sexta-feira, 23 de agosto de 2024

EUA: políticas educacionais de republicanos e democratas

A educação escolar dos EUA não é das melhores. Em programas de comparação internacional de estudantes, como o Pisa, os EUA ficam em uma posição relativa muito abaixo daquela que seria esperada, considerando sua realidade econômica. Em alguns indicadores educacionais, a posição dos EUA é próxima daquela observada em países com PIB per capita igual à metade do norte-americano.

Dadas as condições materiais daquele país e a existência de escolas e universidades excelentes, essa situação poderia parecer estranha. Entretanto, a desigualdade social, em especial a desigualdade na distribuição de renda, parece provocar uma também grande desigualdade educacional. Isso faz com que coexistam uma educação de ponta e um enorme desenvolvimento científico e cultural, de um lado, com péssimos indicadores educacionais, de outro.

Outras características daquele país que o coloca em uma posição bastante atípica dizem respeito ao ensino superior. Nos EUA, o ensino superior é majoritariamente público. Entretanto, apesar de bem menos privatizado do que o ensino superior no Brasil (um quarto dos estudantes daquele país estão em instituições privadas, proporção inversa da brasileira, onde um quarto está em instituições públicas), sua taxa de privatização é mais elevada do que aquela que se observa tipicamente nos países mais avançados. Outra característica bastante marcante dos EUA é o fato de que lá o ensino superior público não é gratuito e as anuidades cobradas são bastante altas, situação bem diferente daquela tipicamente observada nos países avançados.

·        Como os dois partidos que disputam a presidência daquele país entendem essa situação e que propostas têm?

Em alguns aspectos, as diferenças entre os partidos Democrata e Republicano dos EUA são muito pequenas. Entretanto, nas políticas sociais, não ocorre o mesmo. Nesse aspecto, o Partido Democrata tem um perfil mais parecido com o da socialdemocracia europeia, enquanto o Partido Republicano defende valores tradicionais, às vezes embasados em princípios religiosos. Vejamos alguns exemplos.

O Partido Republicano defende a não estabilidade de professores e uma política de remunerações que podem depender de critérios sem relação com o desenvolvimento escolar e educacional. Por exemplo, o seu atual candidato à Casa Branca entende que a educação está tomada por “maníacos radicais de esquerda” e isso deve acabar. E, talvez, para acabar com isso seja necessário acabar antes com a estabilidade de professores.

Democratas, por sua vez, reconhecem a importância da estabilidade de professores e da participação da comunidade (educadores, pais, líderes comunitários e estudantes) na definição dos projetos educacionais e uma melhor remuneração dos trabalhadores da educação. Democratas reconhecem que a possibilidade de municípios complementarem os orçamentos das escolas, inclusive salários, faz com que a educação nas cidades de maiores rendas per capita seja muito diferente daquela oferecida aos jovens e às crianças das cidades mais pobres, sendo essa uma importante fonte das desigualdades educacionais que devem ser superadas.

Republicanos entendem que a ajuda federal destinada à educação e à saúde de crianças de famílias de baixa renda hoje existente deve ser eliminada. Outras propostas, ainda, são transformar despesas públicas com educação em vales (vouchers) que podem ser usados para pagamento de escolas privadas, e fechar a secretaria de educação, órgão correspondente ao Ministério da Educação do Brasil.

O Partido Democrata, por seu lado, afirma entender que educação não é mercadoria e que todas as crianças e jovens devem ter acesso ao ensino de qualidade controlado pelo setor público. As desigualdades devem ser enfrentadas por meio de ajudas do governo federal voltadas às crianças e aos jovens dos segmentos mais desfavorecidos. Democratas também entendem que recursos públicos devem ser direcionados apenas a instituições públicas.

Republicanos tendem a apoiar o ensino domiciliar inclusive subsidiado com recursos públicos. Democratas, por outro lado, reconhecem a importância do ensino presencial, que ficou muito clara durante os confinamentos provocados pela covid-19.

Como aqui, outras pautas invadem a questão educacional nos EUA. Democratas repudiam a proposta de que professores usem armas nas escolas, um ponto defendido por republicanos; seria a versão estadunidense das escolas militarizadas? Segundo estes últimos, as escolas também devem promover os “valores ocidentais”, enquanto democratas entendem que todas as crianças e jovens devam ser tratados da mesma forma, independentemente de suas origens nacionais, sexo, identidade de gênero, religião ou da ausência dela e de outras características pessoais.

Outro ponto importante a diferenciar os dois partidos é quanto ao financiamento do ensino superior. Uma prática comum – cobrança combinada com financiamentos para pagar as anuidades – tem provocado danos bastante importantes. As dívidas estudantis, quase totalmente federais, estão próximas a dois trilhões de dólares, valor próximo ao PIB nominal brasileiro de um ano inteiro, o que corresponde a uma média da ordem de US$ 40 mil por devedor.

