sábado, 10 de fevereiro de 2024

'Justiça brasileira se equilibra para não tornar Bolsonaro mártir', diz jornal argentino

A notícia sobre a operação da Polícia Federal contra Jair Bolsonaro e alguns de seus mais próximos aliados e ex-ministros foi assunto em diversos jornais e canais de televisão pelo mundo.

Em um texto analítico publicado nesta quinta-feira (8/2), o jornal argentino La Nación classificou as ordens de prisão e mandados de busca e apreensão executados pelo PF como "o golpe mais duro sobre o bolsonarismo" até hoje.

O veículo também ouviu fontes do Supremo Tribunal Federal (STF) que entendem que qualquer ação contra o ex-presidente Bolsonaro "deve ser 'calculada' para evitar a construção de um 'mártir político'".

A PF diz que as pessoas investigadas na operação, batizada de Tempus Veritatis e autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, buscavam "a manutenção do então presidente da República (Bolsonaro) no poder" por meio do planejamento de um golpe de Estado.

Entre os alvos da polícia estão o próprio ex-presidente, que teve seu passaporte apreendido e não pode fazer contato com outros investigados, além de diversos aliados.

Três deles já foram presos preventivamente: Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro; o coronel do Exército Marcelo Câmara, ex-assessor especial da Presidência; e o major do Exército Rafael Martins de Oliveira. Também há um mandado de prisão contra o coronel do Exército Bernardo Romão Correa Neto, que está no momento no exterior.

Ainda foram alvo de mandados de busca e apreensão no círculo de aliados mais próximos de Bolsonaro: general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro em 2022; Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, pelo qual Bolsonaro disputou a reeleição; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; general Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa; e o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha.

Valdemar da Costa Neto foi preso em flagrante durante a operação por posse ilegal de arma de fogo.

Segundo o editoral do La Nación, assinado pelo correspondente do jornal em Brasília, Moraes "deu um passo ambicioso para atingir criminalmente o cerne do bolsonarismo" ao autorizar a operação.

"A operação desta quinta-feira, autorizada pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, inimigo de Bolsonaro, foi batizada pela Polícia Federal de 'Tempus Veritatis' (hora da verdade, em latim), um reconhecimento de que a situação do ex-presidente e seus aliados é cada vez mais delicada", diz o texto.

"Com as prisões e o material recolhido, o 'momento da verdade' sobre o alegado plano golpista pode estar mais próximo de ser exposto."

•        'Revés para o partido'

O La Nación também classificou os acontecimentos desta quinta-feira como um "revés para o Partido Liberal (PL)" diante das eleições municipais marcadas para outubro.

"A operação policial também foi um revés para o Partido Liberal (PL), onde estão reunidos os líderes bolsonaristas mais próximos do ex-presidente, em um ano de eleições municipais em que o partido pretende alavancar o seu número de prefeituras para preparar o terreno para as eleições presidenciais de 2026."

A sede do PL foi um dos locais visitados pela PF. Segundo o portal G1, a polícia encontrou no local um documento, não assinado, que defendia e anunciava a decretação de um estado de sítio e da garantia da lei e da ordem no país.

Segundo o La Nación, a polícia entende que o escritório do PL em Brasília "serviu de sede para a fracassada trama golpista".

•        Demais coberturas

Além do La Nación, veículos como o The New York Times e o The Washington Post, nos EUA, o The Guardian e o Financial Times, no Reino Unido, e o Le Monde, na França, também noticiaram a operação.

A grande maioria optou por uma cobertura factual, destacando as investigações da Polícia Federal contra Bolsonaro e seus aliados por uma suposta tentativa de golpe.

"Bolsonaro é apontado como alvo em investigação de golpe no Brasil e é instruído a entregar passaporte", diz a manchete do Washington Post.

"Polícia do Brasil acusa Bolsonaro e vários generais aposentados de golpismo", afirma o espanhol El País.

A emissora estatal do Catar, Al Jazeera, o jornal South China Morning Post, de Hong Kong, e a emissora americana CNN também cobriram a operação.

A BBC News, em inglês, noticiou os fatos destacando que o ex-presidente Jair Bolsonaro entregou seu passaporte às autoridades.

"Ex-presidente do Brasil, Bolsonaro entrega passaporte após tentativa de golpe", diz a manchete.

 

       Bolsonaro pode ser preso após operação da PF?

 

A Operação Tempus Veritatis da Polícia Federal, ocorrida na quinta-feira (08/02), levantou uma pergunta entre diferentes grupos políticos e de eleitores: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode ser preso em breve?

Três especialistas em Direito Penal entrevistados pela BBC News Brasil se mostram cautelosos quanto à possibilidade de concretização desse cenário.

Em teoria, eles dizem, não há motivos evidentes para que haja uma prisão preventiva do ex-presidente em um futuro próximo. Mas, na prática, a conduta de algumas figuras-chave no Judiciário — principalmente o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes — pode mudar o curso desse entendimento.

"Se for usar a [Operação] Lava Jato como padrão, eu diria que uma prisão preventiva é iminente. Se nós formos adotar o padrão da jurisprudência dos tribunais superiores e de boa parte da doutrina, dos estudiosos do direito, uma prisão não é iminente", resume o advogado criminalista José Carlos Abissamra Filho, mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A prisão preventiva seria o principal meio para a prisão do ex-presidente neste momento, uma vez que não há condenação e nem pena a se cumprir.

O Código de Processo Penal prevê a prisão preventiva em alguns casos. "Ela só é cabível em três hipóteses: se houver risco de fuga, se houver violação da ordem pública e se houver risco para a produção de prova", explica Abissamra Filho.

