quinta-feira, 2 de maio de 2024

MSF divulga estudo com custo de ensaio clínico de tuberculose e abre caminho para mais transparência

A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras apresentou na última (30), em Genebra, os custos detalhados de um estudo clínico que ajudou a identificar um regime mais curto e ministrado por via oral para o tratamento de tuberculose resistente a medicamentos.

O custo total do estudo clínico realizado por MSF foi de 34 milhões de euros. Essa é a primeira vez que esse tipo de dado detalhado é compartilhado de maneira pública, desafiando práticas pouco transparentes relacionadas ao desenvolvimento de medicamentos e o discurso recorrente da indústria farmacêutica de que os altos preços dos medicamentos são necessários para recuperar investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).

O custo de ensaios clínicos frequentemente responde pela maior parte do custo total de P&D de produtos relacionados à saúde, ainda que os valores reais permaneçam ocultos, sem que dados desagregados de custos biomédicos de P&D estejam disponíveis. As estimativas atuais para a totalidade dos custos de P&D para o desenvolvimento de um novo fármaco variam de US$ 43,4 milhões até exorbitantes US$4.2 bilhões, utilizando metodologias diversas.

O estudo, denominado TB PRACTECAL, é um marco importante para o aumento da transparência dos custos biomédicos de P&D, o que pode abrir caminho para modelos mais justos e assegurar o acesso amplo a tratamentos que são urgentemente necessários para salvar vidas.

A partir deste trabalho, MSF desenvolveu uma ferramenta (“toolkit”) para registro de custos de ensaios clínicos chamada ‘Transparency CORE’. MSF apela a todos os entes públicos e organizações sem fins lucrativos para que publiquem os custos de seus ensaios clínicos e apoiem o desenvolvimento de um padrão internacional para o registro desses valores.

“Esperamos que a nossa divulgação dos custos do ensaio clínico para identificar um regime de tratamento melhorado para a tuberculose resistente a medicamentos sirva como um chamado para que outras entidades públicas e sem fins lucrativos se juntem a nós e partilhem publicamente os custos de seus ensaios clínicos para garantir uma maior transparência em custos médicos de P&D”, disse o Dr. Bern-Thomas Nyang'wa, diretor médico de MSF e pesquisador-chefe do ensaio TB-PRACTECAL. “Encorajamos os patrocinadores e implementadores de ensaios clínicos a experimentarem a nossa ferramenta Transparency CORE’ e a ajudar a desenvolvê-la como um guia para facilitar a publicação de dados de custos. Como há muito pouca transparência nas despesas de P&D, divulgar os custos dos ensaios clínicos é um passo transformador no sentido de expor o que realmente é gasto com a inovação médica e de construir um futuro onde o acesso a medicamentos e ferramentas médicas não seja prejudicado por preços elevados.”

A transparência dos custos dos ensaios clínicos é necessária para que haja mais informação sobre políticas de preços, permitindo o surgimento de formas inovadoras de financiar P&D biomédica. A narrativa predominante sobre os preços dos produtos médicos ecoa de forma acrítica a afirmação que já vem sendo feita há muito tempo pela indústria farmacêutica, de que são necessários preços elevados para recuperar os altos custos de P&D e assim sustentar a inovação futura. Contudo, pesquisas demonstram não haver ligação entre os elevados preços dos medicamentos e os gastos da indústria em P&D. Apesar disso, as estimativas de gastos em P&D da indústria farmacêutica ainda são utilizadas como parâmetro para pautar os debates sobre preços relacionados com produtos médicos. À medida que analistas fora da indústria conseguiram obter acesso a informações mais diferenciadas sobre os custos de P&D, incluindo contribuições financeiras significativas dos setores público e filantrópico, este conhecimento deixou o debate sobre valores um pouco mais transparente e alimentou o ativismo global por preços mais justos.

Durante mais de uma década, um medicamento essencial para a TB, a bedaquilina, permaneceu fora do alcance das pessoas com tuberculose resistente devido ao seu preço exorbitante. A droga é a espinha dorsal de todos os regimes contra tuberculose resistente, incluindo o regime TB-PRACTECAL.

A revelação, feita por um estudo acadêmico, de que o investimento público em P&D da bedaquilina era até cinco vezes superior ao investimento privado, teve papel fundamental num movimento global liderado por ativistas de TB e pela sociedade civil que resultou numa redução significativa do preço deste medicamento que salva vidas.

