terça-feira, 1 de outubro de 2024

O que esperar de Hezbollah, Israel e Irã após morte de Hassan Nasrallah?

assassinato de Hassan Nasrallah por Israel, o líder de longa data do Hezbollah, representa uma grande escalada na guerra entre o país e o grupo militante libanês.

Os acontecimentos dos últimos dias aproximaram ainda mais o Oriente Médio de um conflito muito mais amplo e ainda mais prejudicial, que envolve tanto o Irã quanto os Estados Unidos.

Os ataques israelenses contra alvos do Hezbollah continuaram ao longo deste sábado (28/9), com as Forças de Defesa de Israel (IDF) afirmando terem matado mais uma figura da liderança do grupo libanês.

Mas o que pode acontecer daqui para frente?

A resposta para essa pergunta depende, em grande parte, de outras três questões básicas.

·        O que esperar do Hezbollah?

O Hezbollah está se recuperando após sofrer um golpe atrás do outro.

Sua estrutura de comando foi decapitada, com mais de uma dúzia de comandantes de alto escalão assassinados. Suas comunicações foram sabotadas com as detonações chocantes de seus pagers e walkie-talkies, e muitas de suas armas foram destruídas em ataques aéreos.

"A perda de Hassan Nasrallah terá implicações significativas, potencialmente desestabilizando o grupo e alterando suas estratégias políticas e militares no curto prazo", diz o analista de segurança do Oriente Médio baseado nos EUA Mohammed Al-Basha.

Mas qualquer expectativa de que esta organização veementemente anti-Israel desista de repente e busque a paz nos termos de Israel está provavelmente equivocada.

Na manhã deste domingo (29/9), as forças de Israel afirmaram ter identificado mísseis cruzando do Líbano para Israel, que dizem ter caído em áreas abertas.

O Hezbollah já prometeu continuar em sua luta. O grupo ainda tem milhares de combatentes, muitos deles veteranos recentes de combate na Síria - e todos eles parecem estar exigindo vingança.

A organização libanesa ainda tem um arsenal substancial de mísseis, com muitas armas de longo alcance e guiadas com precisão que podem atingir Tel Aviv e outras cidades israelenses.

Certamente haverá pressão dentro das fileiras do Hezbollah para usá-las em breve, antes que também sejam destruídas.

Mas se o grupo de fato decidir usar essas armas, em um ataque em massa que sobrecarregue as defesas aéreas de Israel e mate civis, a resposta de Israel provavelmente será devastadora, causando estragos na infraestrutura do Líbano ou até mesmo se estendendo ao Irã.

·        O que esperar do Irã?

O assassinato de Hassan Nasrallah é um golpe tanto para o Irã quanto para o Hezbollah. Teerã anunciou cinco dias de luto após a morte do líder do grupo libanês.

O líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, disse que o ataque "não ficará sem vingança".

Segundo Khamenei, a ofensiva contrária a Israel se tornará "ainda mais poderosa".

Ele disse ainda que, embora a frente de resistência tenha perdido um "porta-estandarte notável" e o Líbano tenha perdido um "líder incomparável", o Hezbollah se tornará mais forte.

O país, porém, tomou uma série de precauções de emergência, como esconder Ali Khamanei caso ele também seja alvo de tentativas de assassinato.

O Irã ainda não retaliou pelo assassinato em julho do líder político do Hamas Ismail Haniyeh em Teerã, um golpe que foi considerado uma grande humilhação para o país, segundo especialistas.

Mas os últimos acontecimentos devem fazer com que os membros linha-dura do regime iraniano contemplem algum tipo de resposta.

O Irã tem uma galáxia inteira de milícias aliadas fortemente armadas ao redor do Oriente Médio, que compõem o chamado "Eixo da Resistência".

Além do Hezbollah e do Hamas, o eixo é formado pelos houthis no Iêmen e vários grupos na Síria e no Iraque. O Irã poderia muito bem pedir a esses grupos que intensificassem seus ataques às bases israelenses e americanas na região.

Mas qualquer que seja a resposta escolhida pelo Irã, o país provavelmente calibrará seus cálculos para que suas consequências parem pouco antes de desencadear uma guerra que não pode esperar vencer.

Nenhum dos lados quer uma guerra regional em grande escala, mas ao mesmo tempo ninguém quer parecer fraco.

·        O que esperar de Israel?

Se ainda restavam dúvidas antes da morte de Hassan Nasrallah, elas provavelmente desapareceram agora.

Israel claramente não tem intenção de pausar sua campanha militar para o cessar-fogo de 21 dias proposto por 12 nações, incluindo seu aliado mais próximo, os Estados Unidos.

