O que precisa mudar para que abusos de
membros do Ministério Público sejam finalmente punidos
Enquanto o Conselho
Nacional de Justiça se vê às voltas com a oportunidade de punir eventuais
abusos que tenham sido praticados por juízes que atuaram na Lava Jato, o
Conselho Nacional do Ministério Público segue fazendo o mesmo desde o início da
operação: está “hibernando”, como se nada tivesse acontecido. Do jeito que
está, não há como criar qualquer expectativa de que o CNMP venha a passar um
corretivo exemplar nos membros do Ministério Público Federal que cometeram
excessos na Lava Jato. E há dados que explicam esse comportamento.
Levantamento do
Observatório do Conselho mostra que, historicamente, o CNMP vem sendo
contaminado pelo corporativismo. “Mapeamos a composição do CNMP desde o
início do funcionamento, e identificamos que 77% dos membros que vem da
carreira do MP, têm atuação em associações de classe. Ou seja, o CNMP hoje
encontra-se capturado pelas associações de classe que defendem os interesses
corporativos de seus membros. Não tenho a menor expectativa de que o CNMP vai
colocar limites ou fazer o que o CNJ, com o ministro Salomão, está fazendo em
relação aos juízes que atuaram na Lava Jato”, disse Rafael Viegas,
cientista político e presidente do Observatório do Controle.
Em abril passado, a
Corregedoria do CNJ, capitaneada pelo ministro Luís Felipe Salomão, concluiu
uma correição extraordinária nos principais gabinetes do braço da Lava Jato no
Paraná (13ª Vara Federal de Curitiba e 8ª Turma do TRF-4). Em função das descobertas,
o ex-juiz Sergio Moro e a juíza Gabriela Hardt, além de desembargadores, já são
alvos de uma representação disciplinar que
pode ou não evoluiu para processo administrativo disciplinar. Além disso, os
elementos de provas podem ser aproveitados pela Procuradoria-Geral da República
para uma ação na esfera penal contra Moro, que hoje é senador.
A correição também
levantou inúmeros fatos a respeito da conduta questionável do ex-procurador
Deltan Dallagnol e outros membros do Ministério Público Federal no Paraná. A
força-tarefa teria ajudado ilegalmente os Estados Unidos a forjar ação contra a
Petrobras para, anos mais tarde, tentar ficar com o dinheiro da multa para pela
petroleira às autoridades americanas.
Atualmente, o CNMP registra 8 ações contra Dallagnol. Algumas instauradas ainda em 2019, outras em 2021, e uma de
2020, todas em sigilo, de modo que não há informações públicas sobre o status
ou assunto de cada processo. Há notícias de que a criação da Fundação Lava Jato
já foi analisada algumas vezes em representações disciplinares, que concluíram
que não houve infração. Mas isso ocorreu há mais de três anos, antes da
correição do CNJ detalhar o papel de Dallagnol no esquema.
“O que o
temos visto no CNJ – que o corregedor nacional, ministro Salomão, tem feito –
não se vê ocorrer no CNMP. Para o CNMP, é como se nada estivesse acontecendo.
Temos que lembrar que a Lava Jato foi integrada por procuradores da República.
Muito do que aconteceu, as ilegalidades observadas desde o início da operação,
poderiam ter sido contidas, mas o CNPM não agiu, e age até hoje como se
estivesse hibernando”, comentou.
Para Viegas, o
controle externo é fundamental para desintoxicar o CNMP. Porque do jeito que
está, nada impede que outras Lava Jato aconteçam. O CNMP só irá de fato exercer
seu papel de investigar os abusos da categoria quando houver controle externo
ao colegiado. Segundo o especialista, colocar membros da sociedade civil no
CNMP é uma “discussão inadiável para o funcionamento da democracia
brasileira, diante de tudo que assistimos recentemente”.
“A própria
literatura internacional diz que o CNJ e o CNMP atuam em detrimento do controle
externo, em função de sua composição. Então mudar a composição dos dois é muito
importante. A composição do CNMP poderia ter mais representantes da sociedade
civil. Poderia, por exemplo, ter uma ouvidoria externa compostas por membros da
sociedade civil para que realizassem, de fato, controle externo.”
Para enfatizar a
importância do controle externo, Viegas lembra do poder que o MPF exerce sem
controle. “Não estamos falando de qualquer estrutura do Estado.
Defendemos a autonomia do MP, mas ele não só acumula atribuições em defesa dos
interesses coletivos, como o exercício do monopólio da ação penal.
Recentemente, passou a exercer investigações na esfera criminal. O Ministério
Público não foi criado na Constituinte para fazer investigações. Ele foi
previsto para fazer controle externo da atividade policial. Agora, o órgão que
investiga também é o que acusa. É muito poder. Precisa de controle externo.”
