sexta-feira, 3 de maio de 2024

O que precisa mudar para que abusos de membros do Ministério Público sejam finalmente punidos

Enquanto o Conselho Nacional de Justiça se vê às voltas com a oportunidade de punir eventuais abusos que tenham sido praticados por juízes que atuaram na Lava Jato, o Conselho Nacional do Ministério Público segue fazendo o mesmo desde o início da operação: está “hibernando”, como se nada tivesse acontecido. Do jeito que está, não há como criar qualquer expectativa de que o CNMP venha a passar um corretivo exemplar nos membros do Ministério Público Federal que cometeram excessos na Lava Jato. E há dados que explicam esse comportamento.

Levantamento do Observatório do Conselho mostra que, historicamente, o CNMP vem sendo contaminado pelo corporativismo. “Mapeamos a composição do CNMP desde o início do funcionamento, e identificamos que 77% dos membros que vem da carreira do MP, têm atuação em associações de classe. Ou seja, o CNMP hoje encontra-se capturado pelas associações de classe que defendem os interesses corporativos de seus membros. Não tenho a menor expectativa de que o CNMP vai colocar limites ou fazer o que o CNJ, com o ministro Salomão, está fazendo em relação aos juízes que atuaram na Lava Jato”, disse Rafael Viegas, cientista político e presidente do Observatório do Controle.

Em abril passado, a Corregedoria do CNJ, capitaneada pelo ministro Luís Felipe Salomão, concluiu uma correição extraordinária nos principais gabinetes do braço da Lava Jato no Paraná (13ª Vara Federal de Curitiba e 8ª Turma do TRF-4). Em função das descobertas, o ex-juiz Sergio Moro e a juíza Gabriela Hardt, além de desembargadores, já são alvos de uma representação disciplinar que pode ou não evoluiu para processo administrativo disciplinar. Além disso, os elementos de provas podem ser aproveitados pela Procuradoria-Geral da República para uma ação na esfera penal contra Moro, que hoje é senador.

A correição também levantou inúmeros fatos a respeito da conduta questionável do ex-procurador Deltan Dallagnol e outros membros do Ministério Público Federal no Paraná. A força-tarefa teria ajudado ilegalmente os Estados Unidos a forjar ação contra a Petrobras para, anos mais tarde, tentar ficar com o dinheiro da multa para pela petroleira às autoridades americanas.

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Atualmente, o CNMP registra 8 ações contra Dallagnol. Algumas instauradas ainda em 2019, outras em 2021, e uma de 2020, todas em sigilo, de modo que não há informações públicas sobre o status ou assunto de cada processo. Há notícias de que a criação da Fundação Lava Jato já foi analisada algumas vezes em representações disciplinares, que concluíram que não houve infração. Mas isso ocorreu há mais de três anos, antes da correição do CNJ detalhar o papel de Dallagnol no esquema.

“O que o temos visto no CNJ – que o corregedor nacional, ministro Salomão, tem feito – não se vê ocorrer no CNMP. Para o CNMP, é como se nada estivesse acontecendo. Temos que lembrar que a Lava Jato foi integrada por procuradores da República. Muito do que aconteceu, as ilegalidades observadas desde o início da operação, poderiam ter sido contidas, mas o CNPM não agiu, e age até hoje como se estivesse hibernando”, comentou.

Para Viegas, o controle externo é fundamental para desintoxicar o CNMP. Porque do jeito que está, nada impede que outras Lava Jato aconteçam. O CNMP só irá de fato exercer seu papel de investigar os abusos da categoria quando houver controle externo ao colegiado. Segundo o especialista, colocar membros da sociedade civil no CNMP é uma “discussão inadiável para o funcionamento da democracia brasileira, diante de tudo que assistimos recentemente”.

“A própria literatura internacional diz que o CNJ e o CNMP atuam em detrimento do controle externo, em função de sua composição. Então mudar a composição dos dois é muito importante. A composição do CNMP poderia ter mais representantes da sociedade civil. Poderia, por exemplo, ter uma ouvidoria externa compostas por membros da sociedade civil para que realizassem, de fato, controle externo.”

Para enfatizar a importância do controle externo, Viegas lembra do poder que o MPF exerce sem controle. “Não estamos falando de qualquer estrutura do Estado. Defendemos a autonomia do MP, mas ele não só acumula atribuições em defesa dos interesses coletivos, como o exercício do monopólio da ação penal. Recentemente, passou a exercer investigações na esfera criminal. O Ministério Público não foi criado na Constituinte para fazer investigações. Ele foi previsto para fazer controle externo da atividade policial. Agora, o órgão que investiga também é o que acusa. É muito poder. Precisa de controle externo.”

