terça-feira, 27 de agosto de 2024

Moisés Mendes: ‘As fantásticas fábricas de fascistas’

Especialistas convocados pelos jornalões já estão divagando sobre a capacidade de expansão e de duração do fenômeno do marçalismo. Como fizeram com Bolsonaro, e quase todos erraram. Como fizeram com Milei na Argentina. E também falharam.

Enxergar adiante o que irá acontecer com o fenômeno Pablo Marçal é exercício de adivinhação, é quase charlatanismo. Mas é o que auditório pede hoje, e a ciência rápida também se presta a essas demandas do público.

O problema é que os especialistas não dão conta mais nem do que vai ficando para trás e que poderia ajudar a explicar o surgimento dessas figuras. Como querer ver o futuro se não compreendemos direito como elas chegaram até aqui?

As respostas, no macro, são repetitivas. A guerra híbrida, o trumpismo, as redes, as desilusões com a democracia, o negacionismo, o supremacismo, os movimentos antissistema, o falso moralismo, as igrejas, o militarismo. 

No particular, no específico, as tentativas de explicação mais falham do que acertam. Porque a extrema direita se reciclou de um jeito que a ciência não dá conta dessas demandas. Não mais a ciência que explicava fenômenos e conflitos do século passado. 

Vamos a exemplos banais. Na Argentina, o extremista mais famoso até o início dos anos 20 era o deputado Alfredo Olmedo, que defendia a construção de um muro na fronteira com a Bolívia. 

Depois de Milei, ninguém mais se lembra de Olmedo. O fascismo pós-ditadura era apenas folclórico, num país que desfrutava da pretensão de ter erguido defesas seguras contra extremismos e totalitarismos. E então Milei criou um partido, o Liberdade Avança, em 2021, e dois anos depois se elegeu presidente. 

No Equador, Daniel Noboa era um ricaço e ex-deputado obscuro até eleger-se presidente no ano passado. Na Venezuela dos cansados Henrique Capriles e Juan Guaidó, Edmundo González foi buscado em casa para substituir Maria Corina, que até bem pouco tempo era apenas uma Damares, e enfrentar maduro.

Noboa tem 36 anos. González tem 74. Noboa é da geração das redes sociais, González é um analógico que só consegue dizer o que pensa se ler o texto que escreveram para ele num papelzinho.

No Uruguai, outro milionário, Juan Sartori, tentou ser o Bolsonaro deles, na eleição vencida por Lacalle Pou em 2019. Sartori sumiu, e o cara da extrema direita uruguaia continua sendo o general e senador Guido Manini Ríos, que cumpre protocolo como fascista.

No Chile, está fortalecido, depois do fracasso das Constituintes pós-2019, o racista e homófobo José Antonio Kast, que formou um partido há apenas cinco anos e pretende suceder Gabriel Boric. 

Kast é fascista exemplar, mas quem se atreve a ver as suas semelhanças com Bolsonaro, Milei, Manini Ríos, Guaidó e González que estejam além da abordagem básica que começa pelo discurso antissistema?

E chegamos então a Pablo Marçal, que acrescenta novos ingredientes aos quadros da extrema direita latino-americana como quadrilheiro ligado à bandidagem dos novos tempos de delinquências virtuais e ao crime organizado.

É fácil, tentador e de novo preguiçoso dizer que Marçal comprova as doenças de uma sociedade alienada, machista, supremacista e negacionista. Sim, é isso. Também é fácil elencar adjetivos depreciativos para identificar essas figuras como como aberrações humanas. Dezenas de adjetivos.

Mas não basta. Repetir que a sociedade está doente, que moralismo e religião se misturam para produzir extremismos, que milicianos e traficantes chegam ao poder com o suporte de guerras de ódio, mentira e difamação, nada disso muda nada.

Se cientistas falarem como padres e pastores, alertando para os demônios da extrema direita, estaremos cada vez mais longe de entender por que existem Bolsonaros, Mileis e Pablos, se eles têm um padrão de conduta, mas nos desafiam em suas particularidades.

