Colômbia
toma medida inédita para quebrar patente de remédio contra HIV
O governo
da Colômbia deu um passo histórico na direção de emitir pela primeira vez uma
licença compulsória para que um medicamento usado no tratamento de HIV possa
ser produzido ou importado sem a barreira das patentes, ampliando de maneira
significativa o acesso ao tratamento.
Na última
sexta-feira, a Superintendência de Indústria e Comércio colombiana tornou
públicos os requisitos para os interessados em utilizar a licença compulsória
para fabricar a versão genérica do medicamento dolutegravir, dando um prazo de
dez dias para que manifestem seu interesse. Após a revisão das propostas,
o governo poderá emitir a licença compulsória.
A emissão
da licença, conhecida popularmente como quebra de patente, permite que o
medicamento seja adquirido pelo governo colombiano sem a necessidade de
autorização da fabricante, a empresa ViiV Healthcare (uma aliança empresarial
das farmacêuticas GlaxoSmithKline, Pfizer and Shionogi). O comunicado do
governo também define o montante das compensações (royalties) a ser pago à
empresa pelo uso do dolutegravir e estabelece que a licença não compulsória
terá efeito até pelo menos 28 de abril de 2026 ou até que as patentes de
dolutegravir permaneçam vigentes, as razões de interesse público que embasaram
a decisão de conceder a licença persistirem enquanto os objetivos de ampliação
de acesso ao tratamento não forem alcançados.
Com a
medida, o governo da Colômbia está utilizando um mecanismo legítimo reconhecido
por leis internacionais. A decisão foi tomada depois de o ministro da
Saúde da Colômbia, Guillermo Afonso Jaramillo, ter recebido pedidos de mais de
120 organizações da sociedade civil, acadêmicos, especialistas em saúde pública
e ativistas para a ampliação do acesso ao dolutegravir.
O
medicamento é recomendado como parte do tratamento de primeira linha para
pessoas que vivem com HIV, inclusive para gestantes, de acordo com orientações
da OMS (Organização Mundial da Saúde). Médicos Sem Fronteiras (MSF) utiliza um
regime de tratamento de primeira linha baseado no dolutegravir em diversos
programas de AIDS/HIVe observa como os pacientes apresentam menos efeitos
colaterais e um menor risco de desenvolverem resistência ao fármaco.
Em
contraste, em muitos países onde MSF atua, o acesso a versões genéricas mais
baratas do dolutegravir permanece um desafio. Na Colômbia, devido a
barreiras de patentes e preços altos, MSF não conseguiu incorporar o
dolutegravir aos seus projetos médicos. Ainda que a ViiV tenha fechado um
acordo no âmbito do MPP (Medicines Patent Pool) para reduzir o preço do
dolutegravir em alguns países, a Colômbia e vários outros países de renda média
foram excluídos do acordo, permitindo que a empresa mantenha seu monopólio e
preços altos.
O
licenciamento compulsório vai remover as barreiras de patente na Colômbia e
permitir o acesso a versões genéricas mais acessíveis do dolutegravir a todas
as pessoas que necessitam, incluindo a possibilidade de que MSF introduza o
medicamento em seus projetos no país.
Outros
governos, inclusive o brasileiro, já usaram o mecanismo de licenças
compulsórias para endereçar entraves de acesso a medicamentos, incluindo a
correção de práticas anticompetitivas ou a facilitação do processo de compras
de medicamentos por governos. Apesar disso, a ferramenta é subutilizada
como instrumento de avanço no acesso a medicamentos, em grande medida devido ao
lobby pesado que as corporações farmacêuticas fazem junto a governos contra a
utilização do mecanismo. A ação da Colômbia é, portanto, um exemplo encorajador
para que outros países da América Latina, e também fora dela, possam
implementar licenciamentos compulsórios para ampliar o acesso a medicamentos.
·
Francisco Viegas, Medical Innovation Policy Advisor, MSF Access
Campaign:
“É uma
conquista importante a Colômbia ter dado esse passo sem precedentes e chamado
fabricantes e provedores para que forneçam versões genéricas do dolutegravir às
pessoas que necessitam deste medicamento, vital contra o HIV. Trata-se de uma
sinalização forte de que ainda é possível colocar as pessoas e a saúde pública
em primeiro lugar.
Esperamos
que as autoridades colombianas analisem rapidamente nos próximos dias as
propostas apresentadas. Assim que esse processo for concluído e a Colômbia
emitir a licença compulsória, o governo poderá ampliar o acesso a versões
genéricas mais acessíveis do dolutegravir e salvar mais vidas. Por isso,
conclamamos outros países a seguirem o exemplo da Colômbia: No caso
particular do Brasil, o país está enfrentando entraves para a disponibilização
de versões genéricas acessíveis do dolutegravir, apesar de o país contar com
capacidade de produção, por causa do bloqueio de patentes. Por isso, a emissão
de uma licença compulsória permitiria acesso a versões genéricas mais
acessíveis deste medicamento e poderia mudar substancialmente para melhor a
vida das pessoas que vivem com HIV no Brasil.”
·
Luz Marina Umbasia Bernal, diretora da
Corporação Global Progresso Humanitário Colômbia:
“A
materialização de uma licença compulsória para o dolutegravir é um passo na
direção correta e uma conquista para a Colômbia e a América Latina depois de
muitos anos promovendo o uso efetivo de salvaguardas de saúde para outros
medicamentos essenciais para HIV, câncer, hepatite e até mesmo para tratamentos
contra a COVID-19 durante a pandemia.
Esta ação
abre um precedente para outros países e traz esperança para muitos que não têm
acesso aos medicamentos de que necessitam. O uso apropriado destas salvaguardas
contribui ainda mais para a sustentabilidade de longo prazo de sistemas de
saúde ao assegurar acesso equânime a medicamentos, em linha com os Objetivos da
ONU de Desenvolvimento Sustentável em Saúde e Bem-Estar. Também reafirma o
direito de usar essas flexibilidades do acordo TRIPS.”
·
Peter Maybarduk, director para acesso a
medicamentos da ONG Public Citizen, de Washington, D.C.:
“A
Colômbia está levantando a bandeira da equidade global em saúde, após as mortes
e a injustiça vivenciadas durante a emergência da COVID. Isso deveria ser uma
inspiração para uma ação regional que enfrente as barreiras de patentes e
incremente o acesso a tratamentos, na direção de uma geração livre da AIDS.
Fabricantes de genéricos podem agora utilizar a licença para fornecer
dolutegravir acessível na Colômbia, usando a concorrência para reduzir os
custos e atender às necessidades de saúde.”
Fonte:
Imprensa-Rio
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