, os houthis tomaram a capital Sanaa e derrubaram o
governo do país, que fazia oposição ao Irã.
O conflito no Iêmen
levou a Arábia Saudita a intervir na região, apoiando o governo que havia sido
deposto pelo grupo rebelde. Os sauditas também acusaram o Irã de armar, treinar
e financiar os houthis.
Em outubro de 2023, os
houthis entraram no conflito entre Israel e o Hamas disparando foguetes contra
o território israelense.
Nas semanas seguintes,
o grupo passou a atacar navios no Mar Vermelho com o objetivo de atingir
Israel. Isso prejudicou e trouxe insegurança à rota de navegação mais curta
entre a Europa e a Ásia.
Os ataques em alto mar
levaram os Estados Unidos e o Reino Unido a bombardear alvos do grupo rebelde
no Iêmen, em janeiro deste ano.
<><>
Resistência Islâmica no Iraque
Grupos xiitas ligados
ao Irã ganharam força no Iraque após o país ser invadido pelos Estados Unidos
em 2003. Esses grupos desenvolveram milícias com milhares de combatentes.
Em outubro do ano
passado, uma união de grupos chamada Resistência Islâmica no Iraque fez ataques
contra forças militares norte-americanas instaladas no Iraque e na Síria.
O objetivo da
resistência com os ataques seria uma resposta aos bombardeios de Israel na
Faixa de Gaza, além das operações militares norte-americanas em solo iraquiano.
No fim de janeiro
deste ano, três soldados americanos morreram e pelo menos 40 ficaram feridos em
um ataque com drones do grupo na Jordânia, perto da fronteira com a Síria.
A Casa Branca afirmou
que o Irã estava por trás dessa e de outras operações. Já o governo iraniano
negou a acusação.
Em 1º de abril, a
Resistência Islâmica no Iraque reivindicou a responsabilidade por um ataque
aéreo em Eilat, em Israel.
<><> Síria
O governo sírio
liderado pelo presidente Bashar al-Assad faz parte do Eixo de Resistência.
Apesar de ainda não
ter desempenhado nenhum papel direto no conflito entre Israel e o Hamas, a
Síria tem sido usada como palco para uma escalada de tensões.
Tanto milícias
apoiadas pelo Irã quanto o próprio Exército de Israel já fizeram ataques contra
alvos inimigos dentro da Síria.
Além disso, o ataque
do Irã contra Israel em abril foi motivado por um bombardeio israelense contra
o consulado iraniano em Damasco — que provocou a morte de um importante membro
da Guarda Revolucionária do Irã.
Fonte: BBC News
Mundo/DW Brasil
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