Luís Nassif: ‘A imprudência de estimular a
expansão dos cassinos online’
Não há outra
explicação: o país enlouqueceu. Quem se supunha racional, tornou-se
terraplanista do austericídio, permitindo a expansão do mais nefasto vício
desde a industrialização dos cigarros: as bets, os sites de aposta. E quem era
acusado de terraplanismo – os evangélicos – se tornou a única voz da razão
contra o vício, por saberem o que essa loucura provoca no povo.
O governo contabiliza
apenas o que vai arrecadar com as outorgas – cerca de R$ 3 bilhões. E fecha os
olhos para todas as contraindicações.
No período em que
casas de bingo foram autorizadas em grandes centros, foi possível ver o estrago
que provocavam em famílias: endividamento, desestruturação familiar, depressão,
isolamento, afetando a estabilidade familiar e as relações sociais. E, adicionalmente,
um enorme estímulo ao crime organizado, por ser ferramenta óbvia para lavagem
de dinheiro.
Também tem impactos na
desigualdade social, por afetar mais indivíduos de baixa renda.
Em 12 de julho
passado, os professores Scott R. Naker, Justin Balthrop, Mark Johnason, Jason
Kotter e Kevin Pisciottay produziram um trabalho acadêmico, “Estabilidade no
jogo fora de casa: o impacto das apostas esportivas em Famílias Vulneráveis”. O
trabalho foi apresentado em um seminário da Universidade Brigham Young, no
Arkansas.
Em 2018, o
extraordinário lobby dos cassinos conseguiu arrancar da Suprema Corte dos
Estados Unidos, a legalização dos esportes presenciais e online de apostas.
Somente em 2023, este mercado gerou mais de US$ 120 bilhões no total de apostas
e US$ 11 bilhões em receitas. De 2018 a setembro de 2023, 25 estados e
Washington aprovaram legislações legalizando o jogo.
O estudo levantou
dados de transações financeiras de um enorme contingente de americanos,
analisando compras, investimentos e transferências para sites de jogos de azar
online.
A conclusão, óbvia,
foi de diminuição da disponibilidade de crédito, aumento da dívida de cartão de
crédito e uma maior taxa de incidência de saque a descoberto nas contas
bancárias.
O trabalho constatou
que os gastos com cassinos tiveram um aumento nos depósitos médios de apostas
em família em cerca de US$ 25 por trimestre. Pior: o trabalho constatou que
quanto maior as restrições financeiras das famílias, maior a fração do rendimento
nas apostas.
Os investimentos
líquidos no mercado de capitais caíram 14%. Constatou-se que famílias com menor
renda passaram a reduzir a poupança e aumentar os gastos em complementos ao
jogo, levando a uma deterioração duradoura em sua saúde financeira a longo
prazo.
Não é necessária uma
tese acadêmica para avaliar os estragos que as bets já estão provocando no
país. Jovens com menos de 30 anos representam mais de um terço dos pacientes
atendidos por dependência em apostas no Hospital das Clínicas de São Paulo. O
quadro piora entre rapazes de 20 anos, que já chegam altamente endividados.
Segundo as notícias, o
governo pretende que parte dos recursos seja utilizado em casas de tratamento
dos viciados, um contrassenso que não fica nada a dever aos defensores da
cloroquina.
Ontem, foi anunciada a
associação da MGM Resorts com as Organizações Globo.
O cappo da MGM, Bill
Hornbuckle saudou a negociação em sua conta no Linkedin:
“Hoje anunciamos uma
nova aliança estratégica com o Grupo Globo, o maior grupo de mídia da América
Latina, para buscar uma licença de apostas esportivas e iGaming no Brasil, um
dos mercados de jogos regulamentados mais novos e de crescimento mais rápido do
mundo.
Estamos entusiasmados
com as possibilidades de apostas esportivas responsáveis e iGaming no Brasil –
um mercado com mais de 20 milhões de apostadores ativos, representando um
tamanho de mercado de mais de US$ 3 bilhões e crescendo. Ao nos unirmos ao Grupo
Globo, podemos entrar no mercado rapidamente e em escala com nossa comprovada
tecnologia e marca BetMGM, estabelecendo uma posição inicial como uma operadora
líder e uma fornecedora do melhor produto e experiência para clientes em todo o
Brasil”.
