Jeferson
Miola: Arthur Lira é mais uma herança maldita do governo Bolsonaro
Na
abertura do ano legislativo (5/2), Arthur Lira fez uma defesa fervorosa do
orçamento da União.
Ele disse
que “o orçamento da União pertence a todos e todas e não apenas ao Executivo;
porque, se assim fosse, a Constituição não determinaria a necessária
participação do Poder Legislativo na sua confecção e final aprovação”.
Engana-se
quem imagina que o chefe do sistema de extorsão e achaque da Câmara tenha sido
acometido por uma súbita síndrome republicana. Na verdade, a defesa ardorosa
que Lira faz do orçamento tem motivos muito particularistas.
O assalto
ao orçamento da União e aos fundos públicos é a fonte do poder descomunal que
Lira exerce no país. Ele herdou isso do governo dos militares com Bolsonaro e
age caninamente para manter o esquema no governo Lula.
Os
parlamentares aprovaram R$ 53 bilhões para manejarem através de emendas
orçamentárias em 2024. “É um ultraje, é quase o total que o governo terá para
investimento”, denunciou a presidente do PT Gleisi Hoffman.
• Municiando a direita enquanto enriquece
Lira é o
grande maestro da alocação clientelística e eleitoreira desses bilhões nas
paróquias eleitorais da direita e extrema direita.
Com este
esquema ele fideliza mais de 300 deputados para votarem segundo suas
conveniências políticas e conjunturais. Lira consegue quórum para mudar a
Constituição e, inclusive, para aprovar um processo de impeachment.
Além de
ser fonte do poder político que Lira exerce de modo imperial e oligárquico,
observa-se a coincidência de expansão do orçamento secreto com Bolsonaro e a
multiplicação do patrimônio do presidente da Câmara no período.
A
declaração de bens do Lira à justiça eleitoral mostra um crescimento de 247,1%
dos bens dele em 2022 em comparação com 2018 – multiplicou o patrimônio em
quase quatro vezes.
Mesmo que
Lira tivesse conseguido poupar 100% de todos os salários mensais de quase R$ 40
mil, inclusive o 13º e 1/3 de férias, sem gastar um único centavo durante os
quatro anos de mandato de deputado federal, ele no máximo teria aumentado seu
patrimônio em R$ 1,7 milhão.
Mas ele
conseguiu, porém, o milagre de aumentar seu patrimônio em R$ 4,2 milhões. O
santo que operou o milagre do aumento do patrimônio do Lira pode ter sido seu
braço direito Luciano Cavalcante, flagrado recebendo uma bufunfa de dinheiro de
emendas desviadas no escândalo do kit robótica. Luciano Cavalcante estava – ou
ainda está – para Arthur Lira como Mauro Cid estava para Jair Bolsonaro.
Na
planilha de contabilidade de Cavalcante apreendida pela PF em maio de 2023,
consta que Lira recebeu R$ 650 mil do total de R$ 834 mil distribuídos entre
dezembro de 2022 e março de 2023.
Em outubro
de 2023 Lira se safou inteiramente do “incômodo”.
O ministro
do STF Gilmar Mendes, que em agosto já havia anulado as provas obtidas nas
investigações do esquema de corrupção do gabinete do Lira, mandou a PF promover
“a destruição imediata de todos os áudios captados dentro da Operação Hefesto,
desencadeada em junho [2023] para investigar supostas irregularidades na compra
de kits de robótica pelo FNDE”, conforme noticiou a Agência Pública.
Lira quer governar a saúde? Por Paulo
Capel Narvai
Nem na
semana em que o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros
Adhanom Ghebreyesus, esteve no Brasil acompanhado pelo diretor-geral da
Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), Jarbas Barbosa, o presidente da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), cessou os ataques que
incessantemente vem desferindo contra a ministra da Saúde de Lula, Nísia
Trindade e sua equipe.
Tedros e
Barbosa foram recebidos em Brasília pela representante da OMS/OPAS no Brasil,
Socorro Gross. Na sede da OPAS cumpriram uma agenda de trabalho, da qual
participaram a ministra Nísia Trindade e o próprio presidente Lula, cuja pauta
incluiu a prevenção de epidemias, o enfrentamento de doenças associadas com
problemas socioeconômicos (hanseníase, tuberculose, malária e tracoma, dentre
outras), a vacina contra a dengue e um acordo internacional para a segurança
sanitária global, que será debatido na 77ª Assembleia Mundial da Saúde, que a
OMS realizará em maio, no Nepal.
