sexta-feira, 23 de agosto de 2024

China: desvendado suas complexidades

Não resta dúvida que a China é um fenômeno novo e complexo que perpassa muitas dimensões da nossa vida. Não resta dúvida que o distanciamento civilizacional e o etnocentrismo turvam o entendimento da realidade chinesa. Além disso, um país cujo dinamismo é incrível, o que era verdade há um ou duas décadas, hoje já é passado.

São muitas as perguntas que nos intrigam. Como foi a estratégia chinesa e porque não replicou o modelo neoliberal tão em voga? Quais as políticas estruturantes desse projeto nacional? Como o desenvolvimento mudou a configuração do país? Quais os impactos industriais e urbanos? Como afetou diversos indicadores? Qual o relação entre o PCCh e o Estado? Como está organizado o sistema político e administrativo da China? De que maneira a China tem organizado instituições eficazes e quais seus mecanismos de funcionamento? Como a Economia Digital se relaciona com a Governança Digital? Qual o papel das novas tecnologias nas políticas públicas? Quais os exemplos emblemáticos de Big Data e IA em ações governamentais?

Essas questões e outras estarão no nosso curso “Rota da China: Perspectivas Contemporâneas” que será estruturado em quatro eixos principais:

Estratégias do Desenvolvimento Chinês pós-Reforma

Transformações Socioeconômicas e Mobilidade Social

O Estado, Instituições e Governança

Governança Digital e Políticas Públicas.

O curso oferece uma visão abrangente do desenvolvimento chinês, um tema crucial tanto para o Brasil quanto para o cenário global. A proposta é combinar acessibilidade com um aprofundamento acadêmico, em um formato de dois meses com aulas quinzenais ao vivo, realizadas online. Além das aulas, os participantes terão acesso a um fórum de debates, material de apoio e suporte contínuo. As aulas serão ao vivo e ficarão gravadas, permitindo que os alunos revisitem o conteúdo durante e após o curso.

Destinado a todas as pessoas interessadas em aprender mais sobre a China contemporânea, o curso não exige formação prévia. É uma relevante oportunidade para expandir conhecimentos sobre esse gigante asiático.

 

¨      Tensões no Mar da China Meridional ameaçam comércio global

Os anos pós-pandemia de covid-19 têm sido difíceis para o comércio global. Confinamentos e fechamentos de fábricas durante a pandemia provocaram atrasos em cadeias globais de fornecimento e ajudaram a alimentar uma inflação como não se via há décadas.

Em 2021, o Canal de Suez ficou fechado por uma semana por causa do encalhe de um navio de contêineres. Paralelamente, os ataquesa navios de transporte marítimo por rebeldes iemenitas houthis e pelo Irã, ao longo dos últimos dez meses, levaram ao redirecionamento de navios de contêineres do Mar Vermelho para o caminho em torno da África.

Mas também as pretensões militares chinesas no Mar da China Meridional podem afetar o fluxo do comércio global.

<><> A importância para o comércio global

O Mar da China Meridional é parte do Oceano Pacífico ocidental e fica entre o sul da China, Taiwan, Filipinas, Indonésia, Vietnã, Tailândia, Camboja e Malásia.

Cerca de um terço do comércio marítimo global passa anualmente por essa via marítima de 3,5 milhões de quilômetros quadrados, de acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Cerca de 40% dos produtos petrolíferos comercializados globalmente são transportados por esse mar todos os anos.

Em 2016, um valor estimado em 3,6 trilhões de dólares em bens e commodities viajou por essa via marítima, de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), com sede em Washington. Outra estimativa estima que o total chegue a 5,3 trilhões de dólares.

Pesquisadores da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, calcularam que o comércio total através do Mar da China Meridional e do Mar da China Oriental – que fica entre a China, as duas Coreias e o Japão – alcança 7,4 trilhões de dólares por ano.

Dezenas de milhares de navios de carga passam pelo Mar da China Meridional todos os anos, transportando cerca de 40% do comércio da China, um terço do comércio da Índia e 20% do comércio do Japão com o resto do mundo, de acordo com dados do CSIS.