Lançado em março de 2024, o Observatório do Controle é uma organização sem fins lucrativos e apartidária, criada para fazer “uma espécie de controle social dos órgãos de controle”, explicou Rafael Viegas em entrevista exclusiva ao GGN na noite de quarta, 1º de maio.

“Há pouco controle externo sobre a magistratura e Ministério Público no Brasil. CNJ e CNMP não são o controle externo, são órgãos integrados por uma maioria de membros das próprias carreiras. Mas [o Observatório] também acompanha tribunais de contas, que não têm um conselho nacional. O Ministério Público e os tribunais de contas, boa parte da literatura mostra como eles são opacos.”

¨      Como juízes podem divergir tanto? É a total desmoralização da Justiça no país

Divergências entre juízes de Cortes superiores são normais, isso no campo das interpretações jurídicas. Por isso não foi normal a divergência verificada há duas semanas no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre os ministros Luis Felipe Salomão, do STJ, e Luís Roberto Barroso, do STF. Passou longe do âmbito jurídico.

Tratava-se do caso de Gabriela Hardt, juíza que, em fevereiro de 2019, condenou Lula a 12 anos e 11 meses de reclusão, por corrupção, no caso do sítio de Atibaia. Foi o momento mais importante da Lava-Jato.

O CNJ julgava o comportamento profissional de Hardt, mas não pelo processo de Lula. E sim pela acusação de envolvimento dela na criação de uma fundação para administrar recursos provenientes de pagamento de multas por empresas apanhadas na Lava-Jato.

A fundação não saiu, mas Salomão entendeu, em resumo de leigo, que a intenção de criá-la já era forte indício de faltas disciplinares e violações de deveres funcionais. Mais que isso. À juíza poderiam ser atribuídos crimes de peculato-desvio, prevaricação, corrupção privilegiada e passiva.

Com base nessa argumentação, o ministro do STJ determinou o afastamento da juíza, isso na segunda-feira desta semana. Um dia depois, em reunião do plenário, o presidente do CNJ e do STF, Barroso, definiu com palavras duras a decisão de Salomão: ilegítima, arbitrária, desnecessária, sumária, prematura, injusta e perversa.

Como podem divergir tanto? Só uma possibilidade: não se trata mais de questão jurídica, mas de política. De um lado, a tentativa de arrasar tudo o que se refere à Lava-Jato. De outro, o entendimento de que, problemas à parte, a operação de Curitiba deixa um legado importante, a demonstração da existência de grossa corrupção no país. E no exterior.

A maioria do CNJ acompanhou Barroso, e a punição a Hardt foi suspensa. Foi o melhor. A acusação contra a juíza parte de uma suposição perversa: que o pessoal da Lava-Jato queria meter a mão no dinheiro das multas e que tudo foi feito para encher os bolsos de procuradores e juízes da operação.

Já está praticamente consumado o cancelamento das condenações da Lava-Jato. De novo, não se inocentam os acusados, mas anulam-se processos. O pessoal, entretanto, quer sangue. Não basta desmontar a operação, é preciso cassar e condenar promotores e juízes do caso. Daí a bronca de Barroso. Parece dizer: calma aí, pessoal.

Foi correto. Mas o ponto é outro: não é normal esse movimento radical para eliminar qualquer possibilidade de combate à corrupção. A quem interessa? Também não é normal o modo tolerante, para ser educado, com que se tratam ações de autoridades.

A Controladoria Geral da União (CGU) negocia com empreiteiras um bom desconto nas multas que haviam concordado em pagar, por meio de acordos de leniência. O chefe da CGU, ministro Vinícius Marques de Carvalho, é dono de um escritório de advocacia que representa a Novonor, ex-Odebrecht, em negociações com o Cade.

Ele diz que não tem nada de mais, porque se afastou totalmente do escritório para assumir o cargo público. Mas está longe de parecer normal.

MINISTRO CORRUPTO 

O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, também parece ter uma noção particular da normalidade na gestão pública. Ele abriu seu gabinete para o sogro, Fernando Fialho, que lá despachava sem ter cargo algum. O caso foi parar na Comissão de Ética da Presidência da República, que considerou normal essa ajudazinha administrativa do sogro.

Outra: tendo seu gabinete informado que ele estava em missão oficial, o que lhe dava direito a voar no jato da FAB e ainda receber diária, o ministro passou três dias acompanhando leilões de cavalos.

