Paulo José Cunha: ‘Ainda faz sentido falar
em esquerda e direita?’
A crise da eleição venezuelana abre as portas para uma reflexão sobre a atualidade (ou
desatualidade) da dicotomia direita x esquerda. A denominação permanece em uso
muito mais por inércia do que por eficácia. Ainda que os estragos que causa
sejam de tal ordem que estão a exigir ampla revisão. Separar opções ideológicas
exclusivamente entre esquerda x direita ainda faz sentido? E nem estamos
considerando as “alternativas” que se criaram para abrigar tendências menos
radicais como centro-esquerda ou centro-direita. Referimo-nos à própria
essência da divisão ideológica polarizante que se abrigou sob duas palavras que
têm sua origem lá na Revolução Francesa (1789-1799).
Recordando: a
burguesia, vale dizer os mais ricos, e as camadas mais baixas da sociedade
instalaram uma assembleia constituinte para dotar a França de uma nova
Constituição. O país vivia sob um regime monárquico. Quando os membros da
Assembleia Nacional se reuniam, os “girondinos”, apoiadores do rei, integrantes
da alta burguesia e do grande capital, sentavam-se à direita dele; e os
simpatizantes da revolução, considerados radicais mais exaltados, aliados às
classes trabalhadoras e aos camponeses, os “jacobinos”, sentavam-se à esquerda
do monarca. Com a passagem do tempo, as palavras “esquerda” e “direita”
passaram a designar genericamente “de direita” os conservadores e “de esquerda”
os progressistas.
Mas quando se observa,
nos dias de hoje, o uso que vem sendo dado às palavras “esquerda” e “direita”,
percebe-se o quanto a dicotomia desgastou-se. E vem sendo usada muito mais para
justificar desmandos de autocratas. Não fosse assim, um regime visível e
abertamente ditatorial, como o venezuelano, não se enquadraria sob o manto da
“esquerda”. Mas Nicolás Maduro diz-se “de esquerda” embora praticamente enfeixe
em suas mãos todos os poderes. Quando não os exerce diretamente, controla-os
com mão de ferro. E sob a marca até hoje indecifrável de um tal regime
“bolivarianista”, seja lá o que isto seja. Nada mais… à direita! Mas o rótulo é
bom. E serve de escudo protetor para toda sorte de desmandos. Tal como a
ditadura de feição stalinista totalitária da Coréia do Norte, pilotada por Kim
Il-sung, que lidera o um dos países mais fechados do planeta e se sustenta por
meio de um intenso culto à sua personalidade. Na Venezuela, Maduro abriga-se na
memória revolucionária de Hugo Chávez, que iniciou o ciclo autoritário venezuelano
tendo por base o tal “regime bolivarianista” (de Simón Bolivar, o Herói
Libertador, que liderou a independência de vários países sul-americanos).
Chávez se apropriou da imagem e do legado lendário e quase mitológico de
Bolívar para construir o que denominou “República Bolivariana”, cujas bases
ideológicas, políticas e econômicas até hoje são propositalmente obscuras.
Funciona apenas – e muito bem – como símbolo, rótulo e emblema para o controle
do poder. Venezuela e Coréia do Norte padecem de sérios problemas sociais,
principalmente a fome, a miséria, o analfabetismo e a destinação de boa parte
das riquezas nacionais para a classe militar, em troca do apoio que mantém seus
líderes no poder. Em ambos, o que menos se observa é a preocupação social que
deveria, obviamente, caracterizar regimes de esquerda.
Ora, ora. A esquerda
entende que sobre toda propriedade particular pesa uma hipoteca social. Isto
quando não defende abertamente o simples fim da propriedade privada. Define-se
originalmente pela defesa da igualdade social e o combate às desigualdades, priorizando
os mais carentes. Já a direita se autodefine como conservadora principalmente
no campo econômico. Defende radicalmente o livre mercado, combate a
interferência estatal e com isso promove a concentração de capital, mesmo à
custa da miséria e da morte de seus concidadãos. É igualmente conservadora nas
pautas de costumes (combate ao racismo, à homofobia etc.). Direitistas,
em geral, são contra o aborto para vítimas de estupro (como se viu recentemente
no congresso brasileiro). Estão associados a princípios religiosos
ultra-conservadores, que não aceitam a união homossexual ou a igualdade de
gênero.
