quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Paulo José Cunha: ‘Ainda faz sentido falar em esquerda e direita?’

crise da eleição venezuelana abre as portas para uma reflexão sobre a atualidade (ou desatualidade) da dicotomia direita x esquerda. A denominação permanece em uso muito mais por inércia do que por eficácia. Ainda que os estragos que causa sejam de tal ordem que estão a exigir ampla revisão. Separar opções ideológicas exclusivamente entre esquerda x direita ainda faz sentido? E nem estamos considerando as “alternativas” que se criaram para abrigar tendências menos radicais como centro-esquerda ou centro-direita. Referimo-nos à própria essência da divisão ideológica polarizante que se abrigou sob duas palavras que têm sua origem lá na Revolução Francesa (1789-1799).

Recordando: a burguesia, vale dizer os mais ricos, e as camadas mais baixas da sociedade instalaram uma assembleia constituinte para dotar a França de uma nova Constituição. O país vivia sob um regime monárquico. Quando os membros da Assembleia Nacional se reuniam, os “girondinos”, apoiadores do rei, integrantes da alta burguesia e do grande capital, sentavam-se à direita dele; e os simpatizantes da revolução, considerados radicais mais exaltados, aliados às classes trabalhadoras e aos camponeses, os “jacobinos”, sentavam-se à esquerda do monarca. Com a passagem do tempo, as palavras “esquerda” e “direita” passaram a designar genericamente “de direita” os conservadores e “de esquerda” os progressistas.

Mas quando se observa, nos dias de hoje, o uso que vem sendo dado às palavras “esquerda” e “direita”, percebe-se o quanto a dicotomia desgastou-se. E vem sendo usada muito mais para justificar desmandos de autocratas. Não fosse assim, um regime visível e abertamente ditatorial, como o venezuelano, não se enquadraria sob o manto da “esquerda”. Mas Nicolás Maduro diz-se “de esquerda” embora praticamente enfeixe em suas mãos todos os poderes. Quando não os exerce diretamente, controla-os com mão de ferro. E sob a marca até hoje indecifrável de um tal regime “bolivarianista”, seja lá o que isto seja. Nada mais… à direita! Mas o rótulo é bom. E serve de escudo protetor para toda sorte de desmandos. Tal como a ditadura de feição stalinista totalitária da Coréia do Norte, pilotada por Kim Il-sung, que lidera o um dos países mais fechados do planeta e se sustenta por meio de um intenso culto à sua personalidade. Na Venezuela, Maduro abriga-se na memória revolucionária de Hugo Chávez, que iniciou o ciclo autoritário venezuelano tendo por base o tal “regime bolivarianista” (de Simón Bolivar, o Herói Libertador, que liderou a independência de vários países sul-americanos). Chávez se apropriou da imagem e do legado lendário e quase mitológico de Bolívar para construir o que denominou “República Bolivariana”, cujas bases ideológicas, políticas e econômicas até hoje são propositalmente obscuras. Funciona apenas – e muito bem – como símbolo, rótulo e emblema para o controle do poder. Venezuela e Coréia do Norte padecem de sérios problemas sociais, principalmente a fome, a miséria, o analfabetismo e a destinação de boa parte das riquezas nacionais para a classe militar, em troca do apoio que mantém seus líderes no poder. Em ambos, o que menos se observa é a preocupação social que deveria, obviamente, caracterizar regimes de esquerda.

Ora, ora. A esquerda entende que sobre toda propriedade particular pesa uma hipoteca social. Isto quando não defende abertamente o simples fim da propriedade privada. Define-se originalmente pela defesa da igualdade social e o combate às desigualdades, priorizando os mais carentes. Já a direita se autodefine como conservadora principalmente no campo econômico. Defende radicalmente o livre mercado, combate a interferência estatal e com isso promove a concentração de capital, mesmo à custa da miséria e da morte de seus concidadãos. É igualmente conservadora nas pautas de costumes (combate ao racismo, à homofobia etc.).  Direitistas, em geral, são contra o aborto para vítimas de estupro (como se viu recentemente no congresso brasileiro). Estão associados a princípios religiosos ultra-conservadores, que não aceitam a união homossexual ou a igualdade de gênero.

