Neurônios em dia: Chegaremos ao ponto de
dizer que todo mundo é portador de pelo menos uma doença?
O termo medicalização
define o fenômeno em que um comportamento ou uma condição física ou mental
passa a ser tratado como se fosse um problema médico, recebendo um rótulo de
doença e opções de tratamento.
O centro da discussão
quando se fala em medicalização é a força da indústria farmacêutica nesse
processo que impulsiona a sociedade civil, profissionais de saúde, órgãos do
governo e a mídia a retroalimentarem a cultura de que todo organismo vivo da
espécie sapiens, a princípio, deve ter alguma doença ou precisa de algum
remédio. Todos esses atores podem contribuir de alguma forma para esse
fenômeno.
Nos EUA, a publicidade
de medicações acontece de forma direta com os consumidores com inserções do
tipo: “Se você está se sentindo desanimado, pode ser que este antidepressivo
seja indicado no seu caso. Converse com seu médico sobre isso”. Calcula-se que
cada dólar gasto em publicidade direta ao consumidor dê um retorno de mais de
quatro dólares em vendas.
No Brasil, a Anvisa
não permite essa abordagem direta e, por isso, o trabalho das indústrias
farmacêuticas junto aos médicos deve ser ainda mais intenso para alcançar as
metas de vendas, pois são eles que estão na linha de frente. A publicidade
dirigida aos médicos inclui as visitas de representantes para oferecer amostras
grátis dos últimos lançamentos, propaganda de seus produtos em periódicos
destinados à classe médica e patrocínio de eventos científicos.
Grande parte dos
médicos especialistas que fazem parte dos painéis que definem os critérios
diagnósticos das doenças tem conflitos de interesse. Esses conflitos não são só
financeiros, mas também intelectuais, pois o médico pesquisador tem a tendência
de querer proteger seus “filhotes científicos”. Uma política exemplar tem o
Instituto Nacional de Saúde nos EUA que não permite que o médico que tenha
conflitos de interesse com a indústria farmacêutica participe dos painéis
decisórios, até mesmo aqueles que simplesmente já tenham declarado um
posicionamento intelectual sobre a questão em consideração.
É importante também
levar em consideração que o processo de decisão daquilo que é doença e que não
é doença pode ser muito mais rico quando a discussão não fica limitada apenas a
médicos. A sociedade civil e representantes de tantas outras áreas do
conhecimento, como as ciências sociais, são muito bem-vindos nesse debate.
• Dormir bem reequilibra a atividade dos
neurônios
A ciência do sono e da
memória deu mais um passo com uma descoberta da Universidade Cornell, nos
Estados Unidos, que esclarece como o cérebro processa e consolida memórias
enquanto dormimos. O novo estudo, publicado na revista Sciente, revela um
mecanismo crucial pelo qual o hipocampo – uma região vital para o que lembramos
— reequilibra sua atividade neural durante o sono, um processo fundamental para
a preservação e estabilização do que deve ser guardado.
O estudo, liderado por
Azahara Oliva, professora assistente de neurobiologia e comportamento,
identificou uma nova atividade neuronal durante o sono, conhecida como
barragens de potenciais de ação, ou BARR. Essas BARRs desempenham um papel
essencial no reequilíbrio da rede neural do hipocampo, facilitando a
consolidação da memória.
Durante a fase de sono
sem movimento rápido dos olhos (NREM), os neurônios do hipocampo exibem rajadas
curtas de atividade de disparo chamadas ondulações de ondas agudas (SWRs).
Esses padrões são conhecidos por serem essenciais para a fixação da memória. O
novo estudo revelou que um subconjunto específico de células piramidais CA2 no
hipocampo dispara longas barragens de potenciais de ação durante o sono NREM.
Essas BARRs ajudam a regular a atividade neuronal no hipocampo, promovendo um
nível equilibrado de reativação, que é crucial para a formação de lembranças de
longo prazo.
A equipe usou
eletrofisiologia em larga escala para examinar a atividade neuronal em várias
áreas do hipocampo de camundongos e ratos durante tarefas de aprendizado e
durante o sono. Eles descobriram que, após o aprendizado, os neurônios CA1, que
haviam aumentado sua atividade enquanto realizava as ações, foram inibidos por
essas barragens.
Interromper os BARRs
usando manipulação optogenética levou a um desempenho prejudicado na memória,
sugerindo que um equilíbrio adequado de reativação neuronal é fundamental para
a fixação da memória.
