Emendas parlamentares enfrentam longo
caminho até a transparência
O acordo entre os três
Poderes em torno das emendas parlamentares não completou uma semana, mas já
exibe arestas e deixa a sensação de futuro incerto da garantia de que esse
bilionário recurso público será tratado com a transparência devida. Encerrado o
encontro no Supremo Tribunal Federal (STF) com as principais lideranças do
Congresso e ministros do governo, surgiram dúvidas e estocadas.
O ministro Flávio Dino
anunciou que suas medidas de restrição ao uso desse dinheiro seguem vigentes e
o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não recolheu as duas Propostas de
Emenda à Constituição (PEC) que destravou. Ambas limitam os poderes dos ministros
da Corte, com vedação a decisões monocráticas, e dão ao plenário do Congresso a
possibilidade de sustar medidas adotadas pelo tribunal que, segundo a Casa,
"extrapolem" as funções judiciárias e invadam prerrogativas de
deputados e senadores.
Essas PECs estão
pautadas para serem votadas na terça-feira, na Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara. O acordo entre STF, Congresso e Executivo tinha deixado
lacunas. As emendas Pix, que não exigem transparência, serão destinadas à
conclusão de obras inacabadas. Perguntas ficaram no ar, como quais obras e quem
exatamente vai definir. Os outros dois tipos de emenda, de bancada e de
comissões, serão atreladas a "projetos estruturantes", a serem
definidos entre o Parlamento e o Palácio do Planalto.
Pelo trato, celebrado
na terça-feira, "será o fim da simples divisão do dinheiro" entre os
integrantes do Congresso. Foi o que garantiram, em entrevistas, os presidentes
Luís Roberto Barroso, do STF, e Rodrigo Pacheco, do Senado. Para quem monitora
de perto as contas públicas, não está tão claro assim. É o pensamento da
Transparência Brasil, entidade atenta ao destino do dinheiro público.
Marina Atoji, diretora
de Programas dessa organização da sociedade civil, o acordo é vago, não
menciona quais decisões serão adotadas de fato e lamenta a reunião ter se dado
às portas fechadas. A dirigente acentuou que as liminares drásticas de Dino se
perderam com a nota pouco incisiva dos Poderes.
"O que vai
acontecer com as medidas do ministro Flávio Dino, ainda que ele diga que seguem
em vigência? Em relação ao mérito das ações contra a emenda Pix que estão no
Supremo, como serão resolvidas? Ficou no ar. É prenúncio de estar errado
anunciar um acordo antes da avaliação de mérito. Dino havia tomado decisões
referendadas pelo plenário. Por que fazer um acordo depois?", questiona
Marina Atoji.
A diretora do
Transparência Brasil critica ainda o conceito vago de "projetos
estruturantes" e reclama da falta de previsão do que vai ocorrer se nada
do que está no papel não for cumprido.
"Não se colocou
parâmetros mínimos de comprometimento a serem estabelecidos. Ficou muito no ar.
Todos pisando em ovos. O Executivo, que já vinha com essa postura, o STF,
excessivamente cauteloso, e um Congresso que resiste e bate o pé, não querendo imposição
alguma. É um sistema absolutamente errado, distorcido", diz Atoji, crítica
aos formatos das emendas. "Essas emendas individuais viraram um
financiamento de campanha complementar", completa.
• Destinação
O advogado eleitoral
Dylliard Alessi destaca que a tensão entre o Judiciário e o Legislativo ficou
mais acentuada por ocorrer no período de eleições municipais. "Os membros
do Congresso não querem perder o poder de decidir a alocação de mais de 30 bilhões
de reais por ano. Com esse dinheiro, fica muito mais fácil fazer alianças
importantes com lideranças regionais e locais, notadamente os prefeitos, que
são atores essenciais nas eleições gerais", aponta.
Ao longo do tempo, as
chamadas "emendas Pix" passaram a funcionar como doações por conta da
falta de exigências em se estabelecer contrapartidas e em vincular recursos à
determinada área. A restrição é mínima: só não é possível usá-las para despesas
com pessoal e para o pagamento de dívidas. "Quanto mais rigor nos
critérios, maior a transparência e menor a chance de corrupção", destaca
Alessi.
Paulo Henrique Blair
de Oliveira, professor de direito da Universidade de Brasília (UnB), explica
que as emendas impositivas foram criadas, em 2015, com base no sistema de
países como os Estados Unidos, a Austrália e o Canadá. No entanto, com a
realidade brasileira, as regras foram flexibilizadas, causando desconfiança
quanto à finalidade dos recursos.
"Aqui, no Brasil,
elas passaram a ser feitas sem que houvesse uma necessidade de estipular
valores e destinos. E isso não existe em nenhum lugar do mundo que tenha um
regime democrático", afirma.
Segundo o
especialista, a aplicação do dinheiro público deixou de ser eficiente a partir
do momento em que não houve mais diferenciação entre despesas indispensáveis e
obrigatórias. Blair destacou a autonomia de destinação como um dos principais
causadores do afrouxamento de critérios.