Por tudo isso, vale uma reflexão sobre a questão original: ainda é possível usar a dicotomia semântica esquerda-direita? Bom lembrar que ela começou a entrar em xeque lá nos tempos de Stálin. Hoje, o rótulo serve apenas como anteparo confortável para caudilhos. Só para refrescar a memória, é bom lembrar o dirigente soviético Nikita Khrushchov, que denunciou as atrocidades cometidas por Stálin, a partir do Grande Expurgo entre 1936 e 1938, quando cerca de 15 mil  pessoas foram assassinadas. Sem esquecer dos campos de trabalhos forçados, os Gulags. E o genocídio dos ucranianos. Alguns cálculos de estudiosos e historiadores garantem que as   execuções sumárias somadas teriam provocado a morte de até 20 milhões de pessoas. Sim! 20… milhões! Olhando um pouquinho aqui pro nosso quintal latinoamericano, é bom não esquecer que, na recente “eleição” venezuelana, totalmente sem transparência, 24 pessoas morreram em confronto com as forças do governo, ocorreram mais de 2 mil prisões e as perseguições a opositores continuam até hoje. A principal oponente e candidata natural da oposição sequer teve a chance de concorrer ao pleito.

Mas Maduro se diz… de esquerda! Como igualmente Kim Jong-un. Tal como, lá atrás, Stálin se dizia. E, no comando absoluto da União Soviética, entronizou-se de 1920 a 1952 no poder central do país simplesmente acabando com as eleições, posição historicamente preferida pelos detentores do poder em ditaduras ditas de direita, como o salazarismo português, o nazismo alemão, o fascismo italiano, o franquismo espanhol e a própria ditadura militar brasileira.

Fica evidente que tornou-se obsoleta a divisão ideológica esquerda-direita. No mínimo, é preciso encontrar outra nomenclatura. Porque essa aí já deu o que tinha de dar.

 

¨      ‘Subimperialismo ou independência?’, Por Francisco Celso Calmon

Exigir atas de votação nas eleições da Venezuela, propor novas eleições, são ingerências indevidas e desrespeito à nossa Constituição e ao país vizinho e amigo.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

III – autodeterminação dos povos;

IV – não-intervenção;

V – igualdade entre os Estados;

Lula, talvez mal assessorado, entrou numa área movediça, e, quanto mais tenta consertar a sua participação na questão interna da Venezuela, mais se afunda.

O que estão fazendo com a Venezuela, amanhã pode ser com qualquer país da América do Sul.

Imaginemos o concorrente do Lula afirmando que ganhou e os Estados Unidos (do Trump, por exemplo) exigindo que se apresente os boletins físicos ou as mídias eletrônicas das urnas, sob controle do Justiça eleitoral brasileira, para auditoria externa.

Não estão duvidando do governo Maduro, mas, sim, do Estado venezuelano.

É muito grave! Não se pode aceitar esse procedimento, seria um precedente que eliminaria sobretudo o direito internacional da não-intervenção e da autodeterminação dos povos, tornaria a soberania nacional dos Estados relativa.

Argumentam que o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) está sob domínio do Maduro, e antes mesmo do TSJ (Tribunal Supremo de Justiça) da Venezuela concluir a auditoria, também já estão alegando que está sob domínio do Maduro, então, querem uma intervenção no Estado venezuelano, visto que querem negar o empoderamento do chavismo, o processo revolucionário bolivariano? 

Lula que já classificara o sistema da Venezuela como excesso de democracia (em 25 anos houve cerca de 30 eleições), agora o classifica como desagradável e autoritário.

O que o incomoda desde a época do Chaves? É a perspectiva revolucionária e socialista do bolivarianismo-chavista?

A linguagem e concepção de Lula é reformista, sem alterar as estruturas do sistema, e em conciliação com o império, já o bolivarianismo se assenta na concepção marxista e leninista da luta e classes.

Lula já declarou algumas vezes que não é revolucionário, todavia, quero crer, obviamente, que não virou contrarrevolucionário.

O subimperialismo é assumir um papel estratégico, no qual o Brasil é o mantenedor da hegemonia dos Estados Unidos na região.

É assumir o desenvolvimento dependente, aceitar a subalternidade ao imperialismo, aumentar a aristocracia operária (expressão de Lênin), é amortecer as contradições entre as classes burguesas e as classes trabalhadoras pela manutenção do sistema.

