O que é,
afinal, uma bruxa?
“Chegou a
nossa bruxinha!” Foi assim que a dona da casa saudou uma amiga convidada para o
jantar. A anfitriã respondeu sorrindo quando perguntei por que chamara a outra
daquele modo: “Ela estuda uma porção de bruxarias, tarô, astrologia, e sabe ler
as linhas da mão”.
Jovem,
bonita e elegante, a “bruxinha” era mesmo um encanto. Psicóloga, é casada e tem
dois filhos. Quando sorriu para mim, cheia de charme, me perguntei: então são
essas as bruxas de hoje? Se forem, o que fazer com a imagem estereotipada da bruxa
tradicional, mulher má, velha e feia, corcunda, verruga na ponta do nariz, a
voar nos céus montada em vassoura, ou diante de um caldeirão a cozinhar sapos e
asas de morcegos para produzir malefícios?
Uma
pergunta puxa outras. O que é, afinal, a bruxa? Por que, hoje, chamar de bruxa
a mulher que se interessa por ocultismos, adivinhações e magias já não é um
insulto e sim, muito mais, um elogio carinhoso? O que mudou, a natureza da
bruxa ou simplesmente a visão que temos dela?
A bruxa,
mulher que conhece os segredos das leis mágicas da natureza – tanto a natureza
externa, do mundo, quanto a interna, humana –, existe provavelmente desde os
tempos das cavernas. Seu objetivo fundamental é conquistar um poder de
transformação sobre as coisas do mundo, sobre os outros e sobre si mesma.
Bruxa, portanto, é mulher de poder.
No
decorrer dos milênios, no Ocidente e no Oriente, essas mulheres de poder
desempenharam livremente seu papel, respeitadas e admiradas pelas pessoas. Eram
curandeiras, parteiras, sábias nos usos medicinais das ervas, folhas, raízes,
conhecedoras dos mistérios da natureza, da vida e da morte. Eram também
sacerdotisas, profetisas, médiuns que funcionavam como elemento de ligação
entre os vivos e os mortos, entre os humanos e os deuses.
Ameaça ao
patriarcado
Na Idade
Média, o poder patriarcal identificou nessas mulheres um perigo, e reagiu.
Milhares delas foram presas, julgadas e condenadas à morte na fogueira. Mas
hoje, a mulher que quer ser bruxa está livre para fazê-lo. Pode, inclusive,
filiar-se a megaorganizações que atuam em todo o mundo na forma de clube de
bruxas ou de religiões que acabam se tornando oficiais, como é o caso da wicca.
A wicca
foi reconhecida como religião pelo governo dos Estados Unidos em 1986, mas seus
adeptos gostam de dizer que ela é a religião mais antiga do mundo. Embora seja
um sistema estreitamente ligado aos atributos do princípio feminino, nela
homens e mulheres atuam em igualdade de condições. Todos interagem com a
natureza em sabás, festivais que celebram os ciclos da vida e afirmam o poder
sobrenatural (como o da magia).
Os
wiccanos se consideram bruxos e bruxas. São muitas vezes confundidos com os
satanistas, mas a verdade é que eles não acreditam no demônio. Aliás, os
conceitos do diabo e do inferno fazem parte da teologia cristã e nunca
existiram na wicca. Além disso, os wiccanos também não acreditam em um deus
único, todo-poderoso, mas sim em vários deuses e deusas ligados sobretudo aos
quatro elementos da natureza – fogo, terra, água e ar. Assim sendo, a wicca é,
na prática, uma religião politeísta, entrando na mesma categoria que religiões,
como o budismo e o hinduísmo.
Mas,
embora se assente sobre crenças muito antigas, incluindo elementos do paganismo
e espiritualidade baseada na natureza, a wicca não é uma religião antiga. Ela
foi fundada pelo antropólogo Gerald Gardner no início dos anos 1950. Como
religião baseada na natureza, seus seguidores são incentivados a amar e
respeitar todos os seres vivos. Os wiccanos fazem oferendas para seus deuses
escolhidos, sim, mas esses sacrifícios incluem quase exclusivamente pães,
frutas, vinhos ou flores. “Nós, bruxos, amamos os animais e nunca prejudicaríamos
ou mataríamos esses seres em nossos rituais e magias. Sacrifício de sangue de
qualquer tipo é contra a nossa lei.”
Acusações iniciais de bruxaria não
convenciam as pessoas na Idade Média
Num dia de
verão em 1438, um jovem da margem norte do Lago de Genebra se apresentou ao
inquisidor da igreja local. Ele tinha uma confissão a fazer. Cinco anos antes,
seu pai o forçara a participar de um culto satânico de bruxas. Eles voaram à
noite em um pequeno cavalo preto para se juntar a mais de cem pessoas reunidas
em um prado. O diabo também estava lá, na forma de um gato preto. As bruxas se
ajoelharam diante dele, adoraram-no e beijaram seu traseiro.
O pai do
jovem já havia sido executado como bruxo. É provável que ele estivesse tentando
garantir uma punição mais leve, voluntariamente dizendo aos inquisidores o que
eles queriam ouvir.
A Idade
Média (500-1500 d.C.) tem uma reputação de crueldade sem coração e credulidade
sem esperança. As pessoas geralmente acreditavam em todos os tipos de magia,
monstros e fadas. Mas não foi até o século 15 que a ideia de bruxaria satânica
organizada se estabeleceu. Como historiador que estuda magia medieval, estou
fascinado por como um círculo de autoridades da Igreja e do Estado conspirou
para desenvolver e promover esse novo conceito de bruxaria para seus próprios
propósitos.
Atitudes
medievais iniciais sobre bruxaria
A crença
nas bruxas, no sentido de que as pessoas más praticam magia prejudicial,
existia na Europa desde antes dos gregos e romanos. No início da Idade Média,
as autoridades não se preocupavam com isso.
Um
documento da Igreja do início do século 10 proclamava que “feitiçaria e
bruxaria” podiam ser reais, mas a ideia de que grupos de bruxas voavam juntos
com demônios durante a noite era uma ilusão.
As coisas
começaram a mudar nos séculos 12 e 13, ironicamente porque as elites educadas
na Europa estavam se tornando mais sofisticadas.
As
universidades estavam sendo fundadas e estudiosos da Europa Ocidental começaram
a se debruçar sobre textos antigos, bem como escritos trazidos do mundo
muçulmano. Alguns deles apresentaram sistemas complexos de magia que alegavam
atrair forças astrais ou conjurar espíritos poderosos. Gradualmente, essas
ideias começaram a ganhar influência intelectual.
As pessoas
comuns – do tipo que posteriormente foram acusadas de bruxas – não realizavam
ritos elaborados nos livros. Elas colhiam ervas, preparavam poções, talvez
recitassem um breve encantamento, como fizeram por gerações. E faziam isso por
todos os tipos de razões – talvez para prejudicar alguém de quem não gostavam,
mas com mais frequência para curar ou proteger os outros. Tais práticas eram
importantes em um mundo com apenas formas rudimentares de assistência médica.
As
autoridades cristãs haviam anteriormente descartado esse tipo de magia como
superstição vazia. Agora elas levavam toda a magia muito mais a sério.
Começaram a acreditar que feitiços simples eram usados para convocar demônios,
o que significava que qualquer um que os realizasse secretamente adorava
demônios.
Expansão
de jurisdições
Na década
de 1430, um pequeno grupo de escritores na Europa Central – inquisidores de
igrejas, teólogos, magistrados leigos e até um historiador – começou a
descrever assembleias horríveis em que bruxas se reuniam e adoravam demônios,
tinham orgias, comiam bebês assassinados e realizavam outros atos abomináveis.
Não está claro se alguns desses autores já se conheciam, mas todos descreviam
grupos de bruxas supostamente ativas em uma zona ao redor dos Alpes ocidentais.
A razão
para esse desenvolvimento pode ter sido puramente prática. Inquisidores da
Igreja, ativos contra hereges religiosos desde o século 13, e alguns tribunais
seculares estavam procurando expandir suas jurisdições. Ter um crime novo e
particularmente horrível para processar poderia parecer útil.
Acabei de
traduzir vários desses textos iniciais para um livro a ser publicado e fiquei
impressionado com a preocupação dos autores pelo fato de os leitores não
acreditarem neles. Alguém se preocupou com o fato de seus relatos serem
“depreciados” por aqueles que “pensam que aprenderam”. Outro temia que “pessoas
simples” se recusassem a acreditar que o “sexo frágil” se envolveria em
práticas tão terríveis.
Registros
de julgamentos mostram que foi um convencimento difícil. A maioria das pessoas
continuava preocupada com a magia prejudicial – bruxas que causavam doenças ou
culturas ruins. Elas não se importavam muito com reuniões satânicas secretas.
Em 1486, o
clérigo Heinrich Kramer publicou o texto medieval de circulação mais ampla
sobre bruxaria organizada, Malleus Maleficarum (“Martelo de Bruxas”). Mas
muitas pessoas não acreditaram nele. Quando ele tentou iniciar uma caça às
bruxas em Innsbruck, na Áustria, foi expulso pelo bispo local, que o acusou de
ser senil.
Caça às
bruxas
Infelizmente,
o medo da bruxaria satânica aumentou. O século 15 parece ter fornecido solo
ideal para que essa nova ideia se enraizasse.
A Europa
estava se recuperando de várias crises: peste, guerras e uma divisão na Igreja
entre dois e depois três papas concorrentes. A partir da década de 1450, a
imprensa tornou mais fácil a disseminação de novas ideias. Mesmo antes da
Reforma protestante, a reforma religiosa estava no ar. Como explorei em um
livro anterior, os reformadores usaram a ideia de uma conspiração diabólica que
corrompeu o cristianismo como um bicho-papão em seu pedido de renovação
espiritual.
Com o
tempo, mais pessoas passaram a aceitar essa nova ideia. As autoridades da
Igreja e do Estado continuavam dizendo que era real. Ainda assim, muitos
continuaram confiando nas “bruxas” locais para cura e proteção mágicas.
A história
da bruxaria pode ser bastante sombria. Entre os anos 1400 e 1700, as
autoridades da Europa Ocidental executaram cerca de 50 mil pessoas,
principalmente mulheres, para bruxaria. As piores caças às bruxas poderiam
reivindicar centenas de vítimas de cada vez. Com 20 mortos, a maior caça da
América colonial, em Salem (Massachusetts, EUA), foi moderada em comparação.
Salem, em
1692, marcou o fim das caçadas às bruxas na Nova Inglaterra. Também na Europa,
o ceticismo acabaria por prevalecer. Vale lembrar, no entanto, que no começo as
autoridades tinham que trabalhar duro para convencer os outros de que a
malevolência era real.
Fonte:
Planeta/The Conversation
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