Em toda a Ásia, é a segurança econômica desses três países que mais depende do bom funcionamento da hidrovia. O Mar da China Meridional é uma via vital tanto para o comércio intra-asiático quanto para o comércio da Ásia com o resto do mundo, especialmente com a Europa, o Oriente Médio e a África.

<><> Controvérsia que pode resultar em guerra

A China reivindica para si quase todo o Mar da China Meridional, o que incomoda seus países vizinhos, que afirmam que as ambições territoriais da China atravessam suas zonas econômicas exclusivas.

A China ignorou uma decisão de 2016 de um tribunal de arbitragem internacional em Haia, na Holanda, segundo a qual não há base legal ou histórica para as reivindicações expansionistas de Pequim.

Os militares chineses estão realizando ações cada vez mais agressivas no Mar da China Meridional, incluindo confrontos com navios filipinos, o que alimenta temores de um conflito em grande escala. Os Estados Unidos já alertaram várias vezes que serão obrigados a defender as Filipinas caso os militares filipinos sejam atacados, inclusive no Mar da China Meridional.

No mês passado, o Vietnã apresentou uma reivindicação às Nações Unidas para uma plataforma continental estendida que vá além das suas atuais 200 milhas náuticas no Mar da China Meridional. As Filipinas fizeram um movimento semelhante em junho.

E há ainda a questão de que a China considera Taiwan– que se separou da China continental no final de uma guerra civil, há 75 anos – como uma província rebelde com a qual deve ser reunificada. As preocupações de que Pequim possa usar a força militar para colocar a ilha sob seu controle aumentaram ainda mais as tensões no Mar da China Meridional.

<><> O valor econômico

Estima-se que o Mar da China Meridional tenha cerca de 5,38 trilhões de metros cúbicos de gás natural e 11 bilhões de barris de petróleo, de acordo com a agência de informações americana Administração de Informação de Energia.

As águas disputadas também contêm grandes depósitos de minerais de terras raras, cruciais para as ambições tecnológicas da China e usados em baterias de veículos elétricos e aparelhos eletrônicos avançados.

Algumas estimativas sugerem que o Oceano Pacífico contenha mil vezes mais minerais de terras raras do que as reservas terrestres conhecidas, das quais mais da metade são controladas pela China e que são necessárias para a transição para uma energia mais limpa.

<><> Terceiro polo na crise do transporte global?

Desde o fim de 2023, o comércio global tem sido prejudicado pelos ataques dos rebeldes houthis, que são apoiados pelo Irã, no Mar Vermelho, ao largo do Iêmen. Os houthis fizeram ataques com drones e mísseis contra a navegação comercial em resposta à ofensiva de Israel contra os militantes do Hamas em Gaza.

Como resultado, grandes empresas de navegação desviaram suas embarcações da rota do Mar Vermelho, que inclui o Canal de Suez. Em vez disso, os navios de carga estão passando pelo Cabo da Boa Esperança, no sul da África, o que aumenta em cerca de dez dias a viagem média da Ásia para a Europa. Essa mudança elevou os custos de transporte por causa de custos maiores com seguros e combustível e causou atrasos em portos na Europa e na Ásia.

Com a guerra em Gaza ameaçando se expandir para uma área mais ampla do Oriente Médio, incluindo um ataque direto do Irã a Israel a qualquer momento, há temores de que Teerã possa fechar outro ponto importante para o comércio global: o Estreito de Ormuz. Essa estreita via navegável fica na abertura do Golfo Pérsico e movimenta quase um terço do comércio mundial de petróleo.

Nos últimos anos, o Irã atacou regularmente navios comerciais no estreito, e novos ataques seriam vistos como uma grande provocação pelo Ocidente. Se as empresas de navegação optarem por evitar também Ormuz, o comércio marítimo poderá enfrentar atrasos e custos ainda maiores.

Se as tensões entre a China e seus vizinhos aumentarem ainda mais, isso poderá abrir uma terceira frente na crise global do transporte marítimo. As empresas marítimas podem tentar evitar partes do Mar da China Meridional. Os atrasos e os subsequentes aumentos de custos podem causar escassez de produtos e commodities e reduzir a receita dos principais portos asiáticos, incluindo os de Singapura, Malásia e Taiwan.