• Preparando para o furacão das apostas
online
A legalização dos
cassinos online é uma temeridade, que não foi adequadamente analisada pelo
governo. Hoje em dia, as máquinas caça níquel estão espalhadas por todo o país,
muitas vezes controlada por policiais. Há cassinos clandestinos por toda São
Paulo. Seria fácil para a polícia reprimi-los.
A lógica é que já
existe a exploração ilegal de cassinos. Formalizando a atividade, esvazia-se a
exploração pela contravenção e colocam-se as rédeas na economia formal.
De fato, ao longo do
século máfias de vários países exploraram o jogo clandestino, a Cosa Nostra, da
Sicília, a Chicago Outfit, de Al Capone, a Yazuka, do Japão, a Tríades chinesa,
a Ndrangheta, da Calábria.
A regulamentação do
jogo abriu espaço para o lado mais barra pesada das empresas formais. Isso
porque, por ser uma atividade que depende fundamentalmente de regulação, criou
um embeiçamento feroz com a política. É só analisar a atuação de Sheldon
Adelzon, recentemente falecido, que financiava a campanha da ultradireita dos
Estados Unidos e Israel, e aproximou-se da família Bolsonaro, a ponto de
estimulá-los a transformar Angra dos Reis na Cancun brasileira. Um dos lobistas
da GTech foi um candidato a vice-presidente dos Estados Unidos. No Brasil, ela
se envolveu em propinas para Bugatti, homem da república de Ribeirão, e se
associou a Carlinhos Cachoeira.
A regulação tem um
conjunto enorme de contra-indicações.
1. A lavagem de dinheiro vai explodir no
país.
Historicamente,
cassinos servem para lavagem de dinheiro. É só lembrar os anões do orçamento, o
deputado que justificava o aumento de patrimônio alegando ter ganhado dezenas
de vezes na Loteria Esportiva.
Só se lava dinheiro
quando o cassino é legalizado. O deputado jamais alegaria que o aumento de
riqueza foi por ganhos em um cassino clandestino. Como dois e dois são quatro,
as organizações criminosas utilizarão essa legalização para lavagem de
dinheiro. A Receita pode regular o CPF de quem joga. Mas não terá controle
sobre os algoritmos do jogo. Uma coisa é uma loteria controlada pela Caixa
Econômica Federal. Outra, é o controle difuso por mais de uma centena de bets.
2. A explosão da doença social.
A legalização permite
a entrada de outros grupos. Mas, enquanto os cassinos ilegais se movem nas
sombras, os cassinos legais recorrem à chamada publicidade opressiva.
Aliás, mesmo antes da
legalização, as bets já expunham o país a uma publicidade massacrante.
Os primeiros bets que
apareceram no Brasil passaram a anunciar imediatamente na home de O Globo, no
Jornal Nacional, e ainda levaram, de gorjeta, um artigo assinado por Nelson
Motta, colocando-se na categoria de conventos beneditinos, como os locais mais
vigiados e mais corretos da economia.
A busca desesperada de
novos modelos de negócios, está levando os grandes grupos de comunicação – como
a Globo – a se associar a gigantes.
<><> A
regulamentação da propaganda
E aí se entra no ponto
central: a regulamentação da propaganda de bets.
Desde 2019, a Itália
impôs uma proibição quase total sobre a publicidade de jogos de azar, incluindo
sites de apostas. Conhecida como o “Decreto Dignidade”, essa lei proíbe a
publicidade em todos os meios de comunicação, incluindo televisão, rádio, internet,
e eventos esportivos. Exceções são feitas apenas para a loteria nacional.
A Bélgica proibe
publicidade de jogos de azar na TV antes das 20 horas e proibe completamente
dureante eventos esportivos ao vivo e em programas infantis. No ano passado, o
país restringiu a publicidade online e em redes nacionais.
O Reino Unido proibe
publicidade antes das 21 horas, exceto durante eventos esportivos ao vivo. E
desde outubro de 2021 proibe influenciadores e celebridades que possam atrair
menores de idade.
Na Espanha, a
publicidade em TV e rádio é permitida apenas entre 1h e 5h da manhã. Em
Portugal, a publicidade deve incluir mensagens de jogo responsável e não pode
ser direcionada a menores de idade. É o mesmo padrão na França.
Já a Noruega mantém o
monopólio estatal sobre jogos de azar.
Mas não é apenas a
publicidade. Nos últimos anos, enquanto os gastos com apostas explodiram no
Brasil, em outros países houve redução, graças a um conjunto de medidas.
