quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Socialismo significa expandir a democracia para toda a sociedade

Um espectro assombra a Europa — o espectro do comunismo. Todos os poderes da velha Europa entraram em uma aliança sagrada para exorcizar esse espectro: Papa e Czar, Metternich e Guizot, Radicais Franceses e policiais espiões alemães.

Qual partido da oposição que não foi denunciado como comunista por seus oponentes no poder? Qual a oposição que não replicou a reprovação do comunismo contra os partidos de oposição mais avançados, bem como contra seus adversários reacionários?
Duas coisas resultam deste fato:

I.            O comunismo já é reconhecido por todas as potências europeias como uma potência.

II.          Já passou da hora de os comunistas publicarem abertamente, para o mundo inteiro, suas visões, seus objetivos, suas tendências, e enfrentarem esse conto infantil do Espectro do Comunismo com um manifesto do próprio partido.

O Manifesto Comunista pode ser o livro mais influente da história mundial, se você não contar aqueles sobre Deus ou bruxos adolescentes. Poucos meses após sua publicação em 1848, revoluções eclodiram por toda a Europa. Elites aterrorizadas pensaram que os dois jovens autores deviam ter poderes imensos, seja para profetizar revoltas ou para criá-las. Na verdade, Marx e Engels não tinham ideia de que 1848 se tornaria um ano histórico, mas sabiam que a mudança estava no ar porque passavam muito tempo com trabalhadores irritados. O que era, e ainda é, um hábito incomum para intelectuais.

As pessoas em Paris, Berlim e outros lugares não se insurgiram naquele ano porque Marx disse para elas fazerem isso. Mas depois que foram às ruas, o Manifesto forneceu a muitas delas uma visão do que sua revolta — e as futuras — poderiam alcançar. Esse tem sido o objetivo do socialismo desde então: demonstrar como a coragem e a criatividade que as pessoas já possuem podem apontar o caminho para uma sociedade diferente que será construída sobre essas qualidades ao invés de ser ameaçada por elas.

Para os capitalistas e seus servos, o socialismo tem sido um zumbi que simplesmente não morre. Por quase duzentos anos, eles tiveram socialistas como bodes expiatórios, demitidos, deportados e pior. E então… quando pensaram que era seguro voltar para seus iates… lá estamos nós novamente, tentando desmembrar suas mansões e mutilar sua riqueza herdada.

A introdução do Manifesto parece especialmente relevante hoje. Os Estados Unidos em 2023 não são a Paris de 1848. Mas o socialismo está uma vez mais no centro das atenções — e na mira. Começou com os movimentos Occupy Wall Street e Black Lives Matter e então explodiu em plena visibilidade com a popularidade de Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez, a eleição de dezenas de outros socialistas em todo o país e o crescimento explosivo dos Socialistas Democráticos da América (DSA).

Os republicanos, cujo símbolo do partido é um enorme animal pisoteador que fica aterrorizado ao ver um rato, eram obcecados com o socialismo mesmo quando poucos de nós havíamos nascido, então é claro que eles estão surtando (e arrecadando fundos) com o novo Pânico Vermelho. Eles demonizam o Medicare for All como uma conspiração para tirar o seguro saúde (hã?) e o Green New Deal como pena de morte para aqueles flagrados comendo um hambúrguer. Estou surpreso que algum amante da liberdade de direita ainda não tenha feito uma entrevista coletiva para declarar que os semáforos são uma conspiração comunista.

Mais alarmante é o crescimento de milícias armadas e multidões delirantes que estão convencidas de que tudo ao seu redor — de clínicas de vacinação a planos de aula da quarta série sobre escravidão — é parte de uma vasta conspiração comunista. As mídias sociais aceleraram a disseminação de desinformação, mas o sentimento é tão antigo quanto a primeira slave patrol. O sonho americano sempre foi sobre se tornar rico e poderoso o suficiente para poder passar o resto da vida obcecado achando que todos os outros te perseguem. Este é um país que produz US$ 20 trilhões em riqueza anualmente, mas surta com crianças pobres pedindo ajuda em sua fronteira, um lugar onde os compradores da Land Rover gritam “Tirania!” se a recepcionista da concessionária pede que eles coloquem uma máscara, e a polícia em armadura corporal completa atira em corpos desarmados.

“Os republicanos, cujo símbolo do partido é um enorme animal que fica aterrorizado ao ver um rato, eram obcecados pelo socialismo mesmo quando poucos de nós havíamos nascido.”

Enquanto isso, os socialistas dos quais eles têm tanto medo são frequentemente um grupo tranquilo. Da Fox News, ficamos sabendo de nossos planos sinistros para uniformes universais de cardigans cinza e cirurgias de redesignação de gênero para qualquer um pego com uma cópia da Constituição, e damos de ombros, confusos uns para os outros, no porão da igreja onde temos reuniões mensais: “Você disse isso? Eu não.”

A temida agenda socialista é, na verdade, bastante moderada no momento. Assistência médica universal gratuita já está em vigor em todos os outros países capitalistas ricos do mundo, além dos Estados Unidos. Abolir o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas e o Departamento de Segurança Interna significa apenas voltar ao modo como as coisas eram antes do 11 de setembro. As políticas que compõem o Green New Deal são passos iniciais mais inéditos, mas ainda modestos, em comparação com as mudanças radicais exigidas pelo aquecimento global.

Quando Bernie concorreu à presidência em 2016, um de seus apoiadores mais proeminentes foi o ex-secretário do trabalho Robert Reich, que havia escrito naquela época um livro chamado Saving Capitalism: For the Many, Not the Few [Salvando o capitalismo: para muitos, não para poucos]. Pode parecer estranho que alguém que quer salvar o capitalismo apoie um candidato que se autodenomina socialista. Mas a visão de Reich de um capitalismo “salvo” não estava tão longe do “socialismo democrático” de Sanders, que ele frequentemente descrevia como uma expansão das grandes reformas capitalistas do século XX, como a Previdência Social e o Medicare.

Muitos conservadores argumentariam que isso prova que Robert Reich é realmente um socialista, enquanto alguns esquerdistas podem insistir que isso mostra que Bernie Sanders, na verdade, não é um. Para mim, isso só mostra que o capitalismo corrompeu a política a ponto de você praticamente ter que ser um socialista apenas para pressionar pelas reformas mais básicas e de senso comum. Esta é uma grande razão pela qual o socialismo está ganhando apoio, mas é importante garantir que essas reformas sejam vistas como nossos primeiros passos, e não como nosso objetivo final.

Como poucas pessoas tiveram a oportunidade de aprender o que significa socialismo, muito menos se envolver em uma organização socialista, a palavra pode significar quase tudo à esquerda de Joe Rogan. Como resultado, a palavra socialismo está no ar mais do que esteve em gerações, mas mais como um pedaço flutuante de papel crepom rosa do que uma bandeira vermelha cintilante. Isso começou a mudar à medida que os candidatos socialistas ajudaram a transformar programas como o Medicare for All e o Green New Deal no que às vezes é chamado de “programa mínimo” para o socialismo. Os socialistas precisam construir sobre esse mínimo e adicionar mais carne e sangue ao espectro do socialismo.

O socialismo é definido menos por leis específicas do que por quem tem o poder de supervisioná-las. Trata-se de eliminar distinções entre o governo e os governados. A razão pela qual muitas pessoas não apoiam políticas econômicas e ambientais que são “de seu interesse” é que elas não acham que os políticos e burocratas que implementariam essas políticas agiriam em seu interesse. E é difícil argumentar com a experiência delas. É por isso que uma definição mais completa de socialismo deve começar com dois conceitos simples, mas de longo alcance:

  1. Os trabalhadores controlam o governo.
  2. O governo controla a economia.

O número 2 tem sido a principal característica de muitos países que se autodenominam socialistas ou comunistas. Mas é o número 1 — democracia em todos os níveis da sociedade — que transforma o mero controle estatal da economia em socialismo. Karl Marx, Vladimir Lênin e Rosa Luxemburgo foram todos combatentes pela liberdade vivendo sob reis e ditadores. Eles eram socialistas porque concluíram que a democracia plena era impossível sob o capitalismo. Por democracia, eles não queriam dizer ter uma votação em algum dia de novembro, mas tomar parte ativa em todas as decisões importantes da sociedade.

Porque estamos tão acostumados a imaginar os mestres do governo e da economia como poderes centralizados estreitos que nos governam a partir de um punhado de prédios, é difícil para nós imaginar mudanças na sociedade que vão além de substituir as pessoas nesses prédios por outras que são esperançosamente mais honestas e nobres. O socialismo não substituiria apenas essas pessoas, mas o sistema que centraliza tanto poder em alguns prédios. Ele ampliaria as bases da tomada de decisões para milhares de prédios, praças públicas e centros comunitários. É um sistema no qual as pessoas controlam o governo mudando o que o governo significa.

“O socialismo é definido menos por leis específicas do que por quem tem o poder de supervisioná-las. É sobre eliminar distinções entre o governo e os governados.”

Ao contrário dos sonhos bilionários de colônias lunares libertárias, essas ideias não vieram de imaginações e egos descontrolados, mas da experiência concreta da resistência popular. Os socialistas tiveram um primeiro vislumbre da democracia de massa revolucionária, por exemplo, em 1871, quando uma revolta na França criou a assembleia revolucionária de toda uma cidade, conhecida como Comuna de Paris. Esta era uma nova forma de governo na qual os funcionários não recebiam mais do que o salário médio do trabalhador e eram imediatamente destituídos se os eleitores estivessem descontentes com eles. Um Marx animado observou que “em vez de decidir uma vez a cada três anos qual membro da classe dominante os enganaria”, a comuna permitiu que os eleitores substituíssem os eleitos tão facilmente quanto os chefes podem substituir os funcionários no local de trabalho.

Assim como a democracia deve existir além do dia da eleição, ela também deve existir fora dos prédios governamentais. Socialismo é falar às pessoas sobre como cada aspecto de suas vidas é administrado, o que não é apenas nobre, mas também mais eficaz. Dez anos atrás, tive um gostinho desse potencial como um participante menor do Occupy Wall Street. O que começou como um pequeno acampamento de protesto na porta de alguns dos bancos mais poderosos do mundo logo gerou comitês que criaram cozinhas, bibliotecas, arte e quaisquer projetos que alguém quisesse seguir — desde apoiar linhas de piquete próximas até desafiar deportações e execuções hipotecárias. Outros tiveram experiências semelhantes em redes locais de ajuda mútua que surgiram durante a pandemia de COVID e após desastres naturais, bem como em acampamentos de protesto liderados por indígenas para impedir oleodutos. Muitos concordariam com o participante do Occupy, Nathan Schneider, que escreveu que “a habilidade e a imaginação demonstradas aumentaram cada vez mais como uma acusação do mundo alienado lá fora que nos impedia de compartilhar o que poderíamos fazer uns com os outros, nos enganou para vender nosso tempo e talentos por dinheiro”.

É esse tipo de democracia participativa radical, funcionando como a fundação de um sistema político e econômico organizado de forma centralizada, que é o coração da visão socialista. Muitas pessoas mais velhas sabem que o nome do governo “comunista” da Rússia era União Soviética, mas poucas sabem que soviete era conselho em russo. A Revolução Russa foi criada e (brevemente) liderada por sovietes eleitos democraticamente, que surgiram em fábricas, quartéis militares e vilas camponesas por todo o país para conduzir a revolução em suas áreas locais e eleger delegados para o governo soviético regional e nacional.

“A democracia participativa radical, funcionando como base de um sistema político e econômico organizado de forma centralizada, é o cerne da visão socialista.”

“Nenhum corpo político mais sensível e respondedor à vontade popular jamais foi inventado”, escreveu o grande jornalista socialista John Reed em 1919 sobre esses conselhos únicos. Assim como na Comuna de Paris, os delegados do soviete podiam ser imediatamente destituídos por eleitores insatisfeitos. Donas de casa, empregados domésticos e outros trabalhadores que não trabalhavam em fábricas podiam se organizar coletivamente e ocupar a representação nos sovietes. Apenas empregadores e policiais eram excluídos.

Os sovietes e outros organismos democráticos da classe trabalhadora surgiram em muitas outras revoluções do século passado, inclusive na Espanha em 1936. Eis como George Orwell descreveu Barcelona naquele ano em sua emocionante Homenagem à Catalunha:

Cada loja e café tinha uma inscrição dizendo que tinha sido coletivizado; até mesmo os engraxates tinham sido coletivizados e suas caixas pintadas de vermelho e preto. Garçons e vendedores ambulantes olhavam para você face a face e te tratavam como um igual. Formas servis e até cerimoniais de discurso tinham desaparecido temporariamente. Ninguém dizia “Señor” ou “Don” ou mesmo “Usted”; todos se tratavam como “Camarada” ou “Tu” e diziam “Salud!” em vez de “Buenos dias”. . . E o aspecto das multidões era a coisa mais estranha de todas. Na aparência externa, era uma cidade na qual as classes ricas praticamente deixaram de existir. Exceto por um pequeno número de mulheres e estrangeiros, não havia pessoas “bem vestidas”. Praticamente todos usavam roupas rústicas da classe trabalhadora, ou macacões azuis ou alguma variante do uniforme da milícia. Tudo isso era estranho e comovente. Havia muita coisa nisso que eu não entendia, de certa forma nem gostava, mas reconheci imediatamente como uma situação pela qual valia a pena lutar.