<><> Estreito de Malaca

Embora as principais tensões envolvam China, Filipinas e Taiwan, a maior ameaça ao comércio no Mar da China Meridional pode vir do Estreito de Malaca, que fica mais ao sul, entre Malásia, Indonésia e Singapura.

No ano passado, 23,7 milhões de barris de petróleo e derivados foram transportados por dia pelo estreito, de acordo com a Administração de Informação de Energia, dos EUA. Esse número foi 13% maior do que o registrado no Estreito de Ormuz.

O Estreito de Malaca tem apenas 64 quilômetros de largura em seu ponto mais estreito e já é hoje vulnerável a congestionamentos e colisões. Ao longo dos anos têm ocorrido muitos incidentes de roubo e de pirataria.

Alguns especialistas militares e em geopolítica preveem que, caso a China invada Taiwan, por exemplo, os EUA e seus aliados poderiam bloquear o Estreito de Malaca, limitando o acesso da China a petróleo, bem como as exportações da maior economia da Ásia.

¨      Como a China quer se tornar a potência naval do Pacífico

A ameaça de uma guerra paira sobre a ilha de Taiwan. A República Popular da China não esconde que deseja a reunificação com o território que considera uma província renegada, se necessário, até mesmo pela força das armas. Na apresentação do relatório anual das ações do governo ao Congresso Nacional do Povo – principal órgão Legislativo da China comunista –, o primeiro-ministro, Li Qiang, reafirmou a determinação de Pequim de "promover resolutamente a causa da reunificação da China".

Segundo ele, isso faz parte da "estratégia geral" do regime. A declaração em si não é nova. No entanto, observadores notaram a ausência da palavra "pacífica" depois de "reunificação", em contraste com as formulações de relatórios de anos anteriores.

Pequim aponta que vê como uma ameaça potencial o fato de que a República da China – como Taiwan se autodenomina oficialmente – recebe garantias de segurança dos Estados Unidos. Cinco porta-aviões dos EUA estão atualmente no Pacífico, de acordo com relatos da mídia americana. Recentemente, políticos da China têm mostrado uma predileção em falar sobre "paz e segurança em ambas as margens". Muitos especialistas estão gradualmente se convencendo de que não se trata mais apenas do Estreito de Taiwan, mas do Oceano Pacífico como um todo.

Com o objetivo de realmente controlar as águas reivindicadas, Pequim tem expandindo significativamente sua marinha, ainda pouco poderosa em comparação com a de outras potências. O ponto mais ao sul do Mar da China Meridional fica a cerca de 2.000 quilômetros do continente. Pequim quer ampliar ainda mais seu raio de ação. E para isso quer contar com mais porta-aviões.

Dois em serviço, mais dois em construção

Dois porta-aviões se encontram atualmente em serviço na marinha chinesa. O primeiro, chamado Liaoning, foi batizado em homenagem a uma província onde o navio de guerra sofreu adaptações. Ele era originalmente um porta-aviões inacabado da antiga marinha da União Soviética.

Batizado inicialmente como Riga, ele começou a ser construído na década de 1980 e, com a dissolução da União Soviética, ficou em poder da Ucrânia. Seu casco inacabado foi comprado pela China em 1998 por meio de um intermediário de Macau por 20 milhões de dólares. Inicialmente, o empresário alegou que desejava converter a embarcação em um hotel e cassino flutuantes. Em 2012, rebatizado como Liaoning, o porta-aviões entrou em serviço na Marinha da China após ser remodelado e modernizado.

O segundo porta-aviões, chamado Shandong, também recebeu o nome de uma província costeira da China. Com pequenas modificações, a embarcação é uma cópia do Liaoning produzida inteiramente na China. Desde 2019, esse porta-aviões tem navegado principalmente no Mar Meridional da China.

Um terceiro porta-aviões, batizado de Fujian, encontra-se em construção em um estaleiro em Xangai. Como seus dois antecessores, ele tem propulsão convencional, mas, em contraste com os porta-aviões de raiz soviética, o Fujian tem um design inteiramente desenvolvido na China. Espera-se que ele entre em serviço em 2025. Como os outros dois, é movido a combustível comum, o que limita seu raio de ação.