Lançado em março de
2024, o Observatório do Controle é uma organização sem fins lucrativos e
apartidária, criada para fazer “uma espécie de controle social dos órgãos de
controle”, explicou Rafael Viegas em entrevista exclusiva ao GGN na
noite de quarta, 1º de maio.
“Há pouco
controle externo sobre a magistratura e Ministério Público no Brasil. CNJ e
CNMP não são o controle externo, são órgãos integrados por uma maioria de
membros das próprias carreiras. Mas [o Observatório] também acompanha tribunais
de contas, que não têm um conselho nacional. O Ministério Público e os
tribunais de contas, boa parte da literatura mostra como eles são opacos.”
¨ Como juízes podem divergir tanto? É a total desmoralização da
Justiça no país
Divergências entre
juízes de Cortes superiores são normais, isso no campo das interpretações
jurídicas. Por isso não foi normal a divergência verificada há duas semanas no
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre os ministros Luis Felipe Salomão, do
STJ, e Luís Roberto Barroso, do STF. Passou longe do âmbito jurídico.
Tratava-se do caso de
Gabriela Hardt, juíza que, em fevereiro de 2019, condenou Lula a 12 anos e 11
meses de reclusão, por corrupção, no caso do sítio de Atibaia. Foi o momento
mais importante da Lava-Jato.
O CNJ julgava o
comportamento profissional de Hardt, mas não pelo processo de Lula. E sim pela
acusação de envolvimento dela na criação de uma fundação para administrar
recursos provenientes de pagamento de multas por empresas apanhadas na
Lava-Jato.
A fundação não saiu,
mas Salomão entendeu, em resumo de leigo, que a intenção de criá-la já era
forte indício de faltas disciplinares e violações de deveres funcionais. Mais
que isso. À juíza poderiam ser atribuídos crimes de peculato-desvio,
prevaricação, corrupção privilegiada e passiva.
Com base nessa
argumentação, o ministro do STJ determinou o afastamento da juíza, isso na
segunda-feira desta semana. Um dia depois, em reunião do plenário, o presidente
do CNJ e do STF, Barroso, definiu com palavras duras a decisão de Salomão:
ilegítima, arbitrária, desnecessária, sumária, prematura, injusta e perversa.
Como podem divergir
tanto? Só uma possibilidade: não se trata mais de questão jurídica, mas de
política. De um lado, a tentativa de arrasar tudo o que se refere à Lava-Jato.
De outro, o entendimento de que, problemas à parte, a operação de Curitiba
deixa um legado importante, a demonstração da existência de grossa corrupção no
país. E no exterior.
A maioria do CNJ
acompanhou Barroso, e a punição a Hardt foi suspensa. Foi o melhor. A acusação
contra a juíza parte de uma suposição perversa: que o pessoal da Lava-Jato
queria meter a mão no dinheiro das multas e que tudo foi feito para encher os
bolsos de procuradores e juízes da operação.
Já está praticamente
consumado o cancelamento das condenações da Lava-Jato. De novo, não se
inocentam os acusados, mas anulam-se processos. O pessoal, entretanto, quer
sangue. Não basta desmontar a operação, é preciso cassar e condenar promotores
e juízes do caso. Daí a bronca de Barroso. Parece dizer: calma aí, pessoal.
Foi correto. Mas o
ponto é outro: não é normal esse movimento radical para eliminar qualquer
possibilidade de combate à corrupção. A quem interessa? Também não é normal o
modo tolerante, para ser educado, com que se tratam ações de autoridades.
A Controladoria Geral
da União (CGU) negocia com empreiteiras um bom desconto nas multas que haviam
concordado em pagar, por meio de acordos de leniência. O chefe da CGU, ministro
Vinícius Marques de Carvalho, é dono de um escritório de advocacia que representa
a Novonor, ex-Odebrecht, em negociações com o Cade.
Ele diz que não tem
nada de mais, porque se afastou totalmente do escritório para assumir o cargo
público. Mas está longe de parecer normal.
MINISTRO
CORRUPTO
O ministro das
Comunicações, Juscelino Filho, também parece ter uma noção particular da
normalidade na gestão pública. Ele abriu seu gabinete para o sogro, Fernando
Fialho, que lá despachava sem ter cargo algum. O caso foi parar na Comissão de
Ética da Presidência da República, que considerou normal essa ajudazinha
administrativa do sogro.
Outra: tendo seu
gabinete informado que ele estava em missão oficial, o que lhe dava direito a
voar no jato da FAB e ainda receber diária, o ministro passou três dias
acompanhando leilões de cavalos.
