Memorial
de Auschwitz confronta jovens com a história viva
Quase 80
anos após o fim do regime, muitos veem visitas aos locais do horror nazista
como parte importante da formação de jovens da Europa e mais além – sobretudo
num momento em que a extrema direita ameaça se reerguer.”Eu queria fazer esta
viagem de qualquer jeito”, afirma a estudante Cara, de 17 anos. Ela e seus
colegas estão em Oswiecim, na Polônia, no antigo campo de concentração e
extermínio Auschwitz-Birkenau. É um local do horror: “Atravessar o campo e ter
a sensação de que há 80 anos, no mesmo lugar, estavam as pessoas que foram
presas, que foram tratadas de forma tão horrível…”, ela comenta.
A escola
dela fica em Kerpen, distante cerca de 30 quilômetros de Colônia, no oeste da
Alemanha. Desde 1967, a cidade de 67 mil habitantes é parceira de Oswiecim, em
cujas cercanias se manteve o memorial do pior campo de concentração da época
nazista: ali, de 1940 a 1945, nazistas alemães assassinaram muito mais de 1
milhão, na grande maioria judeus e judias. Auschwitz é um símbolo do extermínio
sistemático de seres humanos.
O grupo de
20 e poucos alunos permanecerá quase uma semana no Centro Internacional de
Encontro de Jovens Oswiecim/Auschwitz. A professora Katrin Kuznik, que já
organizou diversas dessas excursões, explica que a participação é voluntária, e
que os adolescentes foram preparados antes para a experiência. Para os docentes
acompanhantes é “um desafio” e “uma responsabilidade gigantesca”, frisa, “mas
até agora tudo correu bem”.
Generosidade
em meio à própria dor
A Alemanha
não esqueceu os crimes do nacional-socialismo: o assassinato de milhões de
judeus no Holocausto, a perseguição e morte de sintis e romas, homossexuais,
dissidentes políticos, religiosos e civis. Contudo, passadas quase oito décadas
desde o fim do regime de Adolf Hitler, o país está novamente inseguro diante
das forças extremistas de direita, sobretudo diante da franca ascensão do
partido Alternativa para a Alemanha (AfD).
Segundo
relatório da Jewish Claims Conference, existem ainda 245 mil sobreviventes do
Holocausto em todo o mundo, 14,2 mil deles vivem na Alemanha – a maioria em
idade avançada e necessitando de cuidados intensos. Muitos não estão em
condições de fazer aparições públicas.
Uma
exceção é Margot Friedländer: apesar de seus 101 anos, ela continua ativa na
vida pública. Cada palestra da sobrevivente de campo de concentração é um
momento de grande comoção, por sua força vital, seu testemunho, sua
advertência.
Christoph
Heubner foi um dos responsáveis pela concepção e construção do Centro
Internacional de Encontro de Jovens Oswiecim/Auschwitz, na década de 1980. Há
anos vice-presidente do Comitê Internacional para Auschwitz (IAK), poucos
conhecem tantos sobreviventes do Holocausto na Alemanha quanto ele.
Ao
descrever as apresentações de testemunhas da época em escolas e eventos
memoriais, ele emprega uma palavra que se tornou rara: “generosos”. “Há uma
área na vida deles em que a gente não penetra, em que eles estão completamente
sozinhos. A perda de toda a família, da irmãzinha, dos pais. Em partes de sua
dor, eles são generosos com quem vive hoje.”
“Se
aconteceu, pode acontecer de novo”
Heubner
admite estar “triste por perder tanta gente agora”. Ele diz que justamente nos
últimos anos foi visível como, para muitos na Alemanha, especialmente os
jovens, foi importante conversar com os sobreviventes – também como advertência
e “linha-mestra para proteger e preservar a democracia”.
Mas ele
não se mostra pessimista e “não se preocupa muito com a sustentabilidade de
todo esse trabalho”. Pois, na realidade, cada geração e cada grupo etário se
ocupa do tema por si, e se horroriza “num sentido totalmente positivo, como uma
reação emocional e intelectual”. Pode ser uma elaboração artística, um filme, a
leitura de um livro, a visita a um memorial: cada nova geração encontrará seu
meio de se aprofundar nessas histórias de seres humanos e da humanidade, afirma
o vice-presidente do IAK .
Um dos
interlocutores dos jovens visitantes de Auschwitz é o padre católico Manfred
Deselaers. Natural de Aachen, na Renânia do Norte-Vestfália, ele vive há mais
de 30 anos em Oswiecim, e seu trabalho é conceituado tanto na Polônia quanto na
Alemanha. Visitar hoje o memorial é, para ele, uma questão “não só de
conhecimento, mas da nossa vocação: como vivermos, para podermos olhar os
sobreviventes nos olhos, com a consciência limpa?”
Todos os
jovens que vêm ao antigo campo de extermínio, sejam da Alemanha, da Polônia ou
de origem estrangeira, sentem “que não se trata apenas de luto por dores
passadas e de honrar os mortos, mas de um chamado à responsabilidade por nosso
mundo comum”. Para Deselaers, memória significa também: “Isso aconteceu,
portanto foi possível, portanto é possível, portanto pode acontecer novamente:
Auschwitz descreve a dimensão da nossa responsabilidade.”
Encontro
enriquecedor com o horror
E é assim,
como diz Deselaers, que os secundaristas de Kerpen veem o opressivo memorial na
Polônia. Ali, há alojamentos com montes de cabelo humano e armações de óculos,
da altura de uma pessoa – testemunhas mudas do horror. Argutamente, Elias, de
18 anos, observa que isso não é um museu, pois um museu é “antes um lugar para
os olhos”, “a gente perambula, vê, percebe fisicamente”.
Mas
Auschwitz-Birkenau se percebe num nível totalmente diferente. Ali, continua
Elies, “se desenvolve uma compreensão muito mais profunda”. A preparação e a
realização da visita “contribuíram para que a gente possa lidar com essa
matéria, naturalmente grave, para que a gente tenha se enriquecido, de algum
modo”. Sua colega Tamara concorda: visitar lugares assim é “definitivamente
importante” e “completamente diferente” de só aprender sobre o tema em uma aula
de história.
Os
estudantes retornarão a Kerpen marcados por suas impressões de Auschwitz. Para
a professora Kuznik, tem grande peso o fato de que ” exatamente como os alunos,
os pais estejam vendo como essa excursão é importante”. Talvez, diante da
situação política, eles tenham notado que “uma visita ao memorial tem muito
mais importância agora do que há alguns anos atrás”.
Fonte:
Deutsche Welle
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