Os ataque aéreos israelenses continuam neste domingo, com mais alvos do Hezbollah na mira.

As IDF afirmaram ter matado outra figura de liderança do Hezbollah no sábado. Segundo os militares israelenses, Nabil Qaouk, chefe do conselho de segurança preventiva do Hezbollah e membro-chave do seu conselho central, foi morto por caças.

Neste domingo, Israel afirmou ainda que atingiu "dezenas" de alvos do Hezbollah durante a noite. Segundo a imprensa libanesa, pelo menos 15 pessoas foram mortas

Israel acredita ter o Hezbollah na defensiva agora, o que provavelmente significa que vai querer continuar com sua ofensiva até que a ameaça que os mísseis do grupo libanês representam seja removida.

Mas a menos que o Hezbollah ceda - o que é improvável - é difícil imaginar como Benjamin Netanyahu pode atingir seus objetivos em relação ao grupo sem uma operação por terra.

As IDF divulgaram imagens de um treinamento da sua infantaria perto da fronteira para esse propósito.

Mas o Hezbollah também passou os últimos 18 anos, desde o fim da última guerra, treinando para lutar na próxima.

Em seu último discurso público antes de sua morte, Nasrallah disse a seus seguidores que uma incursão israelense no sul do Líbano seria, em suas palavras, "uma oportunidade histórica".

Para as IDF, entrar no Líbano seria relativamente fácil. Mas sair poderia - como acontece em Gaza - levar meses.

 

¨      O dilema do Irã em se envolver ou não em disputa do aliado Hezbollah com Israel

Muitos conservadores linha-dura do Irã estão ficando preocupados com a falta de atitude do país, à medida que Israel ataca o grupo armado libanês Hezbollah, seu aliado mais próximo e de longa data.

Quando o presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, discursou na Assembleia Geral da ONU na terça-feira (24/9), ele criticou a guerra de Israel em Gaza e alertou que os ataques ao Líbano não poderiam ficar sem resposta.

Mas Pezeshkian, eleito em julho, adotou um tom mais conciliador do que seus antecessores linha-dura, evitando a retórica voltada para a aniquilação do arqui-inimigo da República Islâmica.

"Buscamos a paz para todos, e não temos intenção de entrar em conflito com nenhum país", ele declarou.

O presidente também anunciou a disposição do seu governo de retomar as negociações nucleares com as potências ocidentais, dizendo: "Estamos prontos para interagir com os participantes do acordo nuclear de 2015".

Outras autoridades iranianas de alto escalão e comandantes do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, na sigla em inglês) também estavam sendo excepcionalmente contidos ao manifestar suas intenções de se vingar de Israel pelas ações contra seu país e seus principais aliados, o Hamas e o Hezbollah.

Mas o ataque de Israel nesta sexta-feira (27/9) que matou o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, pode mudar o cenário.

O líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, disse que o ataque "não ficará sem vingança".

Segundo Khamenei, a ofensiva contrária a Israel se tornará "ainda mais poderosa".

Ele disse ainda que, embora a frente de resistência tenha perdido um "porta-estandarte notável" e o Líbano tenha perdido um "líder incomparável", o Hezbollah se tornará mais forte.

·        Relação entre Irã e Hezbollah

O Irã armou, financiou e treinou o Hamas e o Hezbollah, mas os líderes de Teerã contam com o Hezbollah como um importante meio de dissuasão para impedir ataques diretos de Israel ao seu país.

O apoio iraniano tem sido fundamental para a transformação do Hezbollah na força armada e ator político mais poderoso do Líbano desde que o IRGC ajudou a fundar o grupo na década de 1980.

O Irã é o principal fornecedor das armas que o Hezbollah pode usar contra Israel, especialmente mísseis avançados e drones, e os EUA já alegaram anteriormente que o país também disponibiliza cerca de US$ 700 milhões em fundos anualmente.

Na semana passada, Mojtaba Amani, embaixador do Irã no Líbano, ficou gravemente ferido quando seu pager explodiu na embaixada em Beirute. Outros milhares de pagers e walkie-talkies usados por membros do Hezbollah também explodiram em dois ataques que mataram 39 pessoas no total.

O Irã culpou Israel, mas não fez nenhuma ameaça pública imediata de retaliação.

Em contrapartida, quando Israel atacou o consulado iraniano em Damasco, capital da Síria, em abril, matando oito comandantes de alto escalão das Forças Quds do IRGC, o Irã respondeu rapidamente lançando centenas de drones e mísseis contra Israel.