Revelado o fato, veio
a explicação do gabinete: falha no sistema, que registrou indevidamente o
pagamento de diárias para dias de folga. O jato da FAB? Estava de carona.
Afinal, é o que fazem muitos ministros. E fica tudo por isso mesmo. Não pode
ser normal.
Ø Empresas processadas no STF e STJ pagaram evento de ministros em
Londres
Empresas com ações nos
tribunais superiores bancaram palestrantes ou patrocinaram o 1º Fórum Jurídico
Brasil de Ideias, evento em Londres que reuniu ministros do STF (Supremo
Tribunal Federal), do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do governo Lula (PT).
Entre essas empresas, estão a indústria de cigarros BAT Brasil (British
American Tobacco) —antiga Souza Cruz— e o Banco Master.
O encontro foi
organizado pelo Grupo Voto, presidido pela cientista política Karim Miskulin,
que em 2022, às vésperas da campanha eleitoral, promoveu almoço de Jair
Bolsonaro (PL) com 135 empresárias e executivas no Palácio Tangará, em São
Paulo.
A imprensa foi
impedida de acompanhar o evento, que ocorreu na semana passada no luxuoso hotel
The Peninsula, que fica ao lado do Hyde Park e cujas diárias custam acima de
900 libras (cerca de R$ 5.800). Palestraram os ministros Dias Toffoli, Gilmar
Mendes e Alexandre de Moraes.
Na entrada, Gilmar
Mendes afirmou não saber da proibição à imprensa. “Isso não nos foi informado”,
disse. Na ocasião, questionado se falaria com jornalistas, Moraes respondeu, de
forma irônica: “Nem a pau”.
A BAT Brasil tem ao
menos duas ações no Supremo: uma delas trata de um decreto do Pará que mudou a
base de cálculo de tributação relacionada ao fumo e outra questiona ação
apresentada pelo Ministério Público do Trabalho contra a prova de cigarros por
pessoas contratadas.
As ações têm como
relatores os ministros Luís Roberto Barroso e Kassio Nunes Marques. Um dos
advogados da empresa é Rodrigo Fux, filho do ministro Luiz Fux. Os três não
estiveram no evento em Londres.
A empresa também
integra a Abifumo, que é parte interessada em ação contra norma da Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que proíbe a comercialização de
cigarros com sabor no país. Toffoli é o relator do processo. O patrocínio da
BAT Brasil foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmado pela
Folha.
Procurada, a BAT
Brasil disse que “é parceira do Grupo Voto há mais de 15 anos em diversas
iniciativas de comunicação organizadas pela entidade, assim como apoia outras
organizações e veículos de comunicação que promovam o debate de temas
relevantes para a sociedade, prática legítima no setor privado”.
“Em relação ao evento
citado, a companhia entende tratar-se de um importante fórum de discussões
sobre os desafios de investimentos no Brasil, especialmente no que se refere à
segurança jurídica e à concorrência leal”, afirmou.
Já o Banco Master tem
um recurso no STF a respeito de questão tributária que é relatado pelo ministro
Gilmar Mendes. Também procurado, o banco informou em nota que foi um dos
“vários apoiadores” do evento “ao viabilizar a palestra do ex-primeiro-ministro
britânico Tony Blair”.
“O presidente do
banco, Daniel Vorcaro, ancorou o debate, que tratou de temas como economia
verde, brexit e inteligência artificial. O banco tem apoiado diversos eventos,
dentro e fora do Brasil, que promovam um amplo debate de ideias e representem
avanços para o Brasil.”
Sem ações no STF,
outra patrocinadora do evento foi a FS Security, cujo dono é o empresário
Alberto Leite, que já fez elogios a Elon Musk, o dono do Space X e da rede
social X (antigo Twitter).
No início do mês
passado, Musk foi incluído por Alexandre de Moraes no inquérito que apura a
existência de milícias digitais antidemocráticas e seu financiamento. Ele tem
feito constantes ataques a Moraes e ao STF no X.
A FS Security afirma
que foi uma das patrocinadores “ao ter sido convidada a participar de um debate
na sua área de atuação, que é cybersegurança, inteligência artificial e
tecnologia no geral, e declara que não tem nenhuma ação em tribunal superior”.
Ao ser questionado
sobre quem pagou pela estadia e passagens das autoridades, o Grupo Voto disse
que todos os custos operacionais do evento foram de sua responsabilidade.
“Os valores não são de
domínio público porque não há verba pública envolvida na realização. O Grupo
Voto, empresa privada, se dá ao direito de manter seus patrocinadores em sigilo
em respeito às cláusulas contratuais”.
Nesta semana,
ministros participarão de outros dois eventos na Europa, que acontecerão em
Madri.
Fonte: Jornal GGN/O
Globo
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