Dizer que o barro que produziu Milei é o mesmo que moldou Pablo Marçal é cair na armadilha das explicações bíblicas. Eles são iguais e são muito diferentes. E as ferramentas das prateleiras da ética e da moral são insuficientes para explicá-los e ajudar a enfrentá-los.

No caso brasileiro, o que podemos estar testemunhando é que o bolsonarismo, um fenômeno do ativismo de tios brancos do zap, pode estar cansado de guerra e não sabe dizer o que deseja do próprio Bolsonaro.

Numa comparação singela, as esquerdas decidiram salvar Lula porque naquelas circunstâncias, pós-golpe e pós-encarceramento, não iriam sobreviver sem Lula. 

Já a extrema direita pode estar tentando matar Bolsonaro para que tenha sobrevida, com outros nomes e outras perspectivas. A linha de montagem do fascismo não para.


Pablo Marçal, o "bolsonarista ideal"

A ascensão de Pablo Marçal, candidato à prefeitura de São Paulo pelo PRTB nas pesquisas eleitorais, tem tirado o sono não apenas do atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), que busca a reeleição e que está ameaçado de não ir ao segundo turno. O desempenho do coach tem perturbado os principais líderes bolsonaristas.

Carlos Bolsonaro foi à rede social na noite de quinta-feira (22) para tentar inflar candidatura de Marina Helena (Novo), outra figura extremista que poderia tirar votos de Marçal. A estratégia é buscar enfraquecer o hoje adversário, que também pode se candidatar ao Senado em 2026, disputando com o irmão de Carlos, Eduardo, que já anunciou sua intenção de buscar um lugar na Câmara alta.

Muitos veem Jair Bolsonaro (PL) perdendo o controle de sua própria base, já que ele declarou apoio (tímido) a Nunes e seus simpatizantes não corresponderam. Em entrevista concedida ao Metrópoles nesta quinta, o ex-presidente demonstrou seu desconforto e atacou duramente o candidato do PRTB.

“Falta caráter ao Marçal. Ele me esculhambava até perto da eleição de 2022. Dizia que a diferença entre Lula e eu se resumia a um dedo e me chamou de ‘quadrilheiro’. Poucas semanas depois, quando não pôde ser candidato à Presidência, mudou de lado na reta final da campanha. Isso é falta de caráter”, disse.

Outras figuras políticas que foram aliadas a Bolsonaro, ao se afastarem do ninho, acabaram sumindo. Seria esse o destino de Marçal? Para o professor e pesquisador David Nemer, do Departamento de Antropologia e do programa de Estudos Latino-Americanos da Universidade da Virgínia, talvez a história não se repita.

<><> Bolsonarista ideal

Em um fio publicado no ex-Twitter, Nemer aponta que o candidato do PRTB representa uma espécie de tipo ideal do segmento político que se fortaleceu sob a liderança de Jair Bolsonaro.

"Pablo Marçal é literalmente a personificação do que seria, de fato, um Bolsonarista - ou o que seria um Bolsonarista ideal dentro desse imaginário do Bolsonarismo. Tirando os fatores óbvios: homem hétero, cristão conservador (evangélico), com discurso anti-comunista, entre outros, ele preenche vários requisitos desse Bolsonarista ideal que nem o próprio Jair Bolsonaro preenche (e nunca preencherá): Marçal é literalmente um outsider da política - o que legitima esse discurso anti establishment dele", aponta o professor.

O coach representaria ainda a ideia de meritocracia, algo forte no ideário bolsonarista. "Mas o que tenho refletido é como que o Bolsonaro e aliados políticos desenvolveram esse imaginário do Bolsonarista ideal, e só conseguiram se encaixar nesse imaginário através da narrativa (e desinformação) sem que de fato eles precisassem mostrar que preenchiam tais requisitos", pontua.