"O dinheiro vai
para um hospital de caridade, para determinado município, mas não se sabe o que
vai ser feito com esse dinheiro ali. Não há clareza sobre como a prefeitura vai
usar essa verba. Por isso elas passaram a ser chamadas de Pix", diz.
A solução apontada
pelo professor da UnB está na elaboração de uma engenharia política sobre o
tema, criando mecanismos de controle e fiscalização, e fortalecendo o corpo
técnico de especialistas do Tribunal de Contas da União (TCU), que deveria
estar espalhado pelo Brasil, não só concentrado em Brasília.
"Os outros países
que serviram de base para o nosso modelo possuem verdadeiros exércitos fiscais.
O ideal seria aumentar o número de fiscais e engenheiros concursados, e
levá-los até os municípios para atuarem ali. Para existir uma transparência sobre
os projetos, é necessário que haja dispositivos humanos, materiais e
tecnológicos suficientes", ressalta.
• Dino manda CGU elaborar projeto para
mudar Portal da Transparência
O ministro Flávio
Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou novas medidas para garantir
transparência na execução das emendas parlamentares. A decisão ocorre na mesma
semana em que houve um diálogo institucional com os demais Poderes a respeito
do repasse desses recursos. Uma das determinações é que a Controladoria-Geral
da União (CGU) apresente, em até 30 dias, um projeto de reestruturação do
Portal da Transparência que permita o acesso "sem embaraços ou
obstáculos", às informações referentes às emendas de comissão (RP 8) e às
emendas de relator (RP 9), mecanismo principal do orçamento secreto.
A partir de 2025, os
ministérios terão de adotar códigos usados pela Secretaria do Tesouro Nacional
(STN) para identificar repasses provenientes de emendas de relator e de
comissão.
Dino determinou também
que o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos apresente, em 30
dias, um plano de ação para garantir a transparência das transferências fundo a
fundo — um tipo de repasse entre fundos federais, estaduais e municipais, sem
necessidade de se celebrar um convênio.
Em relação a
organizações da sociedade civil que atuam com recursos públicos, o relator
decidiu que tais entidades devem usar os sistemas de licitação integrados ao
portal Transferegov.br.
As medidas ocorrem
após o acordo selado em almoço, na terça-feira, com integrantes dos Três
Poderes. No encontro, as autoridades chegaram a um consenso para assegurar
"critérios de transparência, rastreabilidade e correção" da parte do
orçamento que é direcionada por parlamentares a seus redutos eleitorais.
"Em obediência ao
poder-dever do relator, estão sendo adotadas medidas, antecedidas de diálogos
institucionais e reuniões técnicas, visando a que haja, de fato, transparência
e rastreabilidade na aplicação do dinheiro oriundo e pertencente à sociedade
brasileira", frisou Dino.
O despacho, assinado
nesta sexta-feira, ainda sanou a expectativa quanto à reapreciação da liminar
de Dino que suspendeu o repasse de emendas de relator e de comissão até que
seja assegurada a transparência das transferências.
O ministro sinalizou
que só vai decidir sobre a retomada dos pagamentos após chegarem à Corte as
manifestações dos envolvidos no processo, incluindo os Três Poderes e órgãos
públicos.
"Na ocasião, será
apreciada a solicitação da Secretaria de Relações Institucionais do Poder
Executivo quanto à retomada das execuções das RP 8 e RP 9, sempre nas condições
fixadas por este Tribunal", anotou o magistrado.
O painel reformulado a
ser lançado pela CGU em até 90 dias vai consolidar as informações de documentos
e sistemas do governo federal que estão "atualmente dispersos e
desorganizados".
A medida atende ao
ministro, que externou "preocupação" durante a audiência de
conciliação sobre o orçamento secreto. Na ocasião, Dino ressaltou a necessidade
de centralizar informações sobre as emendas, de modo a garantir a transparência
dos repasses.
O Congresso e o
Executivo haviam indicado ao STF que havia limites para as informações que cada
um dos Poderes detinha sobre as emendas.
A nova decisão de Dino
também avança sobre esse ponto: ele indicou que a CGU deverá identificar quais
informações estão indisponíveis, para que então sejam realizadas as
"requisições judiciais cabíveis" e adotadas eventuais
"providências para a responsabilização de agentes omissos".
O magistrado decidiu
que os valores sejam depositados e geridos em contas bancárias específicas,
individualizadas por transferência e por emenda parlamentar.
• Emendas parlamentares pioram execução
das políticas, diz especialista. Por Lucas Pordeus León
O aumento da execução
do orçamento pelo Legislativo – iniciado em 2015 por meio das emendas
impositivas – piora a capacidade de planejamento de políticas públicas e sua
execução, reduzindo a eficiência na prestação de serviços à população.
A avaliação é da
assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Cléo
Manhas, que trabalha nas áreas de orçamento, direitos e justiça fiscal.
A especialista
destacou que o dinheiro para emendas impositivas não está previsto no Plano
Plurianual (PPA), enfraquecendo o planejamento do Executivo para executar
políticas públicas uma vez que o recurso na mão dos parlamentares é
significativo – R$ 49,2 bilhões em 2024, cerca de um quarto do total dos gastos
não obrigatórios, que é o que a União tem para investimentos.
