sábado, 10 de fevereiro de 2024

O que é, afinal, uma bruxa?

“Chegou a nossa bruxinha!” Foi assim que a dona da casa saudou uma amiga convidada para o jantar. A anfitriã respondeu sorrindo quando perguntei por que chamara a outra daquele modo: “Ela estuda uma porção de bruxarias, tarô, astrologia, e sabe ler as linhas da mão”.

Jovem, bonita e elegante, a “bruxinha” era mesmo um encanto. Psicóloga, é casada e tem dois filhos. Quando sorriu para mim, cheia de charme, me perguntei: então são essas as bruxas de hoje? Se forem, o que fazer com a imagem estereotipada da bruxa tradicional, mulher má, velha e feia, corcunda, verruga na ponta do nariz, a voar nos céus montada em vassoura, ou diante de um caldeirão a cozinhar sapos e asas de morcegos para produzir malefícios?

Uma pergunta puxa outras. O que é, afinal, a bruxa? Por que, hoje, chamar de bruxa a mulher que se interessa por ocultismos, adivinhações e magias já não é um insulto e sim, muito mais, um elogio carinhoso? O que mudou, a natureza da bruxa ou simplesmente a visão que temos dela?

A bruxa, mulher que conhece os segredos das leis mágicas da natureza – tanto a natureza externa, do mundo, quanto a interna, humana –, existe provavelmente desde os tempos das cavernas. Seu objetivo fundamental é conquistar um poder de transformação sobre as coisas do mundo, sobre os outros e sobre si mesma. Bruxa, portanto, é mulher de poder.

No decorrer dos milênios, no Ocidente e no Oriente, essas mulheres de poder desempenharam livremente seu papel, respeitadas e admiradas pelas pessoas. Eram curandeiras, parteiras, sábias nos usos medicinais das ervas, folhas, raízes, conhecedoras dos mistérios da natureza, da vida e da morte. Eram também sacerdotisas, profetisas, médiuns que funcionavam como elemento de ligação entre os vivos e os mortos, entre os humanos e os deuses.

Ameaça ao patriarcado

Na Idade Média, o poder patriarcal identificou nessas mulheres um perigo, e reagiu. Milhares delas foram presas, julgadas e condenadas à morte na fogueira. Mas hoje, a mulher que quer ser bruxa está livre para fazê-lo. Pode, inclusive, filiar-se a megaorganizações que atuam em todo o mundo na forma de clube de bruxas ou de religiões que acabam se tornando oficiais, como é o caso da wicca.

A wicca foi reconhecida como religião pelo governo dos Estados Unidos em 1986, mas seus adeptos gostam de dizer que ela é a religião mais antiga do mundo. Embora seja um sistema estreitamente ligado aos atributos do princípio feminino, nela homens e mulheres atuam em igualdade de condições. Todos interagem com a natureza em sabás, festivais que celebram os ciclos da vida e afirmam o poder sobrenatural (como o da magia).

Os wiccanos se consideram bruxos e bruxas. São muitas vezes confundidos com os satanistas, mas a verdade é que eles não acreditam no demônio. Aliás, os conceitos do diabo e do inferno fazem parte da teologia cristã e nunca existiram na wicca. Além disso, os wiccanos também não acreditam em um deus único, todo-poderoso, mas sim em vários deuses e deusas ligados sobretudo aos quatro elementos da natureza – fogo, terra, água e ar. Assim sendo, a wicca é, na prática, uma religião politeísta, entrando na mesma categoria que religiões, como o budismo e o hinduísmo.

Mas, embora se assente sobre crenças muito antigas, incluindo elementos do paganismo e espiritualidade baseada na natureza, a wicca não é uma religião antiga. Ela foi fundada pelo antropólogo Gerald Gardner no início dos anos 1950. Como religião baseada na natureza, seus seguidores são incentivados a amar e respeitar todos os seres vivos. Os wiccanos fazem oferendas para seus deuses escolhidos, sim, mas esses sacrifícios incluem quase exclusivamente pães, frutas, vinhos ou flores. “Nós, bruxos, amamos os animais e nunca prejudicaríamos ou mataríamos esses seres em nossos rituais e magias. Sacrifício de sangue de qualquer tipo é contra a nossa lei.”

 

       Acusações iniciais de bruxaria não convenciam as pessoas na Idade Média

 

Num dia de verão em 1438, um jovem da margem norte do Lago de Genebra se apresentou ao inquisidor da igreja local. Ele tinha uma confissão a fazer. Cinco anos antes, seu pai o forçara a participar de um culto satânico de bruxas. Eles voaram à noite em um pequeno cavalo preto para se juntar a mais de cem pessoas reunidas em um prado. O diabo também estava lá, na forma de um gato preto. As bruxas se ajoelharam diante dele, adoraram-no e beijaram seu traseiro.

O pai do jovem já havia sido executado como bruxo. É provável que ele estivesse tentando garantir uma punição mais leve, voluntariamente dizendo aos inquisidores o que eles queriam ouvir.

A Idade Média (500-1500 d.C.) tem uma reputação de crueldade sem coração e credulidade sem esperança. As pessoas geralmente acreditavam em todos os tipos de magia, monstros e fadas. Mas não foi até o século 15 que a ideia de bruxaria satânica organizada se estabeleceu. Como historiador que estuda magia medieval, estou fascinado por como um círculo de autoridades da Igreja e do Estado conspirou para desenvolver e promover esse novo conceito de bruxaria para seus próprios propósitos.