No Reino Unido houve
limites para apostas em terminais de jogo de probabilidades fixas. O limite
máximo de apostas foi reduzido de 100 para 2 libras por rodada. O mesmo
procedimento foi adotado pela Suécia.
Muitos estados na
Austrália proibiram o uso de cartões de crédito para jogos de azar, tanto em
cassinos físicos como em plataformas online. O mesmo ocorreu no Reino Unido.
A redução dos gastos
com apostas em diversos países tem sido alcançada por meio de uma combinação de
medidas regulatórias, educativas e tecnológicas. Essas medidas visam proteger
os consumidores, prevenir o vício em jogos de azar e limitar os impactos negativos
do jogo na sociedade. Aqui estão algumas das principais estratégias adotadas:
O Reino Unido também
implementou o programa de autoexclusão “gamstop” que permite ao jogador
bloquear seu acesso da todos os sites de jogos de azar licenciados.
Já na Suécia, há uma
autoridade para jogos de azar que utiliza ferramentas de monitoramento para
identificar comportamentos compulsivos. Esse mesmo sistema é adotado pela
Noruega.
A Espanha e a Suécia
proibiram bônus de boas-vindas.
• Jornalismo e cassino não cabem na mesma
empresa. Por Cecília Oliveira, no The Intercept
As empresas de mídia
mais poderosas do Brasil estão correndo para entrar em um novo negócio
bilionário. Até aí, tudo dentro da normalidade.
Mas e se eu te contar
que esse negócio causa vício, endividamento, depressão e até suicídio? Pois
é.
Outro dia li a notícia
de que a Globo, SBT e Band estão se articulando para lançar suas próprias casas
de apostas esportivas, entrando em um mercado que movimenta "só" R$
50 bilhões por ano — muitas vezes, às custas da destruição de famílias, especialmente
as mais pobres.
A regulamentação
dessas bets mal saiu do papel. Aconteceu em maio deste ano e começa a valer em
janeiro do ano que vem (desde 2018, as apostas esportivas têm operado em uma
área cinzenta legal dominada por empresas offshore). Até lá, as empresas
interessadas em explorar este mercado já estão se cadastrando no Ministério da
Fazenda.
O problema da Globo,
Band e SBT estarem dentre as mais de 100 cadastradas é que esses canais também
são uns dos maiores veículos de imprensa do país. Como é que ficará a tal da
"isenção jornalística" para falar deste assunto e outros relacionados?
E não que eu acredite que esta isenção exista — mas elas dizem que sim, né?
Aposto que não veremos
denúncias às bets nessas emissoras ou investigações sobre clubes esportivos ou
as implicações para a saúde pública, como estávamos vendo...
Na real, não vai ter
qualquer coisa que coloque em risco seus lucros. É assim que funciona o jogo.
Esse é mais um exemplo
gritante de como a necessidade de um jornalismo realmente independente nunca
foi tão grande.
Aqui no Intercept
Brasil, no entanto, temos feito uma cobertura crítica desses movimentos desde
2017. É evidente que precisaremos dobrar a aposta e fazer ainda mais apurações
agora. Porque aqui nosso único negócio é o jornalismo investigativo que prioriza
o interesse público. Não temos sócios com jogadas comerciais secretas, nem
anunciantes nos pressionando.
Se hoje a divulgação
das bets por meio dos influenciadores já está causando tanto estrago, imagine
só como a situação ficará quando os peixes grandes da mídia entrarem com força
na jogada.
Não só os apostadores
entrarão em falência, mas toda a integridade do jornalismo e da mídia
esportiva, não apenas na televisão. E não estou nem exagerando — nos EUA já
começou, e aqueles que se beneficiam das apostas esportivas não são os mesmos
que estão noticiando os escândalos.
Aqui será ainda mais
descarado.
E quando começar a dar
errado, se o Congresso tentar regulamentar a atividade de canais de TV nas
bets, como você acha que serão as matérias jornalísticas sobre o assunto?
Contra ou a favor de mais regras que protegem o telespectador?
Alguém tem que ficar
de olho nisso, e esse alguém é o jornalismo independente. Pois, como você pode
ver, na mídia empresarial terá cada vez mais espaço para caça-níqueis e menos
espaço para caça-fatos.
