'Justiça
brasileira se equilibra para não tornar Bolsonaro mártir', diz jornal argentino
A notícia
sobre a operação da Polícia Federal contra Jair Bolsonaro e alguns de seus mais
próximos aliados e ex-ministros foi assunto em diversos jornais e canais de
televisão pelo mundo.
Em um
texto analítico publicado nesta quinta-feira (8/2), o jornal argentino La
Nación classificou as ordens de prisão e mandados de busca e apreensão
executados pelo PF como "o golpe mais duro sobre o bolsonarismo" até
hoje.
O veículo
também ouviu fontes do Supremo Tribunal Federal (STF) que entendem que qualquer
ação contra o ex-presidente Bolsonaro "deve ser 'calculada' para evitar a
construção de um 'mártir político'".
A PF diz
que as pessoas investigadas na operação, batizada de Tempus Veritatis e
autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes,
buscavam "a manutenção do então presidente da República (Bolsonaro) no
poder" por meio do planejamento de um golpe de Estado.
Entre os
alvos da polícia estão o próprio ex-presidente, que teve seu passaporte
apreendido e não pode fazer contato com outros investigados, além de diversos
aliados.
Três deles
já foram presos preventivamente: Filipe Martins, ex-assessor para assuntos
internacionais de Bolsonaro; o coronel do Exército Marcelo Câmara, ex-assessor
especial da Presidência; e o major do Exército Rafael Martins de Oliveira.
Também há um mandado de prisão contra o coronel do Exército Bernardo Romão
Correa Neto, que está no momento no exterior.
Ainda
foram alvo de mandados de busca e apreensão no círculo de aliados mais próximos
de Bolsonaro: general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI); general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da
Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro em 2022; Valdemar da Costa Neto,
presidente do PL, pelo qual Bolsonaro disputou a reeleição; Anderson Torres,
ex-ministro da Justiça; general Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do
Exército e ex-ministro da Defesa; e o almirante Almir Garnier Santos,
ex-comandante-geral da Marinha.
Valdemar
da Costa Neto foi preso em flagrante durante a operação por posse ilegal de
arma de fogo.
Segundo o
editoral do La Nación, assinado pelo correspondente do jornal em Brasília,
Moraes "deu um passo ambicioso para atingir criminalmente o cerne do
bolsonarismo" ao autorizar a operação.
"A
operação desta quinta-feira, autorizada pelo ex-presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), Alexandre de Moraes, inimigo de Bolsonaro, foi batizada pela
Polícia Federal de 'Tempus Veritatis' (hora da verdade, em latim), um
reconhecimento de que a situação do ex-presidente e seus aliados é cada vez
mais delicada", diz o texto.
"Com
as prisões e o material recolhido, o 'momento da verdade' sobre o alegado plano
golpista pode estar mais próximo de ser exposto."
• 'Revés para o partido'
O La
Nación também classificou os acontecimentos desta quinta-feira como um
"revés para o Partido Liberal (PL)" diante das eleições municipais
marcadas para outubro.
"A
operação policial também foi um revés para o Partido Liberal (PL), onde estão
reunidos os líderes bolsonaristas mais próximos do ex-presidente, em um ano de
eleições municipais em que o partido pretende alavancar o seu número de
prefeituras para preparar o terreno para as eleições presidenciais de
2026."
A sede do
PL foi um dos locais visitados pela PF. Segundo o portal G1, a polícia
encontrou no local um documento, não assinado, que defendia e anunciava a
decretação de um estado de sítio e da garantia da lei e da ordem no país.
Segundo o
La Nación, a polícia entende que o escritório do PL em Brasília "serviu de
sede para a fracassada trama golpista".
• Demais coberturas
Além do La
Nación, veículos como o The New York Times e o The Washington Post, nos EUA, o
The Guardian e o Financial Times, no Reino Unido, e o Le Monde, na França,
também noticiaram a operação.
A grande
maioria optou por uma cobertura factual, destacando as investigações da Polícia
Federal contra Bolsonaro e seus aliados por uma suposta tentativa de golpe.
"Bolsonaro
é apontado como alvo em investigação de golpe no Brasil e é instruído a
entregar passaporte", diz a manchete do Washington Post.
"Polícia
do Brasil acusa Bolsonaro e vários generais aposentados de golpismo",
afirma o espanhol El País.
A emissora
estatal do Catar, Al Jazeera, o jornal South China Morning Post, de Hong Kong,
e a emissora americana CNN também cobriram a operação.
A BBC
News, em inglês, noticiou os fatos destacando que o ex-presidente Jair
Bolsonaro entregou seu passaporte às autoridades.
"Ex-presidente
do Brasil, Bolsonaro entrega passaporte após tentativa de golpe", diz a
manchete.
Bolsonaro pode ser preso após operação da
PF?
A Operação
Tempus Veritatis da Polícia Federal, ocorrida na quinta-feira (08/02), levantou
uma pergunta entre diferentes grupos políticos e de eleitores: o ex-presidente
Jair Bolsonaro (PL) pode ser preso em breve?
Três
especialistas em Direito Penal entrevistados pela BBC News Brasil se mostram
cautelosos quanto à possibilidade de concretização desse cenário.
Em teoria,
eles dizem, não há motivos evidentes para que haja uma prisão preventiva do
ex-presidente em um futuro próximo. Mas, na prática, a conduta de algumas
figuras-chave no Judiciário — principalmente o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes — pode mudar o curso desse entendimento.
"Se
for usar a [Operação] Lava Jato como padrão, eu diria que uma prisão preventiva
é iminente. Se nós formos adotar o padrão da jurisprudência dos tribunais
superiores e de boa parte da doutrina, dos estudiosos do direito, uma prisão
não é iminente", resume o advogado criminalista José Carlos Abissamra
Filho, mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP).
A prisão
preventiva seria o principal meio para a prisão do ex-presidente neste momento,
uma vez que não há condenação e nem pena a se cumprir.
O Código
de Processo Penal prevê a prisão preventiva em alguns casos. "Ela só é
cabível em três hipóteses: se houver risco de fuga, se houver violação da ordem
pública e se houver risco para a produção de prova", explica Abissamra
Filho.
A Lava
Jato, na opinião do advogado, "abusou das medidas cautelares", tanto
em prisões preventivas "em situações em que não eram necessárias"
quanto em operações de busca a apreensão "fora das hipóteses legais".
Para
Abissamra Filho, em teoria a prisão preventiva do ex-presidente não caberia no
momento porque as investigações em curso dizem respeito — ao menos do que se
tem conhecimento através do que é publicado na imprensa, ele destaca — ao
período em que Bolsonaro era presidente.
Não
estando mais no Planalto, o ex-presidente não teria o mesmo poder para
interferir nas investigações de fatos passados.
Outro
ponto destacado pelo advogado é que, por ordem judicial em meio à operação da
PF nesta quinta, Bolsonaro teve o passaporte apreendido e não pode fazer
contato com outros investigados.
"Isso
já poderia ser a medida cautelar", aponta Abissamra Filho, indicando que
esse tipo de imposição já afasta a necessidade de medidas mais drásticas para
garantir a continuidade das investigações, como por exemplo uma prisão
preventiva com o objetivo de impedir que um investigado se comunique com
outros.
"Se
ele descumprisse [a ordem judicial], aí talvez incidiria a prisão
preventiva", indica.
Celso
Vilardi, advogado criminalista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
também não vê como provável uma prisão iminente.
"Só
haverá a preventiva se surgir um fato novo: uma ameaça a testemunha, um perigo
de fuga, uma trama... O que eu acho muito improvável que aconteça",
exemplifica Vilardi.
O
professor da FGV explica que a perspectiva de não haver prisão preventiva agora
não significa que Bolsonaro esteja livre de investigações e acusações.
"Nesse
caso o jogo tá posto: agora é uma questão de produção de elementos
investigativos para suportar ou não uma denúncia", indica.
Já Davi
Tangerino, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e
professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), destaca mais o
que tem sido praticado no contexto recente do que a conduta ideal segundo a
doutrina.
Perguntado
se uma prisão preventiva de Bolsonaro é possível, Tangerino diz que sim — e
argumenta lembrando "das prisões já decretadas".