A Lava Jato, na opinião do advogado, "abusou das medidas cautelares", tanto em prisões preventivas "em situações em que não eram necessárias" quanto em operações de busca a apreensão "fora das hipóteses legais".

Para Abissamra Filho, em teoria a prisão preventiva do ex-presidente não caberia no momento porque as investigações em curso dizem respeito — ao menos do que se tem conhecimento através do que é publicado na imprensa, ele destaca — ao período em que Bolsonaro era presidente.

Não estando mais no Planalto, o ex-presidente não teria o mesmo poder para interferir nas investigações de fatos passados.

Outro ponto destacado pelo advogado é que, por ordem judicial em meio à operação da PF nesta quinta, Bolsonaro teve o passaporte apreendido e não pode fazer contato com outros investigados.

"Isso já poderia ser a medida cautelar", aponta Abissamra Filho, indicando que esse tipo de imposição já afasta a necessidade de medidas mais drásticas para garantir a continuidade das investigações, como por exemplo uma prisão preventiva com o objetivo de impedir que um investigado se comunique com outros.

"Se ele descumprisse [a ordem judicial], aí talvez incidiria a prisão preventiva", indica.

Celso Vilardi, advogado criminalista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também não vê como provável uma prisão iminente.

"Só haverá a preventiva se surgir um fato novo: uma ameaça a testemunha, um perigo de fuga, uma trama... O que eu acho muito improvável que aconteça", exemplifica Vilardi.

O professor da FGV explica que a perspectiva de não haver prisão preventiva agora não significa que Bolsonaro esteja livre de investigações e acusações.

"Nesse caso o jogo tá posto: agora é uma questão de produção de elementos investigativos para suportar ou não uma denúncia", indica.

Já Davi Tangerino, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), destaca mais o que tem sido praticado no contexto recente do que a conduta ideal segundo a doutrina.

Perguntado se uma prisão preventiva de Bolsonaro é possível, Tangerino diz que sim — e argumenta lembrando "das prisões já decretadas".

"A possibilidade de interferir [nas investigações] está tão presente quanto no caso de Anderson Torres, por exemplo", diz Tangerino, referindo-se ao ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro que foi preso em janeiro, quando já não estava no cargo, e ficou quase quatro meses detido.

A prisão ocorreu poucos dias depois dos ataques de 8 de janeiro, quando Torres era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Ele foi preso a pedido da PF e por determinação do próprio Alexandre de Moraes por supostas omissões intencionais que teriam contribuído para os atos do 8 de janeiro em Brasília.

"Eu entendo que a preventiva precisa ter justificativa contemporânea: ainda estar no cargo, tentar fugir, coagir, destruir provas e etc", aponta.

"Todavia, a contemporaneidade vem sendo colocada em segundo plano em algumas decisões de Alexandre de Moraes. Ele tem aceitado a mera possibilidade de coação como suficiente para prisões."

"Usando essa métrica dele, a preventiva de Bolsonaro poderia sair em breve."

Relator no STF de vários inquéritos sobre o 8 de janeiro e sobre o governo Bolsonaro, Moraes foi o responsável nesta quinta-feira por autorizar a PF a realizar a Operação Tempus Veritatis.

A decisão foi tomada no âmbito do inquérito que apura a atuação de milícias digitais.

A operação da PF buscou evidências da suspeita de que havia uma organização que agiu antes e depois das eleições de 2022 para manter Jair Bolsonaro no poder por meio de "tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito".

Além da ordem de entrega do passaporte do ex-presidente e da proibição de contato com investigados, três aliados de Bolsonaro foram presos preventivamente e outros foram alvo de mandados de busca e apreensão — entre eles o próprio Anderson Torres e outros ex-ministros, como os generais Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira.

Em nota obtida pelo jornal Valor, a defesa de Bolsonaro afirmou que a apreensão do passaporte é uma medida "absolutamente desnecessária e afastada dos requisitos legais e fáticos que visam garantir a ordem pública e o regular andamento da investigação, os quais sempre foram respeitados".

"O ex-presidente jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam", assegurou a defesa.

•        Como seriam etapas até eventual prisão

Mesmo que alguns dos entrevistados vejam a prisão preventiva de Bolsonaro como improvável, eles explicaram como ela poderia ocorrer.

Esse tipo de prisão precisaria ser solicitado pela Polícia Federal ou pela Procuradoria-Geral da República (PGR), explica José Carlos Abissamra Filho.

O pedido de prisão necessitaria então ser analisado pela Justiça. Bolsonaro não tem mais foro privilegiado, mas outros investigados têm — por isso, o advogado criminalista acredita que a decisão viria do Supremo.

Ela provavelmente seria também monocrática, ele diz.

"A prisão preventiva via de regra é urgente, então não dá tempo de esperar o colegiado. Seria monocrática", indica o criminalista.

Para ele, uma dificuldade para o uso correto da prisão preventiva é que a justificativa da manutenção da ordem pública não é algo que possa ser avaliado objetivamente.

"A cláusula mais usada da prisão preventiva é a manutenção da ordem pública, e essa cláusula é aberta. Então muitas vezes algumas prisões são justificadas assim, mas isso nem sempre é facilmente identificável."

Para Celso Vilardi, a pergunta-chave nesse momento não é se Bolsonaro será preso preventivamente ou não, mas sim como os supostos planos de golpe serão interpretados.

Ela menciona o conceito do direito penal do iter criminis, que em latim significa algo como o "itinerário" ou "caminho" do crime. Isso indica que a Justiça precisará avaliar o que aconteceu no percurso entre a intenção do cometimento de um crime e sua eventual concretização — e se há culpa em alguma dessas etapas.

"Havia intenção? Houve uma desistência? Houve desistência voluntária? Isso é uma atenuante? Acho que esse vai ser o grande debate", aponta Vilardi.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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