Seria o lulismo o peleguismo contemporâneo?

O governo brasileiro não deve aceitar o papel de subimperialista, não temos vocação, nem história e seria uma desobediência à Carta Magna, contudo, esse governo está tão benevolente e elogioso dos próceres da ditadura militar, que pode ter encampado essa estratégia, defendida pelos ditadores e auxiliares como Delfim Neto, Roberto Campos (o avô), Golbery do Couto e Silva, e os filhotes daquele regime terrorista, como Bolsonaro, Heleno, Villas Boas, e mais alguns milicos entreguistas e neonazifascistas.  

Bolsonaro e os EUA reconheceram Guaidó como presidente fantoche, Lula e o imperialismo vão reconhecer o fascista, terrorista e assassino Edmundo González como presidente ilegítimo?

O governo brasileiro só tem uma posição a tomar e declarar: o Estado da Venezuela é soberano e de acordo com a Constituição do Brasil cabe ao governo brasileiro e o seu presidente respeitarem a soberania de cada país, sem ingerência e intervenção em assuntos internos de outro país, salvo se estiver colocando em risco a independência e integridade do Brasil. (O que não ocorre).

O script é o mesmo das eleições e tentativas de golpes anteriores na Venezuela, o modelo é o mesmo que o imperialismo vem exportando para inviabilizar governos de esquerda, resta saber se o Lula está deixando de ser um estadista para ser um teleguiado de seu amigo Biden.

Lula não tem vocação para o confronto, mas aprecia que haja confronto para ele mediar, todavia, é preciso ter lado e não sacrificar parceiros estratégicos. 

O Brasil terá seu merecido espaço com a reorganização internacional, com a multipolaridade, para isso, está no BRICS, no Mercosul; o mundo unipolar, com a hegemonia do imperialismo, está entrópico, só se mantém pelas guerras, mas, o país é pela paz, não somos beligerantes, essa tentativa de se equilibrar entre esses dois mundos, um, o velho, sucumbindo, o outro, o novo, a esperança, vai acabar com a brocha na mão.

Nesse sentido a Venezuela é parceira, como a China e a Rússia, são esses os laços a estreitar.

O Brasil pode e deve encampar as bandeiras da paz, contra o genocídio em Gaza, pelo cessar fogo na Ucrânia, contra os embargos e sanções econômicas, pela devolução dos bens sequestrados da Rússia e da Venezuela pelo imperialismo ocidental.

¨      Justiça venezuelana afirma já ter 60% das atas eleitorais apuradas

O Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ) já apurou 60% das atas eleitorais no país. A equipe do Supremo responsável por essa checagem  se chama Sala Eleitoral e trabalha atualmente na sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) comparando os resultados das atas com o que está registrado no sistema eletrônico do órgão eleitoral. 

O objetivo da Justiça é concluir a apuração de 100% das atas e validá-las no sistema do CNE. O método é simples. A Sala Eleitoral, presidida por Caryslia Beatriz Rodríguez, conta com uma equipe de peritos que vai checar a validade das atas apresentadas pelo CNE. Eles vão checar se elas são originais e, a partir disso, comparar com o que está registrado no sistema eletrônico do órgão eleitoral. Com essa validação, será possível comparar também com a cópia das atas recolhidas pelos partidos e entregues ao TSJ.

Os votos reunidos nas atas coletadas ficam armazenados no Centro de Dados do CNE, onde está toda a estrutura tecnológica do Centro Nacional de Totalização número 1 do órgão. Este é o espaço conhecido como Bolha Eleitoral, em que ficam os servidores, e onde trabalharão os peritos do TSJ nos próximos dias. 

Todos esses resultados serão validados também com os dados armazenados em cada máquina. Além da ata eleitoral e das informações coletadas pelo CNE, os peritos também vão analisar o material salvo nas próprias máquinas de votação. Elas armazenam em um cartão de memória, que é uma espécie de pen-drive, os votos para, caso haja algum problema na transmissão dos resultados por aquela urna, ele pode ser enviado de outro dispositivo também. 

As eleições aconteceram em 28 de julho e tiveram como vencedor o presidente Nicolás Maduro para um terceiro mandato. O CNE, no entanto, alega ter sofrido um ataque hacker que atrasou a coleta dos dados e impediu a publicação dos resultados no site do órgão. Ou seja, os detalhes de cada mesa de votação ainda não foram divulgados. 

O órgão eleitoral divulgou primeiro a vitória de Maduro em um “cenário irreversível” com 80% das urnas apuradas. Depois, atualizou os dados e divulgou a vitória de Maduro com 6,4 milhões de votos (51,97%) contra 5,3 milhões (43,18%) de Edmundo com 96,87% das urnas apuradas. A oposição de extrema direita afirma ter recolhido 80% das atas e que isso garantiria a vitória de Edmundo González Urrutia

Os peritos agora checam se esses números estão corretos tanto nas atas quanto no sistema do CNE. Assim como no Brasil, as urnas venezuelanas também são eletrônicas e enviam os dados no final das eleições para os computadores do órgão eleitoral em Caracas por uma linha telefônica da empresa estatal CanTV, que sistematiza e consolida todos os votos para publicá-los. 

Depois de todo esse processo, o TSJ vai emitir uma decisão sobre as eleições do país. Caso o TSJ entenda que as eleições foram válidas, a Corte pode pedir o indiciamento dos candidatos que alegaram fraude e que eventualmente tenham apresentado provas falsas à Justiça. Essa denúncia é passada ao Ministério Público que retoma as investigações e formaliza a acusação. 

Se o Tribunal indicar inconsistências entre os resultados das mesas de votação de acordo com o CNE e das cópias das atas que estão com os partidos, ele deve declarar que as eleições são nulas e o CNE teria que convocar um novo pleito. 

A investigação foi pedida pelo próprio presidente Nicolás Maduro em 1º de agosto. O TSJ deu 72 horas para que o CNE entregasse as atas eleitorais à Justiça. A presidente da Sala Eleitoral, Caryslia Rodríguez, e outros 4 magistrados ouviram o depoimento dos candidatos e de representantes de partidos e encerraram a fase inicial em 10 de agosto. A peritagem do material eleitoral entregue pelo CNE começou em 16 de agosto.

A partir de então, a Sala tem 15 dias para apresentar o resultado das investigações. O prazo vence em 31 de agosto, mas ela pode prorrogar caso entenda que precisa de mais tempo para análise. 

TSJ apura também os ataques hackers que o CNE alega ter sofrido. De acordo com advogados especialistas em direito constitucional venezuelano ouvidos pelo Brasil de Fato, caso seja entendida a veracidade das acusações, a Sala Eleitoral pode dar uma “sentença declaratória” que, basicamente, reconhece uma ação junto à Justiça. O problema é que esses ataques teriam sido feitos do exterior, o que faz com que uma eventual decisão condenatória não tenha efeito fora do país.

O CNE tem um período de 30 dias para publicar o resultado completo das eleições na Gazeta Eleitoral a partir das eleições de 28 de julho. As atas, no entanto, não são publicadas. O órgão eleitoral é obrigado a publicar os resultados desagregados delas. 

<><> Oposição tenta fazer pressão

Os opositores de Maduro divulgaram em dois sites uma suposta lista das atas eleitorais. Em um deles, o usuário digitava o seu documento de identidade e aparecia supostamente a ata eleitoral da mesa que aquele usuário votou. No outro, havia um compilado com os dados de todas as atas que a oposição afirmava ter. 

Mas eles não publicaram a relação completa das atas na Justiça venezuelana e nem entraram com processo pedindo a revisão ou a impugnação dos resultados eleitorais. Corina disse que seu candidato, Edmundo González, ganhou o pleito por larga margem, 70% a 30% de Maduro.

Com o início das investigações pela Justiça, Edmundo González Urrutia não se apresentou ao TSJ e enviou como representante o governador de Zulia, Manuel Rosales. Em discurso depois da oitiva, Rosales disse que a oposição "não precisa entregar nada" e exigiu a apresentação das atas eleitorais pelo CNE.

O setor de extrema direita tinha duas opções: ou abrir um processo próprio na Justiça do país ou apresentar as provas na investigação que já está em curso. O grupo, no entanto, não optou por nenhuma das duas saídas.

 

Fonte: Congresso em Foco/Jornal GGN/Brasil de Fato

 

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