Socialismo
significa expandir a democracia para toda a sociedade
Um
espectro assombra a Europa — o espectro do comunismo. Todos os poderes da velha
Europa entraram em uma aliança sagrada para exorcizar esse espectro: Papa e
Czar, Metternich e Guizot, Radicais Franceses e policiais espiões alemães.
Qual
partido da oposição que não foi denunciado como comunista por seus oponentes no
poder? Qual a oposição que não replicou a reprovação do comunismo contra os
partidos de oposição mais avançados, bem como contra seus adversários
reacionários?
Duas coisas resultam deste fato:
I.
O comunismo já é reconhecido por todas as
potências europeias como uma potência.
II.
Já passou da hora de os comunistas
publicarem abertamente, para o mundo inteiro, suas visões, seus objetivos, suas
tendências, e enfrentarem esse conto infantil do Espectro do Comunismo com um
manifesto do próprio partido.
O Manifesto Comunista pode
ser o livro mais influente da história mundial, se você não contar aqueles
sobre Deus ou bruxos adolescentes. Poucos meses após sua publicação em 1848,
revoluções eclodiram por toda a Europa. Elites aterrorizadas pensaram que os
dois jovens autores deviam ter poderes imensos, seja para profetizar revoltas
ou para criá-las. Na verdade, Marx e Engels não tinham ideia de que 1848 se
tornaria um ano histórico, mas sabiam que a mudança estava no ar porque
passavam muito tempo com trabalhadores irritados. O que era, e ainda é, um
hábito incomum para intelectuais.
As
pessoas em Paris, Berlim e outros lugares não se insurgiram naquele ano porque
Marx disse para elas fazerem isso. Mas depois que foram às ruas, o Manifesto forneceu
a muitas delas uma visão do que sua revolta — e as futuras — poderiam alcançar.
Esse tem sido o objetivo do socialismo desde então: demonstrar como a coragem e
a criatividade que as pessoas já possuem podem apontar o caminho para uma sociedade
diferente que será construída sobre essas qualidades ao invés de ser ameaçada
por elas.
Para
os capitalistas e seus servos, o socialismo tem sido um zumbi que simplesmente
não morre. Por quase duzentos anos, eles tiveram socialistas como bodes
expiatórios, demitidos, deportados e pior. E então… quando pensaram que era
seguro voltar para seus iates… lá estamos nós novamente, tentando desmembrar
suas mansões e mutilar sua riqueza herdada.
A
introdução do Manifesto parece especialmente relevante hoje.
Os Estados Unidos em 2023 não são a Paris de 1848. Mas o socialismo está uma
vez mais no centro das atenções — e na mira. Começou com os movimentos Occupy
Wall Street e Black Lives Matter e então
explodiu em plena visibilidade com a popularidade de Bernie Sanders e
Alexandria Ocasio-Cortez, a eleição de dezenas de outros socialistas em todo o
país e o crescimento explosivo dos Socialistas Democráticos da América (DSA).
Os
republicanos, cujo símbolo do partido é um enorme animal pisoteador que fica
aterrorizado ao ver um rato, eram obcecados com o socialismo mesmo quando
poucos de nós havíamos nascido, então é claro que eles estão surtando (e
arrecadando fundos) com o novo Pânico Vermelho. Eles demonizam o Medicare
for All como uma conspiração para tirar o seguro saúde (hã?) e o Green
New Deal como pena de morte para aqueles flagrados comendo um
hambúrguer. Estou surpreso que algum amante da liberdade de direita ainda não tenha
feito uma entrevista coletiva para declarar que os semáforos são uma
conspiração comunista.