Heitor Éttori, médico
fundador e medical board da Neurogram e mestre em neurofisiologia e
neuromonitoramento Intraoperatório pela Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), detalha que os principais mecanismos neurobiológicos que levam à
consolidação da memória durante o sono incluem a reativação neuronal, que
envolve ondas lentas com capacidade de atingir regiões cerebrais distantes.
"Além disso, as oscilações de frequência cerebral facilitam tanto na
transferência de informações elétricas do hipocampo para demais regiões, como
na reativação de memória dentro do próprio hipocampo."
Segundo Éttori, a
plasticidade neuronal também facilita a consolidação da memória. "Os
sonhos também estão relacionados a esses processos. Teorias sugerem que eles
ajudam o cérebro a digerir informações do dia anterior ou a se preparar para
novos eventos. A reativação de memórias recentes no hipocampo para promover o
armazenamento em regiões corticais pode ocorrer durante os sonhos."
Além das implicações
para a compreensão da consolidação da memória, os autores acreditam que essas
descobertas podem ter aplicações significativas em áreas como o tratamento de
distúrbios que afetam a lembrança, incluindo a doença de Alzheimer e o transtorno
de estresse pós-traumático. A pesquisa sugere ainda que a manipulação desses
canais pode ser uma via promissora para o desenvolvimento de novas terapias.
Sergio Jordy,
neurologista da Rede D'or, em São Paulo, acredita que, no futuro, haverá
medicamentos que induzam o estado regenerativo das células que acontece
naturalmente no sono. "É um campo de pesquisa que ainda vai precisar de
bastante evolução para conseguirmos um tratamento efetivo para essas doenças.
Eventualmente vamos conseguir produzir um descanso desses neurônios de forma
induzida, isso talvez possa ajudar a melhorar o metabolismo de alguma
forma."
"Durante esse
momento, o cérebro é preparado para as memórias do dia seguinte. Atualmente
temos compreendido melhor os mecanismos de algumas áreas cerebrais,
principalmente as do hipocampo. A partir do momento em que você compreende
esses processos, você pode atuar sobre essas áreas", frisou o
especialista.
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Hobbies dão equilíbrio à saúde mental
O impacto das artes e
dos hobbies na saúde mental ganhou destaque com um novo estudo publicado, hoje,
na revista Frontiers in Public Health. A pesquisa sugere que se engajar em
atividades criativas pode ter um efeito positivo significativo no bem-estar, o
que é uma maneira acessível de melhorar a saúde mental pública.
Helen Keyes, cientista
da Anglia Ruskin University, na Grã-Bretanha, e principal autora do estudo,
afirma que o artesanato e outras atividades artísticas mostraram um efeito
significativo na previsão da sensação das pessoas de que sua vida vale a pena. "De
fato, o impacto do artesanato foi maior do que de estar empregado." Ela
acrescentou que as artes manuais oferecem uma sensação de realização e uma via
importante para a autoexpressão, algo que nem sempre é alcançado por meio do
trabalho.
A análise focou em
como atividades criativas, de baixo custo e amplamente acessíveis, podem
contribuir para minimizar a solidão e aumentar o bem-estar. Os cientistas
usaram uma amostra de 7.182 participantes, o que permitiu avaliar o impacto
geral das artes criativas, além de ofícios específicos, e entender a eficácia
dessas atividades fora de um ambiente clínico controlado.
Os participantes foram
questionados sobre suas sensações de felicidade, ansiedade, satisfação com a
vida e a frequência com que se sentiam solitários. A pesquisa revelou que 37,4%
dos entrevistados haviam participado de atividades de artesanato no último ano.
Aqueles que se envolveram em artes e hobbies relataram maiores níveis de
felicidade e satisfação, além de uma impressão mais forte de que a vida vale a
pena. (I.A.)
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Coleta seletiva no cérebro
"O cérebro é como
um computador, o HD enche, mas conseguimos continuar aprendendo mesmo idosos
porque ele não apenas reorganiza informações, mas também joga fora aquilo que
não é necessário a longo prazo. A gente acorda bem em alguns momentos para adquirir
novas informações e, em outros momentos, não tão bem, isso tem a ver com o
silenciamento de área do hipocampo. O hipocampo é divido e a área de entrada de
informações no sono profundo é esse local de ondas lentas, elas se refazem, se
reorganizam, é como uma limpeza, mandando o que deve ser armazenado e
consolidado e o que deve ser deletado." - Andrea Bacelar, neurologista,
diretora da Associação Brasileira do Sono (ABS)
Fonte: Correio
Braziliense
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