Revelado o fato, veio a explicação do gabinete: falha no sistema, que registrou indevidamente o pagamento de diárias para dias de folga. O jato da FAB? Estava de carona. Afinal, é o que fazem muitos ministros. E fica tudo por isso mesmo. Não pode ser normal.

 

Ø  Empresas processadas no STF e STJ pagaram evento de ministros em Londres

 

Empresas com ações nos tribunais superiores bancaram palestrantes ou patrocinaram o 1º Fórum Jurídico Brasil de Ideias, evento em Londres que reuniu ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do governo Lula (PT).  Entre essas empresas, estão a indústria de cigarros BAT Brasil (British American Tobacco) —antiga Souza Cruz— e o Banco Master.

O encontro foi organizado pelo Grupo Voto, presidido pela cientista política Karim Miskulin, que em 2022, às vésperas da campanha eleitoral, promoveu almoço de Jair Bolsonaro (PL) com 135 empresárias e executivas no Palácio Tangará, em São Paulo.

A imprensa foi impedida de acompanhar o evento, que ocorreu na semana passada no luxuoso hotel The Peninsula, que fica ao lado do Hyde Park e cujas diárias custam acima de 900 libras (cerca de R$ 5.800). Palestraram os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

Na entrada, Gilmar Mendes afirmou não saber da proibição à imprensa. “Isso não nos foi informado”, disse. Na ocasião, questionado se falaria com jornalistas, Moraes respondeu, de forma irônica: “Nem a pau”.

A BAT Brasil tem ao menos duas ações no Supremo: uma delas trata de um decreto do Pará que mudou a base de cálculo de tributação relacionada ao fumo e outra questiona ação apresentada pelo Ministério Público do Trabalho contra a prova de cigarros por pessoas contratadas.

As ações têm como relatores os ministros Luís Roberto Barroso e Kassio Nunes Marques. Um dos advogados da empresa é Rodrigo Fux, filho do ministro Luiz Fux. Os três não estiveram no evento em Londres.

A empresa também integra a Abifumo, que é parte interessada em ação contra norma da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que proíbe a comercialização de cigarros com sabor no país. Toffoli é o relator do processo. O patrocínio da BAT Brasil foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmado pela Folha.

Procurada, a BAT Brasil disse que “é parceira do Grupo Voto há mais de 15 anos em diversas iniciativas de comunicação organizadas pela entidade, assim como apoia outras organizações e veículos de comunicação que promovam o debate de temas relevantes para a sociedade, prática legítima no setor privado”.

“Em relação ao evento citado, a companhia entende tratar-se de um importante fórum de discussões sobre os desafios de investimentos no Brasil, especialmente no que se refere à segurança jurídica e à concorrência leal”, afirmou.

Já o Banco Master tem um recurso no STF a respeito de questão tributária que é relatado pelo ministro Gilmar Mendes. Também procurado, o banco informou em nota que foi um dos “vários apoiadores” do evento “ao viabilizar a palestra do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair”.

“O presidente do banco, Daniel Vorcaro, ancorou o debate, que tratou de temas como economia verde, brexit e inteligência artificial. O banco tem apoiado diversos eventos, dentro e fora do Brasil, que promovam um amplo debate de ideias e representem avanços para o Brasil.”

Sem ações no STF, outra patrocinadora do evento foi a FS Security, cujo dono é o empresário Alberto Leite, que já fez elogios a Elon Musk, o dono do Space X e da rede social X (antigo Twitter).

No início do mês passado, Musk foi incluído por Alexandre de Moraes no inquérito que apura a existência de milícias digitais antidemocráticas e seu financiamento. Ele tem feito constantes ataques a Moraes e ao STF no X.

A FS Security afirma que foi uma das patrocinadores “ao ter sido convidada a participar de um debate na sua área de atuação, que é cybersegurança, inteligência artificial e tecnologia no geral, e declara que não tem nenhuma ação em tribunal superior”.

Ao ser questionado sobre quem pagou pela estadia e passagens das autoridades, o Grupo Voto disse que todos os custos operacionais do evento foram de sua responsabilidade.

“Os valores não são de domínio público porque não há verba pública envolvida na realização. O Grupo Voto, empresa privada, se dá ao direito de manter seus patrocinadores em sigilo em respeito às cláusulas contratuais”.

Nesta semana, ministros participarão de outros dois eventos na Europa, que acontecerão em Madri.

 

Fonte: Jornal GGN/O Globo

 

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