Mais
alarmante é o crescimento de milícias armadas e multidões delirantes que estão
convencidas de que tudo ao seu redor — de clínicas de vacinação a planos de
aula da quarta série sobre escravidão — é parte de uma vasta conspiração
comunista. As mídias sociais aceleraram a disseminação de desinformação, mas o
sentimento é tão antigo quanto a primeira slave patrol. O sonho
americano sempre foi sobre se tornar rico e poderoso o suficiente para poder
passar o resto da vida obcecado achando que todos os outros te perseguem. Este
é um país que produz US$ 20 trilhões em riqueza anualmente, mas surta com
crianças pobres pedindo ajuda em sua fronteira, um lugar onde os compradores da
Land Rover gritam “Tirania!” se a recepcionista da concessionária pede que eles
coloquem uma máscara, e a polícia em armadura corporal completa atira em corpos
desarmados.
“Os
republicanos, cujo símbolo do partido é um enorme animal que fica aterrorizado
ao ver um rato, eram obcecados pelo socialismo mesmo quando poucos de nós
havíamos nascido.”
Enquanto
isso, os socialistas dos quais eles têm tanto medo são frequentemente um grupo
tranquilo. Da Fox News, ficamos sabendo de nossos planos sinistros para
uniformes universais de cardigans cinza e cirurgias de
redesignação de gênero para qualquer um pego com uma cópia da Constituição, e
damos de ombros, confusos uns para os outros, no porão da igreja onde temos
reuniões mensais: “Você disse isso? Eu não.”
A
temida agenda socialista é, na verdade, bastante moderada no momento.
Assistência médica universal gratuita já está em vigor em todos os outros
países capitalistas ricos do mundo, além dos Estados Unidos. Abolir o Serviço
de Imigração e Controle de Aduanas e o Departamento de Segurança Interna
significa apenas voltar ao modo como as coisas eram antes do 11 de setembro. As
políticas que compõem o Green New Deal são passos iniciais
mais inéditos, mas ainda modestos, em comparação com as mudanças radicais exigidas
pelo aquecimento global.
Quando
Bernie concorreu à presidência em 2016, um de seus apoiadores mais proeminentes
foi o ex-secretário do trabalho Robert Reich, que havia escrito naquela época
um livro chamado Saving Capitalism: For the Many, Not the Few [Salvando
o capitalismo: para muitos, não para poucos]. Pode parecer estranho que alguém
que quer salvar o capitalismo apoie um candidato que se autodenomina
socialista. Mas a visão de Reich de um capitalismo “salvo” não estava tão longe
do “socialismo democrático” de Sanders, que ele frequentemente descrevia como
uma expansão das grandes reformas capitalistas do século XX, como a Previdência
Social e o Medicare.
Muitos
conservadores argumentariam que isso prova que Robert Reich é realmente um
socialista, enquanto alguns esquerdistas podem insistir que isso mostra que
Bernie Sanders, na verdade, não é um. Para mim, isso só mostra que o
capitalismo corrompeu a política a ponto de você praticamente ter que ser um
socialista apenas para pressionar pelas reformas mais básicas e de senso comum.
Esta é uma grande razão pela qual o socialismo está ganhando apoio, mas é
importante garantir que essas reformas sejam vistas como nossos primeiros
passos, e não como nosso objetivo final.
Como
poucas pessoas tiveram a oportunidade de aprender o que significa socialismo,
muito menos se envolver em uma organização socialista, a palavra pode
significar quase tudo à esquerda de Joe Rogan. Como resultado, a palavra
socialismo está no ar mais do que esteve em gerações, mas mais como um pedaço
flutuante de papel crepom rosa do que uma bandeira vermelha cintilante. Isso
começou a mudar à medida que os candidatos socialistas ajudaram a transformar
programas como o Medicare for All e o Green New Deal no
que às vezes é chamado de “programa mínimo” para o socialismo. Os socialistas
precisam construir sobre esse mínimo e adicionar mais carne e sangue ao
espectro do socialismo.
O socialismo
é definido menos por leis específicas do que por quem tem o poder de
supervisioná-las. Trata-se de eliminar distinções entre o governo e os
governados. A razão pela qual muitas pessoas não apoiam políticas econômicas e
ambientais que são “de seu interesse” é que elas não acham que os políticos e
burocratas que implementariam essas políticas agiriam em seu interesse. E é
difícil argumentar com a experiência delas. É por isso que uma definição mais
completa de socialismo deve começar com dois conceitos simples, mas de longo
alcance:
- Os trabalhadores controlam o governo.
- O governo controla a economia.
O
número 2 tem sido a principal característica de muitos países que se
autodenominam socialistas ou comunistas. Mas é o número 1 — democracia em todos
os níveis da sociedade — que transforma o mero controle estatal da economia em
socialismo. Karl Marx, Vladimir Lênin e Rosa Luxemburgo foram todos combatentes
pela liberdade vivendo sob reis e ditadores. Eles eram socialistas porque
concluíram que a democracia plena era impossível sob o capitalismo. Por
democracia, eles não queriam dizer ter uma votação em algum dia de novembro,
mas tomar parte ativa em todas as decisões importantes da sociedade.
Porque
estamos tão acostumados a imaginar os mestres do governo e da economia como
poderes centralizados estreitos que nos governam a partir de um punhado de
prédios, é difícil para nós imaginar mudanças na sociedade que vão além de
substituir as pessoas nesses prédios por outras que são esperançosamente mais
honestas e nobres. O socialismo não substituiria apenas essas pessoas, mas o
sistema que centraliza tanto poder em alguns prédios. Ele ampliaria as bases da
tomada de decisões para milhares de prédios, praças públicas e centros
comunitários. É um sistema no qual as pessoas controlam o governo mudando o que
o governo significa.
“O
socialismo é definido menos por leis específicas do que por quem tem o poder de
supervisioná-las. É sobre eliminar distinções entre o governo e os governados.”
Ao
contrário dos sonhos bilionários de colônias lunares libertárias, essas ideias
não vieram de imaginações e egos descontrolados, mas da experiência concreta da
resistência popular. Os socialistas tiveram um primeiro vislumbre da democracia
de massa revolucionária, por exemplo, em 1871, quando uma revolta na França
criou a assembleia revolucionária de toda uma cidade, conhecida como Comuna de
Paris. Esta era uma nova forma de governo na qual os funcionários não recebiam
mais do que o salário médio do trabalhador e eram imediatamente destituídos se
os eleitores estivessem descontentes com eles. Um Marx animado observou que “em
vez de decidir uma vez a cada três anos qual membro da classe dominante os
enganaria”, a comuna permitiu que os eleitores substituíssem os eleitos tão
facilmente quanto os chefes podem substituir os funcionários no local de
trabalho.
Assim
como a democracia deve existir além do dia da eleição, ela também deve existir
fora dos prédios governamentais. Socialismo é falar às pessoas sobre como cada
aspecto de suas vidas é administrado, o que não é apenas nobre, mas também mais
eficaz. Dez anos atrás, tive um gostinho desse potencial como um participante
menor do Occupy Wall Street. O que começou como um pequeno
acampamento de protesto na porta de alguns dos bancos mais poderosos do mundo
logo gerou comitês que criaram cozinhas, bibliotecas, arte e quaisquer projetos
que alguém quisesse seguir — desde apoiar linhas de piquete próximas até
desafiar deportações e execuções hipotecárias. Outros tiveram experiências
semelhantes em redes locais de ajuda mútua que surgiram durante a pandemia de
COVID e após desastres naturais, bem como em acampamentos de protesto liderados
por indígenas para impedir oleodutos. Muitos concordariam com o participante
do Occupy, Nathan Schneider, que escreveu que “a habilidade e a
imaginação demonstradas aumentaram cada vez mais como uma acusação do mundo
alienado lá fora que nos impedia de compartilhar o que poderíamos fazer uns com
os outros, nos enganou para vender nosso tempo e talentos por dinheiro”.
É
esse tipo de democracia participativa radical, funcionando como a fundação de
um sistema político e econômico organizado de forma centralizada, que é o
coração da visão socialista. Muitas pessoas mais velhas sabem que o nome do
governo “comunista” da Rússia era União Soviética, mas poucas sabem que soviete era conselho em
russo. A Revolução Russa foi criada e (brevemente) liderada por sovietes
eleitos democraticamente, que surgiram em fábricas, quartéis militares e vilas
camponesas por todo o país para conduzir a revolução em suas áreas locais e
eleger delegados para o governo soviético regional e nacional.
“A
democracia participativa radical, funcionando como base de um sistema político
e econômico organizado de forma centralizada, é o cerne da visão socialista.”
“Nenhum
corpo político mais sensível e respondedor à vontade popular jamais foi
inventado”, escreveu o grande jornalista socialista John Reed em 1919 sobre
esses conselhos únicos. Assim como na Comuna de Paris, os delegados do soviete
podiam ser imediatamente destituídos por eleitores insatisfeitos. Donas de
casa, empregados domésticos e outros trabalhadores que não trabalhavam em
fábricas podiam se organizar coletivamente e ocupar a representação nos
sovietes. Apenas empregadores e policiais eram excluídos.
Os
sovietes e outros organismos democráticos da classe trabalhadora surgiram em
muitas outras revoluções do século passado, inclusive na Espanha em 1936. Eis
como George Orwell descreveu Barcelona naquele ano em sua emocionante Homenagem
à Catalunha:
Cada
loja e café tinha uma inscrição dizendo que tinha sido coletivizado; até mesmo
os engraxates tinham sido coletivizados e suas caixas pintadas de vermelho e
preto. Garçons e vendedores ambulantes olhavam para você face a face e te
tratavam como um igual. Formas servis e até cerimoniais de discurso tinham
desaparecido temporariamente. Ninguém dizia “Señor” ou “Don” ou mesmo “Usted”;
todos se tratavam como “Camarada” ou “Tu” e diziam “Salud!” em vez de “Buenos
dias”. . . E o aspecto das multidões era a coisa mais estranha de todas. Na
aparência externa, era uma cidade na qual as classes ricas praticamente
deixaram de existir. Exceto por um pequeno número de mulheres e estrangeiros,
não havia pessoas “bem vestidas”. Praticamente todos usavam roupas rústicas da
classe trabalhadora, ou macacões azuis ou alguma variante do uniforme da
milícia. Tudo isso era estranho e comovente. Havia muita coisa nisso que eu não
entendia, de certa forma nem gostava, mas reconheci imediatamente como uma
situação pela qual valia a pena lutar.
Você
pode conhecer Orwell como o autor de 1984 e A Fazenda
dos Animais, que são lidos em muitas escolas como obras de propaganda
antissocialista. Você provavelmente não sabe que Orwell era um socialista que
rejeitava ditaduras que se autodenominavam comunistas, mas apoiava a coisa real
quando a via. (Infelizmente, a desconfiança legítima de Orwell no governo
autoritário que emergiu da Revolução Russa o levou, em seus últimos dias, a
enviar uma lista de suspeitos comunistas para uma agência secreta dentro do
governo britânico — o que, se você leu o final de 1984, saberá que
é o final mais orwelliano possível.)
As
revoluções na Rússia e na Espanha não duraram. Nem o Occupy Wall Street,
por falar nisso, ou as campanhas presidenciais de Bernie. Isso não prova que a
tarefa do socialismo é impossível — assim como a história de dezenas de
insurreições fracassadas de escravos não provou que a escravidão nas plantações
nunca acabaria. Mas significa que nós também somos assombrados, por nossos
medos do futuro capitalista, mas também pelos fracassos das gerações
anteriores. Essas derrotas, Marx escreveu uma vez, “pesam como um pesadelo nos
cérebros dos vivos”, o que significa que os socialistas têm problemas zumbis
próprios.
Costuma-se
dizer que o socialismo provou não funcionar. Parte disso é propaganda
descarada, como a alegação comum da direita de que o socialismo matou cem
milhões de pessoas. Esse número estranhamente redondo é obtido pela contagem de
todas as vítimas de fomes horríveis nos primeiros anos de governos
autoproclamados comunistas na China e na União Soviética. Mas os anticomunistas
nunca fazem a mesma matemática para o capitalismo. Estima-se que noventa
milhões de pessoas morrem de fome ao redor do mundo a cada década — e isso
antes de incluirmos as centenas de milhões que morreram em guerras
capitalistas, escravidão e genocídio.
Mas
os fracassos cruéis do capitalismo não mudam o fato de que nem as ditaduras
“comunistas” nem as reformas limitadas dos governos “socialistas” eleitos
conseguiram criar as sociedades democráticas livres que Marx e Engels
descreveram no Manifesto .
Os
socialistas não têm todas as respostas sobre como levar a humanidade para além
do capitalismo — não se formos honestos. Isso significa que, mesmo que nosso
movimento esteja fazendo um retorno histórico, ainda somos relativamente fracos
e tímidos, especialmente diante de uma direita ameaçadora que se beneficia de
uma ordem política desequilibrada, onde alguns milhares de idiotas delirantes
parecem ter tanto peso quanto milhões de manifestantes do Black Lives
Matter. É emocionante ver demandas radicais entrarem nos debates
cotidianos, mas ainda estamos vivendo em um mundo de espelhos de parques de
diversões, onde um lado planeja abertamente ataques armados aos prédios do
Capitólio e o outro se pergunta se é permitido dizer “desfinancie a polícia” em
voz alta.
O
aumento alarmante de marchas fascistas e grupos supremacistas brancos expôs
para muitos algumas das injustiças profundas que sempre estiveram no cerne da
ordem política e econômica norte-americana. Isso empurrou muitos progressistas
para mais perto do socialismo e fez com que muitos tivessem medo de radicais
indo longe demais e criassem uma reação negativa. Esta é uma das principais
razões pelas quais Bernie Sanders perdeu a nomeação democrata de 2020 para Joe
Biden. Bernie era o político mais popular do país, enquanto Joe era uma versão
humana de um troféu de quarto lugar em um torneio de caratê. Mas os eleitores
das primárias democratas escolheram o cara que se candidatou a não fazer nada
na esperança de que sua mediocridade fosse menos ameaçadora para seus vizinhos
e os impedisse de votar em Donald Trump. Essa estratégia pode ter ajudado os
democratas a ganharem a eleição, mas não fez nada para resolver as questões
mais profundas que nos colocaram no tipo de confusão que tornou plausível para
Trump obter votos de qualquer pessoa além de seus companheiros super ricos no
programa de milhagem de Jeffrey Epstein.
“Os
liberais são aqueles com a ilusão selvagem: que este sistema precisa apenas de
alguns reparos, mesmo cambaleando sob o peso do colapso ecológico e do fascismo
financiado por bilionários.”
As
circunstâncias específicas da eleição de 2020 podem ter sido únicas, mas sempre
enfrentamos escolhas difíceis entre esperança e medo. Qualquer passo em direção
à mudança progressiva — seja por meio de eleições, greves ou protestos —
inevitavelmente desencadeia o vórtice de fúria, pânico e calúnia que sempre
caiu sobre aqueles que lutam por liberdade e justiça para todos. Quando nossa
ansiedade sobre essa reação nos leva a diluir nossas esperanças e diminuir
nossas demandas, isso não impede nossos oponentes de crescer. Isso torna o lado
deles mais confiante, o nosso mais tímido e reforça a lógica distorcida de um
sistema político onde os republicanos acolhem com entusiasmo teóricos da
conspiração delirantes e os democratas repreendem seus membros mais populares
por quererem que todos tenham assistência médica.
Mas
também é verdade que as elites e os reacionários realmente veem o espectro do
socialismo em todos os lugares — assim como fizeram quando Marx e Engels
escreveram o Manifesto. E há uma razão para isso. Entre as elites,
sempre há alguns idiotas que realmente acham que ganharam o que têm, mas também
há os mais inteligentes que estão profundamente cientes de que seu poder e
privilégio vêm de uma ordem injusta. Isso pode muitas vezes tornar os
conservadores mais sensíveis do que os liberais ao quão vulnerável o
capitalismo realmente é.
Há
alguma verdade, portanto, nos medos da direita de que todos os programas de
bem-estar social carregam consigo o perigoso germe do socialismo. Quando os
republicanos pregam que estamos seguindo pela estrada ardente da condenação
comunista porque não estamos deixando pessoas suficientes morrerem de fome e
doenças, eles apontam que esses programas são a prova de que o capitalismo não
pode atender às necessidades mais básicas da sociedade.
Aqui
está outro exemplo. Em 2003, a Suprema Corte finalmente anulou uma lei do Texas
que criminalizava relações sexuais homo afetivas, e o juiz superconservador
Antonin Scalia alertou que “se a desaprovação moral da conduta homossexual não
é ‘interesse legítimo do Estado’… que justificativa poderia haver para negar os
benefícios do casamento a casais homossexuais?” Na época, nenhum estado havia
legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e muitos comentaristas
liberais zombaram que Scalia estava usando táticas de intimidação ao levantar a
perspectiva absurda de pessoas gays se casarem. Mas Scalia estava certo, o que,
pela primeira vez, foi uma coisa boa.
Então,
conforme as leis de igualdade no casamento se espalhavam pelo país, os
conservadores gritavam que os papéis tradicionais de gênero estavam sendo
minados, os liberais novamente rejeitaram seu alarmismo desesperado e,
novamente, os conservadores acabaram tendo bons motivos para se preocupar. O
casamento entre pessoas do mesmo sexo realmente minou as suposições não apenas
sobre sexualidade, mas também sobre gênero. Crianças e adolescentes,
especialmente, estão muito mais propensos agora a se vestir e pensar em si
mesmos da maneira que lhes parece certa, e não de acordo com alguma
distribuição de tarefas pré-histórica imaginada de gênero, onde Homem = Caça,
Mulher = Coleta. (Por outro lado, como muitos ativistas exasperados apontariam,
a maioria das grandes organizações LGBTQIAP+ se concentrou na questão
“respeitável” — isto é, melhor para arrecadação de fundos — da igualdade no
casamento em detrimento da luta pelos direitos trans. O paradoxo resultante é
que pessoas trans e não binárias têm um impacto cultural sem precedentes, mas
enfrentam ataques legais terríveis em todo o país.)
Os
liberais geralmente se definem como o meio racional entre extremistas de ambos
os lados e acham que se todos apenas ouvissem a razão, não haveria tanto
conflito. Isso os torna irritantes em festas e pouco confiáveis na luta — aplaudindo protestos
no início, mas depois,
quando a reação
inevitavelmente vem, assumindo que os radicais devem tê-la provocado ao pressionar por muito,
muito cedo. Na verdade, eles são os que têm a ilusão selvagem: que este sistema precisa apenas
de alguns reparos aqui e ali, mesmo que cambaleie sob o peso do colapso
ecológico e do fascismo financiado por bilionários.
Os
liberais zombam dos republicanos por serem irracionalmente assombrados pelo
espectro de bárbaros socialistas nos portões. Mas os socialistas sabem que
fantasmas são reais. Eles são as pálidas evidências de um mundo além daquele
que podemos ver em nossas vidas diárias. Nosso trabalho é manter a coragem de
continuar caminhando na direção deles, mesmo quando não temos certeza do
caminho, e continuar lembrando uns aos outros que não temos nada a perder além
de nossos pesadelos.
Fonte:
Por Danny Katch, com tradução de
Sofia Schurig, para Jacobin Brasil
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