sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

'O mestre de marionetes': como os Estados Unidos foram capazes de manipular o destino da Ucrânia?

O conflito na Ucrânia já dura quase dois anos e provou ser o principal experimento antirrusso dos Estados Unidos no continente europeu. Hoje, a pergunta que fica é: como foi que chegamos a esse ponto? Como foi possível que Washington manipulasse o destino de um país inteiro?

Ora, a verdadeira história por trás do conflito na Ucrânia começa com o fim da União Soviética. Afinal, quando o Muro de Berlim veio abaixo, Mikhail Gorbachev fez algo que parecia impensável, a saber, retirou mais de 400 mil soldados da Alemanha Oriental, permitindo assim a reunificação do país.

Entretanto, esse gesto de boa vontade por parte do líder soviético veio acompanhado de uma condição. De que o Ocidente não moveria a OTAN uma polegada que fosse para o leste. Pouco tempo depois, entretanto, Zbigniew Brzezinski, geoestrategista americano que trabalhou junto ao presidente Jimmy Carter na década de 1970, escreveu um artigo para a prestigiosa revista Foreign Affairs em 1997 propondo expandir a OTAN até as fronteiras russas.

Na época, o próprio George Kennan, um dos diplomatas mais importantes da história americana e arquiteto da política de contenção à União Soviética durante a Guerra Fria, se opôs à ideia, entendendo que a expansão da OTAN alienaria em definitivo a Rússia.

Durante a década de 1990, vale lembrar, a Rússia se encontrava enfraquecida política e economicamente, necessitando da ajuda ocidental para a transição de sua economia. Não era conveniente, portanto, tratar a Rússia como se ela ainda fosse um adversário do Ocidente. Seja como for, apesar dos apelos em contrário, Washington decidiu dar sinal verde à expansão da OTAN, incorporando Polônia, Hungria e República Tcheca em 1999.

O incremento da Aliança Atlântica, portanto, passou a ser movido não pelo bom senso, mas sim pelos interesses econômicos e geopolíticos estadunidenses. Junte-se a isso o fato de os Estados Unidos terem deixado em 2002 o Tratado de Limitação de Mísseis Antibalísticos, que tinha o intuito de proibir seu uso e implantação em território europeu.

Moscou queria a renovação desse tratado, ao passo que os americanos optaram por deixá-lo unilateralmente, aumentando assim o clima de instabilidade na Europa. Logo, pouco após a segunda expansão da OTAN em 2004, os Estados Unidos implantaram sistemas de mísseis antibalísticos em países como Romênia e Polônia, numa clara provocação à Rússia.

O principal golpe, porém, nas relações entre Moscou e o Ocidente veio em 2014. Naquele ano, na esteira dos protestos em Kiev, as potências ocidentais (Alemanha, França, Reino Unido e Estados Unidos) fizeram vista grossa ao golpe de Estado na Ucrânia, que derrubou o então presidente eleito Viktor Yanukovich. Washington, que havia gasto cerca de 5 bilhões de dólares de ajuda à Ucrânia, usou parte desse dinheiro para alimentar operações secretas da CIA naquele país.

Por meio de infiltração em organizações locais, os Estados Unidos conseguiram incitar e incendiar ainda mais o ânimo popular, terminando justamente com a derrubada de um líder considerado pró-russo em Kiev. Na época, tudo o que Yanukovich queria era uma "Ucrânia neutra", mantendo relações balanceadas tanto com a Rússia quanto com a União Europeia. Washington, por sua vez, queria instalar um governo pró-Estados Unidos em Kiev, um governo que pudesse manipular como uma marionete a fim de atender aos seus interesses econômicos e geopolíticos.

E foi exatamente isso o que aconteceu. Victoria Nuland, que em 2014 era secretária de Estado assistente, trocou mensagens – posteriormente vazadas – com o então embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia, sugerindo nomes para o próximo gabinete ucraniano a ser formado no pós-golpe.

Nuland sabia com semanas de antecedência sobre a derrubada de Yanukovich, o que demonstra o grau de penetração americana na Ucrânia. Seja como for, Washington foi bem-sucedido em sua missão de promover o golpe de Estado no país em 2014.

Logo, encorajados pelo apoio estrangeiro, Kiev decidiu retomar à força o controle dos territórios em Donbass que se recusaram a reconhecer as novas autoridades centrais. Ataques sucessivos foram dirigidos às regiões de Donetsk e Lugansk, predominantemente povoadas por russos étnicos.

Kiev começou também a aprovar leis que restringiam o uso da língua russa em todo o país, especialmente em esferas governamentais. A violência que irrompe a partir de então culminou em 2022 na morte de mais de 14 mil pessoas, fato esse ignorado pelas lideranças ocidentais.

Vladimir Putin, em todos esses anos, conclamava a comunidade internacional a olhar para o sofrimento dos russos étnicos de Donbass desde 2014.

Não obstante, nos meses que se seguiram ao golpe de Estado em Kiev, o líder russo tentou chegar a um modus vivendi com as autoridades ucranianas por meio dos Acordos de Minsk, que visavam federalizar a Ucrânia, mantendo assim sua integridade territorial. Potências europeias como Alemanha e França também participaram das negociações e concordaram com suas cláusulas, mas nunca incentivaram Kiev a cumprir com os acordos.

Então chegamos ao ano de 2019, com a eleição do ex-comediante Vladimir Zelensky para o cargo de presidente. Zelensky fez uma campanha eleitoral com promessas de alcançar a paz com a Rússia e de cumprimento dos Acordos de Minsk, o que nunca chegou a pôr em prática depois de eleito. Por pressão de forças ultranacionalistas dentro do país e sob a influência estadunidense, Zelensky transformou-se então em mais uma marionete a mando da Casa Branca, não mais do que um instrumento para enfraquecer a posição da Rússia no espaço pós-soviético.

Na prática, o governo dos Estados Unidos passou a dirigir os rumos da Ucrânia, preparando Kiev militarmente para uma investida ainda mais violenta contra as regiões de Donbass, e seduzindo sua elite com promessas de adesão à OTAN.

Ao final de 2021 e no início de 2022 a Rússia tenta novamente evitar uma tragédia, negociando com lideranças ocidentais e exigindo garantias de segurança a Moscou. Os esforços de Putin, no entanto, foram mais uma vez ignorados. Com isto, não restou alternativa à Rússia se não iniciar a sua operação militar especial em fevereiro de 2022.

Tudo o que Moscou propunha era resolver suas diferenças com o Ocidente e com Kiev pela via diplomática. Entretanto, os Estados Unidos e o Reino Unido impediram Zelensky de negociar a paz com a Rússia, optando pelo prolongamento do conflito e do derramamento de sangue.

A história mostra, portanto, que o custo de toda essa tragédia humanitária que vemos hoje recai justamente sobre os ombros da marionete e de seu mestre, a controlar as cordas desde o outro lado do oceano.

 

Ø  Jornalistas: sanções a Tucker Carlson visam 'evitar que a verdade sobre a Rússia venha à tona'

 

Os pedidos de sanção ao jornalista norte-americano Tucker Carlson por ter entrevistado o presidente russo Vladimir Putin são um exemplo da hipocrisia dos governos ocidentais que querem silenciar os meios de comunicação que não os homenageiam, concordam jornalistas e comunicadores consultados pela Sputnik.

"É mais do mesmo", diz o ativista e comunicador venezuelano Roi López Rivas em entrevista, referindo-se à proibição em 2022 de meios de comunicação russos como Sputnik e RT nos Estados Unidos e em alguns países europeus após o início da operação militar especial russa na Ucrânia.

"Isso é dito pelas mesmas pessoas que censuraram e eliminaram todos os canais e sites russos na Europa e nos Estados Unidos, canais de televisão, deixaram milhares de pessoas, centenas de jornalistas sem trabalho simplesmente para que ideias e informações não se espalhassem sobre a Rússia e a questão da Ucrânia", diz um membro do movimento Free Alex Saab.

Segundo ele, os pedidos de punição ao jornalista norte-americano representam "uma imensa hipocrisia por parte da Europa e do imperialismo norte-americano, que se autodenominam defensores da liberdade de expressão".

Depois de Tucker Carlson ter anunciado que entrevistou Putin em Moscou, alguns políticos ocidentais apelaram à consideração de sanções contra o ex-apresentador da rede Fox. Por exemplo, o deputado europeu e ex-primeiro-ministro belga Guy Verhofstadt disse à revista Newsweek que o Serviço de Ação Externa da União Europeia (UE) deve analisar a possibilidade de proibir Carlson de viajar para países do bloco.

