Investimento estrangeiro – prós e contras
O investimento
estrangeiro é positivo ou negativo para um país? Como para muitas questões
econômicas, a resposta é: depende. Há vantagens e desvantagens. Convém,
portanto, examinar o tema um pouco mais de perto.
Não é o que geralmente
se faz. Predominam slogans e simplificações. No governo, por exemplo, tem
havido muito oba-oba por ocasião da divulgação de alguns novos investimentos do
exterior. Novos investimentos estrangeiros são apresentados como um selo de confiança
ou bom-comportamento. “O Brasil está de volta”, proclama-se. (Esse slogan,
diga-se de passagem, é um dos mais surrados internacionalmente.) Além disso,
foi instituído, com certo estardalhaço, um programa que oferece proteção
cambial a determinados investidores estrangeiros.
O tema dos prós
e contras do investimento estrangeiro é vasto e polêmico. Não quero me alongar
demais e seleciono assim pontos que parecem mais relevantes.
Permita-me, leitor ou
leitora, ser de novo um pouco mais técnico neste artigo. Farei o possível para
não complicar demais, mas há aspectos inevitavelmente intrincados. Repito a
sugestão que fiz em outra ocasião. Se você não for economista, não desanime se
uma passagem ou outra lhe parecer incompreensível. Siga em frente e se puder
entender, digamos, 70 ou 80% do texto, já terá valido a pena.
·
Aspectos positivos do
investimento estrangeiro: fatos e meias-verdades
Começo pelos aspectos
potencialmente positivos do investimento estrangeiro. São basicamente dois:
(i)
o investimento do exterior traz receitas
cambiais e constituiu um tipo de aporte de capital que, além de não aumentar a
dívida externa do país, cobre de forma relativamente estável um eventual
déficit de balanço de pagamentos em conta corrente; e
(ii)
]o investimento externo pode contribuir
para o aumento da formação bruta de capital fixo, traduzindo-se em elevação do
crescimento potencial da economia no longo prazo.
Esses argumentos são
válidos e têm ampla divulgação. São meias-verdades, porém. E a meia verdade,
como dizia Tennyson, é mais perigosa do que a mentira pura e simples. Nada pior
do que as “mentiras verdadeiras”, aquelas têm alguma base factual ou lógica, e
as mentiras “sinceras”, aquelas que são propagadas com convicção.
É fato, sim, que o
investimento externo traz receitas em moeda estrangeira e pode, portanto,
ajudar a financiar um desequilíbrio em conta corrente (a parte do balanço de
pagamentos que corresponde à balança comercial, serviços e rendas). E, de fato,
como receber investimento não constitui uma obrigação financeira, não aumenta a
dívida externa líquida do país. A variação desta última corresponde ao déficit
em conta corrente deduzida a entrada liquida de investimentos (diretos e de
portfólio).
Também é verdade que o
investimento pode ser uma forma relativamente estável de compensar um eventual
desequilíbrio nas contas externas correntes. Os investimentos em capacidade
produtiva podem até sair do país em algum momento futuro, mas não de forma rápida,
pois há defasagens temporais significativas entre a decisão de desinvestir e a
sua concretização.
Mais importante: os
investimentos em capacidade produtiva, designados nas estatísticas como
“investimentos diretos”, podem, sim, reforçar o estoque de capital da economia
e o seu crescimento de longo prazo.
Parecem então
convincentes esses argumentos? Acredito que sim, tanto mais que os termos
técnicos podem impressionar os leigos. E tanto mais que brasileiro desconfia do
que entende e aceita melhor o que não entende, como dizia Nelson Rodrigues,
apontando uma das muitas facetas do nosso complexo de vira-lata: se eu entendo,
pensa o brasileiro na sua humildade de cachorro velho, então não deve ser
grande coisa. Apesar disso, tento esclarecer, mostrando onde estão as lacunas e
falácias nos dois argumentos. Veremos que esses argumentos são apenas
parcialmente verdadeiros.
