Elizabeth Lopes: ‘Por onde anda a
democracia brasileira?’
A democracia
brasileira sofre recaídas e oscilações. Essa debilidade se evidencia com maior
ou menor intensidade no país, a partir de condições estruturais ou conjunturais
que as precipitam. Desde a ditadura militar que dominou o país por 21 anos
estamos na corda bamba em nosso incipiente ambiente democrático.
Em períodos de eleição
a situação se agudiza como sintoma dessa fragilidade. Entretanto, onde residem
as causas do recrudescimento sazonal de nossa democracia? Na tentativa de
refletir sobre o tema é necessário que façamos uma incursão nas configurações históricas,
sociais, políticas e ético culturais que perpassam o fenômeno democrático num
país emergente, mas mergulhado num sistema capitalista periférico e agressivo,
onde as contradições emergem em cada composição da sociedade civil e política.
Desde o fim do período
imperial, com a proclamação da República em 1889, o país tem mergulhado em
algumas fases ditatoriais, com suspensão de eleições, retiradas de direitos
fundamentais, interferências e controle das instituições, convulsões internas,
engendramentos do imperialismo norte americano nos destinos do país.
O pessimismo da razão
e o otimismo da vontade reuniu, em certa medida, as classes antagônicas pela
interrupção do período da ditadura militar iniciado em 1964. De um lado, a
ditadura deixava de ser vantajosa ao poder econômico dominante, de outro os
movimentos sociais, os trabalhadores e demais segmentos progressistas da
sociedade mergulharam profundamente ao longo das duas décadas da ditadura, na
luta pelo fim do período cruel de opressão, perseguição, censura, mortes,
torturas e de absoluta falta do direito de ir e vir e de se expressar.
A enorme crise
econômica com o empobrecimento cada vez maior da população desvelava a
verdadeira face da imagem habilmente construída pela burguesia do milagre
econômico. Essa realidade produziu nos trabalhadores a indignação pelas
precárias condições de vida, de saúde e de trabalho, mobilizando-os na busca de
seus direitos sociais. O velho Karl Marx nos ensinou que é necessário que os
dominados não suportem a situação de dominação para reagirem. Esse combustível
de indignação e insuportabilidade moveu a luta pela democracia, por uma
sociedade livre do jugo ditatorial e por políticas públicas que pudessem
atender, entre outras, as necessidades de trabalho, de educação e saúde da
população, numa perspectiva analítica de seus determinantes sociais. Assim eclode
a fase da redemocratização com todas as mazelas recorrentes de um período
democrático pendular até o presente momento.
Nesse horizonte
democrático caótico, a fragilidade se expressa em candidaturas autoritárias,
relapsas e absolutamente distantes de proposições verdadeiramente progressistas
que respondam às necessidades dos estratos sociais menos favorecidos. O povo
marginalizado pela alienação que o cega, mergulha em promessas ilusórias dos
falsos encantadores não de animais, mas de pessoas ingênuas e desprovidas de
qualquer criticidade da plena consciência de sua real materialidade de vida e
de suas inúmeras carências.
As pesquisas têm
demonstrado a opereta dos horrores nas eleições municipais relatada no texto
que escrevi na semana passada em todas as regiões do país.
Na cidade de São Paulo
o cenário é triste e preocupante com Pablo Marçal e seu histórico de vida nada
recomendável. Este candidato tem se mantido com uma boa pontuação nas pesquisas
de intenção de votos. Em Porto Alegre o atual prefeito Sebastião Melo, o falso
capial, desponta no ranking eleitoral com uma inacreditável vantagem sobre as
candidatas progressistas, Maria do Rosário e Juliana Brizola. Ironicamente no
decorrer da semana a natureza provou mais uma vez o abandono da cidade por
Melo, novamente alagada pela absoluta falta de infraestrutura contra enchentes.
No Rio de Janeiro, apesar da situação estar mais tranquila, o candidato da
extrema direita, delegado Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin conhecido por
suas práticas irregulares nessa agência, cresce na disputa pela administração
da cidade, certamente apoiado pelos milicianos, amigos e aliados da família
bolsonaro.