“O movimento global que pressionou por uma redução significativa do preço da bedaquilina demonstrou que a transparência dos custos de pesquisa e desenvolvimento pode levar a um maior acesso a ferramentas médicas e ajudar a salvar mais vidas”, disse Roz Scourse, consultora de políticas públicas da Campanha de Acesso de MSF. “A narrativa infundada, mas dominante, de que são necessários preços elevados para recuperar os elevados custos de P&D já não pode continuar a ser um território livre de evidências – esta informação é uma peça importante do quebra-cabeças político que tem de ser montado para informar o preço dos produtos médicos e quem tem acesso. Hoje, estamos desafiando esta narrativa e mostrando que a publicação detalhada dos custos dos ensaios clínicos pode – e deve – ser feita. Instamos todos aqueles que financiam e conduzem ensaios clínicos – e P&D de forma mais ampla – a divulgar publicamente os seus custos, a fim de dotar governos, agentes políticos, pesquisadores, ativistas e comunidades afetadas com as informações vitais necessárias para ter um diálogo baseado em evidências sobre políticas de preços, e como podemos garantir que os esforços de P&D realmente resultem em acesso equitativo.”

Dados detalhados sobre os custos dos ensaios clínicos podem ajudar a aperfeiçoar ainda mais a concepção de futuras iniciativas de P&D, incluindo incentivos inovadores e mecanismos de financiamento – especialmente para áreas onde há falta de interesse comercial, como a tuberculose, a resistência antimicrobiana e os agentes patogênicos de potencial pandêmico. A transparência sobre os custos detalhados dos ensaios clínicos também pode apoiar a elaboração de orçamentos e o planeamento financeiro dos ensaios clínicos, especialmente para medicamentos sem fins lucrativos ou financiados com recursos públicos, e para contextos onde ensaios clínicos são feitos fora dos países de alta renda. A falta de tais dados representou um desafio quando o TB-PRACTECAL estava sendo planeado.

“Como a Assembleia Mundial da Saúde (que acontece em maio) marcará o 5º ano desde a adoção da resolução da OMS sobre transparência, todos os governos devem tomar medidas urgentes para promulgar legislação que obrigue a divulgação dos custos desagregados de P&D, incluindo custos de ensaios clínicos, especialmente quando a pesquisa recebeu recursos públicos, disse Scourse.

•        Sobre o estudo clínico TB-PRACTECAL

MSF liderou o ensaio clínico randomizado de fase 2b-3 TB-PRACTECAL, que identificou um novo regime de tratamento para TB resistente a medicamentos em 2022. Os resultados deste ensaio histórico levaram a OMS a recomendar um regime de 6 meses, totalmente oral, de bedaquilina, pretomanida, linezolida e moxifloxacina (BPaLM) como tratamento preferencial para TB resistente à rifampicina. Este regime foi adotado para uso em 40 países até agora.

Os custos totais do ensaio clínico foram de 33,9 milhões de euros. Embora os principais resultados tenham sido apresentados na conferência PPRI da OMS, os custos completos e detalhados do ensaio clínico foram submetidos para publicação com revisão por pares numa revista científica. Na publicação completa, os valores são divididos em 27 categorias de custos, por ano e por local de ensaio, a fim de oferecer um elevado nível de transparência.

•        Relatório de Médicos Sem Fronteiras denuncia "assassinatos silenciosos" em Gaza

O sistema de saúde de Gaza foi devastado, com homens, mulheres e crianças em risco crescente de desnutrição aguda e com a sua saúde física e mental deteriorando-se rapidamente. As conclusões estão em um relatório divulgado nesta segunda-feira, 29 de abril, pela organização médica internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Intitulado “Os assassinatos silenciosos em Gaza: a destruição do sistema de saúde e a luta pela sobrevivência em Rafah”, o documento mostra que mais de seis meses após o início da guerra em Gaza, a devastação estende-se muito além dos mortos pelos bombardeios e ataques aéreos israelenses. MSF descreve a luta enorme enfrentada hoje pelos palestinos em Gaza para ter acesso a cuidados médicos e alerta sobre um grande número de mortes evitáveis causadas por interrupções na prestação de cuidados de saúde críticos.

“Quantas crianças já morreram de pneumonia em hospitais sobrecarregados?”, pergunta Mari-Carmen Viñoles, chefe dos programas de emergência de MSF. “Quantos bebês morreram por causa de doenças evitáveis? Quantos pacientes que sofrem de diabetes estão sem tratamento? E quanto às consequências mortais do fechamento das unidades de diálise renal nos hospitais atacados? Estas são as matanças silenciosas de Gaza, que não são registradas em meio a todo este caos, causado pelo colapso do sistema de saúde no território”.

As equipes de MSF que trabalham em Rafah relatam que o sistema de saúde dizimado e as condições de vida desumanas também aumentam o risco de surtos de doenças, desnutrição e o impacto de longo prazo de traumas psicológicos. MSF alerta que uma incursão militar em Rafah, além da atual crise humanitária em Gaza, seria uma catástrofe inimaginável e apela por um cessar-fogo imediato e sustentado.