·
Investimentos
estrangeiros e contas externas – corrigindo omissões
Em primeiro lugar, não
se deve perder de vista que de pouco vale, do ângulo do comprometimento futuro
das contas externas, absorver investimentos em vez de empréstimos. Os
investimentos estão, sim, por definição, fora da classificação de dívida
externa. Integram, entretanto, o conceito mais amplo de passivo externo líquido
de um país.
Este é a soma da
dívida e do estoque de investimentos estrangeiros deduzidos os ativos externos
do país no exterior na forma de créditos e investimentos. As dívidas geram
pagamentos de juros; os investimentos, pagamentos de lucros e dividendos. As
dívidas têm calendário de amortização; os investimentos podem ser repatriados,
ainda que sem calendário fixo.
O conceito mais
abrangente e mais relevante, portanto, é o de passivo externo líquido. O
aumento do passivo externo líquido corresponde ao déficit em conta corrente.
Havendo déficit, o passivo para com o exterior cresce de qualquer maneira, seja
como dívida, seja como investimento. Ao contrário do que talvez pareça, as
diferenças entre as duas formas de capital nem sempre são significativas.
Além disso, não é
necessariamente verdade que o investimento estrangeiro constitua uma forma mais
estável de capital. Há duas formas de investimento nas estatísticas de balanço
de pagamentos: o investimento direto e o de portfólio. O investimento direto é
aquele potencialmente mais ligado à formação de capital (ou à compra de
capacidade produtiva existente). O de portfólio inclui, por exemplo, compra por
estrangeiros (não-residentes) de ações na bolsa de valores do país ou aquisição
de títulos de dívida (pública e privada).
O capital de
portfólio, que pode predominar em determinadas situações, é tipicamente
especulativo ou de curto prazo. Não pode ser considerado estável ou confiável.
Desse ponto de vista, o endividamento externo de médio e longo prazo é melhor.
Um possível agravante
é que os investimentos diretos registrados no balanço de pagamentos incluem uma
parcela desconhecida de investimentos de portfólio. Esse problema de
classificação, levantado em artigo recente, só pode ser esclarecido com acesso
detalhado a dados que apenas o Banco Central possui.
Seja como for, é
importante considerar que não convém, em geral, incorrer em déficits
substanciais nas contas externas correntes, mesmo que cobertos por
investimentos diretos strictu sensu. Isso é especialmente
verdadeiro nas situações em que ao déficit corrente se adicionam vencimentos
importantes de dívida ou riscos de saída abrupta de capitais de portfólio.
Para um país que
queira preservar a sua autonomia, é estrategicamente melhor zerar a conta
corrente ou, no máximo, incorrer em déficits pequenos. No caso do Brasil, os
déficits externos correntes têm sido modestos nos anos recentes. O Banco
Central acaba de divulgar um déficit em conta corrente de 1,5% do PIB nos doze
meses até março. Os investimentos registrados como “diretos” chegaram ao dobro,
alcançando 3% do PIB.
·
Investimentos
estrangeiros e capacidade produtiva
Apesar de tudo, não há
dúvida de que a forma mais defensável de capital externo é aquela que toma a
forma de investimentos diretos propriamente ditos. Feitas as ressalvas acima, o
investimento direto stricto sensu pode, sim, gerar capacidade
produtiva nova e, quando o faz, constitui, sim, uma modalidade mais estável e
duradoura de capital externo.
Atenção, porém. Há
pré-requisitos. E algumas perguntas precisam ser respondidas.
O investimento direto,
nas estatísticas habituais, não só pode aparecer misturado com alguns
investimentos de portfólio, como já indicado, mas inclui também dois tipos
diferentes de investimentos diretos: aqueles que criam capacidade nova (novas
empresas ou ampliação de empresas existentes) e aqueles que simplesmente
compram capacidade pré-existente. Nesse último caso, o que ocorre é
desnacionalização da economia (exceto em casos de aquisição por outros
estrangeiros de filiais ou subsidiárias já existentes de empresa externas).