Mas não aqui. Já
revelamos, antes da primeira onda de apostas, como o "homem da mala do
Friboi" e outros empresários ricos estavam se estabelecendo em ilhas com
leis bancárias sigilosas, como Malta, de olho no mercado de jogos digitais.
Também explicamos como
os mafiosos estavam manipulando jogos de futebol e mergulhamos na história
obscura da Pixbet, hoje uma das maiores empresas do setor.
No Intercept, caçar
fatos é o vício dos nossos jornalistas investigativos — um vício que, ao
contrário das bets, vale a pena apostar seu dinheiro. Porque, apesar de sermos
pequenos, o impacto do nosso trabalho é enorme.
O único risco que você
corre ao se tornar doador do Intercept, é de ver uma matéria que você ajudou a
financiar mudando a vida das pessoas e os rumos do país, o que acontece todo
mês por aqui.
• Liberação dos jogos de azar pode
aumentar lavagem de dinheiro e influência de mafiosos nas eleições, diz
cientista político
O projeto de lei que
trata dos jogos de azar, acendeu a
discussão sobre benefícios e possíveis consequências da legalização de bingos,
cassinos e o jogo do bicho. A proposta passou na última quarta-feira (19) com
votação apertada: 14 votos a favor e 12 contrários. O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva declarou nesta sexta (21) que sancionará a proposta caso ela
avance no Congresso.
As diferentes visões
dos parlamentares sobre o tema são ressaltadas por Paulo Niccoli Ramirez,
cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de
São Paulo (FESPSP). “Há uma visão mais econômica que vai dizer que a existência
dos cassinos, o retorno dos bingos e mesmo a legalização do jogo do bicho,
poderiam aumentar a arrecadação do governo. Então há senadores que olham por
esse prisma”, explica.
“Por outro lado, a
grande crítica que se faz é que é um jogo viciante. Muitas famílias são
destruídas por dívidas com jogo principalmente nos cassinos e bingos, o que
geraria um problema maior. Por isso, a bancada evangélica, que é contra
qualquer tipo de vício, se mostrou contra”, expõe o especialista, acrescentando
que existe uma divisão de opiniões sobre o assunto dentro dos próprios partidos
de esquerda.
O texto já foi
aprovado pela Câmara dos Deputados e, depois da aprovação na CCJ, precisa ser
apreciado pelo plenário do Senado. Pela ideia, em média, cada estado poderia
ter pelo menos um cassino, a depender da quantidade de habitantes. São Paulo
contaria com até três.
Embora os chamados
jogos de azar possam ajudar a economia brasileira, eles também representam
risco de aumento da lavagem de dinheiro, pontua Niccoli, que defende uma
revisão do projeto.
“Vai ser uma demanda
totalmente elitista. Não se pensou, por exemplo, em levar cassinos a lugares
mais pobres, regiões mais distantes, periféricas. Porque, se assim fosse feito,
isso dinamizaria bastante a economia de lugares mais pobres. Mas nada disso foi
pensado”, pontua. “Então, o que a gente vai ter, na verdade, são mafiosos se
transformando em empresários e com uma grande abertura para lavagem de
dinheiro. Vamos ver uma corja de milionários e bilionários enriquecendo ainda
mais a partir dessa atividade. Se pensou muito pouco na população.”
“Não adianta liberar
por liberar. Se não houver um respaldo em termos de projetos sociais para
redução da desigualdade e pensar na saúde física e mental dos brasileiros, esse
projeto só vai atender a uma elite”, opinou o especialista.
Além disso, a decisão
influenciaria a vida política e o processo eleitoral, segundo o cientista
político. “A liberação dos jogos é a porta aberta do inferno, exatamente para
que mafiosos se transformem em empresários e, de empresários, passem a
influenciar ainda mais a vida política. E isso é um problema grave que a gente
tem aqui. É um problema também que pode trazer questões de segurança pública.
Quem vai, de fato, ter esse direito de ter o cassino?”, questiona.
“Isso pode influenciar
eleições e a maneira como a segurança pública age, até mesmo fazendo vista
grossa, principalmente a área de investigação, em relação à lavagem de
dinheiro”, detalha. “É preciso ter uma regulamentação muito mais rígida, uma
cobrança de impostos muito maior sobre as atividades de jogos, exatamente para
financiar outras atividades do governo, desde a segurança, saúde pública e,
principalmente, a redução da desigualdade social.”
Fonte: Jornal GGN
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