"O Frankenstein (Marçal) cresceu e agora volta para assombrar o seu próprio criador (Bolsonaro). Tem tempo que falo que o bolsonarismo é maior do que a figura do Bolsonaro. Marçal é um perigo para o Bolsonaro e Bolsonarismo, não só pela sua pessoa, mas principalmente por mostrar que qualquer um que conseguir de fato personificar o Bolsonarista ideal (dentro desse imaginário deles) pode sim crescer politicamente sem a bençãos de Jair Bolsonaro e até mesmo ameaçar a sua liderança dentro do próprio Bolsonarismo", conclui Nemer.


"Pablo Marçal não é apenas antipolítico; ele representa a destruição de qualquer possibilidade de diálogo"

Em entrevista à TV 247, o escritor e historiador João Cezar de Castro Rocha abordou as recentes tensões entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo. Rocha destacou que é um erro interpretar Marçal como uma simples continuação de Bolsonaro. "É um enorme equívoco, tanto lógico quanto político, imaginar que Pablo Marçal é uma espécie de Bolsonaro. Jair Messias Bolsonaro, por exemplo, não terceiriza o comando de suas redes sociais; pelo contrário, ele tem um domínio absoluto sobre elas. Esse não é o caso de Pablo Marçal", afirmou.

Rocha explicou que Marçal se distancia de Bolsonaro em sua visão política, chegando a desprezar o ex-presidente. "Pablo Marçal despreza Bolsonaro e o considera fraco, achando inaceitável que Bolsonaro não tenha sido reeleito mesmo tendo as rédeas do poder em suas mãos. Em nenhuma circunstância ele representa uma continuidade com Bolsonaro", destacou.

O historiador comparou Marçal ao modelo político de Javier Milei, da Argentina, enfatizando o caráter destrutivo de sua abordagem. "Milei e Paulo Marçal representam a ideia de 'queimar navios' e 'destruir pontes'. Eles não são apenas antipolíticos ou antissistema; eles simbolizam a destruição completa de qualquer possibilidade de política", explicou. Rocha acrescentou que Marçal não apenas rejeita a política tradicional, mas "representa a destruição de qualquer possibilidade de diálogo entre diferentes, de criação de acordos entre diversos grupos."

Rocha concluiu que a ascensão de Marçal deve ser vista com preocupação. "É importante ressaltar que ele não é, de forma alguma, uma continuação ou renovação de Bolsonaro; ele é uma oposição ao Bolsonaro. O que isso significa como fenômeno? É algo muito preocupante, e precisamos estar atentos e reagir à altura", alertou.

"Crescimento de Pablo Marçal reflete a força que a extrema-direita tem na sociedade", diz Rui Costa Pimenta

Durante uma entrevista concedida à TV 247, Rui Costa Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária (PCO), fez uma análise profunda sobre o cenário político atual, destacando o fenômeno do crescimento de Pablo Marçal, que agora aparece entre os líderes na disputa para a prefeitura de São Paulo, conforme apontam as pesquisas recentes, como a do Datafolha. Para Rui, esse crescimento "reflete a força que a extrema-direita tem na sociedade", demonstrando que o bolsonarismo não está mais atrelado exclusivamente à figura de Jair Bolsonaro.

Rui Costa Pimenta argumenta que "Jair Bolsonaro fez um esforço para ir para o centro", buscando alianças que pudessem ampliar sua base, como a que ele fez com o atual prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. No entanto, esse movimento estratégico acabou por abrir espaço para que novos líderes de extrema-direita surgissem, como é o caso de Pablo Marçal. "Ele descobriu o flanco direito e aí apareceu o Pablo Marçal", explicou Rui, destacando que isso ilustra um erro da esquerda ao tentar combater a extrema-direita exclusivamente por meio do Poder Judiciário. "Se sai Bolsonaro, aparece outro, como esse Pablo Marçal", alertou o líder do PCO.

Na visão de Rui Costa Pimenta, a ascensão de figuras como Marçal evidencia que "não existe monopólio na extrema-direita", e que o problema não é Jair Bolsonaro em si. "Fica claro que não é Bolsonaro o problema. Não é Bolsonaro quem criou o bolsonarismo. Foi a extrema-direita que criou o Bolsonaro", afirmou. Para ele, isso mostra que a extrema-direita é uma força que se adapta e encontra novas lideranças para representar seus interesses, independentemente de Bolsonaro.