Por tudo isso, vale
uma reflexão sobre a questão original: ainda é possível usar a dicotomia
semântica esquerda-direita? Bom lembrar que ela começou a entrar em xeque lá
nos tempos de Stálin. Hoje, o rótulo serve apenas como anteparo confortável
para caudilhos. Só para refrescar a memória, é bom lembrar o dirigente
soviético Nikita Khrushchov, que denunciou as atrocidades cometidas por Stálin, a partir do
Grande Expurgo entre 1936 e 1938, quando cerca de 15 mil pessoas
foram assassinadas. Sem esquecer dos campos de trabalhos forçados, os Gulags. E
o genocídio dos ucranianos.
Alguns cálculos de estudiosos e historiadores garantem que as
execuções sumárias somadas teriam provocado a morte de até 20 milhões de
pessoas. Sim! 20… milhões! Olhando um pouquinho aqui pro nosso quintal
latinoamericano, é bom não esquecer que, na recente “eleição” venezuelana,
totalmente sem transparência, 24 pessoas morreram em confronto com as forças do
governo, ocorreram mais de 2 mil prisões e as perseguições a opositores
continuam até hoje. A principal oponente e candidata natural da oposição sequer
teve a chance de concorrer ao pleito.
Mas Maduro se diz… de
esquerda! Como igualmente Kim
Jong-un. Tal como, lá atrás, Stálin se dizia. E, no
comando absoluto da União Soviética, entronizou-se de 1920 a 1952 no poder
central do país simplesmente acabando com as eleições, posição historicamente
preferida pelos detentores do poder em ditaduras ditas de direita, como o
salazarismo português, o nazismo alemão, o fascismo italiano, o franquismo
espanhol e a própria ditadura militar brasileira.
Fica evidente que
tornou-se obsoleta a divisão ideológica esquerda-direita. No mínimo, é preciso
encontrar outra nomenclatura. Porque essa aí já deu o que tinha de dar.
¨ ‘Subimperialismo ou independência?’, Por Francisco Celso Calmon
Exigir atas de votação
nas eleições da Venezuela, propor novas eleições, são ingerências indevidas e
desrespeito à nossa Constituição e ao país vizinho e amigo.
Art. 4º A
República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios:
III –
autodeterminação dos povos;
IV –
não-intervenção;
V – igualdade
entre os Estados;
Lula, talvez mal
assessorado, entrou numa área movediça, e, quanto mais tenta consertar a sua
participação na questão interna da Venezuela, mais se afunda.
O que estão fazendo
com a Venezuela, amanhã pode ser com qualquer país da América do Sul.
Imaginemos o
concorrente do Lula afirmando que ganhou e os Estados Unidos (do Trump, por
exemplo) exigindo que se apresente os boletins físicos ou as mídias
eletrônicas das urnas, sob controle do Justiça eleitoral brasileira, para
auditoria externa.
Não estão duvidando do
governo Maduro, mas, sim, do Estado venezuelano.
É muito grave! Não se
pode aceitar esse procedimento, seria um precedente que eliminaria sobretudo o
direito internacional da não-intervenção e da autodeterminação dos povos,
tornaria a soberania nacional dos Estados relativa.
Argumentam que o CNE
(Conselho Nacional Eleitoral) está sob domínio do Maduro, e antes mesmo do TSJ
(Tribunal Supremo de Justiça) da Venezuela concluir a auditoria, também já
estão alegando que está sob domínio do Maduro, então, querem uma intervenção no
Estado venezuelano, visto que querem negar o empoderamento do chavismo, o
processo revolucionário bolivariano?
Lula que já
classificara o sistema da Venezuela como excesso de democracia (em 25 anos
houve cerca de 30 eleições), agora o classifica como desagradável e
autoritário.
O que o incomoda desde
a época do Chaves? É a perspectiva revolucionária e socialista do
bolivarianismo-chavista?
A linguagem e
concepção de Lula é reformista, sem alterar as estruturas do sistema, e em
conciliação com o império, já o bolivarianismo se assenta na concepção marxista
e leninista da luta e classes.
Lula já declarou
algumas vezes que não é revolucionário, todavia, quero crer, obviamente, que
não virou contrarrevolucionário.
O subimperialismo é
assumir um papel estratégico, no qual o Brasil é o mantenedor da hegemonia dos
Estados Unidos na região.
É assumir o
desenvolvimento dependente, aceitar a subalternidade ao imperialismo, aumentar
a aristocracia operária (expressão de Lênin), é amortecer as contradições entre
as classes burguesas e as classes trabalhadoras pela manutenção do sistema.