“No PPA, o governo
coloca suas promessas de campanha. Nele, você tem quais são as prioridades,
quais as metas e indicadores que você tem que cumprir ano a ano. Aí vem os
parlamentares que têm um recurso enorme e mandam a seu bel prazer para onde
eles quiserem. Com isso, a lógica da programação e do planejamento fica em
segundo plano”, explicou.
“Ao mesmo tempo que o
Congresso aprova o PPA, ele contribui para a retirada de recursos para que esse
plano seja atendido”, completou.
Um estudo produzido
pelo doutor em economia e pesquisador do Insper Marcos Mendes, publicado em
2022, concluiu que a parte do orçamento sob controle do Legislativo no Brasil é
20 vezes maior que na média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
Cléo Manhas defendeu
que a execução dos recursos a partir do parlamento não tem a mesma qualidade da
produzida pelo Executivo.
“O Poder Legislativo
não tem estrutura e não foi feito para executar. Os órgãos de pesquisa são
todos ligados ao Executivo. É nos ministérios que está a capacidade de
planejamento e a estrutura de execução das políticas públicas”, destacou.
Por outro lado, os
parlamentares argumentam que eles estão nos estados e municípios e conhecem
melhor as necessidades reais da população.
<><>
Entenda
As emendas impositivas
individuais, de Comissão ou de bancadas, são os recursos do orçamento que o
Executivo tem a obrigação de executar a partir da indicação dos parlamentares.
A suspensão das
emendas impositivas dos parlamentares pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
reacendeu o debate sobre a execução do orçamento no Brasil. Após o STF
suspender o pagamento das emendas, um acordo foi firmado entre os Poderes para
ajustar a execução desses recursos respeitando a transparência, rastreabilidade
e eficácia desses gastos.
A ação do PSOL que deu
origem à decisão afirma que a impositividade das emendas capturou o orçamento e
bloqueou o planejamento e a coordenação das políticas públicas de forma
eficiente, criando no Brasil, na prática, um regime semipresidencialista.
<><>
Comparação OCDE
O estudo do
pesquisador Marcos Mendes feito a pedido do Instituto Millenium comparando o
Brasil à OCDE mostra a diferença entre a execução do orçamento em diferentes
países.
“Em outros 14 países,
o legislativo não emendou o orçamento ou o fez em montantes negligíveis, abaixo
de 0,01% da despesa primária discricionária. Há dez países em que essa mudança
fica abaixo dos 2%. Somente Estados Unidos, Eslováquia e Estônia aparecem acima
dessa marca de 2%. Porém, mesmo esses países estão longe do que ocorre no
Brasil, onde nada menos que 24% da despesa primária discricionária é alterada
pelo parlamento”, afirma.
<><>
Emendas Pix
Além da eficiência, a
transparência e rastreabilidade dos recursos também estão sendo abordados pelo
STF. Em dezembro de 2022, o Supremo definiu que as emendas de relator –
conhecidas como orçamento secreto – eram inconstitucionais.
Porém, uma ação da
Procuradoria-Geral da República (PGR) argumenta que o Legislativo continua
descumprindo a decisão, dessa vez por meio das emendas especiais – ou emendas
Pix – que permite a transferência direita de dinheiro, sem necessidade de
convênio ou projeto prévio.
A assessora política
do Inesc Cléo Manhas destacou que o recurso “entra no caixa único da prefeitura
e a gente não sabe mais o que foi feito desse recurso”.
Nesta semana, o
ministro Flávio Dino enviou à Procuradoria-Geral da República (PGR) lista de
possíveis irregularidades no pagamento das emendas parlamentares.
<><>
Legislativo
Os parlamentares
reagiram contra as liminares do Supremo apresentando um recurso assinado pela
Câmara e Senado e mais 11 partidos. Porém, por unanimidade, o STF manteve a
suspensão das emendas.
Os partidos argumentam
que “as decisões causam danos irreparáveis à economia pública, à saúde, à
segurança e à própria ordem jurídica, além de violar patentemente a separação
de poderes”.
O presidente da Câmara
defendeu o modelo de execução vigente no Brasil. “É sempre bom lembrar que o
Orçamento não é do Executivo. O Orçamento é votado pelo Congresso, por isso é
lei. Sem o aval do Parlamento não tem validade constitucional”, afirmou Arthur
Lira.
Já o senador Rodrigo
Pacheco justificou que desvio de recursos ou mal uso de dinheiro público
ocorrem em todos os formatos de execução de políticas:
“Há uma série de
possibilidades de que isso aconteça e isso tem que ser coibido e reconhecido
como exceções que precisam ser combatidas pelos órgãos de controle. Mas não
inviabilizar a execução orçamentária partindo do pressuposto de que tudo está
errado.”
Para Pacheco, as
emendas individuais, de bancada e de comissão são instrumentos legais e
legítimos de participação orçamentária pelo poder Legislativo, mas devem sofrer
ajustes “para se buscar o máximo possível de transparência, rastreabilidade e
eficiência no gasto público”.
Fonte: Correio
Braziliense/Agencia Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário