sexta-feira, 3 de maio de 2024

Exploração de potássio no Amazonas avança sem consultar populações indígenas e ribeirinhas

Alardeada pelo governador do Amazonas como a solução para o desenvolvimento do estado, inclusive com a presença do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, a extração de potássio em Autazes (AM) tem se configurado como uma realidade cada vez mais irreversível, ignorando os potenciais danos às populações ribeirinhas e principalmente indígenas do povo Mura, que já possuem um protocolo de Consulta Prévia, Livre e Informada elaborado desde 2019. Esse é um direito garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e que o Brasil tem o dever de cumprir, uma vez que é signatário.

Na última sexta-feira (27), o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) emitiu a licença da exploração da mina pela empresa Potássio do Brasil, e agora o governo licencia o terminal portuário, de onde sairá o insumo mineral mais usado pelo agronegócio. Esta será a maior mina de potássio do país e a segunda maior do mundo, atrás apenas do Canadá.

O porto e o terminal de cargas têm a pretensão de tomar um espaço de 21 mil hectares, se tornando o maior terminal portuário da Região Norte, em área e expectativa de operação de cargas, com cerca de 2,4 milhões de toneladas de potássio/ano. Somente para se ter uma ideia, atualmente a soma do transporte de fertilizantes nos portos de Santarém (PA), Vila do Conde (PA) e Itacoatiara (AM) não chega a 1,7 milhão de toneladas juntos.

Contudo, para as comunidades, organizações e coletivos ligados à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos de Parintins e Amazonas, as notícias têm levantado preocupações urgentes devido à busca desenfreada pela exploração de minérios na Amazônia, por parte de empresários e políticos.

“A cidade de Ambrósio Ayres, hoje Autazes, foi implantada em cima das terras nativas sem autorização dos Mura, além dos inúmeros fazendeiros que ao longo dos tempos vêm grilando suas terras. Em todos os empreendimentos da mineração, desde a época do ciclo do Ouro no Brasil, às recentes explorações minerais de Serra Pelada no Pará, Manganês em Macapá, na região de Brumadinho em Minas Gerais, Ferro no Grande Carajás no Pará, o maior beneficiado foi sempre o capital estrangeiro, provocando dizimação dos indígenas, pobreza aos povos da floresta e sua biodiversidade e terríveis acidentes para habitantes de áreas diversas onde a mineração está ocorrendo”, afirma o agente da CPT Amazonas, Manuel do Carmo.

O agente acrescenta que a possível ilegalidade já começa desde a licença ambiental do projeto, que foi concedida pelo Ipaam e não pelos órgãos ambientais federais, como a Funai e o IBAMA, já que se trata de Terra Indígena. No Amazonas, as áreas indígenas têm sido atingidas por mineradoras e garimpeiros em projetos de exploração mineral, também na exploração de gás pela empresa Eneva nos municípios de Silves e Itapiranga, com o apoio do governo do Estado.

·        Manifestação 

Aproximadamente 800 indígenas em contexto urbano, da região metropolitana de Manaus e de municípios vizinhos, como Autazes, Careiro da Várzea, Maués, Borba e Nova Olinda, e também de organizações indigenistas parceiras que apoiam a causa indígena, estiveram presentes no centro de Manaus no dia 19 em preparação ao Acampamento Terra Livre (ATL), se manifestando contra a exploração do potássio em Território Mura. Participaram da mobilização indígenas dos povos Apurinã, Mura, Kokama, Sateré-Mawé, Tikuna, Baré, Kambeba, Tukano e Warao.

Diego Mura, da comunidade Moyray, Terra Indígena (TI) Guapenu, em Autazes, veio com uma delegação de 32 lideranças jovens, mostrando o caminhar lado a lado da ancestralidade e da juventude, e diz que apesar de o Brasil eleger um governo de reconstrução da democracia e de indígenas assumirem cargos importantes nos órgãos públicos, a efetivação dos direitos indígenas está devagar.

“O governo que declarou ser a favor dos povos indígenas está fazendo tudo muito devagar. Poucas demarcações de território, a mineração e outros negócios continuam chegando e desrespeitando os indígenas. Não basta criar política ou estar em algum setor público se não tem recurso. Precisamos de recursos, propostas e planos reais que cheguem nas comunidades”, afirmou.

“A luta continua, não queremos fraquejar neste momento. A gente tem muita coisa para conquistar ainda. Então é como diz a frase: resistir para existir nesse momento tão difícil”, disse a cacica Conceição Kokama, no ato na Praça da Saudade.