"A
possibilidade de interferir [nas investigações] está tão presente quanto no
caso de Anderson Torres, por exemplo", diz Tangerino, referindo-se ao
ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro que foi preso em janeiro, quando já
não estava no cargo, e ficou quase quatro meses detido.
A prisão
ocorreu poucos dias depois dos ataques de 8 de janeiro, quando Torres era
secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Ele foi preso a pedido da
PF e por determinação do próprio Alexandre de Moraes por supostas omissões
intencionais que teriam contribuído para os atos do 8 de janeiro em Brasília.
"Eu
entendo que a preventiva precisa ter justificativa contemporânea: ainda estar
no cargo, tentar fugir, coagir, destruir provas e etc", aponta.
"Todavia,
a contemporaneidade vem sendo colocada em segundo plano em algumas decisões de
Alexandre de Moraes. Ele tem aceitado a mera possibilidade de coação como
suficiente para prisões."
"Usando
essa métrica dele, a preventiva de Bolsonaro poderia sair em breve."
Relator no
STF de vários inquéritos sobre o 8 de janeiro e sobre o governo Bolsonaro,
Moraes foi o responsável nesta quinta-feira por autorizar a PF a realizar a
Operação Tempus Veritatis.
A decisão
foi tomada no âmbito do inquérito que apura a atuação de milícias digitais.
A operação
da PF buscou evidências da suspeita de que havia uma organização que agiu antes
e depois das eleições de 2022 para manter Jair Bolsonaro no poder por meio de
"tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de
Direito".
Além da
ordem de entrega do passaporte do ex-presidente e da proibição de contato com
investigados, três aliados de Bolsonaro foram presos preventivamente e outros
foram alvo de mandados de busca e apreensão — entre eles o próprio Anderson
Torres e outros ex-ministros, como os generais Augusto Heleno, Walter Braga
Netto e Paulo Sérgio Nogueira.
Em nota
obtida pelo jornal Valor, a defesa de Bolsonaro afirmou que a apreensão do
passaporte é uma medida "absolutamente desnecessária e afastada dos
requisitos legais e fáticos que visam garantir a ordem pública e o regular
andamento da investigação, os quais sempre foram respeitados".
"O
ex-presidente jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a
desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o
pavimentam", assegurou a defesa.
• Como seriam etapas até eventual prisão
Mesmo que
alguns dos entrevistados vejam a prisão preventiva de Bolsonaro como
improvável, eles explicaram como ela poderia ocorrer.
Esse tipo
de prisão precisaria ser solicitado pela Polícia Federal ou pela
Procuradoria-Geral da República (PGR), explica José Carlos Abissamra Filho.
O pedido
de prisão necessitaria então ser analisado pela Justiça. Bolsonaro não tem mais
foro privilegiado, mas outros investigados têm — por isso, o advogado
criminalista acredita que a decisão viria do Supremo.
Ela
provavelmente seria também monocrática, ele diz.
"A
prisão preventiva via de regra é urgente, então não dá tempo de esperar o
colegiado. Seria monocrática", indica o criminalista.
Para ele,
uma dificuldade para o uso correto da prisão preventiva é que a justificativa
da manutenção da ordem pública não é algo que possa ser avaliado objetivamente.
"A
cláusula mais usada da prisão preventiva é a manutenção da ordem pública, e
essa cláusula é aberta. Então muitas vezes algumas prisões são justificadas
assim, mas isso nem sempre é facilmente identificável."
Para Celso
Vilardi, a pergunta-chave nesse momento não é se Bolsonaro será preso
preventivamente ou não, mas sim como os supostos planos de golpe serão
interpretados.
Ela
menciona o conceito do direito penal do iter criminis, que em latim significa
algo como o "itinerário" ou "caminho" do crime. Isso indica
que a Justiça precisará avaliar o que aconteceu no percurso entre a intenção do
cometimento de um crime e sua eventual concretização — e se há culpa em alguma
dessas etapas.
"Havia
intenção? Houve uma desistência? Houve desistência voluntária? Isso é uma
atenuante? Acho que esse vai ser o grande debate", aponta Vilardi.
Fonte: BBC
News Brasil
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