Seria o lulismo o
peleguismo contemporâneo?
O governo brasileiro
não deve aceitar o papel de subimperialista, não temos vocação, nem história e
seria uma desobediência à Carta Magna, contudo, esse governo está tão
benevolente e elogioso dos próceres da ditadura militar, que pode ter encampado
essa estratégia, defendida pelos ditadores e auxiliares como Delfim Neto,
Roberto Campos (o avô), Golbery do Couto e Silva, e os filhotes daquele regime
terrorista, como Bolsonaro, Heleno, Villas Boas, e mais alguns milicos
entreguistas e neonazifascistas.
Bolsonaro e os EUA
reconheceram Guaidó como presidente fantoche, Lula e o imperialismo vão
reconhecer o fascista, terrorista e assassino Edmundo González como presidente
ilegítimo?
O governo brasileiro
só tem uma posição a tomar e declarar: o Estado da Venezuela é soberano e de
acordo com a Constituição do Brasil cabe ao governo brasileiro e o seu
presidente respeitarem a soberania de cada país, sem ingerência e intervenção
em assuntos internos de outro país, salvo se estiver colocando em risco a
independência e integridade do Brasil. (O que não ocorre).
O script é o mesmo das
eleições e tentativas de golpes anteriores na Venezuela, o modelo é o mesmo que
o imperialismo vem exportando para inviabilizar governos de esquerda, resta
saber se o Lula está deixando de ser um estadista para ser um teleguiado de seu
amigo Biden.
Lula não tem vocação
para o confronto, mas aprecia que haja confronto para ele mediar, todavia, é
preciso ter lado e não sacrificar parceiros estratégicos.
O Brasil terá seu
merecido espaço com a reorganização internacional, com a multipolaridade, para
isso, está no BRICS, no Mercosul; o mundo unipolar, com a hegemonia do
imperialismo, está entrópico, só se mantém pelas guerras, mas, o país é pela
paz, não somos beligerantes, essa tentativa de se equilibrar entre esses dois
mundos, um, o velho, sucumbindo, o outro, o novo, a esperança, vai acabar com a
brocha na mão.
Nesse sentido a
Venezuela é parceira, como a China e a Rússia, são esses os laços a estreitar.
O Brasil pode e deve
encampar as bandeiras da paz, contra o genocídio em Gaza, pelo cessar fogo na
Ucrânia, contra os embargos e sanções econômicas, pela devolução dos bens
sequestrados da Rússia e da Venezuela pelo imperialismo ocidental.
¨
Justiça venezuelana
afirma já ter 60% das atas eleitorais apuradas
O Tribunal Supremo de
Justiça da Venezuela (TSJ) já apurou 60% das atas eleitorais no país. A equipe
do Supremo responsável por essa checagem se chama Sala Eleitoral e trabalha atualmente na sede do Conselho Nacional
Eleitoral (CNE) comparando os resultados das atas com o que está registrado no
sistema eletrônico do órgão eleitoral.
O objetivo da Justiça
é concluir a apuração de 100% das atas e validá-las no sistema do CNE. O método
é simples. A Sala Eleitoral, presidida por Caryslia Beatriz Rodríguez, conta
com uma equipe de peritos que vai checar a validade das atas apresentadas pelo CNE. Eles vão checar se elas são
originais e, a partir disso, comparar com o que está registrado no sistema
eletrônico do órgão eleitoral. Com essa validação, será possível comparar
também com a cópia das atas recolhidas pelos partidos e entregues ao TSJ.
Os votos reunidos nas
atas coletadas ficam armazenados no Centro de Dados do CNE, onde está toda a
estrutura tecnológica do Centro Nacional de Totalização número 1 do órgão. Este
é o espaço conhecido como Bolha Eleitoral, em que ficam os servidores, e onde
trabalharão os peritos do TSJ nos próximos dias.
Todos esses resultados
serão validados também com os dados armazenados em cada máquina. Além da ata
eleitoral e das informações coletadas pelo CNE, os peritos também vão analisar
o material salvo nas próprias máquinas de votação. Elas armazenam em um cartão
de memória, que é uma espécie de pen-drive, os votos para, caso haja algum
problema na transmissão dos resultados por aquela urna, ele pode ser enviado de
outro dispositivo também.
As eleições
aconteceram em 28 de julho e tiveram como vencedor o presidente Nicolás Maduro
para um terceiro mandato. O CNE, no entanto, alega ter sofrido um ataque hacker
que atrasou a coleta dos dados e impediu a publicação dos resultados no site do
órgão. Ou seja, os detalhes de cada mesa de votação ainda não foram
divulgados.
O órgão
eleitoral divulgou primeiro a vitória de Maduro em um
“cenário irreversível” com 80% das
urnas apuradas. Depois, atualizou os dados e divulgou a vitória de Maduro com
6,4 milhões de votos (51,97%) contra 5,3 milhões (43,18%) de Edmundo com 96,87%
das urnas apuradas. A oposição de extrema direita afirma ter
recolhido 80% das atas e que isso garantiria a vitória de Edmundo González
Urrutia.
Os peritos agora
checam se esses números estão corretos tanto nas atas quanto no sistema do CNE.
Assim como no Brasil, as urnas venezuelanas também são eletrônicas e enviam os
dados no final das eleições para os computadores do órgão eleitoral em Caracas
por uma linha telefônica da empresa estatal CanTV, que sistematiza e consolida
todos os votos para publicá-los.
Depois de todo esse
processo, o TSJ vai emitir uma decisão sobre as eleições do país. Caso o TSJ
entenda que as eleições foram válidas, a Corte pode pedir o indiciamento dos
candidatos que alegaram fraude e que eventualmente tenham apresentado provas
falsas à Justiça. Essa denúncia é passada ao Ministério Público que retoma as
investigações e formaliza a acusação.
Se o Tribunal indicar
inconsistências entre os resultados das mesas de votação de acordo com o CNE e
das cópias das atas que estão com os partidos, ele deve declarar que as
eleições são nulas e o CNE teria que convocar um novo pleito.
A investigação foi
pedida pelo próprio presidente Nicolás Maduro em 1º de agosto. O TSJ deu 72 horas para que o CNE entregasse
as atas eleitorais à Justiça. A
presidente da Sala Eleitoral, Caryslia Rodríguez, e outros 4 magistrados
ouviram o depoimento dos candidatos e de representantes de partidos e
encerraram a fase inicial em 10 de agosto. A peritagem do material eleitoral entregue pelo CNE começou em 16 de agosto.
A partir de então, a
Sala tem 15 dias para apresentar o resultado das investigações. O prazo vence
em 31 de agosto, mas ela pode prorrogar caso entenda que precisa de mais tempo
para análise.
O TSJ apura também os ataques hackers que o
CNE alega ter sofrido. De acordo com advogados especialistas em
direito constitucional venezuelano ouvidos pelo Brasil de Fato, caso seja
entendida a veracidade das acusações, a Sala Eleitoral pode dar uma “sentença
declaratória” que, basicamente, reconhece uma ação junto à Justiça. O problema
é que esses ataques teriam sido feitos do exterior, o que faz com que uma
eventual decisão condenatória não tenha efeito fora do país.
O CNE tem um período
de 30 dias para publicar o resultado completo das eleições na Gazeta Eleitoral
a partir das eleições de 28 de julho. As atas, no entanto, não são publicadas.
O órgão eleitoral é obrigado a publicar os resultados desagregados delas.
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Oposição tenta fazer pressão
Os opositores de
Maduro divulgaram em dois sites uma suposta lista das atas eleitorais. Em um
deles, o usuário digitava o seu documento de identidade e aparecia supostamente
a ata eleitoral da mesa que aquele usuário votou. No outro, havia um compilado
com os dados de todas as atas que a oposição afirmava ter.
Mas eles não
publicaram a relação completa das atas na Justiça venezuelana e nem entraram
com processo pedindo a revisão ou a impugnação dos resultados eleitorais.
Corina disse que seu candidato, Edmundo González, ganhou o pleito por larga
margem, 70% a 30% de Maduro.
Com o início das
investigações pela Justiça, Edmundo González Urrutia não se apresentou ao TSJ e
enviou como representante o governador de Zulia, Manuel Rosales. Em discurso
depois da oitiva, Rosales disse que a oposição "não precisa entregar nada"
e exigiu a apresentação das atas eleitorais pelo CNE.
O setor de extrema
direita tinha duas opções: ou abrir um processo próprio na Justiça do país ou
apresentar as provas na investigação que já está em curso. O grupo, no entanto,
não optou por nenhuma das duas saídas.
Fonte: Congresso em
Foco/Jornal GGN/Brasil de Fato
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