•        Condições de vida em Rafah agravam problemas de saúde

As condições de vida em Rafah hoje não são propícias à sobrevivência, afirma o relatório de MSF, com base em dados médicos e no testemunho de pacientes. Há uma escassez desesperada de água limpa para beber ou tomar banho, enquanto o lixo e o esgoto sem tratamento se acumulam nas ruas deste pequeno pedaço de terra que hoje acolhe mais de 1 milhão de pessoas que foram deslocadas à força do norte de Gaza.

Em apenas dois dos centros de saúde de cuidados primários administrados por MSF nas áreas de Al-Shaboura e Al-Mawasi, nossas equipes oferecem uma média de 5 mil consultas médicas por semana, muitas delas ligadas às condições de vida precárias das pessoas. Mais de 40% destas consultas são para pacientes com infecções do trato respiratório superior. MSF tem observado um número crescente de casos suspeitos de hepatite A. Nos últimos três meses de 2023, os casos de doenças diarreicas relatados entre crianças menores de 5 anos foram 25 vezes maiores do que durante o mesmo período de 2022. Entre janeiro e março de 2024, as equipes trataram 216 crianças menores de 5 anos com desnutrição aguda moderada ou grave, um problema que era quase inexistente antes do conflito atual.

Com os hospitais sobrecarregados com pacientes de trauma (como tiros e explosões), as pessoas com outros tipos de necessidades médicas, como mulheres grávidas com complicações e pessoas que vivem com doenças crônicas, muitas vezes não conseguem receber os cuidados de que necessitam. No hospital Emirati, onde MSF apoia o departamento pós-parto, as equipes médicas lutam para lidar com cerca de 100 partos por dia, cinco vezes mais do que antes da guerra. Nas clínicas de MSF, as consultas para hipertensão, diabetes, asma, epilepsia e câncer têm aumentado à medida em que os pacientes procuram monitoramento e medicação. No entanto, se seu estado de saúde piorar e necessitarem de medicação ou equipamento especializado, pouco poderá ser feito por eles. Muitos encaminhamentos médicos em Gaza hoje estão atrasados ou simplesmente são impossíveis de serem realizados.

A saúde mental da população de Gaza – incluindo o pessoal médico – também está dilacerada. A maioria dos pacientes que chegam às clínicas de MSF apresentam sintomas relacionados à ansiedade e ao estresse, incluindo condições psicossomáticas e depressivas. Algumas pessoas que cuidam de familiares com problemas mentais graves recorreram a sedação excessiva para mantê-los seguros e evitar que machuquem a si próprios ou a outras pessoas, devido à falta de serviços especializados que ainda funcionem em Gaza.

Para MSF, tentar apoiar o devastado sistema de saúde de Gaza tem sido extremamente desafiador devido à insegurança. MSF também enfrentou desafios substanciais no transporte de suprimentos médicos e ajuda humanitária para Gaza por causa de atrasos e restrições por parte das autoridades israelenses, que são descritos em detalhes no anexo do relatório.

“Como organização médica de emergência internacional, temos a experiência e os meios para fazer muito mais e ampliar a nossa resposta”, afirma Sylvain Groulx, coordenador de emergência de MSF. “A equipe médica palestina é altamente qualificada e só precisa de meios para trabalhar em condições aceitáveis e dignas para tratar e salvar vidas. Mas hoje tudo isto permanece absurdamente impossível. Sem um cessar-fogo imediato e sustentado e a entrada de assistência humanitária significativa, continuaremos a ver mais pessoas morrerem.”

>>>> Sobre o trabalho de MSF em Gaza:

MSF atualmente opera em três hospitais em Gaza: o hospital Al-Aqsa (Área Central), o hospital de campanha indonésio em Rafah e a maternidade Emirati (no sul de Gaza), bem como três unidades de saúde, em Al-Shaboura e Al-Mawasi, em Rafah.

As equipes médicas de MSF oferecem apoio cirúrgico, tratamento de ferimentos, fisioterapia, cuidados pós-parto, cuidados de saúde primários, vacinação e serviços de saúde mental. No entanto, os cercos sistemáticos e as ordens de evacuação de vários hospitais estão empurrando as nossas atividades para uma área cada vez menor e limitando a nossa capacidade de responder às necessidades das pessoas.

MSF também fornece 300 m3 de água potável por dia em vários locais de Rafah e trabalha continuamente para aumentar essa quantidade. No dia 28 de março, MSF instalou uma nova usina de dessalinização em Al-Mawasi.

 

Fonte: Imprensa-Rio - ASSESSORIA DE IMPRENSA

 

Nenhum comentário: