sábado, 10 de fevereiro de 2024

José do Vale: O lugar da Lava Jato na história brasileira

Uma cena parece representar muito bem o longo ciclo da história das elites brasileiras.

Qual é? Em entrevista a um site (Brasil 247) o rico advogado Roberto Bertholdo, com uma estelar banca em atendimento de políticos, grandes empresas, negócios e outras formas mais, descreveu uma situação com todos os requisitos de uma novela barata da classe alta brasileira.

O advogado, como faz regularmente, almoçava no Gero, restaurante da rede Fasano, em São Paulo, onde uma refeição por pessoa varia entre R$ 256 e R$ 450.

Na mesa vizinha, estava a esposa do ainda senador Sergio Moro, Rosângela Moro, que é deputada federal.

O advogado descreve aquele momento com os requintes ácidos de um romance de Balzac, onde o ridículo e o alpinismo social fazem uma dobradinha de encantar os leitores.

Segundo ele, a senhora deputada, de hábitos caros, e gostaria de bolsa Louis Vuitton, cujo preço estaria na faixa de R$ 30 mil ou mais.

Daí, a maledicência do “fetiche da riqueza” e do “alpinismo social”.

A esposa do senador, após o percurso alimentar na cara mesa do Gero, pediu para encerrar os sabores da culinária sofisticada uma grappa, como aperitivo.

A grappa é uma aguardente de origem italiana elaborada a partir da fermentação de uvas.

O advogado, desafeto da família Moro, numa cena típica da baixa burguesia urbana, chama o garçom e pergunta o preço do aperitivo que a senhora acabara de pagar, saindo na sequência.

Bem ao estilo de fofoca estilizada e politizada, ele conta o valor: R$ 500 por uma pequena taça de  grappa. E fala ainda do tênis de R$ 8 mil do ex-juiz.

Tudo isso para criar o estrato sobre o qual a tese do advogado Bertholdo se alicerça.

Em se tratando do pessoal da Lava Jato, diz ele, nunca se tratou de justiça, controle de corrupção, melhora da sociedade e punição de malfeitos.

Era o “Deus Dinheiro”, o poder que resulta dele, a ganância materialista acima de valores éticos, sociais e políticos de uma sociedade democrática.

Não era a democracia e o devido processo jurídico. Tampouco o retorno ao bem comum dos recursos evadidos em “tenebrosas transações”.

Tudo era um arcabouço da “mani pulite” para justificar a ação sobre alvos específicos que simbolizavam o “risco” da “revelação” das intenções reais.

A dignidade do aprisionado pela Lava Jato, que resistisse às pressões por delação, se tornava objeto de punição.

Uma delas era o sujeito, um frágil corpo acorrentado, se debatendo solto num camburão da polícia a toda velocidade e saltando em quebra-molas da autovia.

Ao final da tortura, retornava à cela e logo vinha um agente do ministério público com uma sugestão de delação.

Em síntese a tortura em busca da apreensão e da condenação de outra vítima.

Se isso é a narrativa fortuita do advogado, ela não era desconhecida de parte do povo brasileiro por ocasião da ditadura militar.

E qual o longo ciclo da história da elite nacional?

O Brasil é uma criação do colonialismo europeu que implantou além-mar uma grei de capitães-mores para invadir as terras para agricultura e pecuária, transformar os produtos originais, negociar as mercadorias e embarcá-las em navios do comércio europeu.

A Colônia nunca foi uma razão em si, sempre foi objeto da exploração por parte dos povos nativos, dos africanos e de seus descendentes, inclusive dos pobres camponeses europeus, degredados ou não, que vieram a estas terras para serem a descendência explorada e morta enquanto produz.

Por isso, o longo ciclo histórico do Brasil é sempre de desconfiança com a elite.

A rigor nunca somos nós mesmos, por exemplo, como são o russos, os chineses e até mesmo os indianos superando a herança colonialista inglesa.

Até mesmo a África do Sul, que permitiu a permanência dos brancos racistas em suas terras, é hoje um país conduzido pelo seu povo original com todos os males de raiz do predomínio do capital.

O que o advogado Roberto Bertholdo relata não é um conflito moral, mas uma modo de operação da elite brasileira, econômica, cultural e política.

Por esta narrativa, a Lava Jato, a rigor,  é uma tentativa de intrusão de um determinado grupo da Justiça Federal no fluxo do capital de pessoas e empresas, inclusive estatais.

Percebe-se, claramente, que um grupo de arrivista teria tentado ir muito além nessa prática de matriz colonialista: criar um arcabouço jurídico (as tais 10 medidas) que permitisse o predomínio dos “operadores da justiça” na partilha das riquezas nacionais.

A máxima da Lava Jato teria sido, segundo o advogado, a tentativa ou a ação efetiva de extorsão de desembargadores dos Tribunais Regionais Federais  (TRFs) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para atender aos interesses específicos da operação em seu modo de perseguição e punição.

A intenção era tornar a Lava Jato tão expansiva e autônoma que ela romperia os interesses nacionais, associando-se com “operadores da justiça” de países estrangeiros, para, partilhando resultados, ocupar um nicho seguro no futuro.

Roberto Bertholdo não se esqueceu da casa luxuosa de Sergio Moro e esposa na cidade de Washington, nos EUA, quando o ex-juiz prestou serviço a um grupo de advogados estrangeiros, que tinham como clientes empresas atingidas pela Lava Jato.

 

Fonte: Viomundo

 

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