¨      Comunidades resistem ao boom do lítio na América Latina

Desde que nasceu, Andrea Calcina, 58 anos, vive na comunidade de Calcha K, grupo de casas de adobe, terra crua usada na construção de moradias pobres, a 3,8 mil metros de altitude em Potosí, no sudoeste dos Andes bolivianos.

Embora aqui tudo pareça árido e salobro, Calcina aponta para um poço d’água que ainda abastece os moradores. “Costumava haver mais. Com essa água, lavamos, semeamos, regamos verduras e quinoa”, diz a moradora. Na comunidade dela, onde vivem outras cem famílias, a sensação é de que “não chove como antes”.

Calcha K é uma das 46 comunidades do entorno das salinas de Uyuni e Pastos Grandes, duas das três maiores reservas de lítio do país. A terceira, o Salar de Coipasa, está localizada em Oruro, no oeste do país.

Este ano, o governo boliviano anunciou uma série de acordos para construir complexos industriais de lítio na área: um consórcio formado pelo grupo russo Uranium One e a empresa chinesa Citic Guoan vai construir fábricas em Pastos Grandes e Uyuni; já a Catl, também da China, terá instalações em Uyuni e em Coipasa.

A estatal Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB) – parceira nesses acordos – tem realizado discussões nas áreas próximas, como forma de aumentar a aprovação dos projetos pelas comunidades. Porém, alguns participantes não acreditam que essas reuniões possam ser classificadas como “consultas livres, prévias e informadas”, direito estabelecido pela Organização Internacional do Trabalho.

Nessas conversas, autoridades explicam os benefícios de se ter uma indústria nacional que produza carbonato de lítio – item usado nas baterias elétricas e a forma mais comum como o mineral é vendido no comércio internacional.

Aquilina Mamani, que atuou como líder da comunidade Aguaquiza, diz que as explicações nessas palestras são técnicas demais, dificultando a compreensão da população. Além disso, conversam com o público em espanhol, embora muitos moradores só falem quéchua, seu idioma nativo.

Embora a produção de lítio seja uma promessa antiga para o país, a questão ganhou força no fim de junho, quando o presidente Luis Arce confirmou a assinatura desses novos convênios, que preveem US$ 2,8 bilhões em investimentos internacionais para a industrialização da produção do mineral. Mas o anúncio não foi bem recebido nas regiões próximas às salinas.

“Tememos pela água”, diz Marcial Muraña Ramos, o cacique justiciero –  equivalente a uma autoridade de Justiça regional – de Mallku Villamar, comunidade próxima ao Salar de Pastos Grandes.

O medo cresce diante de uma atividade que consome vastos recursos hídricos em regiões bastante áridas e cujas promessas de desenvolvimento geram dúvidas sobre seus possíveis impactos nos países latino-americanos.

Lítio sul-americano

Conforme um estudo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais, o Chile, a Argentina e a Bolívia são responsáveis por 68% das reservas globais de lítio, geralmente encontradas na forma de salmouras – depósitos com a maior concentração do metal, encontrados no chamado Triângulo do Lítio, na região andina dessas três nações. Porém, a extração ocorre em ritmos diferentes em cada país.

O Chile extrai lítio desde 1984, com uma produção de 39 mil toneladas só em 2022; já a Argentina começou em 1997, produzindo 6,2 mil toneladas no ano passado. A Bolívia, por sua vez, há muito tempo enfrenta dificuldades para iniciar sua extração, embora o governo diga que o país conseguirá produzir cem mil toneladas por ano em 2025, quando sua indústria de carbonato de lítio estiver em operação.

O Chile, maior produtor global de lítio depois da Austrália, extrai o mineral em dois pontos do Salar do Atacama, na região de Antofagasta, ao norte. A exploração também está em andamento no Salar Cuenca Francisco, e há planos para produzir carbonato de lítio no Salar de Maricunga, ambos na região de Atacama.

Além de cinco projetos em estágios avançados, a Argentina tem três já em operação, todos no noroeste do país: Salar de Hombre Muerto, na província de Catamarca; e, na província de Jujuy, o Salar de Olaroz e o Salar de Cauchari-Olaroz.


A Bolívia planejava inaugurar seu primeiro complexo industrial de carbonato de lítio em agosto deste ano – 15 anos após o início das obras. Mas o evento não se concretizou. Em vez disso, disputas políticas resultaram na demissão do presidente da YLB por ordem do ministro boliviano de Hidrocarbonetos e Energias, Franklin Molina.