Mas há especulações sobre um quarto porta-aviões, que estaria sendo construído ao lado do Fujian. "Não estou ciente de nenhuma dificuldade técnica com o quarto porta-aviões", disse o almirante Yuan Huazhi indiretamente sobre os rumores a um repórter de Hong Kong, nos bastidores do Congresso Nacional do Povo.

Quando questionado se o porta-aviões já estaria equipado com um sistema de propulsão nuclear, o oficial político do mais alto escalão da marinha chinesa respondeu evasivamente: "informaremos o público no devido tempo". No entanto, a nova embarcação continua não sendo mencionada na imprensa oficial.

<><> Mídia reporta dois porta-aviões movidos a energia nuclear

Antes do início do Congresso do Povo, veículos de imprensa de Hong Kong e Taiwan apontaram que dois porta-aviões movidos a energia nuclear estariam com a construção em andamento – simultaneamente em dois estaleiros. Cada um deles teria dois reatores de sal líquido de tório que gerariam energia por meio de fissão nuclear, segundo os jornais.

"A China quer claramente exibir sua forte ambição de defender suas águas com uma marinha moderna", disse Wang Feng, editor do jornal China Times, de Taipei, a capital de Taiwan.

O almirante Yuan permanece no curso oficial: "Estamos construindo porta-aviões, não para nos igualarmos aos EUA; e certamente não para entrar em guerra com os EUA. Queremos usá-los para defender nossa soberania e integridade territorial", disse.

Em contraste com algumas democracias ocidentais, a bancada do governo no Congresso Nacional do Povo não costuma ser contestada ou obrigada a prestar contas. Questionamentos críticos não costumam ser feitos. Os planos do governo são regularmente aplaudidos e ovacionados pelos 2.980 delegados. E, no Grande Salão do Povo, a forte ambição da China de se tornar uma superpotência militar regional fica bastante clara.

<><> Aumento de gastos militares

Em 2024, os gastos militares da China devem aumentar 7,2%, em comparação com o ano anterior, atingindo a marca de 215,5 bilhões de euros (R$ 1,2 trilhão). Se a economia do país registrar um crescimento de 5% no ano corrente, os gastos de defesa no orçamento podem acabar respondendo por 1,2% do produto interno bruto (PIB). De acordo com o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), uma organização que se dedica à análise de conflitos, isso colocaria a China em segundo lugar no mundo em termos de gastos com defesa, logo atrás dos EUA.

E esses gastos se refletem na marinha. A tecnologia militar mudou drasticamente desde o fim da Segunda Guerra Mundial, aponta Charles Martin-Shields, do Instituto Alemão de Desenvolvimento. Se contar com porta-aviões movidos a energia nuclear, "uma marinha moderna não precisa mais de cadeias de ilhas como bases de suprimentos para reabastecimento a fim de controlar o vasto Pacífico".

Atualmente, no mundo, apenas os EUA e a França têm oficialmente porta-aviões movidos a energia nuclear.

Um motivo para o aumento das recentes tensões militares na região, apontam especialistas, é o fato de que"William" Lai Ching-te, um crítico da China, assumirá a presidência de Taiwan em maio. "Em princípio, nem a China, nem os EUA estão interessados em um conflito militar", diz Hanna Gers, do Conselho Alemão de Relações Exteriores. "Pessoalmente, acho que bloqueios econômicos são mais prováveis. Mas também sei que todos os cenários possíveis estão sendo discutidos".

Os porta-aviões chineses ainda estão se limitando a navegar nas águas territoriais do país. Mas o almirante Yuan já vem insinuando que a marinha chinesa poderá em breve se dirigir a destinos mais distantes. "Os porta-aviões estão sendo construídos para isso".

Um possível teste seria a atual crise no Oriente Médio. Desde que as milícias houthis do Iêmen passaram a atacar cargueiros no Mar Vermelho, a navegação comercial tem sofrido restrições na região.

"As rotas comerciais através do Mar Vermelho são de importância estratégica para o fornecimento de energia da China", aponta o editor Wang, do China Times.

Entretanto, a Marinha da China ainda não parece capaz de realizar operações defensivas de segurança marítima. Mas isso não deixa de ser mais um argumento a favor do aprimoramento das forças navais do país.

 

Fonte: Por Diego Pautasso e Isis Paris Maia, em Outras Palavras/Deutsche Welle

 

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