O Irã também prometeu retaliar depois de culpar Israel pelo assassinato do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã, no fim de julho, embora ainda não tenha anunciado nenhuma operação.

Um ex-comandante do IRGC disse à BBC que ameaçar Israel repetidamente, sem cumprir as ameaças, estava prejudicando ainda mais a credibilidade da força entre seus apoiadores dentro do Irã e seus representantes no exterior.

Na segunda-feira (23/9), o presidente Pezeshkian disse a membros da imprensa americana, em Nova York, que Israel estava tentando atrair o Irã para uma guerra.

"O Irã está pronto para aliviar as tensões com Israel e depor as armas, se Israel fizer o mesmo", ele insistiu.

Alguns conservadores linha-dura próximos ao líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, criticaram o presidente por falar em aliviar as tensões com Israel, afirmando que ele deveria reconhecer sua posição e evitar dar entrevistas ao vivo.

Pezeshkian deveria participar de uma coletiva de imprensa em Nova York na quarta-feira (25/9), mas ela foi cancelada. Não ficou claro se ele foi forçado a cancelar por causa de seus comentários.

No Irã, o poder está nas mãos do aiatolá Khamenei e do IRGC. São eles que tomam as principais decisões estratégicas, e não o presidente.

Barak Ravid, um jornalista israelense do site de notícias americano Axios, informou na terça-feira que duas autoridades israelenses e diplomatas ocidentais indicaram que o Hezbollah estava pedindo ao Irã que ajudasse o grupo a atacar Israel. As autoridades israelenses afirmaram que o Irã havia dito ao Hezbollah que "o momento não é adequado", segundo Ravid.

Na semana passada, o apresentador do programa iraniano de televisão Maydan, conhecido por ter vínculos com o IRGC, citou fontes da inteligência iraniana afirmando que Israel também "havia realizado uma operação especial no mês passado, matando membros do IRGC e roubando documentos".

Ele afirmou que a imprensa iraniana havia sido proibida de noticiar o incidente, que supostamente aconteceu no interior do Irã, e que as autoridades estavam tentando controlar a narrativa.

Em resposta, a agência de notícias Tasnim, que também é ligada ao IRGC, negou as alegações.

A República Islâmica se encontra em uma situação precária. O país teme que um ataque a Israel possa provocar uma resposta militar dos EUA, arrastando o país para um conflito mais amplo.

Com uma economia estagnada devido às sanções dos EUA e à contínua turbulência interna, um potencial ataque dos EUA contra o IRGC poderia enfraquecer ainda mais o aparato de segurança do regime, encorajando possivelmente os opositores iranianos a rebelarem mais uma vez.

No entanto, se o Irã se abster de intervir diretamente no conflito do Hezbollah com Israel, corre o risco de enviar um sinal a outras milícias aliadas na região de que, em tempos de crise, a República Islâmica pode priorizar sua própria sobrevivência e interesses, em detrimento dos delas.

Isso poderia enfraquecer a influência e as alianças do Irã em toda a região.

 

¨      'Com ataque a Beirute que matou líder do Hezbollah, Israel deixa Ocidente impotente'

É hora de parar de falar sobre o Oriente Médio estar à beira de uma guerra muito mais séria. Após o devastador ataque israelense que matou o líder do Hezbollah Hassan Nasrallah, parece que a região já foi arrastada para esse cenário.

A série de explosões que atingiram Beirute na noite de sexta-feira (27/9) e na manhã deste sábado (28) foi uma das mais poderosas ouvidas em qualquer uma das guerras do Líbano, me relatou uma amiga que está na cidade.

A morte de Nasrallah foi confirmada pelo Hezbollah em um comunicado, no qual o grupo também prometeu "continuar sua luta" contra Israel e seu apoio contínuo a Gaza e Palestina, defendendo "o Líbano e seu povo firme e honrado".

Segundo os militares israelenses, outros comandantes do Hezbollah também foram mortos durante o que foi descrito como um “ataque direcionado” à sede do grupo em Dahieh, um subúrbio da capital libanesa.

Mas esse não foi o último bombardeio de Israel na sexta. Os militares israelenses anunciaram que continuariam atacando alvos do Hezbollah e as explosões continuaram na manhã deste sábado, com registros de fumaça no céu de Beirute.

Durante a sexta-feira, antes dos ataques, havia esperanças, embora tênues, de que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu estivesse pelo menos considerando discutir uma proposta de cessar-fogo de 21 dias. Ela veio dos EUA e da França e foi apoiada pelos aliados ocidentais mais significativos de Israel.