A confusão conceitual
costuma ser grande. Se o investimento que ingressa corresponde tão somente à
aquisição de empresas existentes, não há nenhum efeito imediato em termos de
expansão da demanda e da taxa global de investimento. De início, há mera transferência
de propriedade da capacidade produtiva instalada. Só haverá reforço real do
investimento, se os novos proprietários tiverem condições e interesse em
ampliar as empresas que adquiriram.
A propósito, fala-se
em “privatização”, às vezes impropriamente, quando o capital estrangeiro
adquire o controle de empresas estatais. Ora, não raro o que acontece é a
compra de estatais brasileiras por estatais estrangeiras. Nesse caso, não há
privatização alguma, mas desnacionalização pura e simples. Não se cria, pelo
menos de imediato, capacidade produtiva nova e os centros de decisão
empresarial são transferidos para fora do país.
Outra questão
relevante: ao abrir a economia para determinados investimentos diretos
estrangeiros, o governo se preocupa em estabelecer contrapartidas estratégicas?
Condiciona, por exemplo, a autorização para investir a compromissos de
transferência de tecnologia? Negocia compromissos de realizar compras com
fornecedores nacionais, estimulando produção e geração de empregos no país?
A China costuma
estabelecer esse tipo de condição. O Brasil, pelo seu tamanho, é um dos maiores
receptores de investimentos estrangeiros no mundo. Tem, em princípio, poder de
barganha para estabelecer requisitos de transferência de tecnologia e compras em
território nacional.
·
Garantias contra risco
cambial
O governo parece
caminhar em direção diferente. Em vez de negociar contrapartidas, oferece
garantias. Anunciou-se há pouco a oferta de hedge cambial para
o financiamento de investimentos estrangeiros considerados ambientalmente
sustentáveis. Decisão duvidosa, que ainda precisa ser detalhada e merece mais
discussão. Se entendi bem, para estimular determinados investimentos do
exterior o governo estatiza o risco cambial. Em caso de depreciação acentuada
da moeda brasileira, quem paga a conta é o Tesouro.
Trata-se de um
programa que gera risco fiscal e risco cambial. O risco de despesas inesperadas
é transferido para os cofres públicos. Se a desvalorização da moeda nacional
ficar acima do esperado, o governo incorre em perdas cambiais e fiscais, isto
é, diminuem as reservas internacionais e aumenta o déficit público.
Curiosamente, o mercado financeiro e a mídia, sempre tão alarmados com o risco
fiscal, parecem apoiar sem reservas a nova proposta.
Outra questão, esta
geralmente ignorada: a suposição é que o investimento garantido contra risco
cambial venha a ser de fato adicional, isto é, que ele não aconteceria na
ausência da garantia estatal. Pode-se descartar, entretanto, que investimentos
beneficiados não ocorreriam de qualquer maneira? Seria o pior dos mundos: na
esperança de aumentar o investimento externo, o governo acabaria assumindo o
risco cambial de investimentos que ingressariam no país de qualquer forma. Como
os beneficiários dessa decisão são os grandes capitais, ninguém protesta,
ninguém reclama.
·
Rejeição liberal à
interferência estatal
Para terminar, um
breve comentário sobre as viúvas brasileiras do neoliberalismo. Os
representantes dessa velha guarda poderiam argumentar que tentar fixar
condições para a entrada de investimentos viola as regras de livre mercado. Se
forem coerentes (o que nem sempre acontece) objetariam, pela mesma razão geral,
a que o governo ofereça proteção cambial para certos investidores externos.
Mas é frágil essa
visão liberal, defunta no mundo, mas ainda presente no Brasil, especialmente no
discurso do mercado financeiro e da mídia tradicional. A livre concorrência em
mercados pulverizados existe mais em livros-texto do que na realidade das economias.
Na prática, o que prevalece é a concorrência oligopólica, limitada, entre
grandes corporações e blocos de capital.
O Estado participa e
interfere nas economias bem-sucedidas. E assiste, passivo, inerte, nas
economias fracassadas.
Fonte: Por Paulo
Nogueira Batista Jr., em A Terra é Redonda
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