Impactos da gravidez não planejada abrangem
de adolescentes a mulheres acima de 40
Cerca de 50% de todas
as gestações no mundo não foram planejadas, de acordo com relatório elaborado
em 2022 pela Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, o cenário não é
diferente: 62% das brasileiras que já engravidaram tiveram uma gravidez não planejada,
segundo pesquisa da Bayer, em parceria com a Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e com o Inteligência em
Pesquisa e Consultoria (Ipec). A ocorrência do fenômeno na adolescência costuma
dominar o debate, mas os impactos atingem mulheres em diferentes faixas
etárias, inclusive as que se descobrem grávidas após os 40 anos.
Isso porque,
independentemente da idade, uma gestação inoportuna traz uma série de
consequências emocionais, sociais, psicológicas e físicas para as mulheres.
“Quando essa gestação acontece, há uma série de riscos envolvidos, desde a
perpetuação do ciclo da pobreza pelo abandono dos estudos até o risco aumentado
de parto prematuro e desenvolvimento de depressão pós-parto”, destaca Anna
Gueldini, médica especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Febrasgo e
mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A inclusão de mulheres
com 40 anos ou mais nessa conversa se faz necessária justamente pela mudança
demográfica que o mundo atravessa. Aqui no país, elas já representam quase
metade das mulheres, de acordo com o Censo Demográfico 2022. E embora haja uma queda
natural da fertilidade ao longo do ciclo reprodutivo, as taxas de gestação não
planejada são significativas entre mulheres de 40 a 44 anos: 48%, segundo
publicação no Women’s Midlife Health. Isso significa que, apesar de terem menos
chances de engravidar – cerca de 10% por ano –, essas mulheres estão mais
suscetíveis a serem pegas de surpresa por uma gravidez não planejada.
Valeria Santos,
gerente de saúde feminina na Bayer, ressalta que é possível identificar que os
fatores envolvidos na ocorrência de uma gestação não planejada nessa fase da
vida são diferentes dos relacionados à gravidez na adolescência: “Na
adolescência, ela é mais comumente causada por desinformação, tanto em relação
a métodos contraceptivos como adesão. Já no climatério, há uma falsa sensação
de segurança além da falta de informação.”
A principal hipótese é
de que o início da transição para a menopausa, que ocorre neste mesmo intervalo
de tempo, leve a ideia equivocada de que não há mais o risco de engravidar, o
que provoca o abandono do uso de métodos contraceptivos ou uma preocupação
menor com a proteção.
“Muitas mulheres
acreditam que elas não podem mais engravidar nessa fase da vida, porque na
perimenopausa [período que antecede a menopausa] existe uma irregularidade da
menstruação que é muito característico desse período, que ocorre ali entre os
40, 42 anos. Então, a mulher começa a viver um encurtamento do ciclo menstrual
e pensa que o ovário já está entrando em falência, mas não é bem assim”,
explica Gueldini.
• Impactos de uma gravidez não planejada
Na visão da médica
especialista em ginecologia e obstetrícia, uma gravidez não planejada pode
acarretar uma série de consequências para a gestante. “Há uma preocupação
porque há mudanças físicas no corpo da mulher, inerente a uma gestação, além
dos riscos emocionais e sociais desse perfil de gravidez, já que isso afeta
toda a rotina da mulher”, avalia.
De acordo com a
Organização Mundial da Saúde, a gravidez na adolescência – entre os 10 e os 19
anos – está associada a riscos mais elevados de eclâmpsia, endometrite
puerperal (infecção uterina) e infecções sistêmicas. Já os bebês têm mais
chances de nascerem prematuramente, com peso baixo e condições neonatais
graves. Socialmente, o impacto é refletido nas altas taxas de abandono escolar
após uma gestação não planejada nessa fase da vida, assim como do casamento
infantil e na perpetuação do ciclo da pobreza.
Para as mulheres que
engravidam de maneira repentina ao longo da perimenopausa, os perigos também
existem: para as gestantes, é preciso ficar atenta à incidência de doenças como
hipertensão, obesidade e síndrome metabólica, que aumentam conforme o envelhecimento
feminino, afirma Gueldini:
“Já o bebê está mais
vulnerável a alterações mitocôndrias de síndrome genéticas, incluindo a mais
prevalente que é a síndrome de Down. Então, se essa mulher nem está pensando em
engravidar e se depara com essa gravidez de risco aumentado na perimenopausa, o
impacto é muito grande”.
O psicológico também é
impactado por esse evento. “O impacto na saúde mental também vem do estigma
social da gravidez precoce ou não planejada e do não acompanhamento psicológico
preparado para receber essas mulheres. É um turbilhão de emoções e mudança de
vida que precisa ser olhado com cuidado pelas famílias e pelos serviços de
saúde”, pontua Santos, da Bayer.
• Gestação em uso de contraceptivos
A pesquisa da Bayer em
parceria com a Febrasgo e Ipec mostrou ainda que uma parcela importante das
gestações não planejadas aconteceu mesmo durante o uso de um método
contraceptivo, em decorrência de falha (27%) ou uso incorreto (20%). O uso de
contraceptivos sem a orientação de um especialista e a escolha por métodos que
ainda dependem muito dos indivíduos, como a pílula contraceptiva oral e o
preservativo, são alguns dos motivos associados ao acontecimento de gestações
dessa natureza.
Para se ter uma
dimensão do problema, o relatório “Vendo o invisível: em defesa da ação na
negligenciada crise da gravidez não intencional”, do Fundo de População das
Nações Unidas (UNFPA, na sigla em inglês), afirma que ao se analisar o uso de
contraceptivos em condições de vida real, a taxa de falha chega a 13% para
preservativo masculino e 21% para preservativo feminino.
“Um estudo muito
interessante foi feito em 36 países de baixa e média renda e revelou que quatro
a cada dez gestações indesejadas ocorreram após a descontinuação do método ou
devido à falha do método contraceptivo que já tinha sido oferecido. Precisamos identificar
onde estamos falhando na comunicação com essas mulheres, onde estamos falhando
em informá-las corretamente”, aponta Gueldini.
A especialista destaca
que apenas 2% das brasileiras utilizam métodos contraceptivos de longa duração,
como dispositivos intrauterinos (DIU), implantes e laqueadura. Além das
questões de informação sobre a disponibilidade desses métodos no Sistema Único de
Saúde (SUS), há a questão de barreiras de acesso, como o estigma por parte de
alguns profissionais de saúde em recusar o método a mulheres sem base em
critérios de elegibilidade. O uso do DIU, vão muito além da contracepção, por
exemplo, não é limitado a idade ou número de filhos e deve ser discutido em
relação às pacientes que estão no período da perimenopausa também, pontua
Gueldini:
“A contracepção é
indicada para essas mulheres. Elas ainda não estão na menopausa, possuem função
ovariana e precisam ter opções para prevenir uma gravidez não planejada. Essa
paciente precisa ser informada sobre os benefícios dos diferentes métodos contraceptivos,
conhecer as contraindicações. O ginecologista tem que avaliar toda essa questão
biopsicossocial para poder elencar o método que oferece maior benefício dentro
das possibilidades daquela pessoa.”
• Caminhos para o futuro
Para a gerente de
saúde feminina na Bayer, a assistência às mulheres para evitar uma gravidez
precoce e não planejada passa ainda por vários aspectos que ainda não são
devidamente trabalhados. “Essa assistência inclui acesso à métodos
contraceptivos eficazes e assistidos, educação sexual tanto para mulheres como
para homens, uma estrutura de apoio em planejamento familiar e um engajamento
social desde escolas até assistência farmacêutica na ponta, já que a maioria
das mulheres não vão ao médico antes de iniciar a vida sexual.”
Para Anna Gueldini,
investir nessa educação é investir também no futuro de meninas e mulheres e
chama a atenção para o papel de profissionais de saúde na desmistificação de
informações equivocadas e fake news que se popularizaram nas redes sociais, o
que por vezes contribui para um pânico injustificado em relação a alguns
métodos contraceptivos:
“Às vezes a pessoa tem
medo, por exemplo, de utilizar um contraceptivo e sofrer um evento tromba
embólico, mas a gravidez é a condição que mais propicia a mulher a ter um
evento tromboembólico, e pode provocar um cenário muito pior do que tomar uma
pílula anticoncepcional. É fundamental entender a relativização do risco, essa
‘hormôniofobia’ muito em razão das fake news em redes sociais, e cabe a nós
médicos especialistas, através do embasamento científico, desmistificar essas
questões.”
Além disso, ela
ressalta a necessidade de capacitar médicos e demais profissionais de saúde
para dialogarem sobre gestação e métodos contraceptivos com as mulheres na
perimenopausa, o que ainda não acontece da maneira que deveria.
“Quando olhamos para
esse cenário atual, fica muito claro o quão importante é para nós, médicos,
individualizar a contracepção nessas diferentes fases biológicas do ciclo
reprodutivo. As mulheres no climatério devem ser informadas sobre os métodos
que além de serem altamente eficazes, não aumentam riscos metabólicos e
cardiovasculares, já que com o envelhecimento há uma tendência de desenvolver
doenças dessa natureza.”
Fonte: Futuro da Saúde
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