O legislador também descreveu Carlson como um suposto "porta-voz" do ex-presidente Donald Trump e Vladimir Putin.

·        O Ocidente não quer que a voz de Putin seja ouvida?

Para o ativista venezuelano, a prova da hipocrisia política do Ocidente é o espaço que foi dado no passado, por exemplo, a grupos identificados com ideologias nazistas ou fascistas.

"Há algumas ações que empoderaram e que são valorizadas e respeitadas, e até mesmo não censuradas, na Europa e nos Estados Unidos; tivemos o Batalhão Azov [organização nazista terrorista, proibida na Rússia], que são abertamente nazifascistas, dando palestras nos Estados Unidos", diz o engenheiro venezuelano.

Para López Rivas, no Ocidente "simplesmente não querem que a entrevista" com o presidente Putin seja divulgada.

"Os Estados Unidos, o Canadá e os países lacaios desses dois, ou os lacaios dos Estados Unidos, incluindo a União Europeia, não querem que a verdade sobre a Rússia venha à tona. Eles também não querem que a verdade sobre a China venha à tona, mas é claro que estão em um conflito militar com a China, porque obviamente escondem bastante isso, mas ainda há muita censura ao que acontece na China", afirma o ativista.

"Há muito medo de que a verdade venha à tona e isso também se deve a uma questão econômica, à crise do capitalismo, à crise do sistema capitalista imperialista norte-americano, ao fim da hegemonia da União Europeia também e ao crescimento da Ásia e do BRICS", acrescentou López Rivas.

Para o venezuelano, o mundo entra em uma fase "bastante perigosa" e "sombria" devido ao uso indiscriminado de sanções e à censura à liberdade de expressão em todas as frentes.

·        A importância de 'ambos os lados da moeda'

López Rivas esclarece que não é seguidor das ideias de Tucker Carlson, mas neste caso considera que sancionar o jornalista americano é inaceitável.

"É importante que existam sempre os dois lados da moeda: essa é a verdadeira liberdade de expressão", afirmou o ativista e comunicador.

Alina Duarte, jornalista mexicana independente que cobriu dezenas de eventos na América Latina, nos Estados Unidos e em outras áreas do mundo, concordou com López Rivas que o público merece ter todos os pontos de vista possíveis sobre um evento.

"Apelar à censura, à perseguição, é algo que vai definitivamente explodir na cara deles, na cara já hipócrita da União Europeia e dos Estados Unidos", afirma Duarte em entrevista.

Para a comunicadora independente, o caso de Carlson mostra a hipocrisia do Ocidente, que já procura sanções mesmo quando o conteúdo da entrevista nem sequer é conhecido.

"Basta mencionar Vladimir Putin para dizer que hoje qualquer tipo de interesse está sendo diminuído", afirma a jornalista, que destaca que se trata do último episódio de um ataque sistemático à imprensa que representa uma alternativa às "narrativas hegemônicas" dos Estados Unidos e que foi estigmatizado, para dizer o mínimo, nos últimos meses, na sequência do conflito ucraniano.

"Lembremo-nos de que meios de comunicação como o RT e a Sputnik foram censurados e retirados do ar. Foram realizadas campanhas de descrédito contra qualquer narrativa ou visão midiática que ponha em causa os princípios da liberdade e da democracia dos Estados Unidos e, neste caso, da União Europeia", observa a jornalista mexicana.

·        Uma nova 'caça às bruxas'?

"Os Estados Unidos empreenderam, juntamente com a União Europeia, uma nova caça às bruxas, no que diz respeito aos meios de comunicação, porque recordemos que durante a administração de Donald Trump os meios de comunicação públicos também eram chamados de 'agentes internacionais estrangeiros'. Bastava que fossem meios de comunicação estatais como a Telesur, no caso da Venezuela, e os perseguiram, foram até impedidos de entrar no Capitólio", lembra a comunicadora.

Para Duarte, os Estados Unidos têm-se especializado na guerra contra "o jornalismo que não lhe presta homenagem ou que não procura divulgar a versão do Departamento de Estado ou da Casa Branca".

"Acreditar que matar ou sancionar um jornalista vai impedir a informação sobre o que está acontecendo para além das fronteiras dos Estados Unidos, para além das fronteiras da União Europeia, me parece, para dizer o mínimo, ridículo, mas também preocupante", disse ela.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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