Apesar dos acordos assinados para quatro projetos de lítio, os cronogramas e condições não são claros, pois os documentos não foram disponibilizados publicamente e nem mesmo os membros do Congresso tiveram acesso a eles, segundo afirmou ao Diálogo Chino a equipe da senadora Cecilia Requena, da Comissão de Terras, Recursos Naturais e Meio Ambiente.

Com reservas relativamente pequenas e inexploradas, o Peru é recém-chegado no setor do lítio. Em maio, o país autorizou a exploração do mineral na província de Puno: o projeto Falchani será operado pela Macusani Yellowcake, subsidiária da canadense American Lithium Corp.

O Peru poderia tornar o atual triângulo no quadrilátero do lítio, em razão da “alta recuperação de carbonato de lítio puro” obtida na reserva de Falchani, conforme declarações de Ulises Solís Llapa, diretor-geral da America Lithium Corp, no Peru. Com reservas peruanas estimadas em 880 mil toneladas, resta saber com qual velocidade o país vai conseguir superar os obstáculos da extração para avançar em suas operações e competir com os vizinhos.

·        Grandes reservas, grandes desafios

Embora as leis de investimento estrangeiro sejam diferentes nos quatro países, o desenvolvimento do lítio na América Latina está, via de regra, concentrado nas mãos de grandes transnacionais.

Na Argentina, a produção primária e as salinas são controladas por empresas americanas, francesas e chinesas, que pagam impostos e royalties aos governos provinciais.

O mesmo vai se aplicar ao incipiente setor no Peru. O ministro de Economia, Alex Contreras, disse à Swissinfo que a abertura do país à participação estrangeira é “total”. “Nosso objetivo é atrair investimentos nos diferentes estágios do processo de produção em que podemos ser competitivos”, explicou.

A Bolívia, por outro lado, há muito tempo prioriza o controle estatal. Após 15 anos de esforços infrutíferos para industrializar a produção do metal por conta própria, o governo finalmente cedeu em 2022: o lítio continua sendo boliviano, mas as empresas chinesas e russas que se comprometeram com os investimentos receberão tratamento “prioritário”, garantiu Álvaro Arnez, vice-ministro de Energias Alternativas, à emissora boliviana Unitel.

Já no Chile, em abril, o presidente Gabriel Boric apresentou um projeto de lei no Congresso para criar a Empresa Nacional de Lítio, por meio da qual o Estado buscará aumentar sua presença nas atividades de exploração e beneficiamento do mineral. Atualmente, a produção é realizada por duas empresas privadas – a chilena SQM (cuja quarta parte pertence à chinesa Tianqi Lithium) e a americana Albemarle.

Enquanto os quatro países procuram expandir suas atividades diante da expectativa de que a demanda global de lítio siga aumentando, a flutuação de preços no mercado impõe outros desafios. Em 2022, uma tonelada de carbonato de lítio custava US$ 80 mil; porém, em abril deste ano, o preço caiu quase 50% devido ao aumento da produção e à desaceleração nas vendas de veículos elétricos na China, entre outros fatores.

·        Impactos ambientais

No Salar de Pastos Grandes, na Bolívia, Marcial Muraña Ramos aponta para o horizonte. “Tanto na Argentina quanto no Chile, vimos as consequências em suas salinas, e estamos correndo o mesmo risco”, diz Ramos, referindo-se aos conflitos nas comunidades e os impactos gerados nas fontes de água doce próximas aos locais de produção de lítio.

“Em 30 ou 40 anos tudo isso estará abandonado”, diz ele.

A água doce da comunidade de Mallku Villamar, onde Ramos mora, flui para a lagoa salgada de Pastos Grandes, formando parte da zona úmida de Los Lípez, considerada uma área de importância ecológica internacional conforme a Convenção de Ramsar.

Los Lípez é descrito como um complexo de lagos salinos, hipersalinos e alcalinos dos Andes, bem como zonas úmidas geotérmicas. A população local vive da criação de lhamas, do cultivo de pelo menos quatro variedades de quinoa e do turismo das paisagens majestosas da região.

Bárbara Jerez Henríquez, pesquisadora da Universidade de Valparaíso, no Chile, explica que as pesquisas sobre os aspectos ambientais, sociais, culturais, arqueológicos e biológicos ligados ao lítio são “muito limitadas”.