Não
obstante a relevância dos temas tratados na sede da OPAS em Brasília, as
declarações do presidente da Câmara dos Deputados, pedindo explicações à
ministra da Saúde sobre o destino do dinheiro das emendas parlamentares ao
orçamento da União, tiveram maior repercussão, impulsionadas pela mídia
comercial.
No regime
presidencialista vigente no Brasil, cabe ao Congresso Nacional discutir e
aprovar o orçamento do governo federal, que se expressa na Lei Orçamentária
Anual (LOA). O Congresso aprova a LOA a partir de um projeto de lei (PL) que é
encaminhado pelo poder executivo. Mas é prerrogativa do parlamento, prevista na
Constituição, propor alterações a esse PL do executivo, indicando o que querem
suprimir, modificar ou acrescentar. Fazem isso por meio de emendas ao
orçamento, também conhecidas como “emendas parlamentares”, que podem ser
individuais, de bancada, de comissão ou do relator. Mas, como se trata de
orçamento, as emendas acabam alterando tanto a arrecadação quanto a aplicação
do dinheiro, interferindo, portanto, nas receitas e despesas do governo. Tudo
isso tem muitas implicações no planejamento dos programas e políticas públicas
do conjunto dos ministérios, vale dizer, nas ações do governo.
Resulta,
porém, das “emendas parlamentares”, que o poder Executivo fica amputado de suas
atribuições e o Legislativo, a quem cabe apenas elaborar leis, mas não as
executar, extrapola suas atribuições violando a tripartição de poderes
(executivo, legislativo e judiciário) adotada na República brasileira. Essa
excepcionalidade, aparentemente uma incoerência, é tolerada no caso da LOA
porque, em tese, possibilita ajustes entre o proposto no PL e o texto final da
lei.
Mas a
possibilidade que senadores e deputados têm de alterar o PL de que resultará a
LOA tem limites, pois, como as emendas envolvem o orçamento, isso implica fazer
acordos e pactuações que deveriam ter como fundamento a razoabilidade e a
observância dos princípios da administração pública definidos no artigo 37 da
Constituição de 1988, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência.
Até aí,
tudo bem, no caso da saúde e do SUS.
Os
problemas começam quando parlamentares, contrariando o planejamento feito pelo
ministério da Saúde, querem tomar decisões sobre a alocação de recursos
financeiros, assumindo o lugar do poder Executivo. Não é razoável,
questionando-se a legalidade dessa pretensão, a falta de publicidade (o tal
“orçamento secreto”, ou emendas de relator) que marca a intromissão de
parlamentares em decisões sobre programas de saúde, a violação da
impessoalidade no trato da coisa pública, e o risco de ineficiência.
Ineficiência
como a constatada pela Controladoria-Geral da União (CGU) em Pedreiras, no
Maranhão, na aplicação de recursos provenientes de emenda parlamentar, em ações
na área de saúde bucal no SUS. De acordo com a CGU, cada habitante de Pedreiras
teria extraído, em média, 14 dentes em um único ano. A Polícia Federal foi
acionada para apurar o superfaturamento. Também no Maranhão, em Igarapé Grande,
com 11 mil habitantes, o SUS foi instado a pagar pela realização de 385 mil
consultas médicas e a realização de e 12,7 mil radiografias de dedo.
Frequentemente
não dá certo, pois não funciona, a intromissão de leigos em decisões sobre
gestão de sistemas e serviços de saúde. Ainda está fresca na memória
brasileira, a esse respeito, o desastre da gestão da saúde e do SUS nos
governos Temer e Bolsonaro (2016-2022), notadamente o trágico desempenho do
general da ativa Eduardo Pazuello no ministério da Saúde.
A
moralidade é outro princípio da administração pública que vem colidindo com o
modo como as emendas ao orçamento tem sido interpretado por alguns deputados e
senadores, que simplesmente querem decidir tudo sobre a aplicação dos recursos
originados em emendas que apresentaram, ignorando sua própria ignorância sobre
a alocação eficiente de recursos em saúde. Geralmente, nada entendem de saúde
pública, ainda quando médicos ou profissionais da área.