Você pode conhecer Orwell como o autor de 1984 e A Fazenda dos Animais, que são lidos em muitas escolas como obras de propaganda antissocialista. Você provavelmente não sabe que Orwell era um socialista que rejeitava ditaduras que se autodenominavam comunistas, mas apoiava a coisa real quando a via. (Infelizmente, a desconfiança legítima de Orwell no governo autoritário que emergiu da Revolução Russa o levou, em seus últimos dias, a enviar uma lista de suspeitos comunistas para uma agência secreta dentro do governo britânico — o que, se você leu o final de 1984, saberá que é o final mais orwelliano possível.)

As revoluções na Rússia e na Espanha não duraram. Nem o Occupy Wall Street, por falar nisso, ou as campanhas presidenciais de Bernie. Isso não prova que a tarefa do socialismo é impossível — assim como a história de dezenas de insurreições fracassadas de escravos não provou que a escravidão nas plantações nunca acabaria. Mas significa que nós também somos assombrados, por nossos medos do futuro capitalista, mas também pelos fracassos das gerações anteriores. Essas derrotas, Marx escreveu uma vez, “pesam como um pesadelo nos cérebros dos vivos”, o que significa que os socialistas têm problemas zumbis próprios.

Costuma-se dizer que o socialismo provou não funcionar. Parte disso é propaganda descarada, como a alegação comum da direita de que o socialismo matou cem milhões de pessoas. Esse número estranhamente redondo é obtido pela contagem de todas as vítimas de fomes horríveis nos primeiros anos de governos autoproclamados comunistas na China e na União Soviética. Mas os anticomunistas nunca fazem a mesma matemática para o capitalismo. Estima-se que noventa milhões de pessoas morrem de fome ao redor do mundo a cada década — e isso antes de incluirmos as centenas de milhões que morreram em guerras capitalistas, escravidão e genocídio.

Mas os fracassos cruéis do capitalismo não mudam o fato de que nem as ditaduras “comunistas” nem as reformas limitadas dos governos “socialistas” eleitos conseguiram criar as sociedades democráticas livres que Marx e Engels descreveram no Manifesto .

Os socialistas não têm todas as respostas sobre como levar a humanidade para além do capitalismo — não se formos honestos. Isso significa que, mesmo que nosso movimento esteja fazendo um retorno histórico, ainda somos relativamente fracos e tímidos, especialmente diante de uma direita ameaçadora que se beneficia de uma ordem política desequilibrada, onde alguns milhares de idiotas delirantes parecem ter tanto peso quanto milhões de manifestantes do Black Lives Matter. É emocionante ver demandas radicais entrarem nos debates cotidianos, mas ainda estamos vivendo em um mundo de espelhos de parques de diversões, onde um lado planeja abertamente ataques armados aos prédios do Capitólio e o outro se pergunta se é permitido dizer “desfinancie a polícia” em voz alta.

O aumento alarmante de marchas fascistas e grupos supremacistas brancos expôs para muitos algumas das injustiças profundas que sempre estiveram no cerne da ordem política e econômica norte-americana. Isso empurrou muitos progressistas para mais perto do socialismo e fez com que muitos tivessem medo de radicais indo longe demais e criassem uma reação negativa. Esta é uma das principais razões pelas quais Bernie Sanders perdeu a nomeação democrata de 2020 para Joe Biden. Bernie era o político mais popular do país, enquanto Joe era uma versão humana de um troféu de quarto lugar em um torneio de caratê. Mas os eleitores das primárias democratas escolheram o cara que se candidatou a não fazer nada na esperança de que sua mediocridade fosse menos ameaçadora para seus vizinhos e os impedisse de votar em Donald Trump. Essa estratégia pode ter ajudado os democratas a ganharem a eleição, mas não fez nada para resolver as questões mais profundas que nos colocaram no tipo de confusão que tornou plausível para Trump obter votos de qualquer pessoa além de seus companheiros super ricos no programa de milhagem de Jeffrey Epstein.

“Os liberais são aqueles com a ilusão selvagem: que este sistema precisa apenas de alguns reparos, mesmo cambaleando sob o peso do colapso ecológico e do fascismo financiado por bilionários.”

As circunstâncias específicas da eleição de 2020 podem ter sido únicas, mas sempre enfrentamos escolhas difíceis entre esperança e medo. Qualquer passo em direção à mudança progressiva — seja por meio de eleições, greves ou protestos — inevitavelmente desencadeia o vórtice de fúria, pânico e calúnia que sempre caiu sobre aqueles que lutam por liberdade e justiça para todos. Quando nossa ansiedade sobre essa reação nos leva a diluir nossas esperanças e diminuir nossas demandas, isso não impede nossos oponentes de crescer. Isso torna o lado deles mais confiante, o nosso mais tímido e reforça a lógica distorcida de um sistema político onde os republicanos acolhem com entusiasmo teóricos da conspiração delirantes e os democratas repreendem seus membros mais populares por quererem que todos tenham assistência médica.

Mas também é verdade que as elites e os reacionários realmente veem o espectro do socialismo em todos os lugares — assim como fizeram quando Marx e Engels escreveram o Manifesto. E há uma razão para isso. Entre as elites, sempre há alguns idiotas que realmente acham que ganharam o que têm, mas também há os mais inteligentes que estão profundamente cientes de que seu poder e privilégio vêm de uma ordem injusta. Isso pode muitas vezes tornar os conservadores mais sensíveis do que os liberais ao quão vulnerável o capitalismo realmente é.

Há alguma verdade, portanto, nos medos da direita de que todos os programas de bem-estar social carregam consigo o perigoso germe do socialismo. Quando os republicanos pregam que estamos seguindo pela estrada ardente da condenação comunista porque não estamos deixando pessoas suficientes morrerem de fome e doenças, eles apontam que esses programas são a prova de que o capitalismo não pode atender às necessidades mais básicas da sociedade.

Aqui está outro exemplo. Em 2003, a Suprema Corte finalmente anulou uma lei do Texas que criminalizava relações sexuais homo afetivas, e o juiz superconservador Antonin Scalia alertou que “se a desaprovação moral da conduta homossexual não é ‘interesse legítimo do Estado’… que justificativa poderia haver para negar os benefícios do casamento a casais homossexuais?” Na época, nenhum estado havia legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e muitos comentaristas liberais zombaram que Scalia estava usando táticas de intimidação ao levantar a perspectiva absurda de pessoas gays se casarem. Mas Scalia estava certo, o que, pela primeira vez, foi uma coisa boa.

Então, conforme as leis de igualdade no casamento se espalhavam pelo país, os conservadores gritavam que os papéis tradicionais de gênero estavam sendo minados, os liberais novamente rejeitaram seu alarmismo desesperado e, novamente, os conservadores acabaram tendo bons motivos para se preocupar. O casamento entre pessoas do mesmo sexo realmente minou as suposições não apenas sobre sexualidade, mas também sobre gênero. Crianças e adolescentes, especialmente, estão muito mais propensos agora a se vestir e pensar em si mesmos da maneira que lhes parece certa, e não de acordo com alguma distribuição de tarefas pré-histórica imaginada de gênero, onde Homem = Caça, Mulher = Coleta. (Por outro lado, como muitos ativistas exasperados apontariam, a maioria das grandes organizações LGBTQIAP+ se concentrou na questão “respeitável” — isto é, melhor para arrecadação de fundos — da igualdade no casamento em detrimento da luta pelos direitos trans. O paradoxo resultante é que pessoas trans e não binárias têm um impacto cultural sem precedentes, mas enfrentam ataques legais terríveis em todo o país.)

Os liberais geralmente se definem como o meio racional entre extremistas de ambos os lados e acham que se todos apenas ouvissem a razão, não haveria tanto conflito. Isso os torna irritantes em festas e pouco confiáveis ​​na luta aplaudindo protestos no início, mas depois, quando a reação inevitavelmente vem, assumindo que os radicais devem tê-la provocado ao pressionar por muito, muito cedo. Na verdade, eles são os que têm a ilusão selvagem: que este sistema precisa apenas de alguns reparos aqui e ali, mesmo que cambaleie sob o peso do colapso ecológico e do fascismo financiado por bilionários.

Os liberais zombam dos republicanos por serem irracionalmente assombrados pelo espectro de bárbaros socialistas nos portões. Mas os socialistas sabem que fantasmas são reais. Eles são as pálidas evidências de um mundo além daquele que podemos ver em nossas vidas diárias. Nosso trabalho é manter a coragem de continuar caminhando na direção deles, mesmo quando não temos certeza do caminho, e continuar lembrando uns aos outros que não temos nada a perder além de nossos pesadelos.

 

Fonte: Por Danny Katch, com tradução de Sofia Schurig, para Jacobin Brasil

 

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