‘Internet subterrânea’: como funciona a
rede de comunicação silenciosa das plantas
Esta manhã, minha
filha de seis anos entrou em nosso quarto e começou a ler uma história de um
livro. Ela leu cada palavra na página, formando lentamente frases completas. Às
vezes, tropeçava e pedia ajuda com algumas “palavras engraçadas”, mas, no final
do livro, nos contou uma história sobre um urso na neve.
A comunicação verbal é
um dos muitos motivos pelos quais os seres humanos se tornaram tão
bem-sucedidos como espécie. Desde avisar uns aos outros sobre o perigo até
comunicar informações complexas, nossa capacidade de falar tem sido crucial.
Mas, não foram apenas
os seres humanos e outros animais que desenvolveram uma comunicação
sofisticada. Muitas pessoas pensam que as plantas são passivas, mas elas têm
sua própria maneira de interagir umas com as outras. A ideia já existe há algum
tempo e até inspirou filmes de Hollywood como “Avatar” (2009, de James
Cameron).
A ciência recente está
mostrando que os sistemas de comunicação das plantas podem ser mais complexos
do que imaginávamos.
Essas redes de
comunicação são sensíveis e estão em equilíbrio. Imagine como nosso mundo seria
perturbado se os sistemas de rede global sofressem uma pane repentina. As
recentes interrupções de TI da empresa CrowdStrike são apenas um exemplo de
como esses sistemas são delicados e de como a comunicação é importante - e isso
também vale para as plantas.
Para entender como os
organismos que não podem falar transmitem informações uns aos outros, é
importante compreender que os seres humanos também têm um sistema de
comunicação não verbal. Inclui nossos sentidos de visão, olfato, audição,
paladar e tato.
Por exemplo, as
empresas de gás natural adicionam um produto químico chamado mercaptano ao gás
natural, dando a ele aquele cheiro característico de “ovo podre” para nos
avisar sobre vazamentos. Pense também em como desenvolvemos a linguagem de
sinais, enquanto muitas pessoas são leitores labiais habilidosos.
Além desses sentidos,
temos também a equilibriocepção (a capacidade de manter o equilíbrio e a
postura corporal), a propriocepção (o sentido da posição relativa e da força
das partes do corpo), a termocepção (sentido das mudanças de temperatura) e a
nocicepção (capacidade de sentir dor). Todas essas habilidades permitiram que
os seres humanos se tornassem altamente sofisticados na comunicação e no
envolvimento com o mundo natural.
Outras espécies,
especialmente as plantas, usam seus sentidos para disseminar informações à sua
própria maneira.
• O que os vizinhos estão fazendo?
A maioria de nós está
familiarizada com o cheiro de grama recém-cortada. Os voláteis, ou substâncias
químicas, liberados pelas plantas da grama, que associamos a esse cheiro, são
uma maneira de comunicar a outras plantas que um predador - ou, nesse caso, um
cortador de grama - está presente, provocando um ajuste nas defesas. Em vez de
usar sinais auditivos, elas usam comunicação induzida por substâncias químicas.
Entretanto, essa troca de informação não termina com os voláteis.
Recentemente, os
cientistas descobriram como as plantas são bem conectadas e com que eficiência
elas podem enviar mensagens para os pares por meio de suas raízes, e sinais
elétricos, uma rede de fungos subterrâneos e micróbios de solo. A vigilância da
vizinhança da planta foi descoberta.
Por exemplo, a
eletrofisiologia é uma disciplina científica relativamente nova que estuda como
os sinais elétricos dentro e entre as plantas são comunicados e interpretados.
Com os grandes avanços em tecnologia e inteligência artificial (IA), observamos
um crescimento acelerado e significativo nessa área de pesquisa nos últimos
anos.
Os cientistas podem
estar à beira de descobertas notáveis, com avanços recentes que integram a
comunicação dos referidos sinais elétricos em estufas modernas para monitorar e
controlar a irrigação das culturas ou detectar deficiências nutricionais.
Eles conseguem isso
inserindo pequenas sondas elétricas, semelhantes a agulhas de acupuntura, para
testar como as mudanças nos sinais elétricos se relacionam com o desempenho das
plantas, como o transporte de água e nutrientes e a conversão de luz em açúcares
importantes.
Assim, pesquisadores
chegaram a influenciar o comportamento das plantas enviando sinais elétricos a
partir de telefones celulares, fazendo com que elas executassem respostas
básicas, como abrir ou fechar folhas em uma ‘armadilha de Vênus’ (planta
carnívora que abre e fecha as folhas para coletar insetos).
Grande parte da
comunicação ocorre abaixo do solo, facilitada por grandes rede de fungos
conhecidas como “wood wide web” (a rede global florestal, em tradução livre).
Ela conecta árvores e plantas no subsolo, permitindo que compartilhem recursos
como água, nutrientes e informações. Por meio desse sistema, as árvores mais
velhas podem ajudar as mais novas a crescer, e podem alertar umas às outras
sobre perigos, como pragas.
É como uma internet
subterrânea, ajudando-as a se apoiar e a trocar informações. A rede é extensa,
acreditando-se que mais de 80% das plantas estejam conectadas, o que a torna um
dos sistemas de comunicação mais antigos do mundo.
Assim como a Internet
nos permite vínculos, compartilhar ideias, conhecimentos e informações que
podem influenciar a tomada de decisões, a “rede florestal” permite que as
plantas usem fungos simbióticos para se preparar para as mudanças ambientais.
No entanto, a
perturbação do solo por meio de produtos químicos, desmatamento ou mudança
climática pode interromper os nós da comunicação ao afetar os ciclos de água e
nutrientes nessas redes, tornando as plantas menos informadas e conectadas.
Ainda não foram realizadas muitas pesquisas sobre os efeitos da interrupção
dessas redes.
Mas, sabemos que o
comportamento responsivo das plantas, como estratégias de defesa e regulação de
genes, pode ser alterado por sua rede de fungos se elas estiverem conectadas.
Portanto, essa
desconexão de comunicação pode torná-las mais vulneráveis, dificultando a
proteção e a restauração dos ecossistemas em todo o mundo. Ainda há muito que
os cientistas precisam aprender sobre essas ligações altamente complexas
É importante ajudar as
crianças a aprender a ler para que elas possam navegar pelo mundo ao seu redor.
É tão importante quanto garantir que não desconectemos a comunicação com as
plantas. Afinal de contas, dependemos delas para nosso bem-estar e sobrevivência.
Fonte: Por Sven Batke, Edge Hill University, para o The Conversation
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