Agro disputa mercado bilionário de produtos
alternativos a agrotóxicos
A DISPUTA POR UM
MERCADO de R$ 5 bilhões tem dividido o agronegócio brasileiro. De um lado,
gigantes dos agrotóxicos e dos insumos agrícolas. Do outro, associações de
grandes produtores. Todos interessados em lucrar com a produção dos chamados
“bioinsumos”.
Desenvolvidos a partir
de organismos vivos ou ingredientes naturais, como insetos, bactérias, plantas,
vírus e fungos, os bioinsumos são, predominantemente, de baixa toxicidade e
atuam de forma seletiva, eliminando pragas específicas das lavouras e reduzindo
danos ao meio ambiente – uma alternativa mais sustentável em um país como o
Brasil, maior consumidor mundial de agrotóxicos. Alguns exemplos mais
tradicionais de bioinusmos são compostagem de resíduos orgânicos e fermentação
de esterco animal.
Especialistas apontam
que o uso desses produtos melhora a qualidade de vida do solo e das culturas,
sem prejudicar polinizadores, animais ou insetos que não são alvos do insumo.
Além disso, outros grandes benefícios são a redução de custos na produção, uma
vez que esses produtos são mais baratos. Eles também têm menos químicos, uma
demanda do mercado externo, preocupado com os impactos à saúde dos consumidores
e ao meio ambiente.
O principal ponto de
divergência está no processo de registro. A Croplife, associação que representa
fabricantes multinacionais como Syngenta, Bayer e Corteva, briga para que o
Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o Ibama (Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente) e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária” participem
do processo de aprovação de novos produtos. Também quer o controle sobre
substâncias já autorizadas pelos órgãos, o que tornaria mais rigorosa a
fabricação desses produtos. As empresas representadas pela Croplife detêm 55%
do mercado.
Já o Grupo Associado
de Agricultura Sustentável (GAAS) e a Associação Brasileira de Bioinsumos
(Abbins), que atuam como representantes de 50 associações de grandes produtores
rurais, defendem que esses três órgãos se manifestem apenas quando consultados pelo
Ministério da Agricultura, “para fornecer subsídios técnico-científicos ao
processo de registro de novos produtos destinados ao controle fitossanitário,
de acordo com seu nível de risco”.
Fontes ouvidas pela
Repórter Brasil apontam uma incoerência no discurso da Croplife. Enquanto na
aprovação da nova Lei de Agrotóxicos a associação fez lobby para minimizar o
papel da Anvisa e do Ibama no registro e reavaliação de produtos, na de
bioinsumos procura uma maior participação dos órgãos.
Para além da
incoerência, o interesse das gigantes de agrotóxicos é manter também o controle
do mercado de bioinsumos. “Se o produtor começar a deixar de usar os
agrotóxicos para usar produtos biológicos, elas querem ser as fornecedoras dos
produtos biológicos. Elas querem continuar dominando o comércio”, afirma
Rogerio Dias, ex-coordenador de agroecologia e produção orgânica do Ministério
da Agricultura e presidente do Instituto Brasil Orgânico.
A Croplife,
entretanto, afirma que no caso da Lei de Agrotóxicos, o Mapa não deixa de ouvir
os outros órgãos, somente coordena esse processo.
• Corrida contra o tempo
O uso de bioinsumos
não é novidade no campo. Há mais de 50 anos esses produtos são utilizados nas
lavouras, especialmente na agricultura orgânica. Nos últimos 15 anos, porém,
grandes produtores agrícolas, pecuários, aquícolas e florestais passaram a utilizar
com mais frequência esses insumos.
Aproveitando uma
brecha no decreto de orgânicos de 2009, que isenta de registro os bioinsumos
aprovados para uso próprio na agricultura orgânica, os próprios produtores
rurais passaram a fabricar esses produtos em larga escala em suas fazendas.
Isso incomodou gigantes do setor, principalmente as grandes indústrias de
pesticidas. Em 2020, as empresas e suas representantes entraram com processos
questionando a legalidade da produção “on farm”, como é chamada a fabricação
para uso próprio.
A aprovação da Lei de
Agrotóxicos – que entra em vigor oficialmente em janeiro de 2025 –, fez com que
os interessados na fabricação própria de bioinsumos corressem, já que a nova
regra classificou bioinsumos dentro do guarda-chuva de pesticidas, o que exigiria
registro para sua fabricação. Atualmente, há dois projetos de lei em debate na
Câmara dos Deputados, mas nenhum deles é consenso no agro.
Durante uma reunião na
FPA, o secretário de Defesa Agropecuária do Mapa, Carlos Goulart, reforçou que
a agricultura orgânica e seus produtos estão em risco. “A agricultura orgânica
vai para a ilegalidade em dezembro se não colocarmos em vigor a lei de bioinsumos”,
afirma.
Já para Reginaldo
Minaré, diretor executivo da Abbins, a questão é outra. “O produtor terá que
pedir o registro ou autorização nos termos da Lei de Agrotóxico. Ou seja,
quanto vai custar isso e qual o tempo que ele vai gastar para fazer esse pedido
e obter esse registro ou autorização?”, argumenta Minaré.
A reportagem apurou
que existe um acordo para que o deputado e ex-presidente da FPA Sérgio Souza
(MDB-PR) assuma a função de relator de um texto alternativo, que deve ser
escrito em conjunto com associações, empresas e o governo, para ser votado logo
após as eleições.