Embora reconheça a força de Marçal, Rui avalia que "é possível que Marçal vença, mas é difícil", principalmente devido à falta de um aparato eleitoral consolidado. "Ele não tem aparato eleitoral", ponderou. No entanto, Rui ressalta que Marçal pode contar com o apoio significativo de empresários, o que não deve ser subestimado. "De modo geral, os empresários são de extrema-direita", observou.

Rui Costa Pimenta também comentou sobre a estratégia de Bolsonaro ao apoiar Ricardo Nunes, que atualmente enfrenta dificuldades na campanha, aparecendo atrás de Marçal nas pesquisas. Para Rui, esse movimento mostra a perda de influência de Bolsonaro dentro da própria extrema-direita. O apoio de Bolsonaro, que antes era visto como crucial, agora parece ter perdido força. "Isso mostra o erro da esquerda de combater a extrema-direita pelo Poder Judiciário", reiterou, indicando que a raiz do problema é mais profunda do que a simples figura de Bolsonaro. 


Pablo Marçal é o pós-Bolsonaro?

Qualquer que seja o resultado, Pablo Marçal já mudou a história da eleição de São Paulo. Antes, a disputa caminhava para mais um embate entre o lulismo e o bolsonarismo.

No entanto, o crescimento acelerado do empresário nas pesquisas desta semana impactou diretamente as campanhas.

Todos os candidatos agora reavaliam suas estratégias e tentam compreender o fenômeno.

Há uma leitura geral de que Marçal 2024 repete o contexto de Bolsonaro 2018: um outsider de direita, antissistema, sem estrutura de campanha e expert em redes sociais.

Ocorre que, se ele fosse apenas isso, o próprio Bolsonaro estaria com ele. Mas não está.

O fenômeno Marçal parece ser mais profundo. Ele revela o tamanho da descrença e do descrédito do eleitorado em relação a tudo o que considera parte do sistema político, tanto à esquerda quanto à direita.

No caso, a maior cidade do país serve como um experimento para o desconhecido.

Marçal ocupa espaço do bolsonarismo sem Bolsonaro

As críticas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de seus filhos e aliados ao influenciador Pablo Marçal (PRTB) cumprem neste momento um papel estratégico na cena eleitoral paulistana de tentar conter o avanço do candidato entre os eleitores de Ricardo Nunes (MDB).

A leitura na campanha do prefeito é que será questão de tempo até que as novas pesquisas de intenção de voto detectem o alinhamento entre Bolsonaro e o chefe do executivo paulistano.

Ainda é cedo para saber, mas em conversas reservadas aliados históricos do ex-presidente, gente que o apoia desde 2018 incondicionalmente, fazem uma leitura que é compartilhada por especialistas em pesquisas: Marçal desponta como uma liderança do bolsonarismo, mesmo sem Bolsonaro.

“Pablo Marçal não tem o ônus de ser bolsonarista, mas tem o bônus de ocupar o espaço do bolsonarismo sem Bolsonaro. Se vencer em São Paulo, se torna um presidenciável ou candidato à sucessão de Tarcísio de Freitas”, diz o pesquisador Renato Meirelles, presidente do Instituto Lokomotiva.

Ainda segundo Meirelles, Bolsonaro foi o aglutinador da insatisfação contra o sistema que passa agora a ser encarnada por Marçal.

O entorno de Bolsonaro acreditava que mesmo inelegível o ex-presidente manteria a hegemonia do campo da direita, mas ascensão de Marçal mostra que o eleitorado antissistema sentiu a fadiga de material.

Depois de tantas agendas negativas envolvendo o ex-presidente, Marçal é o sopro de novidade. Assim como Guilherme Boulos (Psol) foi em 2020, só que no outro lado.


Fonte: Brasil 247/Fórum/CNN Brasil


 

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