É imprescindível que a
população pense com seriedade sobre a historicidade da democracia brasileira,
na medida em que candidatos assustadores figuram na liderança a cargos
municipais importantes que impactarão a vida dos brasileiros. Estas figuras
grotescas não apresentam propostas que beneficiem as condições materiais de
existência, sobretudo, da população desvalida. Para permanecerem no poder eles
aliam-se à parte podre da elite econômica, cumprindo religiosamente seus
interesses.
Os contrastes das más
administrações são evidentes nas cidades. As diferenças da qualidade de vida
entre os bairros nobres e os da periferia são abissais. Durante suas campanhas,
os vulgos outsiders tentam encantar os pobres com promessas que nunca serão
realizadas, fingem arregaçar as mangas pelos marginalizados. No entanto, a
situação se repete a cada gestão. O curioso é que conseguem enganar os
excluídos, sempre presas fáceis a cada novo pleito.
Vivemos em
sobressaltos, desde o período da redemocratização do país, como o que
recentemente presenciamos no resgate de práticas fora da curva do Estado de
Direito, ocorridas no fim do governo passado e que culminaram na tentativa do
golpe do dia 8 de janeiro de 2023.
As lembranças da
ditadura militar ainda são cultuadas. Milhares de pessoas convencidas pelos
extremistas de direita marcharam em direção aos três poderes da República para
alvejarem a liberdade. Após mais de trinta anos dos tempos de chumbo praticados
pelo governo militar, o país e sua frágil democracia sofre constantes ataques.
É desnudado o radicalismo como opção, o fascismo como alternativa.
Por essas razões e por
outras não mencionadas neste simples texto, volto a perguntar por onde anda a
nossa democracia com todos os episódios antidemocráticos recorrentes, com
candidaturas fascistas e seus desejos de poder e de domínio. Pobre povo pobre. Resta-nos
desejar que no dia da votação possamos ver essa nuvem insana se afastar dos
eleitores.
Termino esse texto
prestando uma breve homenagem a uma admirável socióloga e jornalista que nos
deixou precocemente nesta semana. Nathalia Urban foi uma incansável lutadora
por um mundo livre de opressões de qualquer natureza e justo para todos, por
uma América Latina de veias abertas para a democracia. Sua luta nunca terá sido
em vão, pois sua práxis humanizadora estará sempre viva em nossa memória. Na
sua breve existência ela fez a diferença e inspirou a todos que conheceram seu
nobre e significativo trabalho. Nathalia Urban Presente!
• O que Janio de Freitas viu primeiro,
antes do Brasil, sobre Moro. Por Antonio Mello
Um craque do
jornalismo, como é o caso de Janio de Freitas, consegue em muitos casos não
apenas narrar os fatos, mas antecipá-los.
Em sua coluna na Folha
na quinta, 27 de setembro de 2018, a 10 dias das eleições presidenciais daquele
ano, Janio escreveu sua preocupação premonitória sobre alguma armação que
poderia vir da turma do Moro da Lava Jato ou da PGR, Raquel Dodge.
Antes da coluna de
Janio, uma situação das pesquisas para dar uma visão do momento da disputa
política.
Até o dia da coluna,
pesquisas indicavam uma subida de Haddad, tendo o candidato petista já assumido
a liderança da disputa pelos dois institutos mais famosos da época: Datafolha e
Ibope. É preciso relembrar ainda que Haddad havia sido confirmado candidato
apenas no dia 11 de setembro, o que mostrava que sua subida era consistente.
Agora, trecho inicial
da coluna de Janio de Freitas com suas preocupações premonitórias:
* * * * *
<><> Vitória e derrota
A preocupação com a
possibilidade de que militares oponham as armas ao voto encobre, mas não
enfraquece, outra possibilidade negativa.
O juiz e os
procuradores da Lava Jato, o tribunal federal da região Sul (o TRF-4), o
Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo já ganharam parte do seu confronto com
a maioria do eleitorado, mas as pesquisas comprovam que há dificuldade para ir
além. Lula ficou excluído das eleições, no entanto o PT e seu candidato mais do
que sobrevivem. Meia vitória é, no mínimo, meia derrota.
Aquelas forças, que já
foram chamadas de partido da justiça ou do Judiciário, há semanas mantêm-se
como espectadoras. Não é um silêncio confiável, até por não terem experimentado
sequer uma derrota nos seus quatro anos, e não se sabe como a receberiam agora.