Em 20 de setembro, a
Croplife divulgou um comunicado em que reconhece o direito da produção para uso
próprio. Porém, deixou a mesa de negociação quando a Abbins e o Gaas,
representantes dos produtores rurais, apresentaram um texto que limita a
participação da Anvisa e do Ibama a consultas eventuais.
A associação de
agrotóxicos queria colocar na lei que todos os produtos destinados ao controle
de pragas e doenças passem pelos três órgãos, inclusive aqueles produzidos com
ingredientes já registrados no Brasil. “Aí ninguém concordou”, relata o diretor
executivo da Abbins Reginaldo Minaré, que lidera as tratativas de acordo ao
lado dos produtores rurais. “Todo mundo entendeu que isso criaria uma barreira
e prejudicaria as pequenas e novas indústrias que pretendem participar desse
mercado”.
• Lobby intenso
Um levantamento
exclusivo realizado pela Repórter Brasil mostra que o governo federal se reuniu
27 vezes com empresas e associações do setor para debater “bioinsumos” em 2024
– a consulta foi feita por meio do Agenda Transparente, ferramenta da Fiquem
Sabendo.
Enquanto a Croplife e
a sua associada Corteva Agriscience, fabricante de agrotóxicos e bioinsumos,
tiveram seis encontros no total em órgãos do governo, as representantes dos
grandes produtores rurais tiveram dez reuniões.
O mês mais movimentado
foi junho, com seis reuniões. Naquele período, havia a expectativa de que uma
regulamentação sobre o tema fosse aprovada na Câmara.
Nessa mesma época, a
Corteva organizou uma viagem de parlamentares aos Estados Unidos. Um dos
tópicos da agenda da visita era a apresentação de suas fábricas e plantações
que utilizavam soluções biotecnológicas – os bioinsumos – aos convidados
brasileiros.
Além do atual
presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), a
empresa levou a senadora Tereza Cristina (PP-MS) e os deputados Alceu Moreira
(MDB-RS) ao país. Também viajaram representantes da Aprosoja, CNA, Abramilho e
Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão).
Segundo dados obtidos
pela Repórter Brasil em parceria com a Fiquem Sabendo via Lei de Acesso à
Informação, a empresa afirmou ao governo brasileiro ter investido R$ 800
milhões no no país nos últimos anos e que o Brasil é o seu segundo maior
mercado.
A Corteva nega que a
viagem esteja relacionada à tramitação do projeto e frisa o interesse do grupo
em “entender as melhores práticas agrícolas nos EUA”. Apesar de o encontro ter
acontecido em junho, a assessoria de imprensa citou os incêndios florestais
como um dos motivos da viagem, em que, segundo a empresa, teriam sido tratadas
questões relacionadas ao seguro agrícola.
• Bioinsumo é aposta para transição
sustentável
Embora o agronegócio
apresente os bioinsumos como um passo para a transição sustentável, engana-se
quem pensa que o setor vai abandonar o uso de agrotóxicos. “Eles não têm a
menor intenção de abolir totalmente o uso dos químicos”, afirma Rogério Dias,
presidente do Instituto Brasil Orgânico. Segundo ele, a proposta desses
produtores é fazer o manejo integrado, ou seja, uma combinação do uso de
químicos, biológicos, maquinários e de manejo cultural.
“Cada vez mais, você
tem pressão no mundo inteiro com relação a você adquirir alimentos sem
contaminação, sem impactos ambientais, [diminuição] do uso de químicos. Então,
[com os bioinsumos] você ajuda também nesse processo de melhorar a imagem”,
aponta Dias.
Devido às desavenças
nos bastidores de Brasília, tanto as grandes empresas de insumos agropecuários
quanto os produtores, que historicamente contaram com o apoio da FPA, composta
por 290 deputados, agora se veem obrigados a dialogar com grupos de interesses
opostos, como ambientalistas e ministros de estado, para viabilizar a aprovação
da lei.
O deputado Nilto Tatto
(PT-SP), que tem atuado como mediador no tema pela bancada de seu partido,
afirma que este é um momento raro em que é possível debater propostas com o
agronegócio. “É o momento em que abre a possibilidade de a gente dialogar com
os setores do agro. Se a lei vai sair num desenho a partir da nossa
perspectiva, de cuidado do meio ambiente, da saúde, e também do ponto de vista
da agricultura familiar, da independência [das grandes empresas], não dá para a
gente adiantar. Mas nós estamos trabalhando nessa perspectiva”.
Dias concorda que é
necessário ter uma avaliação prévia dos órgãos de saúde e meio ambiente para
analisar o impacto dos bioinsumos, mas chama a atenção para a necessidade de
definir exatamente o que são bioinsumos na legislação. “O GAAS e Abbins, que
tem a Aprosoja, Abrapa, essa turma toda junta, propõem a possibilidade de ter
produtos biológicos transgênicos, que para nós é uma aberração total, é uma
coisa absurda”.
“A gente já viu o que
foi o impacto dos transgênicos nas sementes [que levou a um consumo ainda maior
de agrotóxicos], o que acabou com a nossa diversidade de sementes crioulas,
imagine se a gente começar a liberar esses organismos transgênicos, que impactos
isso vai gerar?”, complementa.
Em nota, a Anvisa
reforçou a necessidade de ser incluída no processo de avaliação para garantir a
segurança à saúde da população.” É imprescindível que tenhamos propostas
legislativas que garantam as salvaguardas da saúde, pois está claro que tal
prática corrobora para a avaliação segura de um bioinsumo de uso
fitossanitário”.
Fonte: Repórter Brasil
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