Por um lado, isso afeta mais duramente os grupos social e economicamente mais frágeis; por outro lado, reduz ou mesmo anula os ganhos econômicos individuais esperados como decorrência da frequência de um curso superior. Além disso, a possibilidade de financiamento para arcar com as anuidades contribui para o aumento destas.

·        Como democratas e republicanos entendem essa questão?

Parte do Partido Democrata defende simplesmente o fim das cobranças do ensino superior em instituições públicas, proposta abraçada por Bernie Sanders em seu programa quando candidato à Presidência da República. As atuais propostas dos democratas, reconhecendo a gravidade do problema criado pela cobrança do ensino superior, são, entretanto, mais modestas, mas defendem a redução das dívidas estudantis e dos juros dos empréstimos públicos.

A proposta do Partido Republicano para enfrentar a mesma questão é mais corriqueira: promover escolas e cursos mais baratos. Esta resposta está de acordo com o fato de que 59% dos republicanos ou simpatizantes pensam que o ensino superior tem um efeito negativo para o país. Acabar com ele seria uma possibilidade?

Enfim, tanto lá como aqui, o entendimento do papel da educação escolar em uma sociedade difere bastante segundo a posição política e ideológica dos partidos. E, tanto lá como aqui, a pauta educacional está contaminada pela pauta ideológica.

 

¨      Estados Unidos: a chance dos democratas com Kamala Harris. Por Virgílio Arraes

A desistência do presidente Joe Biden de concorrer à eleição e a sua substituição por Kamala Harris renovaram a disputa de novembro à Casa Branca. Embora tardia a alteração dos democratas, seus efeitos fizeram-se sentir logo, ao abater a confiança dos rivais republicanos, seguros até então da visível fragilidade do primeiro postulante.

Conquanto a troca de nome fortaleça a agremiação democrata no plano interno, no externo, ela ainda não influenciou o andamento de temas preocupantes como o da continuidade das confrontações no Oriente Médio e no Leste da Europa. Nas duas, a perspectiva é de alargar o conflito, não de interrompê-lo, a despeito das perdas humanas e dos custos materiais.

Colocada a dramática situação, questiona-se a ascendência dos Estados Unidos sobre o destino de seus aliados. O inquestionável apoio de Washington a Kiev e a Telavive não tem sido capaz até o momento de favorecê-los de maneira terminante. Em um, a guerra se estende há mais de dois anos e no outro aproxima-se de um.

Em sendo período de pleito presidencial, vem à baila com maior intensidade reflexão sobre o papel dos Estados Unidos na política internacional. Com a vitória na bipolaridade há três décadas e meia, o país se fixaria como o guardião da ordem capitalista. Assim, toda tentativa de desestabilizar o sistema aos olhos da Casa Branca deveria ser contida de imediato. Por isso, o envio de efetivos em largas passadas ao Iraque, antigo aliado, em 1991.

O ingresso dos democratas com Bill Clinton no lugar dos republicanos de George Bush a partir de 1992 não suspenderia o agir belicista ao redor do planeta. A catastrófica intervenção na antiga Iugoslávia seria um exemplo. A nação considerava-se nas palavras de Madeleine Albright, titular do Departamento de Estado no segundo mandato do dirigente, ‘indispensável’.

Com o retorno republicano, sob a pesada batuta de George Bush Jr., a utilização da força como ferramenta da política exterior manteve-se e se ampliaria ao promover sem hesitação dois conflitos: o do Afeganistão na esteira do atentado terrorista de setembro de 2001 e meses depois o do Iraque no alardeio injustificado de ser ele detentor de armas de destruição em massa.

A eleição de Barack Obama aparentava ser a fase de recolha de tropas em solo médio oriental e cercanias e de reflexão sobre a atuação corroída de Washington desde o encerramento da rivalidade amero-soviética.

O Nobel da Paz conceder-lhe-ia no alvorecer da gestão condições para tanto. Seria guardadas as devidas proporções como na época de Jimmy Carter, ao assumir o país pouco tempo após a saída dos contingentes do Vietnã. Parte seria implementada pelo governante, porém, seria insuficiente diante dos anseios da sociedade em prol de mais diplomacia e menos forças armadas e acarretaria desta forma frustração.

Donald Trump e Joe Biden não iniciariam guerras de modo direto; todavia, o último se relacionaria com duas, a despeito de não ter sido o promovedor. Contudo, ele seria, na visão dos envolvidos, patrocinador de um dos lados e, por conseguinte, com capacidade de abreviar a duração da contenda.

Na prática, seu governo leva a prolongá-las, com elevação do sofrimento e da angústia nas áreas em combate e nas conexas com elas e, ao mesmo tempo, com corrosão do próprio prestígio perante as demais potências. Portanto, o mundo aguarda com ansiedade o desfecho do pleito de novembro, uma vez que pode haver a correção de rumo da política externa.

 

Fonte: Por Otaviano Helene, no Correio da Cidadania

 

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