Ela cita um estudo sobre a extração de lítio e os direitos dos povos indígenas na Argentina, na Bolívia e no Chile realizado por pesquisadores da organização chilena Observatório Cidadão e do Centro de Informação sobre Empresas e Direitos Humanos. As salinas são “ecossistemas naturais dinâmicos e frágeis”, observa Jerez.

Para ela, os inquestionáveis riscos ambientais associados à atividade não devem ser negligenciados. “O que observamos no Salar de Atacama [no Chile] é uma profunda crise hídrica devido ao impacto [da extração de lítio] nas reservas de água e na biodiversidade”, diz a pesquisadora.

O método de extração dominante e mais amplamente utilizado no setor de lítio é a evaporação, envolvendo o bombeamento de grandes quantidades diárias de salmoura, que depois evaporam em enormes piscinas. A produção de uma tonelada de lítio pode exigir a evaporação de até dois milhões de litros de água.

Há outros métodos, embora ainda sejam pouco explorados em nível industrial. Um deles é a extração direta de lítio (DLE, na sigla em inglês), tecnologia que permite a extração de reservas sem a necessidade de usar piscinas de evaporação.

A salmoura é bombeada para uma usina onde passa por processos químicos que extraem o mineral – no final, a água sem lítio é reinjetada no subsolo. Há diferentes métodos e propostas de DLE, e cada empresa pode patentear sua própria tecnologia.

O governo boliviano promoveu o DLE como o método “mais ecológico” e direcionou seu uso para o setor. No entanto, especialistas da área, como Gonzalo Mondaca, pesquisador do Centro Boliviano de Documentação e Informação, alertam que essas tecnologias “podem alterar todo o sistema hidrogeológico da região”. Isso poderia ocorrer devido ao “alto desenvolvimento químico” usado para obter o carbonato de lítio. Também há dúvidas sobre o que será feito com os resíduos remanescentes do processo.

Em julho, após a confirmação dos novos investimentos da Bolívia, o então presidente da YLB, Carlos Ramos, concordou em conceder entrevista ao Diálogo Chino. Porém, após conhecer os possíveis tópicos a serem discutidos – incluindo a gestão de resíduos de lítio –, o departamento de comunicações da empresa cancelou a entrevista, argumentando que o presidente estaria viajando. Um mês depois, Ramos foi substituído por Karla Nohelia Calderón.

Edwin Ramos, líder da comunidade Mallku Villamar, diz que nos próximos meses os moradores se reunirão com outros grupos indígenas e líderes comunitários da Argentina e do Chile, para discutir os impactos socioambientais da mineração de lítio.

“Precisamos saber o que vai acontecer com tudo isso”, diz ele, enquanto aponta para uma grande área úmida com riachos de água doce.

Na Argentina, a questão do lítio provocou protestos na província de Jujuy em julho. Várias comunidades rejeitaram uma polêmica reforma na Constituição provincial que, segundo elas, buscava aumentar a extração de lítio em seus territórios. As organizações locais alegam que não foram consultadas pelo governo antes da mudança legal.

Nas nações ricas em lítio da América do Sul, as preocupações com o futuro das salinas são compartilhadas pelas comunidades que vivem perto delas. Com governos vislumbrando um boom na demanda do chamado “ouro branco”, essas questões e conflitos devem se prolongar em torno dos projetos.

¨      Projeto de extração de lítio no sul do Peru poderá iniciar operações em 2027

O projeto de extração do lítio localizado no sul do Peru poderá começar a operar já em 2027, disse nesta quinta-feira (2) Ulises Solís, gerente geral da empresa responsável pela iniciativa.

"Acreditamos que podemos iniciar este projeto até o segundo semestre de 2027. Nossa produção anual nos primeiros quatro anos será equivalente a 25 mil toneladas de carbonato de lítio por ano", disse Solís ao Instituto de Engenheiros de Minas do Peru.

O representante da Macusani Yellowcake, empresa de capital canadense, projetou que até o oitavo ano de operação o projeto Falchani poderá produzir 53 mil toneladas de lítio.

Da mesma forma, afirmou que até o nono ano esse montante poderá subir para 100 mil toneladas por ano.

Falchani é a primeira e única jazida de lítio que o Peru teria e sua exploração envolve um investimento de US$ 847 milhões (R$ 4,32 bilhões), com reservas calculadas de 9,5 milhões de toneladas do mineral.

 

Fonte: Cimi/Epbr/Sputnik Brasil

 

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