terça-feira, 1 de outubro de 2024

Como Temer e Bolsonaro contribuíram para atual cenário de pandemia de apostas no Brasil

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou na sexta-feira (27) que o governo de Jair Bolsonaro (PL) falhou ao não regulamentar o mercado de apostas esportivas, como exigido pela legislação da época, e classificou o atual cenário das apostas no Brasil como uma verdadeira pandemia nacional.

Nos últimos cinco anos, o país viu um crescimento acelerado e descontrolado das chamadas "bets" – plataformas de apostas esportivas online. De acordo com Haddad, o aumento da prática tem gerado um impacto preocupante, com consequências significativas para as famílias e a economia do país.

“A lei previa que, durante o governo Bolsonaro, o assunto tinha que ser regulamentado. O Bolsonaro não fez isso. O governo Bolsonaro simplesmente sentou em cima do problema como se ele não existisse”, declarou o ministro.

Haddad se refere à legalização das apostas esportivas no Brasil teve início em 2018, quando o então presidente Michel Temer (MDB) sancionou a Lei 13.756, derivada de uma Medida Provisória originalmente voltada para o financiamento do esporte através de loterias. Durante sua tramitação no Congresso, a proposta foi alterada e acabou abrindo espaço para o funcionamento legal das "bets", que antes eram proibidas.

A lei também estabelecia um prazo para a regulamentação do setor: dois anos, com possibilidade de prorrogação por mais dois. No total, o governo teria até dezembro de 2022 para implementar as regras necessárias para controlar o mercado de apostas. Após a saída de Michel Temer, Jair Bolsonaro assumiu a presidência. No entanto, em 2022, com a proximidade das eleições, Bolsonaro concentrou todos os seus esforços em tentar garantir a reeleição, e ignorou a regulamentação.

"O governo federal não cumpriu o prazo para regulamentar as apostas esportivas de cota fixa. Com as eleições presidenciais no período, o timing se mostrou crítico. Com isso, a disposição para aprovar o regulamento diminuiu substancialmente", destacou a pesquisa realizada pela consultoria Strategy& sobre o setor de apostas no Brasil.

Haddad explicou que a regulamentação das apostas no Brasil só entrou em vigor seis meses após sua aprovação, com a promulgação da Lei 14.790/2023. Segundo o ministro, o governo aproveitou um outro projeto de lei no final de 2022 para incluir o texto da medida provisória (MP) que havia perdido a validade, e fez uma ressalva. "Inseriram no projeto de lei um dispositivo dizendo que a regulamentação só passaria a valer seis meses depois de publicado", afirmou.

"No primeiro semestre do atual governo, nós mandamos uma Medida Provisória para o Congresso Nacional regulamentar e pra botar ordem no caos que se instalou no país com essa verdadeira pandemia. A medida provisória infelizmente não foi votada e caducou", disse, referindo-se à MP 1.1182/2023, editada em julho.

Com a nova lei em vigor, as empresas que desejam operar com apostas esportivas no Brasil precisam se cadastrar e obter autorização do Ministério da Fazenda. Essa licença, válida por cinco anos, tem um custo de R$ 30 milhões. Além disso, as empresas pagarão 12% de imposto sobre o valor total das apostas, e os apostadores, 15% de Imposto de Renda sobre os prêmios.

A nova legislação também impõe restrições à publicidade, proíbe a participação de menores, inadimplentes e pessoas que possam influenciar nos resultados dos jogos, e obriga as empresas a adotar medidas para desestimular as apostas.

O estudo da Strategy& revelou um dado alarmante: as apostas já consomem 76% do que as classes D e E gastam com lazer e cultura. Em outras palavras, muitas pessoas dessas classes estão trocando o cinema e o teatro por jogos de azar. A situação é ainda mais grave entre as famílias mais pobres, onde as apostas consomem 5% do orçamento destinado à alimentação. O levantamento do Instituto Locomotiva mostra que a situação é ainda mais preocupante: 37% dos apostadores já desviaram dinheiro de outras necessidades para apostar, e 45% já tiveram prejuízos com os jogos.

<><> Insanidade: Brasileiros gastarão R$ 216 bilhões com bets em 2024, indica BC

Dados divulgados recentemente pelo Banco Central revelam o que pode ser uma crise de ordem socioeconômica, e de saúde pública, sem precedentes no Brasil: o vício em jogos de azar. Depois que o Congresso aprovou a lei que autorizou a operação das empresas de apostas no país, em dezembro do ano passado, os brasileiros das mais diversas classes sociais estão gastando uma fortuna com esse tipo de “diversão”, mas o torra-torra de dinheiro já traz impactos em vários setores da vida nacional e pode transforma-se, em pouquíssimo tempo, num problema difícil de se resolver.

Segundo os números, só de janeiro a agosto deste ano, a população já gastou R$ 168 bilhões com as tais bets, isso levando em consideração apenas as transações realizadas por Pix. Pelos valores, é possível projetar que os brasileiros deixarão com essas empresas a insana quantia de R$ 216 bilhões até o fim de 2024. As projeções mais “otimistas” dos entusiastas do processo de legalização das bets era de um gasto em torno de R$ 150 bilhões para todo o ano, ou seja, pelo menos 44% acima do que era previsto.

Diversas pesquisas têm mostrado que muita gente está deixando de gastar com itens e serviços essenciais, como alimentação, educação, transporte, lazer e turismo, por exemplo, para destinar o dinheiro à jogatina digital. Um dado também revelado pelo BC assusta: de todo o montante usado pelo Tesouro Nacional às famílias beneficiárias do programa Bolsa Família, que representa R$ 14 bilhões, 20%, ou seja, R$ 3 bilhões, foram gastos com apostas.

O BC também constatou o que as associações ligadas ao comércio e ao varejo já tinha identificado. A inadimplência e o endividamento entre as famílias explodiram no país e a resposta dos cidadãos nesta situação é sempre a mesma: estão gastando com bets.

 

•        Fusões e aquisições de bets movimentam bilhões de reais no Brasil

A maior movimentação do mercado de apostas on-line está acontecendo bem longe dos olhos do público. A poucos meses de entrar em vigor, a regulamentação das chamadas bets acelerou o processo de fusões e aquisições e, segundo estimativas das grandes bancas envolvidas nas negociações, algo entre 15 a 20 marcas devem mudar de mãos até janeiro de 2025, a partir de quando apenas empresas credenciadas pelo governo federal poderão operar no mercado brasileiro.

Uma mostra dessa movimentação aconteceu na semana passada, quando a americana Flutter pagou quase R$ 2 bilhões por uma fatia de 56% da brasileira NSX, dona da marca Betnacional.

Mas é pouco provável que algum novo negócio repita soma tão astronômica. Até porque, há poucas empresas de grande porte disponíveis no mercado. "Diria que encerramos este ano com algo entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões em fusões e aquisições neste setor", calcula André Santa Ritta, associado ao escritório Pinheiro Neto Advogados, numa conta que não considera o negócio bilionário. Só neste ano, o advogado assessorou quatro operações de fusão nesta área. E há mais duas ou três em andamento, segundo ele.

Santa Ritta informa que essa movimentação começou no fim de 2023, quando a lei que regulamenta as bets no Brasil foi aprovada. "E esse processo de consolidação deve se intensificar no próximo ano, com a imposição de uma série de requisitos para quem quiser operar no país".

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"O mercado brasileiro é bastante pulverizado. Fala-se em até 2 mil bets operando por todo o país. Com a nova regulamentação, haverá uma elevação nos custos de operação pois há uma série de políticas de governança que precisam ser atendidas".

<><> Aquisição de marcas e jogadores

A Flutter não é a única gringa a buscar parceiros brasileiros. A britânica Playtech, listada na bolsa de Londres, é uma das maiores fornecedoras de tecnologia para jogos online no mundo - opera em 19 países, tem mais de 7 mil funcionários - e também atua no B2C. Por isso que a companhia desembolsou US$ 5 milhões para comprar 40% do brasileiro Ocean 88 Holdings, dono da marca Galerabet.

Como dinheiro não parece ser um problema para a Playtec - no ano passado a receita na divisão B2B foi de 684 milhões de euros e EBITDA ajustado de 182 milhões de euros, enquanto na divisão B2C a receita da Playtech somou 1,037 bilhão de euros e EBITDA ajustado de 250 milhões de euros -, logo após a compra da Galerabet, a companhia britânica financiou a compra de duas outras marcas: a F12, do ex-jogador de futsal Falcão, e a Inovabet, do influenciador Luva de Pedreiro. Ambas operam no mercado pernambucano. Comprar operadoras locais é importante não só para entrar em mercados regionais, como também para ampliar a base de clientes.

Os negócios vão além de marcar território com marcas no mercado nacional. Débora Sejtman Gartner, sócia da área de M&A do Demarest, informa que há uma grande movimentação no mercado financeiro. A corrida é para ver quem responde pelos recebimentos e pagamentos das apostas.

Pela lei aprovada no Brasil, apenas entidades autorizadas pelo Banco Central podem fazer essas operações. "Antes da regulamentação, essas transações eram feitas a partir de qualquer país - o mais comum é Malta e Curaçau - uma vez que há vários operadores de jogos online com operações fora do Brasil", explica Gartner.

 

•        A proposta da Febraban que pode conter epidemia das bets

A epidemia das bets - jogos de apostas online - chegou ao Palácio do Planalto após o Banco Central (BC) divulgar relatório que aponta que as bets consumiram R$ 3 bilhões dos beneficiários do Bolsa Família.

O relatório do BC também revela que 5 milhões de beneficiários destinaram parte de sua renda para as apostas. O valor total corresponde a 21% dos R$ 14,1 bilhões desembolsados pelo governo federal ao programa – ou seja, a cada R$ 5 pagos, R$ 1 foi gasto em bets.

Diante de tal cenário, em que se observa uma verdadeira epidemia das bets atingindo pessoas de todas as classes sociais, o presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isac Sidney, defendeu que, enquanto não houver regulamentação das apostas online, o pagamento via Pix para apostas online seja suspenso.

O presidente da Febraban, durante entrevista à Folha de S. Paulo, também alertou para a possibilidade do surgimento de uma "bolha de inadimplência" com o avanço das bets.

"Se não for possível proibir de imediato o pagamento com Pix, ao menos que se estabeleçam limites de valores máximos para apostas com Pix, tal como o BC já limita transações à noite", declarou o presidente da Febraban.

<><> Lula quer urgência na regulamentação das bets

Após tomar conhecimento dos dados levantados pelo Banco Central sobre as bets, o presidente Lula (PT) pediu urgência para que alguns ministros preparem um pacote para conter a epidemia dos jogos de apostas online.

A missão deve envolver os Ministérios da Fazenda, Saúde, Desenvolvimento e Assistência Social e Combate à Fome, e a Casa Civil.

De acordo com informações do jornal O Globo, nesta quarta-feira (2), o governo federal deve anunciar um grande pacote de medidas em torno dos caça-níqueis digitais.

Entre as ações do governo Lula, o pacote deve propor restrições às propagandas das bets, entre elas a proibição de citar a chance de ficar milionário com os jogos.

Segundo dados do BC, foram gastos via Pix entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões por mês desde janeiro.

Os dados revelados pelo BC causaram espanto no governo federal, que se preocupa com o endividamento, o vício nas apostas online e o risco crescente de inadimplência nas famílias.

O governo federal também afirmou que, a partir da desta terça-feira (1), apenas as 113 empresas que pediram ao governo autorização para funcionar e que estão seguindo as regras definidas pela Fazenda poderão continuar operando. O Palácio do Planalto estima que existam outras 500 plataformas de apostas online que não possuem autorização e que terão suas atividades encerradas.

<><> Confederação do Comércio pede fim das casas de apostas online ao STF

Preocupada com as apostas esportivas no comércio, a  Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação para questionar a constitucionalidade da Lei das Bets (Lei 14.790/2023) por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). A confederação teme que a nova legislação cause um desvio ainda maior do consumo das famílias, prejudicando o setor varejista.

A CNC argumenta que a proliferação das apostas online está gerando um ciclo vicioso de dependência, especialmente entre os mais vulneráveis, o que resulta na redução do consumo de bens essenciais e impacta diretamente o setor varejista. Essa situação levou a CNC a revisar para baixo sua projeção de crescimento do comércio em 2024, de 2,2% para 2,1%.

A confederação estima que as apostas online possam causar um prejuízo anual de até R$ 117 bilhões ao setor. Além disso, a ADI destaca a crescente preocupação com o envolvimento de menores de idade nessas atividades, facilitado pelo acesso fácil a plataformas de apostas por meio de celulares e aplicativos.

A ação ressalta a ausência, na legislação em questão, de mecanismos efetivos para prevenir e tratar o vício em jogos, o que tem acarretado um aumento significativo no endividamento familiar e na incidência de transtornos psicológicos relacionados ao jogo compulsivo. Essa omissão, segundo a CNC, viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, uma vez que expõe parcela considerável da população a riscos à saúde mental e financeira, comprometendo sua qualidade de vida. Além disso, a proliferação do jogo patológico tem impacto direto na ordem econômica, ao desviar recursos do consumo de bens e serviços essenciais.

Um estudo inédito da Confederação revelou um cenário alarmante: os brasileiros gastaram cerca de R$ 68 bilhões a apostas online no último ano, o equivalente a 22% da renda disponível das famílias nesse período. Esse montante expressivo, além de comprometer o orçamento familiar, gerou uma onda de inadimplência, com mais de 1,3 milhão de brasileiros inadimplentes em decorrência do vício em jogos de azar.

 

Fonte: Fórum/Agencia Estado

 

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