Ou como recebem a perspectiva de tê-la.
Comparados os anos
recentes de militares e do sistema judicial, não é na caserna que se encontram
motivos maiores de temer pelo estado democrático de direito. Os avanços sobre
poderes do Legislativo e do Executivo, os abusos de poder contrários aos direitos
civis, ilegalidades variadas contra os direitos humanos —a transgressão da
ordem institucional, portanto— estão reconhecidos nas práticas do Judiciário e
da Procuradoria da República.
Em tais condições,
seria pouco mais do que corriqueiro o surgimento, nos dez dias que nos separam
das eleições, de um petardo proveniente de juiz ou procurador para perturbar a
disputa eleitoral, na hierarquia a que chegou.
Além disso, as
eleições deste ano têm uma peculiaridade: são vistas por muita gente, não como
meio de proceder à sucessão democrática de governo, por vitórias e derrotas,
mas como oportunidade de fazer o país retroceder ao período pré-Constituinte de
1988 sem, contudo, a caracterização ostensiva de golpe. E nessa corrente não
estão só o general Hamilton Mourão e demais apoiadores de Jair Bolsonaro.
* * * * *
Quatro dias após a
coluna de Janio, na segunda, dia 1º de outubro, semana final da eleição,
realizada no dia 7, o ex-juiz, hoje senador, Sergio Moro tornou pública a
delação do ex-ministro Antonio Palocci, exatamente como antecipara Janio de
Freitas, com graves acusações contra Lula e o PT.
O Jornal Nacional
daquele mesmo dia 1º repercutiu:
O ex-ministro Antonio
Palocci disse, em delação à Polícia Federal, que o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva sabia da corrupção na Petrobras, e que o então presidente
encomendou a construção de sondas, para garantir, com recursos ilícitos, o
futuro político do Partido dos Trabalhadores e a eleição de Dilma Rousseff.
Palocci também disse que as campanhas petistas, de Dilma, de 2010 e de 2014,
custaram quase três vezes o que foi declarado.
Uma declaração
anterior de Sergio Moro mostra que ele sabia que a divulgação da delação de
Palocci iria influir diretamente nas eleições. Anteriormente, Moro havia
suspendido as audiências com Lula alegando que ele as estaria usando
politicamente:
"Ora, na ação
penal 5021365-32.2017.404.7000 suspendi os interrogatórios para evitar qualquer
confusão na exploração das audiências, inclusive e especialmente pelo acusado
Luiz Inácio Lula da Silva que tem transformado as data de seus interrogatórios
em eventos partidários, como se viu nesta e na ação penal
5046512-94.2016.4.04.7000. Realizar o interrogatório dele durante o período
eleitoral poderia gerar riscos ao ato e até mesmo à integridade de seus
apoiadores ou oponentes políticos."
Realizar
interrogatório de Lula "durante o período eleitoral poderia gerar
riscos", mas divulgar a bombástica delação de Palocci na semana das
eleições, deboas!
O resultado da
divulgação da delação de Palocci pelo cínico Sergio Moro, antecipada por Janio,
todos sabemos: ao lado dos disparos de centenas de milhões de fake news pelo
WhatsApp a delação barrou a subida de Haddad e garantiu a vitória de Jair
Bolsonaro e a subsequente nomeação de Moro como ministro da Justiça.
Obs.: Infelizmente,
depois de sua coluna e talvez por ela, o número de colunas publicadas por Janio
por semana foi diminuído de duas para uma, até que às vésperas do Natal de 2022
a Folha demitiu aquele que talvez seja o mais importante jornalista brasileiro
vivo, embora a Folha se beneficie até hoje de Lei assinada pela presidenta
Dilma em 2015 que isenta empresas de impostos para que elas mantenham e gerem
empregos.
A Folha demitiu Janio,
aos 90 anos, após mais de quatro décadas de casa, às vésperas do Natal, com o
seguinte comunicado: “O jornalista Janio de Freitas, 90, deixa de publicar sua
coluna semanal na Folha a pedido do jornal, por contenção de despesas.”
Contrariando ao mesmo
tempo o Jornalismo e a lei aprovada por Dilma que a beneficia para que gere
emprego e não os corte.
Fonte: Brasil
247/Fórum
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