Chama a
atenção a leniência com que o presidente da Câmara, Arthur Lira, vem lidando
com essas pretensões de seus colegas. Ao invés de orientá-los a respeitar
decisões tomadas no âmbito do planejamento do SUS, seja no ministério da Saúde,
seja na Comissão Intergestores Tripartite, composta por técnicos do governo federal
e representantes de Estados e Municípios (indicados por seus conselhos
nacionais, o CONASS e o CONASEMS), Lira vem exorbitando e fazendo declarações
públicas que colocam em questão o desempenho da ministra Nísia Trindade e sua
equipe na pasta da Saúde. Vale registrar que o próprio Arthur Lira, embora
advogado e agropecuarista, não tem formação em assuntos de saúde e de gestão de
políticas públicas.
Em 5 de
fevereiro de 2024, o presidente da Câmara dos Deputados protocolou um
Requerimento de Informação (RIC), formalizando sete questionamentos à ministra
Nísia Trindade, a respeito dos “critérios utilizados para a distribuição de
recursos do ministério a estados e municípios”. Não precisava. Bastava acessar
os documentos públicos sobre isso, disponibilizados pelo ministério da Saúde.
Arthur Lira não quer efetivamente informações, quer apenas pressionar
politicamente o governo, utilizando-se da titular da pasta da Saúde.
O
presidente da Câmara apenas finge querer detalhes sobre “critérios” utilizados
para definição de limites orçamentários e financeiros para transferências da
União, na “atenção primária, média e de alta complexidade” e sobre a existência
de “distinção na composição dos tetos de atenção primária, média e de alta
complexidade” relacionados com as emendas parlamentares.
Arthur
Lira poderia, se efetivamente estivesse interessado nessas tecnicalidades sobre
alocação de recursos nos diferentes níveis de atenção à saúde no SUS, consultar
o poder Judiciário, a quem incumbe verificar o cumprimento de leis, incluindo
evidentemente a LOA. Mas ele não está mesmo interessado nisso. O que Arthur
Lira quer é pressionar Lula e fazer um mimo ao “centrão”, utilizando-se da
titular da pasta da Saúde.
Arthur
Lira pressiona Lula para expressar desagrado com a decisão do governo federal
de vetar R$ 5,6 bilhões, no conjunto das emendas parlamentares, ao sancionar a
LOA 2024, em janeiro. Arthur Lira e os deputados federais, de olho nas eleições
municipais deste ano, querem alguma compensação. Lula resiste, pois o conjunto
das emendas parlamentares (R$ 44,7 bilhões) representa atualmente 20,1% do
orçamento da União. Arthur Lira e o centrão aspiram voltar ao cenário de 2020
quando, sob Jair Bolsonaro, as emendas parlamentares correspondiam a 28,6% do
orçamento do governo federal, instituindo na prática o semiparlamentarismo.
Ainda que
com o veto de R$ 5,6 bilhões, a fatia do orçamento “amarrada” por emendas
parlamentares chega em 2024 a R$ 53 bilhões. Mesmo em repúblicas
parlamentaristas essa intromissão do legislativo em assuntos do executivo não
chega a tanto. É uma exorbitância que viola o princípio da moralidade.
Especialistas ouvidos pelo jornal O Globo consideram que “o nível de ingerência
do Congresso brasileiro sobre os gastos públicos não tem paralelo no mundo”. Dizem
que “além de dificultar o equilíbrio fiscal, isso afasta os gastos federais das
políticas prioritárias definidas pelos ministérios e reduz a transparência e a
fiscalização da aplicação do que é arrecadado em impostos”.
Quando, em
1995, o ministério da Saúde lançou o slogan “o Ministério da Saúde adverte…”,
impresso em cartazes e maços de cigarro, acompanhados de imagens assustadoras,
como bordão de uma muitíssimo bem-sucedida campanha antitabagista, não se
poderia imaginar que a frase faria tanto sucesso e passaria a ser usada nas
mais variadas situações, sempre que se quer advertir sobre algo negativo.
A
implicância obsessiva de Arthur Lira com a ministra Nísia Trindade requer, mais
uma vez, o uso do bordão que já é um clássico, pois não é exagero afirmar: “O
Ministério da Saúde adverte: o deputado Arthur Lira faz mal à saúde”.
Fonte:
Jacobin/A Terra é Redonda
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