Mas em um discurso tipicamente desafiador e por vezes agressivo na Assembleia Geral da ONU em Nova York, Netanyahu não falou sobre diplomacia.

Ele disse que Israel não tinha escolha a não ser lutar contra inimigos selvagens que buscavam sua aniquilação. O Hezbollah seria derrotado — e haveria vitória total sobre o Hamas em Gaza, o que garantiria o retorno dos reféns israelenses, afirmou.

Longe de serem "cordeiros levados ao abate" — uma frase às vezes usada em Israel para se referir ao Holocausto nazista — Israel estava vencendo, disse ainda Netanyahu.

O enorme ataque em Beirute registrado pouco depois de ele terminar seu discurso foi um sinal ainda mais enfático de que uma trégua no Líbano não está na agenda de Israel.

Seria viável que o ataque tivesse sido programado para dar sequência às ameaças de Netanyahu de que Israel poderia, e iria, atingir seus inimigos, onde quer que estivessem.

O Pentágono, o departamento de defesa dos EUA, disse que não recebeu nenhum aviso prévio de Israel sobre o ataque.

Uma foto divulgada pelo gabinete do primeiro-ministro em Jerusalém mostrou Netanyahu cercado por equipamentos de comunicação no que parecia ser seu hotel na cidade de Nova York. Segundo a legenda da imagem, trata-se do momento em que ele autorizou o ataque a Beirute.

O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, defendeu as soluções para o Oriente Médio nas quais vem trabalhando por meses. Ele disse que ainda havia espaço para negociação - uma afirmação que parece vazia.

Os americanos têm poucas vantagens para usar contra qualquer um dos lados dessa disputa.

Eles não podem, por lei, falar com o Hezbollah e o Hamas, pois classificam os grupos como organizações terroristas estrangeiras. Com as eleições nos EUA a apenas algumas semanas de distância, a Casa Branca está ainda menos propensa a pressionar Israel do que no ano passado.

Vozes poderosas no governo e no Exército de Israel já queriam ter atacado o Hezbollah nos dias após os ataques do Hamas em outubro de 2023. Eles argumentaram que poderiam dar um golpe decisivo em seus inimigos no Líbano.

Os americanos os persuadiram a não seguir esse caminho naquele momento, argumentando que os problemas que tal ação poderia causar na região compensavam qualquer benefício potencial de segurança para Israel.

Mas, no decorrer do último ano, Netanyahu adquiriu o hábito de desafiar os desejos do presidente Joe Biden sobre a maneira como Israel deve atuar no conflito.

Apesar de fornecer a Israel as aeronaves e bombas usadas no ataque a Beirute, o presidente Biden e sua equipe foram meros espectadores de tudo que aconteceu.

A política do líder americano no último ano, como um apoiador vitalício de Israel, foi tentar influenciar Netanyahu mostrando solidariedade e apoio, entregando armas e proteção diplomática.

Biden acreditava que poderia persuadir Netanyahu não apenas a mudar a maneira como Israel estava agindo — o presidente americano disse repetidas vezes que o país estava impondo muito sofrimento e matando muitos civis palestinos — mas a aceitar um plano americano para o futuro que se baseava na criação de um Estado palestino independente ao lado de Israel.

Netanyahu rejeitou a ideia de imediato e ignorou o conselho de Joe Biden.

Após o ataque a Beirute, Blinken repetiu seu argumento de que uma combinação entre dissuasão e diplomacia havia evitado uma guerra mais ampla no Oriente Médio. Mas, à medida que os eventos fogem do controle dos EUA, ele está cada vez menos convincente.

Grandes decisões estão por vir. Primeiro, com ou sem Nasrallah, o Hezbollah terá que decidir como usar seu arsenal de armas restante. Eles tentarão organizar um ataque muito mais pesado contra Israel? O grupo pode entender que, se não usar seus foguetes e mísseis que ainda estão armazenados, Israel vai causar ainda mais destruição do seu lado da fronteira.

Os israelenses também devem tomar decisões com consequências importantes. Já se fala sobre uma operação terrestre contra o Líbano e, embora ainda não tenha mobilizado todas as reservas de que pode precisar, uma invasão está na agenda de Israel.

E alguns no Líbano acreditam que, no caso de uma guerra terrestre, o Hezbollah poderia anular algumas das forças militares de Israel.

Diplomatas ocidentais, entre eles os aliados mais fiéis de Israel, esperavam acalmar as coisas, instando Israel a aceitar uma solução diplomática.

Eles agora observarão os eventos com consternação e também com uma sensação de impotência.

 

Fonte: BBC News

 

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