Atitudes medievais iniciais sobre bruxaria

A crença nas bruxas, no sentido de que as pessoas más praticam magia prejudicial, existia na Europa desde antes dos gregos e romanos. No início da Idade Média, as autoridades não se preocupavam com isso.

Um documento da Igreja do início do século 10 proclamava que “feitiçaria e bruxaria” podiam ser reais, mas a ideia de que grupos de bruxas voavam juntos com demônios durante a noite era uma ilusão.

As coisas começaram a mudar nos séculos 12 e 13, ironicamente porque as elites educadas na Europa estavam se tornando mais sofisticadas.

As universidades estavam sendo fundadas e estudiosos da Europa Ocidental começaram a se debruçar sobre textos antigos, bem como escritos trazidos do mundo muçulmano. Alguns deles apresentaram sistemas complexos de magia que alegavam atrair forças astrais ou conjurar espíritos poderosos. Gradualmente, essas ideias começaram a ganhar influência intelectual.

As pessoas comuns – do tipo que posteriormente foram acusadas de bruxas – não realizavam ritos elaborados nos livros. Elas colhiam ervas, preparavam poções, talvez recitassem um breve encantamento, como fizeram por gerações. E faziam isso por todos os tipos de razões – talvez para prejudicar alguém de quem não gostavam, mas com mais frequência para curar ou proteger os outros. Tais práticas eram importantes em um mundo com apenas formas rudimentares de assistência médica.

As autoridades cristãs haviam anteriormente descartado esse tipo de magia como superstição vazia. Agora elas levavam toda a magia muito mais a sério. Começaram a acreditar que feitiços simples eram usados para convocar demônios, o que significava que qualquer um que os realizasse secretamente adorava demônios.

Expansão de jurisdições

Na década de 1430, um pequeno grupo de escritores na Europa Central – inquisidores de igrejas, teólogos, magistrados leigos e até um historiador – começou a descrever assembleias horríveis em que bruxas se reuniam e adoravam demônios, tinham orgias, comiam bebês assassinados e realizavam outros atos abomináveis. Não está claro se alguns desses autores já se conheciam, mas todos descreviam grupos de bruxas supostamente ativas em uma zona ao redor dos Alpes ocidentais.

A razão para esse desenvolvimento pode ter sido puramente prática. Inquisidores da Igreja, ativos contra hereges religiosos desde o século 13, e alguns tribunais seculares estavam procurando expandir suas jurisdições. Ter um crime novo e particularmente horrível para processar poderia parecer útil.

Acabei de traduzir vários desses textos iniciais para um livro a ser publicado e fiquei impressionado com a preocupação dos autores pelo fato de os leitores não acreditarem neles. Alguém se preocupou com o fato de seus relatos serem “depreciados” por aqueles que “pensam que aprenderam”. Outro temia que “pessoas simples” se recusassem a acreditar que o “sexo frágil” se envolveria em práticas tão terríveis.

Registros de julgamentos mostram que foi um convencimento difícil. A maioria das pessoas continuava preocupada com a magia prejudicial – bruxas que causavam doenças ou culturas ruins. Elas não se importavam muito com reuniões satânicas secretas.

Em 1486, o clérigo Heinrich Kramer publicou o texto medieval de circulação mais ampla sobre bruxaria organizada, Malleus Maleficarum (“Martelo de Bruxas”). Mas muitas pessoas não acreditaram nele. Quando ele tentou iniciar uma caça às bruxas em Innsbruck, na Áustria, foi expulso pelo bispo local, que o acusou de ser senil.

Caça às bruxas

Infelizmente, o medo da bruxaria satânica aumentou. O século 15 parece ter fornecido solo ideal para que essa nova ideia se enraizasse.

A Europa estava se recuperando de várias crises: peste, guerras e uma divisão na Igreja entre dois e depois três papas concorrentes. A partir da década de 1450, a imprensa tornou mais fácil a disseminação de novas ideias. Mesmo antes da Reforma protestante, a reforma religiosa estava no ar. Como explorei em um livro anterior, os reformadores usaram a ideia de uma conspiração diabólica que corrompeu o cristianismo como um bicho-papão em seu pedido de renovação espiritual.

Com o tempo, mais pessoas passaram a aceitar essa nova ideia. As autoridades da Igreja e do Estado continuavam dizendo que era real. Ainda assim, muitos continuaram confiando nas “bruxas” locais para cura e proteção mágicas.

A história da bruxaria pode ser bastante sombria. Entre os anos 1400 e 1700, as autoridades da Europa Ocidental executaram cerca de 50 mil pessoas, principalmente mulheres, para bruxaria. As piores caças às bruxas poderiam reivindicar centenas de vítimas de cada vez. Com 20 mortos, a maior caça da América colonial, em Salem (Massachusetts, EUA), foi moderada em comparação.

Salem, em 1692, marcou o fim das caçadas às bruxas na Nova Inglaterra. Também na Europa, o ceticismo acabaria por prevalecer. Vale lembrar, no entanto, que no começo as autoridades tinham que trabalhar duro para convencer os outros de que a malevolência era real.

 

Fonte: Planeta/The Conversation

 

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